Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Jardins De Histórias
Jardins De Histórias
Jardins De Histórias
E-book349 páginas3 horas

Jardins De Histórias

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

Texto em que o autor compila várias tentativas de romance. Inicia, mas não conclui nada. Ele apenas propõe, estimula, traça rumos. Semelhante a mudas de plantas que as pessoas compram e depois desenvolvem trechos de jardim ou jardins completos. Essa é a razão do título. A semelhança também ocorre com a vida das pessoas, que não chegam a realizar todas as propostas, porque, de uma hora para a outra, somem do convívio das demais pessoas porque morrem. A realidade é, pois, de incompletude. A imaginação é mais proposta do que conferida, porque, na incompletude, cada um imagina no terreno que foi semeado aquilo que a ficção pode determinar. O próprio autor é da opinião de que a realidade é mais pobre do que a ficção, porque a realidade é una, a ficção é absolutamente múltipla.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento6 de dez. de 2018
Jardins De Histórias

Leia mais títulos de Claudionor Aparecido Ritondale

Relacionado a Jardins De Histórias

Ebooks relacionados

Religião e Espiritualidade para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Categorias relacionadas

Avaliações de Jardins De Histórias

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Jardins De Histórias - Claudionor Aparecido Ritondale

    Explicação inicial

    Tantas são as histórias, para um jardim imenso.

    Começar com um evento infausto ou com uma

    alegria é indiferente aos caprichos da Natureza. No Brasil, de onde escrevo, alguém um dia compôs um verso para uma canção popular que dizia que era preciso cantar e alegrar a cidade. De um filme, que vi outro dia, alguém concluía que o jardim era a própria felicidade.

    Em palavras, compor um jardim é algo improvável, apenas reconhecer como a busca de Mallarmé por uma palavra única que pudesse resumir a poesia na palavra

    ‘jardim’ seria a meta alcançada. De fato, em várias mitologias, o lugar das delícias, o paraíso possível, é um jardim.

    Algo pitoresco para iniciar a construção de um jardim literário é mostrar algumas histórias. O desfile de incompletudes pode parecer insatisfatório, mas o jardim é dinâmico, vivo, mutante, não se completa num final de arte comum, é memória de momento, passa e segue vivendo. Comecem, então, as histórias em jardim literário, ou seja, textos que se pretendem ser como grupos de flores e folhas em organização humana possível!

    9

    Veleidades

    O cidadão se pretendia um romancista, talvez pelo prestígio que possa dar a uma pessoa ter sido autor de um romance que seja. Há casos de quem se celebrizou apenas por ter escrito um que virou famoso.

    Há casos de quem tenha ‘emplacado’ mais de um, mas o importante é ter rido um.

    A história do sei lá que adjetivo propor a ele, que é um pacato pequeno burguês brasileiro que escreve solitário suas ideias, após um divórcio movido pela ex-esposa, que dele não pediu nada a não ser a distância.

    Não teve filhos, machadianamente isolado por sua já distância no casamento de tudo e de todos. Como não existe, oficialmente, no Brasil a profissão de escritor, com a qual ele sonhara sem nenhum propósito prático de que ela existisse em sua vida, apenas em delírio de vaidade pura, ele exercia um ofício muito bom para a sobrevivência, mas que era para ele um desencanto. A atividade de escrita começou após ter havido a derrocada de sua vida, como num conto de Dalton Trevisan um pouco piorado pela realidade. Não havia o exagero dramático do curitibano autor de histórias quase crônicas de uma capital meio suburbana do Brasil, que ele pessoalmente achava metida a besta, segundo interpretava o escritor pós-trauma de separação.

    Parecia que era indiferente a existência de qualquer outra pessoa, mas a saída de sua esposa de seu cotidiano já muito insosso revelou a ele a importância 10

    de estar no mundo, algo que ele desprezava, mas que viu ser a matéria-prima para sua possível invenção literária.

    Se alguém quiser saber algo do não prestigiado escritor, ele, antes de começar suas tentativas de escrever um romance, foi um funcionário de um cartório, um burocrata, mediano em tudo. Casou-se com uma colega, ambos por falta de opção melhor, até ela decidir que era enfadonho demais viver com alguém ainda mais tedioso do que ela mesma. O casamento durou uns 6 anos, não tiveram filhos, o cidadão era interessado no começo, mas depois caiu na própria mesmice da profissão que exercia. A ex-esposa desistiu do tédio do cartório e rumou para outras aventuras, dedicando-se a uma área que julgou mais interessante, ao conhecer, na recepção do cartório, alguém sedutor que a atraiu para outra área – o ex-marido até sabia qual era, mas não tocava no assunto, porque lhe trazia uma sensação absoluta de fracasso.

    O curioso é que o divórcio lhe dera a oportunidade de ficar na mais absoluta solidão em seu apartamento. Quando dividia o espaço de trabalho e o convívio doméstico com a esposa, ele não se sentia na obrigação de ir além de sua mesmice, mas, assolado pela solidão, teve que encontrar algum afazer. E a arte surgiu-lhe num acaso: ele saíra uma noite para ir a uma locadora de filmes e pegou algum que era baseado em um livro da literatura de algum país, daí o nosso herói, 11

    numa conversa com o funcionário da locadora, teve a opinião do outro que a obra em texto seria bem melhor do que sua adaptação para o cinema. Ele resolveu procurar o livro, começou a lê-lo e teve despertada a vontade súbita de tentar fazer algum romance. Daí surgiu a atividade que dividia com sua rotina de burocrata.

    O nome do nosso herói é irrelevante, ele gostava de que o chamassem pelo pseudônimo que adotou como autor de seu romance ou de seus romances, porque não se contentaria em propor um, mas muitos ao mundo. O falso nome que escolhera para si era Veiga.

    Não tinha nada a ver com algum nome de família, dele ou de alguém próximo, ele simplesmente subtraíra o nome de um autor brasileiro que ele também conheceu por acaso.

    Começou a se intitular Veiga, literariamente. No dia a dia do cartório, era a sua própria pessoa, já que seus dotes de escritor ainda não compartilhava com absolutamente ninguém além de si mesmo.

    Veiga pensou em muitas coisas para iniciar.

    Certa feita, um cliente veio ao cartório e lhe deu um cartão dizendo ser corretor de imóveis. Ele tinha interesse em se mudar para um apartamento menor, porque o que lhe deixara a ex-esposa, totalmente desinteressada em qualquer bem material após a separação, era muito grande para ele apenas. Nas 12

    conversações com o corretor, surgiu a ideia que o outro profissional lhe passara de que gostaria de escrever histórias com fundo policial sobre um fulano que gostava

    de

    escrever

    acrósticos.

    Veiga

    ficou

    entusiasmado, andou pesquisando o tema e iniciou sua primeira tentativa de romance.

    Início de romance 1: A de

    acróstico

    I

    A história começa com um apaixonado por acrósticos. Curiosamente, à diferença de tantos que no Brasil enveredam por áreas voltadas para a especialidade que conhecemos como ciências humanas, o nosso apaixonado por acrósticos era um dedicado cultivador dos esportes, na sua vida profissional. Não tinha conseguido ser atleta, mas acabou sendo um preparador físico. Enveredou por uma especialização em que o país seria competitivo em Olimpíadas, o judô. E

    tivera sucesso: fora até preparador físico da seleção de judô que se estivera nas Olimpíadas de Seul. Estava lá entre tantos o professor Damásio Ferreira. Os acrósticos eram sua distração. A ideia de compô-los auxiliava a desfazer muito de sua ansiedade, dava-lhe um gosto por ver palavras ajustarem-se e fazia-o adestrar-se na única coisa da literatura que lhe interessou desde o tempo do 13

    ensino médio: a poesia, ainda que numa modalidade muito particular.

    Ninguém sabia dessa sua mania. Damásio, em verdade, sempre fora muito solitário, apesar de não ser o tipo introvertido. Como fanático por esportes e necessitando de comunicar-se com muita gente porque era professor, exatamente aquele professor de que quase ninguém se esquece, que é o de educação física, ele mantinha muitas relações com pessoas, mas, para resguardar-se de tanta agitação cotidiana, reservava-se o direito de tramar suas esquisitices sozinho – assim ele pensava.

    Os acrósticos iam acontecendo, não eram lá brilhantes aos olhos de críticos, talvez. Ele mesmo não via muitos poetas que faziam essas tentativas. Julgava-se às vezes original porque, com aquela mania, juntava formações que até nomes famosos rejeitavam. Ele nem queria saber se aquilo era literariamente bom ou não, para ele importava o fazer solitário. Não havia necessidade de ninguém conhecer aquela mania, ele escrevia para ele.

    Sua primeira tentativa de expressar-se, assim, entretanto, fora para outra pessoa. Curiosamente não foi em um poema, mas em uma carta. Não era uma carta de amor, era uma tentativa de aproximar-se de uma jovem que conhecera numa edição dos Jogos Abertos do Interior. Ele seguira com a delegação de São Caetano do 14

    Sul, onde ele iniciara na função de apoiador de delegação – não existia a profissão, com tal nome, mas era o que ele fazia. Estava no primeiro ano de faculdade, recebera um convite de um professor, ficara entusiasmado, entrara na equipe de apoio. Ele mandara uma carta em que a letra inicial de cada parágrafo compunha a afirmação Eu gostei muito de você. O

    difícil foi iniciar uma frase final em que o e fosse acentuado.

    A impressão da garota, que era da cidade de Franca. Os Jogos daquele ano seriam realizados em Ribeirão Preto, mas ele já conhecia a garota de alguns anos antes, precisamente de quando ele contava 11

    anos de idade e ela, 10. Fora na cidade de Franca, quando os jogos tinham se realizado lá. Ele acompanhara seu pai, que naquela época morava na cidade e fora assistir a alguns jogos. A menininha, já muito apreciadora de esportes, acompanhava também seus pais, que tinham travado conversa com os pais de Damásio, no meio da torcida. O pai de Damásio, sem ter uma cidade para quem torcer, passou a vibrar por Franca. Enquanto os pais torciam, os pequenos ficavam brincando e contando coisas de criança. Damásio já experimentou sua primeira paixão por aquela menina que julgou ser absolutamente linda. Marion era seu nome. Na época ele mal pensaria em escrever alguma coisa a ela, mas quando a reviu em Ribeirão Preto, com 17 anos, ainda mais linda e praticamente mulher feita, 15

    seus hormônios obrigaram-no a pensar em vencer sua estúpida timidez para assuntos sentimentais. Desde cedo constatara o que um professor vivia dizendo: mesmo os mais extrovertidos são tímidos para algum tipo de assunto. O dele era, definitivamente, o coração.

    A frase escolhida para o acróstico na carta que escrevera a Marion, após o término dos Jogos de Ribeirão Preto, em que cada um teria que voltar para sua vida – ele, para São Paulo; ela, para Franca –, tinha cada letra iniciando um parágrafo. Ela foi respondida com agradável surpresa pela apaixonante e maravilhosa criatura. Só que ela, além de responder, que também havia gostado muito dele, dizia que já tinha namorado.

    O mais cretino era que a palavra namorado vinha entre aspas, justamente para desanimá-lo de qualquer coisa. Ele ficara muito passado com aquilo, porque havia tido conversas ótimas – especialmente para um tímido contumaz como ele – com a jovem durante os Jogos. Foi tudo muito breve, ele não pôde ficar para a festa de encerramento, não curtiu como gostaria de curtir a companhia da beldade. Soube que ela gostaria de estudar enfermagem, ficou com aquela informação retida na mente.

    Passou a torcer para que ela ficasse na capital.

    Julgou que a carta, mesmo com a criativa sugestão do acróstico, não tivesse sido suficiente como argumento para que ela se convencesse a realmente gostar dele, desprezando até o namorado. Ele não queria pensar 16

    muito naquilo, mas sempre, ainda que houvesse boas notícias a marcar sua trajetória de vida dali para frente, fazia-o de forma a odiar o cidadão entre aspas.

    O poeta Vinícius de Moraes, grande herdeiro da capacidade dos seresteiros de produzir versos de amor, ensinara-lhe que uma das funções da poesia era nada mais nada menos do que conquistar as mulheres. Um professor de literatura havia dito enfaticamente isto em uma de suas aulas. O miserável era um estraçalhador de corações. Fazia um sucesso gigantesco com as mulheres, tinha um talento incrível para seduzir. Como ele não tinha interesse em decifrar formas mais apuradas de poesia – até mesmo achava os poemas que julgava maravilhosos de Vinícius como inatingíveis para sua modesta condição de ajuntador de palavras –, ficou mesmo com os acrósticos.

    E, ao juntar a ideia de Vinícius (verdadeira ou não: o professor, no entanto, fora enfático, e, pelo visto, para o professor aquilo sempre funcionava) à de alterar o formato de parágrafos para versos, compôs mentalmente um acróstico para ela. O fulano entre aspas certamente atrapalharia os planos de comunicação escrita da obra à amada – ele poderia lê-la no lugar da jovem. A raiva incontida de Damásio contra ele fez com que ele pretendesse quando pudesse, na primeira oportunidade a sós com ela, dizer-lhe o acróstico, sem a mesma óbvia funcionalidade porque as primeiras letras não seriam vistas, quando muito 17

    percebidas se ela atentasse para isso – aí, obviamente, a graça não seria a mesma, em virtude de se quebrar a surpresa (com um aviso antecipado, por exemplo).

    Importava saber o conteúdo dos versos e complementá-

    los com a chave de ouro que seria o acróstico, o qual ficara guardado desde Ribeirão Preto, estava sempre com ele sufocado na memória, à espera de uma possível oportunidade.

    E ela surgiria justamente em Seul. Antes, porém, estava a euforia de Damásio a manifestar-se como ele sabia fazer: por meio de um acróstico. Somente às grandes conquistas, / Elementos magníficos se juntam,

    / Unicamente para superar / Limites traçados pelos deuses. Estava lá: SEUL.

    Comemorou o feito poético, sua mania de adolescente, numa composição curta, mas que expressava seu humor diante do convite que imediatamente aceitou para acompanhar a delegação de judô às Olimpíadas de Seul. O destino lhe proporcionaria outras aventuras que lhe trariam uma completa alteração em sua vida, algo que resultaria em um transtorno total em sua personalidade. A partir de Seul, ele provaria o gosto completo de um amplo, lento e progressivo processo de vingança.

    18

    II

    Como o voo para Seul fosse demorado, até havia tempo, mesmo com um razoável desconforto, para um sono, que não seria reparador, mas serviria para, ao menos, aliviar em parte o tempo da viagem.

    De repente, viu-se em 2012, no dia anterior à data marcada para o final do mundo segundo o calendário antigo dos maias. O dia tinha algo de curioso: 21 de dezembro, ou 21/12/2012. Não entendia direito o que seria aquilo, porque apenas lera vagamente sobre a profecia maia, ficara intrigado, embora não acreditasse naquilo. Acabara de ouvir no rádio e na televisão que aquele seria o dia do fim do mundo. Muita gente desdenhava do momento, até que, por volta das 12

    horas, um abrupto escurecimento pôs pânico em todos os que estavam no local onde ele também se encontrava. Era um local público, junto a um prédio de apartamentos que estava para ser lançado, algo como um plantão de imobiliária.

    Todos ali ficaram assustados com a escuridão completa em pleno dia, numa espécie de antecipação brutal da noite, embora com um mergulho muito mais profundo nas trevas. Algumas lanternas acenderam-se, gente descia assustada a pequena escadinha de acesso ao estande montado. Todos pareciam se perguntar o que era aquilo. Um ex-pastor começou a rezar pedindo que, se realmente fosse o último dos dias dos homens 19

    na Terra, que ao menos o sofrimento fosse abrandado.

    Ele pedia a misericórdia de Deus.

    Damásio estava atordoado, em completa

    angústia. Estava diante do prédio, com um monte de gente assustada, num início de tumulto nas ruas próximas. De um albergue de mendigos ali próximo saíra um contingente enorme de esfarrapados a clamar também por misericórdia divina. Muita gente chorava, carros não engrenavam, em poucos minutos uma intensa gritaria tomava conta da enorme cidade de São Paulo. A agonia parecia aumentar. As portas dos estabelecimentos comerciais fechavam-se, ninguém queria sair à rua, mas ninguém sabia direito se ficava em casa ou não.

    Energia elétrica não havia em lugar nenhum.

    Nada funcionava, somente as insistentes lanternas, ele não sabia explicar o porquê. O mistério de não ver nenhum automóvel funcionando, apenas diversas lanternas, transformava a espécie humana em um bando de vaga-lumes.

    Do nada surgiu um absurdo clarão no horizonte.

    O ex-pastor logo anunciou: Irmãos, é chegado o fim.

    Uma completa explosão fez Damásio dar um salto da cadeira do avião e constatar seu pesadelo em meio a uma forte turbulência de que felizmente o avião saía naquele momento. As comissárias de bordo acalmavam a todos, houve gente que precisou de remédio, foi um 20

    grande susto. Para Damásio, restou um suspiro profundo de alívio, depois um sorriso meio azedo de quem parecia ver-se na vida real, agora longe de sonhos macabros.

    Damásio estava um pouco distante do resto da delegação, porque não conseguira um banco no avião que fosse mais próximo. Tentou trocar com alguém, mas sempre havia algum inconveniente, ou ele mesmo não teve jeito para pedir alguma troca. Depois de acordar sobressaltado, viu que alguém a seu lado lia algo a respeito de literatura. Era um artigo justamente sobre acrósticos. Bisbilhotou o artigo e logo ouviu do vizinho de banco de que se tratava:

    – Estou lendo sobre Camões, numa passagem curiosa em que o articulista fala que ele compôs um acróstico bastante curioso, que é na verdade um duplo acróstico. O senhor sabe o que é um acróstico?

    – Sei, sim, mas não sabia que Camões havia composto acrósticos, tampouco sei o que é um duplo acróstico.

    O fulano mostrou-lhe o artigo, revelou-lhe o acróstico de Camões, contou-lhe como chegara a desvendá-lo, porque realmente era mais complicado do que os acrósticos comuns.

    21

    Vencido está de amor meu pensamento, O mais que pode ser vencida a vida, Sujeita a vos servir e instituída, Oferecendo tudo a vosso intento.

    Contente deste bem, louva o momento Ou hora em que se viu tão bem perdida; Mil vezes desejando a tal ferida, Outra vez renovar seu perdimento.

    Com esta pretensão está segura A causa que me guia nesta empresa.

    Tão sobrenatural, honrosa e alta, Jurando não seguir outra ventura, Voltando só para vós rara firmeza, Ou ser no vosso amor achado em falta.

    22

    Ele revelou a Damásio a frase Vosso como cativo, mui alta senhora.. Camões compôs um duplo acróstico, porque começou a fazer o acróstico com o início de cada verso do soneto, continuando a fazê-lo a partir da segunda parte de cada verso, criando dois hemistíquios em cada verso, numa trama complexa. A sequência de letras não compõe um acróstico no português atual, mas é perfeitamente dedutível a partir das oscilações da época de Camões, em que o português se afirmava como língua de cultura. Aliás, fora ele, Camões, quem dera o primeiro grande passo para afirmar o português como língua diferenciada do latim, ao apresentar seu poema épico Os Lusíadas em português muito elaborado, como sendo uma enorme prova da condição do português como língua de expressão. Justamente o português moderno surgiu com o grandíssimo poeta Camões. O Vosso está com apenas um s (Voso), o j inicial é entendido como

    i, dada a oscilação com o latim. O v inicial em

    vencida a vida (segundo hemistíquio do segundo verso) é interpretado como u, dada também a oscilação no latim entre essas duas letras.

    Tudo isso o rapaz explicava a Damásio. Eles acabaram inevitavelmente enveredando pela utilização daqueles estudos sobre acróstico. Damásio, porém, nada revelava sobre a coincidência de ele também gostar

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1