Projeto Duarte: Utopia e possibilidades de mudanças na escola
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Projeto Duarte - Alexandre Passos Bitencourt
Agradecimentos
Agradecemos a todos os sujeitos históricos/sociais que compõem as equipes de trabalho para o funcionamento e continuidade do Projeto Duarte, na condução de uma escola verdadeiramente democrática, humana e de qualidade social. Cada um tem contribuído à sua maneira e, certamente, tem deixado impressa na escola sua marca, não nos interessa o julgamento de que ela seja mais ou menos visível. O certo é que cada um de vocês têm contribuído para tornar real a utopia de uma escola que respeita e reconhece a potencialidade dos elementos fundamentais às aprendizagens dos estudantes: tempos, espaços e interações.
Agradecemos toda a comunidade Duarte, em especial, ao Conselho de Escola, à APM, ao Grêmio Estudantil, aos oficineiros que, através do Programa Mais Educação MEC, trouxeram grandes contribuições à promoção de consideráveis mudanças nas relações entre os sujeitos que aqui fazem educação.
A todos fica aqui impresso o nosso profundo respeito e gratidão.
Os Autores
Prefácio
O conhecimento emerge apenas através da invenção e da reinvenção, através da inquietante, impaciente, contínua e esperançosa investigação que os seres humanos buscam no mundo, com o mundo e uns com os outros.
(Paulo Freire)
Paulo Freire nos traz o indício, de que o conhecimento se dá através da invenção e da reinvenção. São exatamente esses dois verbos que formam o coração do por ora apresentado, Projeto Duarte: utopia e possibilidades de mudanças na escola.
Em tempos de uma educação brasileira pautada ou mesmo empacotada por normas prescritivas, currículos rígidos e engessados, a indagação que surge é: o que faltam às escolas para se reinventarem? Podemos dizer que há algo de sintomático em nossa política educacional. Para Jacques Lacan, o sintoma é um sem-sentido, uma opacidade no discurso do sujeito, por representar alguma irrupção de verdade.
Isso não é sem efeito para as escolas, impossibilita transgredir com a concepção apresentada como estável, desconsiderando a realidade escolar com propostas empacotadas, compartimentadas, fechadas num determinado tempo e espaço. Por consequência, as escolas se veem cada vez mais técnicas, sem sujeitos e incapacitadas em traduzirem-se em experiências de saber, visto que há uma prática instrumentalizada, um saber-fazer
, uma experiência vazia de significação, ou seja, são apresentadas verdades absolutas às escolas, pelas secretarias de educação, que não devem ser questionadas, pois é estabelecida uma proposta sem reflexão e sem questionamento, de forma puramente prática, assim, questionamos: como construir espaços de invenção e sair do lugar sintomático da queixa da impossibilidade, de mudança?
Continuando com Freire, ele nos aponta: que é a inquietante, a impaciente e a contínua e esperançosa investigação que os seres humanos buscam no mundo e um com os outros, que possibilita a criação do conhecimento
, podemos, então, entender que esse movimento pode ser equiparado ao que vem sendo criado e desenvolvido pela EMEF Prof. Antônio Duarte de Almeida.
O projeto dessa unidade educacional foi e continua sendo construído coletivamente, ou seja, uns com os outros, carrega em si a possibilidade de ruptura das concepções estipuladas para as escolas em geral. Sai do lugar da busca por um expert, em que prevalece a pedagogia do problema x solução, na qual técnicas específicas são utilizadas para alcançar a produtividade plena da escola. O projeto político pedagógico desenvolvido por essa escola tem colocado para toda a comunidade escolar a necessidade de integrar seus saberes, construir outros, desencadeando uma proposta com autoria dos próprios envolvidos.
Para que ocorresse o rompimento com o padrão estabelecido, foi preciso que houvesse uma implicação dos sujeitos dessa escola, um ato. E é importante diferenciarmos um ato de uma ação, pois não são categorias sinônimas. Um ato não diz respeito a uma ação, nem a uma forma de comportamento, mas envolve uma implicação do sujeito, enquanto as outras categorias podem existir de forma automática, sem que algo realmente passe com ele, como ocorre nas maiorias das propostas das secretarias da educação. São as experiências que implicam o sujeito. Experiência, no sentido colocado por Jorge Larrossa, em que é preciso que algo nos aconteça, e para isso requer: interrupção, parar para pensar, olhar, sentir, suspender a opinião, o automatismo da ação, cultivar a delicadeza, a atenção [...] dar-se tempo e espaço
e, ainda, a experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca
.
É nesse sentido que o Projeto Duarte carrega o potencial de transformação, de transgressão, vivenciando interlocuções de saberes entre seus pares. Isso tudo nos mostra a implicação não com uma ação, mas como um ato, que parte do individual para o coletivo e, assim, viabiliza a posição de lidar e se responsabilizar perante as diferentes situações de aprendizagem, mesmo com a existência do inusitado que a escola impõe. Entendemos que esse cenário corresponde ao que Rinaldo Voltolini (2018) denomina engenhosidade
(criação), ao abordar dialeticamente a relação da escola com o saber e seu ato, e, com isso, possibilitar se colocar a subjetividade.
Podemos crer, que o fato de ter esse posicionamento político e pedagógico, faz com que a escola não comunga com o princípio que é imposto pelas políticas da educação, de que há uma falta de saber
que deve ser suprida pela abundância de propostas, todas com o objetivo de suprir essa falta de saber
, privando a escola de construir seu lugar de saber, fato que vem produzindo inúmeros sintomas na educação.
Como pesquisadora, investiguei a escola aos longos dos anos 2017 e 2018, o que culminou na minha tese de doutorado, na Universidade de São Paulo, em Psicologia e Educação no campo da Psicanalise: "A formação docente na contemporaneidade: do sintoma à possibilidade". A escolha de pesquisar a EMEF Prof. Antônio Duarte de Almeida surgiu do desejo de propor uma abordagem diferente daquelas utilizadas na maioria das pesquisas na área da educação, em que costumam pautar-se na denúncia da impossibilidade, percebendo a escola como resistente à mudança ou vítima de um déficit que inviabilizaria uma aprendizagem de qualidade. Com a pesquisa, pude identificar, no projeto político pedagógico e na sua pratica cotidiana, algo de fluir constante, que atinge o campo pedagógico, a aprendizagem dos estudantes. E coloca em circulação o saber do docente, com trocas de experiências, planejamentos coletivos, bem como a utilização de diferentes espaços no interior e no entorno da escola, diferentes horários para alimentação, tudo organizado a partir de projetos, ou seja, o trabalhar por projeto viabiliza dar sentido e significado a aprendizagem para o estudante, mas também ao professor.
Logo, podemos dizer que esse projeto pedagógico e sua prática se identifica com o que Lacan denomina como discurso do analista, uma vez que envolve oferecer-se como ponto de mira para o desejo de saber
, (LACAN, 1992), oferecer-se como causa de desejo
(LACAN, 1992). O discurso do analista é, portanto, o do sujeito ativo, inventivo, criativo, um sujeito que trabalha próximo do que vem sendo construído por essa escola. Nesse sentido, a proximidade do projeto dessa unidade com o discurso do analista contribui no sentido de produzir movimento, sem apenas reproduzir um girar sem sair do lugar. Portanto, esse discurso deslocado para a instituição escolar provoca uma movimentação, uma mudança no curso do movimento, pois não se trata de um movimento circular, centrado no aluno, no professor, no método ou na tecnologia, característico da pedagogia contemporânea das secretarias de educação em geral, na qual as escolas se veem frente ao impossível, e sempre que nos defrontamos com algo de impossível, ocorre uma impotência.
Não é por acaso a escolha do título "Utopia e possibilidades de mudanças na escola, pois carrega em si uma proposta de movimento para a escola e é capaz de se deixar interpelar, de não se deixar iludir com o ideal de perfeição e do controle. É nesse sentido que nosso entendimento da elaboração dessa escola nos remete ao discurso do analista, pois esta pesquisa nos mostrou que é possível criar paisagens inéditas, desde que resistam inconformadamente, pois como já colocou Guimarães Rosa:
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