Feminismo como Metáfora: Autocriação e Política
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Feminismo como Metáfora - Nayara Barros de Sousa
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS
Dedico às pessoas que acreditam numa educação crítica e transformadora, em direção a um mundo mais justo. E dedico especialmente às mulheres feministas que vieram antes da minha geração, da minha região de nascimento, mesmo quando não sabiam que as eram.
AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha família, às amigas e aos amigos de ontem e de hoje, por todo o afeto e acolhimento de sempre. Vocês possibilitaram inclusive a realização deste livro por meio de uma vaquinha ousada: financiar um livro que trata de filosofia, de feminismo e de cultura, temas preciosos e que vivem sob a ameaça do obscurantismo da vez. Obrigada à editora da Appris pela revisão e, nesse quesito, também à amiga Bruna Gicelle, sem vocês, o material não estaria no formato adequado. E, por fim, meu muito obrigada pela confiança no trabalho aqui realizado, que é só o começo, mas que já serve para uma boa conversa.
PREFÁCIO
Com felicidade e esperança, acolho a obra Feminismo como metáfora: autocriação e política da escritora, poeta, professora e filósofa piauiense Nayara Barros de Sousa, egressa da Universidade Estadual do Piauí (Uespi), em sede de graduação, e da Universidade Federal do Piauí (UFPI), em pós-graduação. Em práxis, sua publicação apresenta ferramentas práticas e teóricas de resistência feminista, aponta caminhos para a construção de pesquisa científica crítica em Filosofia no Piauí, e aquece corpo, mente e coração de leitoras colaboradoras.
O livro apresenta sua pesquisa de dissertação de mestrado em Ética e Epistemologia no campus de Teresina da UFPI, financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior (Capes), fundação ligada ao Governo Federal que atua desde a década de 1950 na expansão e na consolidação da pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado) em todos os estados do país.
O financiamento por meio de bolsas permite que estudantes, que querem ou precisam, com suas pesquisas científicas possam se dedicar exclusivamente à escrita de textos, além de idas diárias e em todos os horários a laboratórios para realizar experimentos e coletar dados; e também: observação constante de fatores de fora e de dentro do fenômeno, relação, ponto, coisa que se investiga; criação de um caminho a trilhar, um jeito, um como, e seguir nele durante certo tempo. A pesquisa científica é um trabalho: disciplina os corpos em sentar, digitar, ler, escrever, perceber, observar, intuir a partir de um método com demanda de dedicação intensa. Existem trabalhos diferentes e trabalhadores e trabalhadoras que, por necessidade, violência ou vontade, realizam mais de um trabalho ao mesmo tempo.
As mulheres correspondem a 51,09% da população brasileira, de acordo com o último censo do IBGE. No ingresso em universidade também representamos 57,2% do estudantado matriculado em cursos de graduação, de acordo com o Censo da Educação Superior. O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), órgão federal de incentivo à pesquisa no Brasil, diz que as mulheres ficam com 59% das bolsas de iniciação científica, em sede de graduação. A Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI), entre 2014 e 2017, aponta que o Brasil publicou cerca de 53,3 mil artigos, dos quais 72% são assinados por pesquisadoras mulheres.
Persistem dificuldades de acesso e permanência, especialmente de mulheres negras, indígenas, nordestinas, periféricas em vários vieses. Sermos maioria numérica não nos protege dos assédios moral e sexual; do tratamento desigual aos pesquisadores homens e mulheres no apoio e no reconhecimento de suas pesquisas; de sermos chamadas de garotas, meninas, meu amor e raramente de pesquisadoras. A academia ainda reproduz machismos, sexismos, racismos e outras estruturas de dominação e exclusão das mulheres, de nossos corpos, saberes e metodologias.
Os feminismos, como ética, movimento social e epistemologia, são uma série de demandas e discussões que orbitam em torno da condição da mulher em sociedades onde predominam valores patriarcais
que se interconectam com questões sociais, econômicas e até mesmo religiosas
, como pontua Nayara Barros de Sousa. Têm despertado a curiosidade filosófica de homens e mulheres, como Richard Rorty e Nancy Fraser, filósofos contemporâneos a partir de onde parte teoricamente a autora que constrói uma tentativa de conciliação entre o que tem resistido da proposta rortyana apresentada no texto Feminismo e pragmatismo
(1990) e alguns dos aspectos centrais do feminismo contemporâneo.
A autocriação, a redescrição e a poesia, categorias rortyanas centrais no texto, permitiram que a autora refletisse sobre os limites e as possibilidades da criação poética, que resultariam na autocriação da mulher, e apostasse na dimensão coletiva e história da luta das mulheres e da composição de vocabulário próprio. A conciliação construída entre o neopragmatismo e as contribuições do feminismo, como movimento social, e as escolhas das criações poéticas de Emily Dickinson e Adrienne Rich apontam caminhos para a construção de pesquisa científica crítica em Filosofia no Piauí, e podem ser usadas como ferramentas práticas e teóricas para a resistência feminista.
Prof.ª Natasha Karenina de Sousa Rego
Curso de Direito da Universidade Estadual do Piauí
Sumário
I
INTRODUÇÃO 17
CAPÍTULO I
O NEOPRAGMATISMO DE RICHARD RORTY E A FILOSOFIA FEMINISTA CONTEMPORÂNEA 35
1.1. A proposta de Rorty para o feminismo contemporâneo 35
1.1.1. Sobre a excepcionalidade – mulher como mulher: acompanhando os passos de MacKinnon 38
1.2. Um primeiro resultado do debate Rorty-Lovibond: a insuficiência da concepção dos pós-modernos para o feminismo contemporâneo 49
1.2.1. Lovibond sobre a pós-modernidade 50
1.2.2. O posicionamento de Rorty frente à classificação como pós-
moderno que Lovibond lhe impôs e também ao universalismo desta 53
1.2.3. O neopragmatismo em Rorty prevalece sobre o pós-modernismo 60
1.3. A profecia e a poesia: a construção de um novo vocabulário 62
1.3.1. A metáfora em Rorty 66
1.3.2. Criadoras das metáforas: as poetas fortes 70
CAPÍTULO II
O FEMINISMO DE FRASER CONTRA RORTY 73
2.1. A questão do público e do privado 74
2.2. Autocriação pública feminista? 81
2.2.1. Rorty e a questão da identidade da mulher 86
2.2.2. Sobre a problemática do elitismo em Rorty 88
CAPÍTULO III
POSSIBILIDADES PARA UM FEMINISMO NEOPRAGMATISTA 95
3.1. A filosofia como instrumento de mudança social: um caminho para o feminismo neopragmatista 95
3.1.1. Falar pelos outros? 99
3.1.2. O poder de criação da diferença e os limites da política cultural de Rorty: mais uma crítica 102
3.2. Autocriação: a mulher como poeta forte 104
3.2.1. Outras conexões entre a discussão feminista e o pensamento de Rorty 106
3.3. A poesia para (re)descrição da dor das mulheres 111
3.3.1. O caso de Emily Dickinson 117
3.3.2. O caso de Adrienne Rich 122
CONSIDERAÇÕES FINAIS 127
REFERÊNCIAS 131
APRESENTAÇÃO
Nesta obra, meu principal objetivo foi apresentar a discussão feita entre duas linhas de pensamento até então quase indiferentes uma à outra: o neopragmatismo e as teorias feministas. Foi meu primeiro esforço dentro da filosofia acadêmica. Vinda do curso do Direito, as páginas que seguem são, de certa forma, uma espécie de síntese desses meus primeiros anos (2011-2013) na pós-graduação na área da Filosofia experimentando o pensamento crítico, dentro das categorias propostas pelos dois principais autores que escolhi trabalhar na época: Rorty e Fraser. De fato, ambos ainda podem ser encontrados na minha trajetória atual, mas em posição invertida de proeminência. Na época, a sedutora proposta de Richard Rorty a respeito do clube de profetizas foi apresentada e entendi como uma boa oportunidade de trazer, para o público brasileiro, algumas das discussões promovidas por autoras conhecidas na discussão estadunidense em áreas como o Direito, a Filosofia e/ou os Estudos Feministas, como Catharine MacKinnon, Sabina Lovibond e a própria Nancy Fraser (hoje uma das construtoras do movimento mundial 8M). De quebra, aproveitei a abertura que a qualificação do material me permitiu, especialmente na pessoa da professora Susana Castro, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ao sugerir investir mais na ideia da criação poética, o que resultou em tópicos exclusivos para reflexão sobre Emily Dickinson e Adrienne Rich como modelos potentes para se pensar o redescrito por Rorty. Tentei deixar quase tudo como o texto original (de minha dissertação de mestrado). A autocriação, a poesia e a redescrição surgem como algumas das metáforas utilizadas que enriqueceram o diálogo com o feminismo, interessantes até hoje, passados sete anos da defesa da minha dissertação e quase 30 anos da elaboração dos principais argumentos do debate. A demora da publicação neste formato de livro pode ser atribuída, no mínimo, a um tipo de machismo estrutural internalizado, um que cria essa vozinha interior de que nosso material não é tão valioso, mesmo que pesquisadores e pesquisadoras reconhecidos o tenham avaliado. Então eu diria que esse resultado aqui é meu esforço de tentar romper com esse padrão.
A autora
I
INTRODUÇÃO
Algumas temáticas vão e depois voltam a ocupar o palco principal das discussões acadêmicas. Não desaparecem totalmente, ficando tímidas durante algum tempo, como que ganhando volume para uma nova aparição. Vários motivos poderiam ser mencionados para esse movimento de maré das discussões. Lançamos luzes, vez por outra, sobre algumas delas, seja pelo maior esclarecimento a respeito do assunto, a partir de novas informações; seja ainda pelos distúrbios político-sociais que revolvam as relações entre os indivíduos, o que termina por evidenciar um ou outro aspecto