O princípio da fraternidade: uma construção para o direito brasileiro
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O princípio da fraternidade - Wagner Felipe Macedo Vilaça
1 A FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DO PRINCÍPIO DA FRATERNIDADE NO DIREITO BRASILEIRO
Certamente, a maior dificuldade numa obra é delimitar-se o seu ponto de partida. Optou-se por demonstrar a fundamentação jurídico-constitucional do princípio da fraternidade, no Direito brasileiro, como também sedimentar o entendimento de que a fraternidade é um princípio constitucional, com base no preâmbulo da Constituição de 1988.
Afirma-se que a fraternidade é o princípio pelo qual se faz o equilíbrio de direitos de liberdade, com os de igualdade, primando pela continuidade da vida social de forma harmônica, pacífica e duradoura e promovendo, ainda, a dignidade da pessoa humana. Dessa forma, o início da jornada deve se dar na exposição sobre a aproximação entre Direito e Moral, no constitucionalismo contemporâneo. Isso porque a fraternidade nada mais é do que uma atitude relacional entre as pessoas, construída a partir de um conceito de Moral, que se consubstancia no Direito, a partir de um princípio jurídico.
Em seguida, neste mesmo capítulo, defende-se a normatividade do preâmbulo da Constituição, e, por último, faz-se uma diferenciação entre os termos fraternidade, solidariedade e tolerância.
A partir desses apontamentos, e, uma vez sedimentada a possibilidade normativa da fraternidade, são apresentados os estudos sobre a sua construção semântico-normativa (como princípio constitucional brasileiro) e sua função jurídica.
1.1 DO DIREITO E DA MORAL NO CONSTITUCIONALISMO CONTEMPORÂNEO
A Moral foi posta em segundo plano pelo Direito por muito tempo, principalmente no movimento de positivação, em que se acreditava que a Moral seria importante apenas como fonte de construção da norma jurídica. Uma vez posto o comando legal, bastava a análise da tipificação no caso concreto, não restando espaço de avaliação da moralidade do ato cometido pelo agente.
Este descompasso se deu pela dificuldade em se conceituar o que é Moral e definir a sua aplicabilidade, cientificamente. Ao Direito Positivo, que comporta apenas o sistema de afirmação/negação próprio da ciência moderna, não haveria espaço para a Moral. Assim, a resolução do caso concreto ficava adstrita à análise normativa.
Dworkin (2002) esclarece bem este ponto ao conceituar as regras: "as regras são aplicáveis à maneira do tudo-ou-nada. Dados os fatos que uma regra estipula, então ou a regra é válida, e neste caso a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso em nada contribui para a decisão" (p.39).
A tarefa do julgador, no Direito Positivo, se resume, portanto, à moldagem do caso concreto à norma ou da escolha do melhor comando normativo para a resolução da situação-problema apresentada.
Em que pese a doutrina construída pelo Direito Positivo, Dimoulis (2006) assim escreve sobre o conceito de Moral, entrelaçando-a com a própria definição de justiça:
Em torno da definição da justiça e da moral se desenvolvem intermináveis controvérsias. Mesmo assim, a maioria dos doutrinadores modernos considera que a questão da justiça se confunde com a questão da moral. A moral estabelece os comportamentos justos
, ou seja, os comportamentos adequados e aceitos em determinada sociedade. Nesse sentido, a moral impõe aos membros da sociedade determinados padrões de comportamento, seguindo o critério do justo. Por sua vez, a pessoa que é moralmente correta deve fazer o justo adotando regras de comportamento conforme o ideal da justiça social.
Em palavras mais simples, a moral se identifica com a justiça porque nunca aquilo que é imoral pode ser considerado justo, nem aquilo que é visto como injusto pode ser considerado como moralmente correto (p. 16-17).
Para o autor, verifica-se que Justiça e Moral se relacionam em um comando ético interno ao sujeito, mas que será analisado pelo próprio agente e pela sociedade como um todo. A avaliação sobre a adequabilidade moral (ou justa) do ato dependerá dos costumes e da cultura daquela sociedade, inserida no espaço e tempo.
Considerando-se a complexidade do mundo, não há que se falar em isolamentos de sistemas e incomunicabilidade de dimensões humanas. Percebe-se que a Moral não pode ser distanciada do Direito, como defendido no positivismo. Segundo Ferreira (2002):
Só é possível pensar numa consciência moral (que é, como diz Padre Vaz, o santuário mais íntimo do nosso ser
) em comunicação objetiva se se postula a existência de valores comuns derivados de uma estrutura ética comum (e universal). O ponto de chegada da objetividade do produto de várias consciências que se encontram relacionadas, efetivamente juntas em função de sua estruturação universal comum, é o direito, seja entendido especificamente como corpo de normas, seja como postulado universal da necessidade de objetivação de normas exigíveis, garantidoras de valores universais (p.157).
O Direito sempre foi indissociável da Moral. Isso porque os padrões jurídicos que são estabelecidos para o dever ser são formados a partir de uma construção moral. Da mesma forma, a organização do sistema também deriva de um mandamento moral. Contudo, apenas no constitucionalismo contemporâneo (ou neoconstitucionalismo) considera-se a reaproximação entre a Moral e o Direito, pelo reconhecimento do uso de um pelo outro de forma intermitente e não apenas na elaboração do sistema.
Ademais, principalmente após a Segunda Guerra mundial, ficou evidenciado que, nem sempre, uma conduta legalmente tipificada é justa (ou moralmente aceita). Da mesma forma, é facilmente perceptível que a moralidade de uma determinada conduta, frente a um ato normativo, poderá ser questionada pelo intérprete de forma diversa daquela estabelecida pela lei.
Barroso (2015), em seu artigo intitulado Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito, escreve que o neoconstitucionalismo é marcado por diversas transformações e visto "como marco filosófico, o pós-positivismo, com centralidade dos direitos fundamentais e a reaproximação entre Direito e ética" (p. 15).
Esta infusão da Moral no Direito é chamada de tese da conexão, por Dimoulis (2006):
A tese da conexão entre direito e moral caracteriza as abordagens moralistas. Seus partidários entendem que o operador do direito deve harmonizar os preceitos morais com as normas jurídicas, já que a finalidade do sistema jurídico é encontrar em cada caso uma solução justa e aceita pelos membros da sociedade. Segundo essa visão, o direito não é simplesmente um conjunto de normas criadas pelo legislador, mas integra os mandamentos morais aceitos pela sociedade.
A abordagem moralista chega a duas conclusões. Em primeiro lugar, sustenta que a uma norma jurídica é válida somente quando respeita princípios básicos da moral. Em caso de forte contradição entre a norma jurídica e as exigências de justiça, a norma deve ser considerada inválida. Esse é o moralismo da validade, que faz depender a validade de uma norma jurídica de sua concordância com as exigências básicas da moral.
Em segundo lugar, os moralistas sustentam que o direito deve ser interpretado em conformidade com os preceitos morais. Fica a cargo do intérprete e, sobretudo, do juiz a harmonização das normas em vigor com as exigências da moral e com os ideais da justiça. Esse é o moralismo da interpretação que propõe interpretar e aplicar as normas jurídicas segundo exigências morais (p. 21-22).
Assim, a Moral pode ser utilizada pelo Direito, seja para controle de justiça de determinada lei existente ou para a sua aplicabilidade no caso concreto. Logo, a Moral é fonte do Direito na criação e elaboração de novos comandos normativos; afinal, sempre patente a figura da justiça (do agir de forma justa), quando se trata da Moral. A necessidade de que o Direito reflita comandos morais também é discutida por Dimoulis (2006):
Dessa maneira, um dos principais problemas da teoria e da filosofia do direito envolve as relações entre o comportamento legalmente imposto (ou permitido) e o comportamento que é considerado moralmente justo. O que deve acontecer quando uma norma jurídica se revela injusta, ou seja, quando essa norma contraria as opiniões da sociedade sobre o correto e o adequado? O que deve fazer o intérprete do direito quando as normas em vigor levam a resultados injustos ou inaceitáveis? O que deve ocorrer quando o direito do passado passa a ser considerado como injusto ou imoral? Deve ser punido quem criou e aplicou esse direito tido como injusto? (p. 17).
Diante do que foi exposto, não há que se pensar sobre a autossuficiência do Direito para resolver as situações-problema que lhe são postas, com base apenas na normatividade positivada. Há que se considerar a abertura jurídica também para a análise moral (mesmo que essa também seja positivada, através de princípios).
Todavia, o Direito não reproduz a Moral individualmente considerada, mas sim aquela construída a partir de um consenso social:
Em termos comparativos, consciência moral é estritamente individual, enquanto a consciência jurídica tem uma dimensão social, apresentando-se como extensão da consciência moral dos indivíduos, exceto se se tratar, conforme esclarece, de uma consciência jurídica que poderíamos chamar positivista, no sentido de conhecedora de leis e códigos. Não podemos falar numa consciência moral pública, pois a sua natureza encontra-se no indivíduo. Há na verdade uma extensão analógica da consciência moral à sociedade. Aqui aparece a consciência jurídica, que tem sua natureza na sociedade, visto que esta é que estabelece leis e normas (FERREIRA, 2002, p. 161).
A Moral de que o Direito se utiliza parte de um consenso formado em meio à sociedade, passando a ser chamada de consciência jurídica. Portanto, no momento da aplicação do Direito, não será considerada a consciência individual do agente, mas sim uma construção que é social. Habermas (1997) assim escreve sobre a aproximação entre Direito e Moral:
A questão acerca da legitimidade da legalidade fez com que o tema do direito e da moral predominasse. Esclarecemos como o direito, exteriorização de modo convencional, e a moral interiorizada se complementam. Porém não nos interessamos apenas nessa relação complementar, e sim entrelaçamento simultâneo entre moral e direito. Esse resulta do fato de que, nas ordens do Estado de direito, lança-se mão de meios do direito positivo, a fim de distribuir os pesos da argumentação e institucionalizar caminhos de fundamentação abertos a argumentações morais. A moral não paira mais sobre o direito, como sugerido pela construção do direito racional, tido como uma série de normas suprapositivas: ela emigra para o direito positivo, sem perder sua identidade. No entanto, a moralidade, que não se contrapõe simplesmente ao direito, uma vez que se estabelece no próprio direito, é de natureza puramente procedimental: ela se despojou de todos os conteúdos normativos determinados, sublimando-se num processo de fundamentação e de aplicação de possíveis conteúdos normativos. De sorte que o direito e a moral procedimentalizada podem controlar mutuamente (p. 218).
Nesse sentido, a Moral não seria utilizada pelo Direito apenas para a elaboração de novas leis, mas também no ato da aplicação do próprio Direito, de forma procedimentalizada, a fundamentar os atos decisórios. Este reflexo da Moral no Direito não faz com que a primeira perca a sua identidade e essa utilização procedimentalizada pode ser feita através dos princípios. Isso porque sempre existirão normas básicas que deverão ser aceitas por todos. Tais normas compreendem os valores mais estimados pela comunidade, que devem ser respeitados para a conservação da vida em comunidade. Esses valores supremos são os princípios.
Alexy (2011) estabelece que os princípios sejam, ao mesmo tempo, jurídicos e morais:
(...) consiste no fato de que os princípios, primeiramente, de acordo com a tese da incorporação, serem componentes necessários do sistema jurídico e, em segundo lugar, de acordo com a tese da