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Relações de Gênero e Subjetividades: A Docência Feminina no Ensino Superior em Teologia
Relações de Gênero e Subjetividades: A Docência Feminina no Ensino Superior em Teologia
Relações de Gênero e Subjetividades: A Docência Feminina no Ensino Superior em Teologia
E-book585 páginas8 horas

Relações de Gênero e Subjetividades: A Docência Feminina no Ensino Superior em Teologia

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Sobre este e-book

Como as mulheres estão representadas no ensino superior de Teologia? Como se constituem sujeitos femininos de saber em um lugar considerado masculino? Que desafios superam? Como negociam espaços de poder e de ação? Que práticas inovadoras conseguem inaugurar? Essas e outras questões são respondidas neste livro, em que a autora coloca no centro da análise o processo de produção da docência feminina em um universo de saber que, ao longo de séculos, constituiu-se como campo acadêmico masculino e um "não lugar" para as mulheres. O livro apresenta uma análise pertinente de dados quantitativos e de narrativas de docentes na Teologia católica, na perspectiva dos estudos foucaultianos e de gênero, trazendo uma contribuição específica para as pesquisas sobre os campos de saberes considerados masculinos.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento17 de ago. de 2022
ISBN9786525016283
Relações de Gênero e Subjetividades: A Docência Feminina no Ensino Superior em Teologia

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    Relações de Gênero e Subjetividades - Neiva Furlin

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    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS

    À minha mãe e a todas as mulheres que, a partir do cotidiano de suas existências, constroem estratégias de resistência política à lógica de gênero do sistema simbólico masculino, produzindo as possibilidades de agenciamento de si. E a todas aquelas que integram ações coletivas e lutam para garantir os direitos das mulheres e construir uma sociedade plural, fundada na igualdade e na justiça social de gênero.

    AGRADECIMENTOS

    A materialização deste livro só foi possível com o apoio e a contribuição de muitas pessoas queridas, para as quais deixo registrado o meu agradecimento especial.

    À minha orientadora, professora Marlene Tamanini, pelo seu rigor acadêmico na condução da pesquisa; pela amizade, vida compartilhada e apoio constante. Com ela aprendi a ser rigorosa na descrição metodológica e no aprofundamento teórico dos conceitos assumidos.

    Às professoras Ana Paula Vosen Martins, Maria Rosado-Nunes, Marília Gomes de Carvalho e Miriam Grossi, que, na condição de banca de qualificação e de defesa de tese, deram sugestões valiosas que garantiram maior rigor científico ao estudo.

    Às professoras Norma Blazquez Graf e Martha Patricia Castañeda Salgado, por terem me acolhido no Centro de Investigações Interdisciplinares de Ciências e Humanidades, da Universidade Nacional Autônoma do México (Unam), dando-me as condições físicas e humanas para aprofundar os referenciais teóricos de minha investigação, participar de seminários e socializar os resultados parciais da pesquisa.

    Aos professores e professoras do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFPR, pela contribuição no processo de minha formação acadêmica, pelas boas aulas, debates produtivos e relações parceiras estabelecidas.

    Aos colegas do curso de doutorado, pela riqueza da interlocução acadêmica e pelo afeto compartilhado. Ao Núcleo de Estudos de Gênero da UFPR, pelos debates travados nessa instância, que, sem dúvida, subsidiaram a reflexão na área dos estudos de gênero.

    Às professoras de Teologia, por aceitarem o convite de narrar suas experiências no campo do saber teológico, cuja contribuição foi fundamental para a produção do conhecimento sistematizado neste livro.

    Às colegas e amigas da Congregação das Irmãs Catequistas Franciscanas, sobretudo as que estiveram mais próximas, pela compreensão, paciência e apoio. Aos amigos e amigas com quem compartilhei inquietações, alegrias e os desafios da pesquisa. À minha família, que, mesmo distante geograficamente, sempre manifestou seu apoio, carinho e sintonia.

    À Divina Fonte da Vida, pela sua presença de luz e fortaleza. Uma presença sentida existencialmente, que anima e alimenta a esperança da possibilidade de uma vida digna para todas as pessoas, em que os marcadores sociais da diferença não sejam critérios de hierarquização e de discriminação social, mas a possibilidade para uma convivência humana, democrática, pacífica e igualitária.

    O sujeito não se reduz às suas capacidades narrativas. Ele é caracterizado pela reflexibilidade que, para além do simples pensamento, permite analisar outros possíveis que estão para se inventar. Mas, também, caracterizado pelas suas capacidades de ação, de criação, de decisão, de realização, isto é, de transformação do mundo no qual ele vive e, por isso mesmo, de transformação de sua própria existência.

    (Vicente de Gaulejac)

    O feminismo não é um racionalismo duro, não é um tribunal da história passada, mas um modo de inclusão, uma luta por justiça, um sinal de que a humanidade – homens e mulheres – podem se entender sempre de novo, a partir de referentes nascidos de suas próprias entranhas.

    (Ivone Gebara)

    PREFÁCIO

    Prefaciar um livro é sempre um grande desafio que exige sensibilidade e historicidade, pressupõe conhecer o seu conteúdo e compartilhar dos seus pressupostos. Para tal, é preciso fazer uma imersão no texto, em suas entrelinhas, nos ditos não ditos, como parte de uma cartografia do pensamento e do subtexto. Esse compreender, no sentido de apreender e explicar a complexa teia que ele próprio tece, também exige colocar-se subjetivamente e interativamente com abertura às suas interfaces e ao modo como nele se desenha o campo de conhecimento que ele produz. É, para tal, um pousar calmo sobre os desafios que o texto interpõe à relacionalidade pessoal e institucionalizada no tempo do contexto que o produziu.

    O livro Relações de gênero e subjetividades: a docência feminina no ensino superior em Teologia, de Neiva Furlin, foi produzido como tese acadêmica, no conjunto de pressupostos de esperança que animavam a teologia feminista católica e que podem ser sentidos e vividos, tanto com a emoção e o sentimento de pertença à Igreja Católica que as mulheres professoras de Teologia e teólogas expressam como também no compartilhamento de sua alegria e dos seus desafios de estarem nesse modo de pertencimento e de resistência.

    Os capítulos com os quais nos deparamos, ao ler este livro, trazem narrativas de si como experiências de vida, que são tecidas em um campo de saber sem a sedução de um olhar ingênuo de que todas as coisas estão bem. Sua construção se faz em contraponto às narrativas masculinas e androcêntricas. É uma construção que traz a marca da diferença como ferramenta teórica, de luta e de resistência e que desnaturaliza o lugar de pertencimento teológico como um lugar institucionalizado prioritariamente para o masculino. Essas mulheres, teólogas e professoras, a partir da afirmação da diferença como ferramenta de positivação de uma identidade de mulher feminista, fazem do sagrado o seu lugar. Ao argumentarem contra o conceito essencialista de diferença, elas problematizam e desfazem os determinismos biológicos, sociais e culturais que predeterminam o lugar da mulher. Constroem-se a si mesmas diante dos binários homem/mulher, com uma reflexividade aberta que possibilita a interseccionalidade com contextos laicos e religiosos, com gerações de mulheres diferentes, desestruturando as ordens simbólicas, cujo exercício de dominação sobre elas tem longa tradição no catolicismo, assim como em outras Igrejas.

    As mulheres teólogas, que são interlocutoras deste livro, expressam-se em relação ao lugar crítico de pertencimento do feminino na Teologia, mas não só. Elas circulam, andam, falam, entram em salas de aula, seminários, conferências e publicações, de um universo masculino e celibatário e, em geral, nem sempre maduro para a convivência com a emergência do sujeito feminino. Elas causam ruídos quando passam, quando falam, quando orientam, quando publicam, mesmo se, em silêncio, elas estão falando de si, de suas crenças e esperanças e do que fazem na qualidade de formadoras e professoras.

    Essa reflexividade, conforme desenvolvida por Furlin, é a do artesanato diário no esforço de objetivar o seu lugar, que pode ser pensado como uma grande tessitura envolvendo espiritualidade, luta feminista, conhecimento teológico e subjetividades, isto é, um artesanato que desnaturaliza os currículos, o ensino, a formação, as publicações e, sobretudo, constrói novos conteúdos propedêuticos. Elas desfazem as fronteiras entre corpos de conhecimentos e entre os corpos masculinos e femininos e o fazem pelo crivo de sua experiência, que sabe partir de um lugar desvalorizado e, portanto, muito sensível à construção do pensamento e do conhecimento teológico, para que seja comprometido com movimentos de mulheres e com a justiça social de gênero. Por meio da Teologia Feminista e de suas práticas situadas, elas tornam evidentes as dinâmicas de poder que hierarquizam e desvalorizam o feminino, mostrando o quanto podem ser negativos para as mulheres os pressupostos que embasam o conhecimento e a religião, se não desfazem as desigualdades e as díades de gênero que foram integradas como fundantes de papéis fixos e de lugares específicos e subalternizados para as mulheres nas Igrejas.

    As contingências da produção teológica feminista marcam este livro com a força de um dos pensamentos teológicos críticos – o feminista – que considera as questões relativas à diferença como articuladas na relação entre teoria e prática de mulheres, para repensar o lugar de um existir como mulher teóloga, no interior das pedagogias e nas estruturas de poder e de formação. Esse pensamento exige refazer os pressupostos da ciência teológica e da própria Igreja Católica, em relação à sua construção, no que tange às mulheres e à sua voz. Elas o fazem com um apego sereno à vontade de formar pessoas diferentes, em relação aos dogmas e ao cotidiano, pessoas que se subjetivem de maneira igualitária rompendo o lugar que as considera como coadjuvantes. Este livro apresenta aspectos que possibilitam decolonizar a Teologia. Ele traz a força de uma resistente postura contrária à dominação e leva a um lugar de posição política como construção de si e de um coletivo de mulheres, que é de resistência à invisibilização e à desigualdade de gênero na cátedra, nos títulos e nas condições para obtê-los.

    Essas mulheres se constroem a partir de um outro lugar, de uma contraposição moral e ética como parte do que são. Elas se opõem, portanto, ao lugar tradicional do gênero e dos discursos violentos que se expressam nas narrativas sobre papéis sexuais binarizados e desiguais. Elas se pensam como uma prática de atribuição de sentido, que é tanto simbólica como, também, uma luta construída na qualidade de um lugar que se faz na experiência. Portanto, a experiência dessas mulheres teólogas é de sentimento de pertença que se faz à medida que elas demarcam o feminino fora da métrica do sujeito universal, instituído por certos parâmetros que funcionam para legitimar quem tem a autoridade da cátedra. Neiva Furlin mostra, no contexto desse campo de pesquisa, como essas mulheres cultivam e vivem a fé crítica, o que as torna protagonistas de si mesmas em um universo celibatário e androcêntrico.

    Este livro traz uma contribuição específica e relevante para os estudos sobre os campos de saberes considerados masculinos. A autora analisa com clareza dados quantitativos e narrativas de docentes que atuam no campo teológico católico desde a perspectiva analítica de gênero. Assim, nunca é demais lembrar que a perspectiva de gênero é uma categoria analítica e política, em vista da construção da igualdade e da justiça social. Uma ferramenta importante para produzir a superação das estruturas de violência contra mulheres, crianças, meninas e meninos, população LGBTI+, e para construir condições de vida digna para todos e todas.

    Prof. ª Dr.ª Marlene Tamanini

    Professora e pesquisadora no Curso de Ciências Sociais e no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFPR

    Coordenadora do Núcleo de Estudos de Gênero da UFPR

    LISTA DE SIGLAS

    Capes Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

    CDD Católicas pelo Direito de Decidir

    Cebi Centro de Estudos Bíblicos

    CEBs Comunidades Eclesiais de Base

    Ceris Centro de Estatísticas Religiosas e Investigações Sociais

    CES Câmara de Educação Superior

    CNBB Conferência dos Bispos do Brasil

    CNE Conselho Nacional de Educação

    CRB Conferência dos Religiosos do Brasil

    Estef Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana

    Inep Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

    Iser Instituto de Estudos da Religião

    MEC Ministério da Educação

    Osib Organização dos Seminários e Institutos do Brasil

    PUC Pontifícia Universidade Católica

    Reuni Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais

    Sinaes Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior

    Soter Sociedade de Teologia e Ciência da Religião

    SUS Sistema Único de Saúde

    Umesp Universidade Metodista de São Paulo

    Unilassale Centro Universitário La Salle

    Sumário

    INTRODUÇÃO

    Capítulo I

    OS CAMINHOS DA PESQUISA

    1.1 A METODOLOGIA CONSTRUÍDA 

    1.1.1 A genealogia como um dos fundamentos metodológicos

    1.1.2 A pesquisa de campo e os seus desafios 

    1.1.3 A escolha das interlocutoras e o seu lugar institucional

    1.1.4 O processo de interação com as interlocutoras 

    1.1.5 Sentimentos e aprendizado na experiência de campo

    1.1.6 Perfil das interlocutoras

    1.2 AS BASES TEÓRICO-ANALÍTICAS DA PESQUISA 

    1.2.1 A categoria analítica de gênero 

    1.2.2 O poder e a relação de produção do sujeito

    1.2.3 A constituição do sujeito: reflexividade, atos de liberdade e resistência 

    1.2.4 Concepções sobre sujeito e subjetividade na teoria feminista

    1.2.4.1 A categoria Mulher como uma posição política de sujeito

    1.2.5 Agência como resistência e potência 

    Capítulo II

    A DIFERENÇA COMO CATEGORIA TEÓRICO-ANALÍTICA PARA O CAMPO DO SABER TEOLÓGICO

    2.1 A DIFERENÇA NA TEORIA FEMINISTA: ENTRADAS NO SISTEMA DE GÊNERO

    2.1.1 Algumas considerações acerca do Feminismo da Igualdade

    2.1.2 A corrente da Diferença de Gênero

    2.1.3 Críticas à posição feminista dos anos de 1970

    2.1.4 Uma nova posição teórica: diferenças dentro da diferença 

    2.1.5 Diferenças múltiplas: posicionalidades relacionais 

    2.2 A DIFERENÇA NO DISCURSO NORMATIVO DA TEOLOGIA

    CATÓLICA

    2.2.1 Considerações sobre a teologia e os sujeitos históricos do conhecimento

    2.2.2 A crítica feminista ao pensamento masculino

    2.2.3 Representações de gênero e a produção do feminino no discurso da teologia católica tradicional: um olhar a partir da teologia feminista

    2.2.3.1 Vozes dissidentes ou subjetividades que escapam 

    2.2.3.2 A permanência da força simbólica na produção das subjetividades femininas

    Capítulo III

    A REPRESENTATIVIDADE DE MULHERES DOCENTES NO ENSINO SUPERIOR EM TEOLOGIA

    3.1 OS CURSOS DE TEOLOGIA NO BRASIL E A PARTICIPAÇÃO DAS MULHERES 

    3.1.1 Destinatários do saber teológico: dinâmicas de gênero

    3.1.2 A docência no ensino superior em teologia: equidade de gênero?

    Capítulo IV

    AS ARTESÃS DE SI MESMAS:

    O TORNAR-SE PROFESSORA DE TEOLOGIA·

    4.1 PROJETANDO A OBRA DE ARTE: A TEOLOGIA COMO CAMINHO DO DEVIR SUJEITO FEMININO

    4.2 PRODUZINDO AS FERRAMENTAS PARA ESCULPIR A ARTE: RELAÇÕES DE GÊNERO NA FORMAÇÃO ACADÊMICA 

    4.3 PELAS BRECHAS ESCULPIR A ARTE: DINÂMICAS DE INSERÇÃO NA DOCÊNCIA

    4.4 (RE)MODELANDO A ARTE: RELAÇÕES DE GÊNERO E SUBJETIVAÇÃO ÉTICA 

    4.4.1 Dinâmicas de gênero e de subjetivação ética na relação com discentes 

    4.4.2 Dinâmicas de gênero e de subjetivação ética na relação com os pares de

    profissão 

    4.4.3 Ser mulher ou homem na docência: pesos e medidas diferentes

    4.4.4 A teologia produzida pelas docentes: perspectivas, relações e reações

    4.5 SENTIDO DA ARTE (DOCÊNCIA) COMO PROCESSO DE SUBJETIVAÇÃO 

    4.5.1 A teologia como lugar de ressignificação de discursos e de reinvenção de si 

    Capítulo V

    AS PRÁTICAS ACADÊMICAS DAS DOCENTES:

    UMA POLÍTICA DO DEVIR SUJEITO FEMININO

    5.1 O LUGAR DA DOCÊNCIA FEMININA NAS DISCIPLINAS TEOLÓGICAS

    5.2 A PRODUÇÃO ACADÊMICA DAS DOCENTES

    5.2.1 A prática docente de orientação: dinâmicas de poder e de gênero

    5.2.2 A publicação das docentes e seus sentidos

    5.3 LUGARES DE LIDERANÇA: A POSSIBILIDADE DO SUJEITO MULHER 

    5.3.1 A consciência reflexiva sobre as ações e lugares ocupados: uma prática de si 

    5.4 PRÁTICAS INOVADORAS DAS DOCENTES: UM PROJETO POLÍTICO DE SUBJETIVAÇÃO POSITIVA DO FEMININO? 

    5.4.1 Um modo diferente de produzir teologia: a diferença como um projeto do devir sujeito de saber

    5.4.2 Um modo diferente de ensinar teologia

    5.4.3 Agência e produção de novos sentidos para o feminino

    5.4.4 Práticas inauguradas pelas docentes no universo teológico 

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

    REFERÊNCIAS

    INTRODUÇÃO

    A emergência dos estudos de gênero introduziu novas abordagens teóricas em diversas áreas do conhecimento humano. Esses estudos se contrapuseram às perspectivas universalizantes da ciência e mostraram que, nas diferentes sociedades humanas, as relações sociais vividas entre homens e mulheres são construídas a partir de discursos, de representações simbólicas, da tradição cultural de cada região e das especificidades de cada momento histórico. Para tal, levam-se em consideração critérios geracionais, raciais, diversidade sexual, os arranjos que a sociedade constrói para dizer o que se apresenta adequado ou não ao seu pensamento, à organização de suas práticas, o sistema de crenças, bem como a experiência dos indivíduos envolvidos. Essas diferenças são evidentes em uma mesma sociedade, nos diferentes grupos sociais, e se modificam ao longo da história devido à dinamicidade da própria cultura e ao modo como cada sujeito produz conhecimento de si e de sua experiência. Essa realidade também atinge as instituições sociais, a divisão sexual no mercado de trabalho, assim como os critérios de inserção de mulheres e homens em instituições das mais diversas.

    A teologia é uma dessas áreas de saber historicamente marcada pela presença do sujeito masculino, seja como destinatário ou como principal agente dos processos de construção do saber e da estruturação do ensino. No Brasil, a entrada de um número mais expressivo de mulheres nas instituições católicas de teologia, como estudantes e profissionais, foi possível a partir da década de 1970, quando também se ampliou o seu acesso nas diferentes áreas acadêmicas, em decorrência das transformações socioculturais do mundo contemporâneo. Aos poucos as mulheres foram construindo seus espaços, transgredindo fronteiras e práticas institucionais de gênero e emergindo como sujeitos de saber, em um lugar que era proibido ou estruturado como não inteligível para o sexo feminino. Elas vão se apropriar do poder no campo das ideias e da linguagem, marcando politicamente esse lugar pela afirmação positiva da diferença sexual. Assim, a presença das mulheres, como sujeitos de saber teológico, tornou-se importante para a ressignificação de discursos e práticas institucionais, abrindo caminho para a produção da Teologia Feminista dentro da academia. Essa teologia significou um esforço de desconstrução e de ressignificação de imagens, mitos e discursos da teologia tradicional, que havia cristalizado certas representações de gênero, nada salutares para as subjetividades femininas.

    Este livro apresenta um estudo focado na construção da docência feminina nos cursos de Teologia em Instituições Católicas, em suas dinâmicas de inserção e de subjetivação em um campo profissional majoritariamente masculino. Trata-se de uma pesquisa que integra o conjunto dos estudos de gênero e de sua contribuição às abordagens sociológicas. Coloca centralidade na ação de mulheres em seu processo de inserção e de produção da docência feminina, no ensino superior em Teologia. Um espaço de saber que, ao longo da história, constituiu-se como campo acadêmico masculino e um não lugar para as mulheres, cuja legitimidade se produziu com base em um sistema simbólico, que operou no universo do sagrado, produzindo o feminino como desqualificado para atividades intelectuais e para certas instâncias de poder.

    Atualmente, encontramos estudos significativos sobre a inserção de mulheres no ensino superior em diferentes áreas do conhecimento, inclusive naquelas que, durante muito tempo, foram consideradas masculinas, como é o caso da engenharia¹. Contudo, na área da Teologia havia uma lacuna, de modo que esta obra traz uma contribuição relevante para o conjunto desses estudos.

    Trata-se de uma pesquisa que teve como objetivo compreender como as mulheres se produzem e se legitimam sujeitos femininos de saber em instituições católicas, que oferecem a graduação em teologia, bem como as dinâmicas de gênero e de poder que perpassam os processos de inserção, de subjetivação e de construção da docência feminina. Desvelam-se, ainda, as estratégias políticas que as docentes constroem para o seu devir sujeitos de saber nas disciplinas e/ou nos espaços de liderança que ocupam; nas iniciativas que inauguram; e, finalmente, aponta-se até onde as suas práticas e experiências produzem novos significados nas relações acadêmicas e na organização das instituições católicas de ensino superior.

    O estudo dá destaque ao dispositivo da narrativa, em que mulheres professoras de teologia fazem a memória de suas experiências e de sua agência, na produção de uma ética de si e do devir sujeito feminino de saber. Um projeto que é individual e coletivo, porque conecta as docentes pela memória de um passado comum e pelo desejo que produz energias de ação no presente, alimentando o imaginário de um futuro diferente para um conjunto de mulheres, que atuam em uma estrutura acadêmica em que o masculino é a norma.

    O livro está organizado em cinco capítulos. No primeiro, apresentam-se os caminhos construídos para a realização da pesquisa, que se inicia pela escolha do tema, sua relação com os estudos de gênero, com a experiência vivida e o lugar de fala da pesquisadora. Descreve-se a construção da metodologia que orienta a investigação e traz-se o relato detalhado sobre a pesquisa de campo, do processo feito tanto para a coleta dos dados quantitativos como para a realização das entrevistas com as docentes. São delineados alguns pressupostos da metodologia genealógica e da perspectiva hermenêutica de interpretação, que conduziram a análise e a compreensão do problema sobre o qual a pesquisa foi conduzida. Apresentam-se também, as estratégias de aproximação e de interação da pesquisadora com as interlocutoras e o perfil das docentes entrevistadas.

    Na segunda parte do capítulo, são aprofundadas as bases teórico-analíticas que sustentam a análise das narrativas das docentes. A categoria analítica de gênero é assumida de maneira transversal em todo o processo interpretativo e genealógico pela sua potencialidade em desvendar as relações de poder inscritas nas práticas discursivas, simbólicas e institucionais, que produzem determinados modelos de subjetividade feminina e masculina. Os pressupostos teóricos de gênero têm trazido contribuições epistemológicas significativas para as diferentes áreas do saber e, ao mesmo tempo, permitiram produzir novos sentidos, novos conteúdos relevantes à análise das relações sociais, institucionais, históricas e culturais. Também se aprofundam outros conceitos, como o de sujeito, poder, subjetividade e agência, segundo a perspectiva dos estudos feministas pós-estruturalistas e da teoria foucaultiana, cujos referenciais teóricos se constituíram ferramentas analíticas significativas para a compreensão das narrativas das docentes, que atuam em um universo de saber majoritariamente masculino.

    No segundo capítulo – A diferença como categoria teórico-analítica para o campo do saber teológico, realiza-se uma revisão sobre o debate da diferença na teoria feminista, seus diferentes desdobramentos ou entradas no sistema de gênero. À luz desses pressupostos teóricos, compreende-se como o discurso teológico tradicional exerceu um poder performativo na materialização do feminino ou da diferença valorada negativamente e se verifica qual é o lugar de fala das mulheres docentes e com que feminismo elas se identificam no projeto de se constituírem sujeitos femininos de saber teológico. Na segunda parte do capítulo, com base na literatura produzida por teólogas feministas, evidencia-se como o feminino foi produzido pelos discursos teológicos masculinos e como a crítica feminista na teologia direcionou o seu foco na desnaturalização e desconstrução da imagem da mulher como o outro, despossuída de racionalidade. Realizam-se, ainda, algumas considerações sobre os sujeitos históricos da teologia, mostrando como a posição de gênero condicionou o conhecimento e criou significados e dinâmicas hierarquizadas que excluíram e legitimaram a inferioridade das mulheres no universo do saber teológico. E, por fim, realiza-se uma espécie de genealogia das representações simbólicas de gênero no discurso teológico tradicional, que funcionaram como prática discursiva ou como uma tecnologia de gênero, por produzir implicações sociais e subjetivas na vida das mulheres. Apreender as representações de gênero dos discursos da teologia tradicional faz compreender como um contexto religioso que coloca limites para a subjetividade das mulheres também cria as possibilidades para a insurreição ou a emergência de sujeitos e saberes, até então, considerados subalternos e marginais.

    No terceiro capítulo – A representatividade de mulheres docentes no ensino superior em teologia, inicialmente, apresentam-se os aspectos da trajetória do ensino superior de teologia no Brasil. Os fatores sociais e eclesiais que configuraram e reconfiguraram esses cursos até abertura para o acesso de mulheres e leigos e o recente reconhecimento da graduação em Teologia, pelo Ministério da Educação (MEC). Em seguida, são evidenciados os índices da participação docente de mulheres e homens no contexto geral da educação superior, situando a teologia como parte da área de Humanidades e Artes. E, finalmente, por meio da análise de dados quantitativos, é objetivada a situação das instituições teológicas no Brasil, quanto às suas características, destinatários do saber teológico e índices da participação masculina e feminina nos quadros da docência, em uma relação com as dinâmicas que envolvem significados de gênero e poder.

    No quarto capítulo – As artesãs de si mesmas: o tornar-se professora de teologia, analisam-se as narrativas sobre as experiências vividas pelas docentes que participaram da pesquisa, em que se buscou compreender como as dinâmicas de poder e de gênero aparecem no processo do tornar-se professoras. Isto é, do seu devir sujeitos femininos de saber teológico em uma estrutura acadêmica em que os códigos normativos de gênero, pautados sob a égide da cultura patriarcal, estão claramente evidentes. As memórias das trajetórias vividas pelas docentes são analisadas na perspectiva genealógica do constituir-se no aqui e agora, em suas experiências relativas às seguintes situações: as motivações que as levam para a teologia; as relações de gênero que se estabelecem no processo da formação acadêmica; as dinâmicas e as condições de inserção na docência; as relações profissionais que são tecidas com discentes e docentes do sexo masculino e a produção de uma ética de si, diante da lógica simbólica de gênero que circula nas instituições católicas de teologia; as estratégias políticas de resistência que elas produzem para uma afirmação positiva do sujeito feminino no universo teológico; o sentido da docência como processo de subjetivação e a forma como fazem da teologia um lugar de ressignificação dos discursos e de reinvenção de si.

    No quinto capítulo – As práticas acadêmicas das docentes: uma política do devir sujeito feminino, evidenciam-se os sentidos produzidos sobre os lugares de ação que as docentes assumem dentro das Instituições Católicas de ensino superior. Isto é, as disciplinas que lecionam; a produção acadêmica; os lugares de poder e de liderança que ocupam; as práticas inovadoras que inauguram e como percebem e avaliam a sua ação e os lugares ocupados no universo da teologia. É possível constatar os alcances e significados que essas práticas têm dentro das instituições de ensino; as dinâmicas de gênero e de poder que circulam nas ações e os sentidos que as docentes produzem no processo do seu devir sujeitos femininos de saber teológico. A análise das narrativas das docentes, sobre as experiências de agência no interior das instituições católicas, permite evidenciar como elas se produzem e se afirmam sujeitos capazes de ações intelectuais, em um lugar de saber que foi considerado, ao longo de muitos séculos, como não inteligível para o sexo feminino, justamente, por serem tomadas como desqualificadas para o uso da razão. Ou seja, elas revelam as possibilidades de agenciamento que experimentam, por meio de práticas acadêmicas situadas e dos significados que produzem em um contexto que ainda impõe limites às mulheres, mas que, paradoxalmente, também produz as condições para um agenciamento de si mesmas para todas as mulheres.

    O conjunto da obra, pautada na análise hermenêutico-interpretativa das narrativas das docentes, visibiliza as tensões de gênero e de poder que se colocam no interior das instituições católicas nos processos de inserção e de produção da docência feminina; dá ênfase à ação resistente e criativa das mulheres na construção de suas possibilidades para ressignificar práticas e saberes ou o sistema simbólico masculino, em vista de uma política de afirmação positiva de si, que as constitui sujeitos femininos de saber; acena para a existência de dispositivos de poder e de gênero que seguem privilegiando o sujeito masculino e a permanência de relações desiguais. É um debate acadêmico instigante que problematiza a ordem simbólica que estrutura o universo do saber teológico e aponta algumas proposições para a construção de novas relações de gênero no interior das instituições católicas.

    Trata-se de um esforço acadêmico científico que torna visível a mobilização de energias e de estratégias políticas que as mulheres precisam fazer para se construírem sujeitos de sua emancipação social e eclesial, uma vez que o seu direito de participar nos processos do ensino e da produção do conhecimento, no universo da teologia, não é algo dado, mas uma construção contínua. E, nesse sentido, o feminismo tem sido uma importante ferramenta política para a reivindicação dos direitos das mulheres, em vista da construção da igualdade nas relações de gênero e dos processos de emancipação e de cidadania social, política, econômica...

    A obra é também um apelo sobre a necessidade de juntos/as construirmos um mundo onde todas as pessoas possam viver com dignidade em que os marcadores sociais da diferença – classe, raça, etnia, sexo, gênero, religião, cultura, geração... – que carregamos em nossos corpos não sejam critérios de hierarquização e de discriminação social, mas a possibilidade para uma convivência humana, múltipla, pacífica e igualitária.

    Convém ressaltar que este livro é resultado de um estudo de tese financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e pelo Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), realizado no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), com um período de pesquisa teórica no Centro de Investigações Interdisciplinar de Ciências e Humanidades da Universidade Nacional Autônoma do México (Unam). Sou grata a Capes/Reuni pelas bolsas concedidas, sem as quais seria impossível a realização desta pesquisa.

    Capítulo I

    OS CAMINHOS DA PESQUISA

    A condição epistemológica da ciência repercute-se na condição existencial dos cientistas. Afinal, se todo o conhecimento é autoconhecimento, também todo o desconhecimento é um autodesconhecimento.

    (SANTOS, 2004, p. 92).

    O interesse pelo tema da docência feminina na teologia, na perspectiva analítica dos estudos de gênero, vincula-se à minha trajetória de vida e de inserção no campo social e religioso. Isso demarca claramente o meu lugar de fala e o meu engajamento social como mulher e como sujeito do conhecimento. Minha inserção em trabalhos pastorais nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) me fez buscar aprofundamento teórico na área da teologia e, posteriormente, também no campo das ciências sociais. Assim, nos anos 1994 a 1997, frequentei um Curso de Extensão em Teologia Pastoral, em regime de férias, no Instituto de Teologia e Pastoral, vinculado à Universidade de Passo Fundo, RS. Esse curso era destinado a agentes de pastoral², frequentado por um número significativo de mulheres, considerando que a maior parte do trabalho pastoral, em geral, é realizado pelo universo feminino. No referido curso, havia uma participação reduzida de homens, sendo praticamente todos leigos³ ou religiosos que não iriam seguir carreira eclesiástica. As pessoas que frequentavam o curso de teologia, em regime de férias, buscavam capacitação para atuar em atividades pastorais ou aprofundar o sentido da fé cristã. Já, no curso regular anual, a situação se invertia, porque quase todos os estudantes de teologia eram do sexo masculino e buscavam a formação em vista do serviço ordenado. A atividade da docência, tanto no curso de teologia em regime de férias como no regular, era exercida, praticamente, por homens e celibatários⁴. A ausência de mulheres na docência era justificada porque poucas delas possuíam a formação acadêmica na área da teologia, cuja questão ocultava outras dinâmicas que serão evidenciadas neste estudo.

    Meu primeiro contato com o conceito de gênero ocorreu durante o curso de Teologia em regime de férias, mais precisamente, no ano de 1995, por ocasião de uma Jornada Teológica em que se refletiu o tema Mulher Semente de Vida na Igreja e na Sociedade, assessorado por estudantes do curso de teologia regular da Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana (Estef), de Porto Alegre. A partir de então, tomei consciência de que o feminino e o masculino são construções socioculturais e que as desigualdades de gênero foram construídas por uma determinada leitura cultural da diferença, fundada na fixidez dos corpos. Constatei que isso, ao longo da história, contribuiu para invisibilizar, discriminar e excluir as mulheres de diversos espaços, tanto da esfera social como da eclesial. Assim, a perspectiva de gênero passou a ocupar um lugar importante em minha experiência de vida e de ação, sobretudo no trabalho de formação para lideranças eclesiais, nos grupos de leitura popular da Bíblia e no trabalho pastoral, com as comunidades de base. Minha visão sempre foi que mulheres e homens, tendo as mesmas oportunidades de formação profissional, adquirem igual capacidade intelectual e técnica para exercerem diferentes atividades na esfera pública da sociedade e também nas instâncias eclesiais.

    Durante a graduação em Ciências Sociais, o meu interesse pelos estudos de gênero foi se consolidando, sobretudo após cursar a disciplina Sociologia das relações de gênero. Sendo assim, considero que esta pesquisa, de certa maneira, mantém um vínculo com o trabalho monográfico de conclusão do Curso de Ciências Sociais, intitulado A Questão de Gênero no MST: um estudo sobre o discurso e as práticas de participação da mulher⁵. Esse vínculo diz respeito ao interesse por continuar aprofundando as ferramentas teóricas dos estudos de gênero, em sua relação com as ciências sociais, porém agora em outra temática de investigação. Isso, sem dúvida, acena que os temas que escolhemos para nossas pesquisas são, quase sempre, influenciados por nossas trajetórias de vida ou profissional, como têm mencionado alguns sociólogos.

    Hoje se pode afirmar que o objeto é a continuação do sujeito por outros meios. Por isso, todo o conhecimento científico é autoconhecimento. A ciência não descobre, cria, e o ato criativo protagonizado por cada cientista e pela comunidade científica no seu conjunto tem de se conhecer intimamente antes que se conheça o que com ele se pode conhecer de real. (SANTOS, 2004, p. 83).

    Essa concepção demarca uma ruptura com a dicotomia entre sujeito e objeto, herança da ciência moderna que, por um lado, consagrou o homem enquanto sujeito epistêmico, mas, por outro, expulsou-o enquanto sujeito empírico. Embora essa posição nem sempre seja pacífica nas ciências sociais, hoje já se concebe que a construção do objeto de pesquisa não é uma escolha puramente objetiva, como bem tem escrito o sociólogo Wright Mills (1965), em sua obra A Imaginação Sociológica. Isto é, nossas escolhas estão sempre ligadas indiretamente ou diretamente às nossas trajetórias profissionais e experiências subjetivas. Nessa direção, o sociólogo Boaventura Santos (2004, p. 85) assim escreve:

    Hoje sabemos ou suspeitamos que nossas trajetórias pessoais e coletivas (enquanto comunidades científicas) e os valores, as crenças e os prejuízos que transportam são a prova íntima de nosso conhecimento, sem o qual nossas investigações laboratoriais ou de arquivos, os nossos cálculos ou os nossos trabalhos de campo constituiriam um emaranhado de diligências absurdas sem fio nem pavio.

    Boaventura Santos acredita que, embora a perspectiva subjetiva do conhecimento construído seja suspeitada ou insuspeitada, ela corre subterraneamente, clandestinamente nos não ditos dos nossos trabalhos científicos, ainda que se pretendam posicionar no teor da ciência objetiva. Nesse sentido, a contribuição da teoria feminista também tem sido valiosa, para desmitificar a pura objetividade e universalidade do conhecimento, mostrando que ele é sempre situado e subjetivo, já que nenhum trabalho teórico está distante da experiência de quem o escreve (ALCOFF, 1999, p. 125). Todas as correntes do feminismo partem da afirmação de que quem conhece é alguém que está inserido em uma determinada situação, posição e circunstância, considerando, com isso, que nenhum conhecimento se produz a partir de nenhum lugar (BACH, 2010). E, nisso, pode-se dizer que o feminismo se caracteriza como uma proposta hermenêutica, cuja perspectiva metodológica considera que cada um de nós é habitante de uma cultura, de uma época, de uma situação geográfica e, aqui acrescento, de uma posição de gênero. E, portanto, é a partir dessas referências que interpretamos e compreendemos o mundo. Ou seja, olhamos para a realidade e produzimos saberes desde dentro, e não a partir de uma neutralidade supra-humana.

    Quanto ao tema deste estudo sobre a docência e as relações de gênero no ensino superior em teologia, entre os poucos trabalhos encontrados no período da pesquisa, está o de Adriana de Souza (2006), intitulado: As mulheres docentes em Instituições Teológicas Protestantes da Grande São Paulo⁶, a qual, pelo recorte do universo protestante, buscou compreender as relações de gênero nas instituições teológicas, com foco no lugar que as mulheres ocupavam no conjunto das disciplinas. Esse estudo mostrou que a ausência delas em disciplinas essenciais na formação teológica era uma das formas de perpetuação do androcentrismo⁷, no universo teológico protestante. O outro é o de Fátima Weiss de Jesus (2003), cujo foco foi o ministério pastoral feminino na Igreja Evangélica de Confissão no Brasil⁸. Esse trabalho, embora apresente alguns dados sobre a produção teológica feminista e a entrada das mulheres na teologia, buscou compreender o significado que elas atribuíam à sua presença no exercício de Pastoras. Para isso, a autora analisou o discurso a respeito da trajetória e da experiência de mulheres pastoras e teólogas da referida Igreja. Já, sobre a teologia elaborada por mulheres, encontramos o estudo da antropóloga Fabíola Rodhen (1995)⁹, a qual procurou analisar as ideias das principais teólogas feministas católicas do Rio de Janeiro, colocando em questão como o dilema entre igualdade e diferença aparecia na produção dessas mulheres.

    Não se têm encontrado estudos sobre a inserção de mulheres e a construção da docência feminina em instituições de ensino superior em teologia. Estudos que tenham averiguado os desafios encontrados nesse processo e as estratégias que as mulheres produzem para se constituírem sujeitos femininos de saber, em um campo majoritariamente masculino. É nessa perspectiva que se direcionou o esforço desta pesquisa e a sua originalidade, a qual foi realizada com o recorte das instituições católicas.

    1.1 A METODOLOGIA CONSTRUÍDA¹⁰

    Este estudo está fundamentado em duas formas de análise e compreensão. Primeiramente, buscamos mostrar, por meio da análise de dados quantitativos, o nível da participação das mulheres e homens na docência do ensino superior em teologia católica. Essa escolha possibilitou construir um quadro de evidências sobre a representação masculina e feminina no ensino superior. Ou seja, foi uma forma de objetivar o mundo social dos sujeitos que atuam no universo do saber teológico. Em um segundo momento, procuramos dar voz às mulheres e, a partir de suas narrativas, compreender as dinâmicas envolvidas no seu processo de inserção; analisar a sua percepção sobre as experiências; visibilizar como as relações de gênero e de poder se articulam no universo do saber teológico; tornar explícita a forma como elas se compreendem e se constroem na profissão da docência, como constroem as suas possibilidades de agência em um lugar que, ao longo da história, não foi pensado por e para elas. Segundo Lincoln e Guba (2006), a voz pode significar, especialmente nas formas mais participativas de pesquisa, não apenas a voz de um pesquisador no texto, mas também a possibilidade de que os participantes da pesquisa falem por si mesmos. Para a socióloga inglesa Margaret S. Archer,

    Dar voz às pessoas também nos dá melhores explicações sobre o que elas realmente fazem, substituindo generalizações empiricistas do tipo sob circunstâncias x uma % significante dos pesquisados fizeram y, que não são de forma algumas explicações, mas simplesmente constantes conjunções humanas. Inversamente, quando se permite aos agentes avaliarem reflexivamente seus contextos sociais objetivos em termos de suas preocupações pessoais e decidir sobre o curso de sua ação social adequadamente, restabelece-se o agente ativo para a sociologia. Ela reconhece que as pessoas lutam por algum controle sobre o curso de suas próprias vidas e traçam seu caminho ativamente através do mundo em vez de serem receptores passivos de pressões sociais. (ARCHER, 2009, s/p, grifo da autora).

    Desse modo, ao escutar as memórias reflexivas sobre as experiências vividas pelas mulheres no processo de constituírem-se sujeitos e o sentido de suas ações, priorizamos a abordagem qualitativa. A pesquisa qualitativa vem ganhando legitimidade no campo acadêmico e se torna significativa, sobretudo quando se busca compreender o universo das significações, das motivações, das aspirações, das dinâmicas, das crenças e dos valores que os indivíduos expressam nas suas práticas e relações sociais. O seu objetivo não é tanto a amplitude, mas a profundidade, por isso é apropriada para analisar, compreender e decodificar os símbolos culturais. A investigação qualitativa, segundo Briceño-León (2003, p. 161), permite ao investigador/a atuar de dentro. Aproxima-se da realidade do estudo de maneira natural e permite colher dados ricos, por meio de estratégias não estruturadas. Esse tipo de investigação abre janelas para que o sujeito da ação exponha as suas motivações e significados mais profundos em relação à sua ação e visão de mundo. Assim, compreendendo a consciência e a intenção subjetiva do ator, a partir de dentro, torna-se possível entender o significado da ação humana.

    Embora esta pesquisa se caracterize como qualitativa, foi necessário coletar dados por meio de questionário, normalmente associado às abordagens quantitativas. Na visão de Briceño-León (2003), a integração das duas técnicas permite explorar as potencialidades que cada uma oferece. A combinação dessas técnicas se fez necessária para estabelecer um quadro de evidências, possibilitando a construção de conclusões mais sólidas e contextualizadas. As diferenças específicas das duas perspectivas, longe de ser obstáculo, apresentam-se como possibilidade que, adequadamente utilizadas, trazem produtos científicos de maior qualidade. Mais importante que a pureza de um método, é a sua "capacidade em

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