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Candidatura independente e a Convenção Americana de Direitos Humanos: análise de seu contexto e admissibilidade pelo atual sistema eleitoral brasileiro
Candidatura independente e a Convenção Americana de Direitos Humanos: análise de seu contexto e admissibilidade pelo atual sistema eleitoral brasileiro
Candidatura independente e a Convenção Americana de Direitos Humanos: análise de seu contexto e admissibilidade pelo atual sistema eleitoral brasileiro
E-book188 páginas2 horas

Candidatura independente e a Convenção Americana de Direitos Humanos: análise de seu contexto e admissibilidade pelo atual sistema eleitoral brasileiro

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Sobre este e-book

A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ou Pacto de São José da Costa Rica, consiste em tratado internacional firmado no âmbito da Organização dos Estados Americanos em 22 de novembro de 1969, que dispõe, entre outras garantias, acerca do exercício dos direitos políticos pelos cidadãos dos países que lhe foram signatários, entre os quais o Brasil, onde entrou em vigor em 25 de setembro de 1992. A obra procura compreender, dentro disso, se o disposto no Pacto com relação ao exercício dos direitos políticos oportuniza o registro de candidaturas independentes, ou seja, desvinculadas de partidos políticos, e se tais deveriam ser observadas pelo Brasil, discorrendo, para tanto, sobre temas como o exercício da democracia, histórico dos partidos políticos, disposições constitucionais e aplicabilidade dos tratados de direitos humanos no Brasil, além de precedentes da Corte Interamericana de Direitos Humanos específicos sobre a questão.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento20 de abr. de 2022
ISBN9786525230085
Candidatura independente e a Convenção Americana de Direitos Humanos: análise de seu contexto e admissibilidade pelo atual sistema eleitoral brasileiro

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    Candidatura independente e a Convenção Americana de Direitos Humanos - Julio Firmino da Rocha Filho

    1. INTRODUÇÃO

    A Convenção americana sobre direitos humanos (CADH), ou Pacto de São José da Costa Rica, de 1969, destaca em seu preâmbulo, como seu primeiro propósito, consolidar, neste continente, dentro do quadro das instituições democráticas, um regime de liberdade pessoal e de justiça social, fundado no respeito dos direitos essenciais do homem¹.

    Tal expressão, que reitera, de certo modo, preceitos contidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos², entre outros diplomas de mesma natureza, enaltece a importância da democracia e da liberdade política enquanto institutos a serem garantidos aos indivíduos, ainda que o advento da CADH tenha se dado em período onde alguns de seus signatários já se encontrassem – ou estivessem em vias de se submeter – perante regimes políticos de força, que se estabeleceram em vários países do continente próximo aos anos 1970.

    A consolidação da democracia na região ao longo do tempo, porém, serviu a dar efetividade, ainda que em teoria, aos princípios de liberdade destacados pela CADH, entre os quais, o exercício dos direitos civis e políticos pelos indivíduos.

    A realização dos ideais democráticos, a seu turno, demanda, conforme se sabe, que a vontade do povo, ou seja, a consecução das medidas políticas em seu benefício, se realize por meio de representantes espontaneamente eleitos – até mesmo porque, salvo situações pontuais, a manifestação direta de seus interesses faz-se inexequível. Assim, a chamada democracia representativa dá o tom das sociedades contemporâneas, de forma a que os mandatários políticos façam a mediação, perante o Estado, da vontade popular.

    Dentro disso, detém especial relevância os partidos políticos, que, apresentando-se como canais por onde se realiza a representação política do povo, destinam-se a assegurar a autenticidade do regime democrático, formando candidatos que se agrupam em torno de uma linha ideológica. Assim, no sistema representativo, os partidos exercem papel fundamental à formação e exteriorização da vontade política, desempenhando a mediação entre povo e Estado, não apenas no período eleitoral, mas projetando-se para além desse período enquanto instituições permanentes.

    A definição dita moderna dos partidos políticos emergiu nos Estados Unidos da América, onde o fenômeno eleitoral e atuação das agremiações, em um primeiro momento, atingiu maior importância até do que na Europa, repercutindo mais tenazmente os anseios populares e servindo de meio de comunicação política entre os diversos segmentos da Sociedade e o Estado.

    No Brasil, em especial, a Constituição Federal de 1988 – promulgada três anos após a queda da ditadura militar que perdurara por mais de duas décadas e reduzira a representação partidária a apenas duas agremiações – conferiu destacado relevo aos partidos, uma vez, que ninguém pode concorrer às eleições sem vinculação a uma agremiação política, conforme assevera o art. 14, §3º, V da referida Carta, que exige a filiação partidária como uma das condições de elegibilidade³.

    É admitida por outros Estados, entretanto, a apresentação de candidatura sem filiação partidária, também chamada avulsa ou independente, possibilitando aos cidadãos a escolha de representantes sem vinculação a essas agremiações.

    A CADH, em específico, ao consagrar o direito fundamental do indivíduo a votar e ser votado, estabelece, em seu art. 23, garantias a serem observadas, bem como limitações à prerrogativa de seus signatários em restringir o exercício de tais direitos⁴. Referida Convenção, em linhas gerais, não estabeleceu a filiação partidária como circunstância passível de ser imposta aos cidadãos para o exercício do direito de ser votado, diferentemente de atributos como idade, nacionalidade, capacidade ou mesmo idioma, entre outras possíveis restrições permitidas pela Convenção.

    Com isso, face ao disposto no texto da CADH e, apesar do expressamente previsto em sua Constituição, passou-se a discutir, no Brasil – inclusive com a admissão de caso perante a sua Suprema Corte, em regime de repercussão geral – a possibilidade de candidaturas independentes à vista do disposto na CADH, considerando-se, especialmente, o fato de que o tratado foi ratificado pelo Estado brasileiro em 1992⁵. Afinal, em se tratando a CADH de norma assecuratória de direitos humanos, elevando o exercício dos direitos políticos a tal estatura, sendo recepcionada pelo Brasil, sua aplicação sobrepor-se-ia às restrições contidas em seu ordenamento para formalização das candidaturas.

    Mister considerar, por sua vez, importante precedente da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que decidiu favoravelmente à candidatura de índios a cargos eletivos na Nicarágua, mesmo que a agremiação política integrada por esses não atendesse às exigências da lei nicaraguense⁶. In casu, a sentença entendeu que os direitos humanos dos índios se sobrepunham às exigências legais tidas como exageradas, vez que a natureza do direito dos particulares possui hierarquia constitucional por sobre normas eleitorais.

    Colaborando à análise do tema, tem-se, por sua vez, que, segundo dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), apenas um reduzido grupo, constituído por Brasil, África do Sul, Argentina, Uruguai, Suécia, entre outros, que corresponde a 9,68% dos 217 países do mundo, não adota nenhum tipo de candidatura avulsa em seus pleitos, enquanto outros permitem que pessoas sem filiação partidária disputem pelo menos cadeiras legislativas em nível local ou nacional, casos da Alemanha, Japão, Itália, Reino Unido, e, ainda outros países possibilitam candidaturas avulsas até mesmo para presidente da República, como os Estados Unidos⁷.

    Outrossim, empresta relevo ao estudo em exame os notórios problemas de representatividade enfrentados pelos partidos políticos, especialmente no Brasil.

    Com tais questões em mente, objetiva-se responder, então, à seguinte questão: a CADH, enquanto tratado multilateral de direitos humanos, possibilita o direito a candidaturas independentes e, em sendo assim, tal prerrogativa deve ser respeitada pelo Brasil enquanto signatário da Convenção?

    Para tanto, busca-se compreender, em suma, o advento da democracia e a importância dos partidos políticos para sua consecução; a contextualização da CADH, sua origem e influência; a análise dos dispositivos trazidos por essa face ao exercício dos direitos sociais e políticos e suas eventuais limitações; apreciar os precedentes já submetidos à CIDH no tocante à possibilidade de candidaturas independentes; apontar-se as disposições legais e constitucionais de maior relevo vigentes no Brasil quanto ao exercício do direito à candidatura; a sistemática da recepção, pelo Brasil, das disposições da CADH; a abordagem de recente caso submetido à Suprema Corte brasileira, objetivando o reconhecimento da candidatura independente pelo país; a conclusão, por fim, quanto à possibilidade, ou não, da admissão de candidaturas independentes pelo Brasil à luz do previsto em sua Constituição e em atenção ao disposto no referido tratado, do qual é signatário.


    1 OEA (1969).

    2 ONU (1948).

    3 "Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: (...) § 3º São condições de elegibilidade, na forma da lei: (...) V - a filiação partidária;" (BRASIL, Constituição, 1988).

    4 "Artigo 23. Direitos políticos. 1. Todos os cidadãos devem gozar dos seguintes direitos e oportunidades: a. de participar na direção dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de representantes livremente eleitos; b. de votar e ser eleitos em eleições periódicas autênticas, realizadas por sufrágio universal e igual e por voto secreto que garanta a livre expressão da vontade dos eleitores; e c. de ter acesso, em condições gerais de igualdade, às funções públicas de seu país. 2. A lei pode regular o exercício dos direitos e oportunidades a que se refere o inciso anterior, exclusivamente por motivos de idade, nacionalidade, residência, idioma, instrução, capacidade civil ou mental, ou condenação, por juiz competente, em processo penal" (OEA, 1969).

    5 Tratado ratificado por meio do Decreto n. 678, de 6 de novembro de 1992 (BRASIL, 1992).

    6 Caso Yatama vs. Nicarágua, julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em 2005 (CIDH, 2005).

    7 Vide ALEIXO (2017).

    2. DEMOCRACIA: CONCEPÇÃO, EVOLUÇÃO E CONDIÇÕES PARA SUA REALIZAÇÃO

    Democracia, conforme se convencionou estabelecer ao longo dos tempos, consiste, em suma, no exercício do poder político segundo a vontade dos indivíduos que integram determinada sociedade. As origens desse modelo remontam à Grécia antiga, adotante de um regime em que a população opinava diretamente acerca dos destinos do Estado, embora ainda sem a presença de significativas parcelas da sociedade, como mulheres e escravizados, no processo de tomada de decisões⁸.

    Até que viesse a atingir a forma comumente adotada pela maioria dos países declarados democráticos, contudo, tal forma de manifestação do poder percorreu longo caminho, nem sempre retilíneo e ainda não inteiramente consolidado.

    2.1. O IDEAL DEMOCRÁTICO E SUAS ORIGENS

    Na Roma antiga, a participação popular, ainda por meio de tímidas camadas da sociedade, ocorria por meio de representantes que compunham o Senado, de relevante função política perante o império, mas sem vinculação quanto às decisões tomadas pelo monarca⁹. Em tempos medievais, na Inglaterra, o povo se fazia presente no parlamento, de certa forma, por meio de facções sociais, e na França, já em meio ao século XVIII, a representação popular se dava por meio do chamado Terceiro Estado, que agregava burgueses, trabalhadores e camponeses, mas que, embora correspondesse a quase totalidade da população da época, ocupava posição hierárquica politicamente inferior ao dito Primeiro Estado, composto pelo clero da Igreja, e ao Segundo Estado, constituído pelos aristocratas.

    Pode-se dizer, portanto, que a consecução da democracia passa por uma efetiva participação dos integrantes de determinada sociedade por sobre seus destinos, constituída a mesma por indivíduos dotados de direitos, deveres e vontade política, ou seja, cidadãos¹⁰.

    Remontando às origens dessa concepção, mais precisamente à Grécia antiga, o exercício da cidadania era possível a quem pertencesse à chamada polis, em que, conforme Aristóteles¹¹, "sua qualidade verdadeiramente característica, é o direito de voto nas assembleias e de participação no exercício do poder público em sua pátria". Para tanto, haver-se-ia de atingir requisitos específicos, como filiação a pais também cidadãos gregos, e idade aparente de dezoito anos, demonstrando que o alcance a tal condição era privilégio de pequena parcela da população, constituída de grande massa de escravos e estrangeiros¹².

    A despeito das limitações e do consequente número reduzido de pessoas qualificadas como cidadãos, a estrutura grega já indicava as bases de um regime democrático, que se vinculasse o destino da polis ao interesse de sua sociedade, ainda que fracionadamente considerada. No modelo grego, as decisões que importavam ao Estado eram estabelecidas pelo voto dos cidadãos às propostas explicitadas por oradores em assembleias reunidas para tal fim¹³.

    Aristóteles considerava, ainda, importar à polis que os cidadãos possuíssem riquezas, a fim de que os interesses da sociedade não viessem a ser prejudicados pela vontade de trabalhadores braçais ou pessoas das quais a virtude fosse desconhecida, de forma a que a felicidade do Estado não se vinculasse a pessoas servis ou bárbaras, a exemplo dos camponeses que se encontram ligados à terra já a partir de seu nascimento¹⁴.

    Como se pode observar, os princípios democráticos contidos no pensamento e modelo adotados pela Grécia antiga ainda se encontravam em muito ligados ao senhorio tradicional, que, paradoxalmente, pouco ou nada possuíam de democráticos. Esse status contribuía, na realidade, à manutenção dos regimes absolutistas, em que somente a aristocracia e o clero possuíam influência.

    A evolução das sociedades ao longo do tempo, contudo, especialmente a partir da ascensão da burguesia, desconstituindo o modelo feudal e reorganizando a detenção da riqueza, colaborou ao incremento de um ideal voltado à liberdade e à individualidade.

    2.2. EVOLUÇÃO DA DEMOCRACIA E O ADVENTO DO LIBERALISMO

    Nesse cenário, já em meio ao contexto revolucionário inglês do século XVII, emergiu o pensamento liberal, especialmente através das obras de Thomas Hobbes e John Locke, onde, a partir de uma perspectiva burguesa, dever-se-ia respeitar os direitos naturais do indivíduo, como o trabalho e a propriedade¹⁵.

    A partir dessa nova concepção de sociedade, a liberdade passa a ser reconhecida como direito natural do indivíduo, vinculada, ainda ao direito de propriedade enquanto uma condição também natural, de forma a que o Estado deixasse de restringir o exercício dessa liberdade, permitindo que o indivíduo pudesse produzir e, assim, ascender socialmente, de acordo com seu esforço.

    O ideário defendido por Locke, dentre o qual a ocupação da terra deveria se dar, naturalmente, de maneira diferenciada, de forma

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