O SENHOR DO RÁDIO: A fantástica história de Roberto Carmona, o repórter que viveu os anos dourados do rádio esportivo brasileiro
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Sobre este e-book
José Calil
Jornalista Esportivo
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O SENHOR DO RÁDIO - Cristiano Silva
Cristiano Silva
O SENHOR
DO RÁDIO
A fantástica história de Roberto Carmona,
o repórter que viveu os anos dourados do
rádio esportivo brasileiro
Goiânia-GO
Kelps, 2021
Copyright © 2021 Cristiano Silva
Roberto Carmona, o senhor do rádio
Capa
Lúcia Teixeira de Carvalho
Diagramação
Gustavo Nascimento
Revisão
José Calil
ISBN
978-65-5859-325-6
Biografia, documentário e reportagem
Em memória de Juarez Soares
Roberto Carmona dedica este livro
a sua mãe, Luiza "Nicélia e Paula Castro,
minha eterna gratidão pelo apoio"
CS
O rádio é uma paixão. Impossível falar do rádio esportivo brasileiro sem lembrar de Roberto Carmona, de quem sou um grande admirador. Quando recebi a missão, por parte do escritor Cristiano Silva, de ser o timoneiro desse trabalho fiquei emocionado. Cresci ouvindo Osmar Santos e seu timaço, e Carmona fazia parte da equipe de esportes comandada pelo pai da matéria. Quantas vezes Carmona nos deixou a beira do gramado com suas informações de primeira, como quando Pelé se despediu do futebol no Pacaembu e ao deixar o gramado se dirigiu ao Roberto Carmona, que registrou antes de todos as últimas palavras do rei como jogador de futebol. O espanhol, como ficou conhecido no meio do jornalismo esportivo é uma mistura refinada de fórmula 1 e futebol no ao vivo do rádio em épocas em que o ao vivo de outros países era difícil de se fazer. Eu nunca conheci um repórter esportivo tão desprendido de dinheiro como o Carmona. Já vi tantos profissionais envolvidos com dirigentes de futebol, recebendo deles para elogiar ou atacar, atuando no mercado obscuro da bola, e o Roberto Carmona nunca se envolveu nisso, sempre viveu do seu salário e é também um exemplo moral para todos nós. Sou fã e amigo de Roberto Carmona. O livro está lindo. Então: bola para o mato que o jogo é de campeonato
.
Jorge Kajurú
Jornalista esportivo e Senador da República
SUMÁRIO
DE ONDE EU VI O MUNDO
UM
ME LEVA PARA VER O MUNDO
DOIS
ESTÁ NO AR
TRÊS
NO MUNDO DA BOLA
QUATRO
OS MALUQUINHOS DA LATINHA
CINCO
JOGO DURO PELA AUDIÊNCIA
SEIS
NO BANHEIRO DA RUA JAVARI
SETE
O TESTE NA RECORD
OITO
WADIH E A ENTREVISTA MALDITA
NOVE
PELÉ E OS LENÇOS
DEZ
ABENÇOADO PELO MARECHAL DA VITÓRIA
ONZE
POR LAS PUNTAS, SENHOR
DOZE
O VENDEDOR DE LIVROS
TREZE
PEDRO, ONDE CÊ VAI EU TAMBÉM VOU
QUATORZE
ESPANHA, ENFIM
QUINZE
O MUNDO, ENFIM
DEZESSEIS
O DIA EM QUE O REI DISSE ADEUS
DEZESSETE
USTED? OTRA VEZ?
DEZOITO
COM TELÊ E UM FUJÃO
DEZENOVE
BASTIDORES DE UM FURO
VINTE
APLAUDIDO PELO MORUMBI
VINTE E UM
O DIA EM QUE A DEMOCRACIA PERDEU
VINTE E DOIS
DERROTADA, MAS COM O MUNDO AOS SEUS PÉS
VINTE E TRÊS
VENCENDO MENOTTI
VINTE E QUATRO
A COPA DA BOLA QUADRADA
VINTE E CINCO
A FAIXA DO JAIR
VINTE E SEIS
A VITÓRIA DAS BERMUDAS
VINTE E SETE
OS DOCINHOS DE AYRTON SENNA
VINTE E OITO
NO ELEVADOR COM COLLOR
VINTE E NOVE
RUSGA COM A GLOBO
TRINTA
O INACREDITÁVEL ANO DE 94
TRINTA E UM
O FILHO DO ARI
TRINTA E DOIS
O TRÁGICO ANO DE 1997
TRINTA E TRÊS
DE VOLTA A PARIS
TRINTA E QUATRO
COM ÉDER NA TRANSAMÉRICA
NOTA FINAL
Prefácio
Sempre achei curioso como os destinos se cruzam. Eu e Roberto Carmona somos originários da mesma região, na alta sorocabana. Carmona é de Presidente Bernardes e eu de Rancharia, cidade fundada pelo meu avô, Chico Izidoro.
Em nossa infância nossos pais se mudaram para a mesma cidade, Arapongas, no Paraná e, bem mais tarde, viemos nos cruzar, por mero acaso, na Rua Javari, em São Paulo. Acabamos trabalhando juntos na mesma rádio na capital paulista, a Record, e, depois, na querida Jovem Pan, então conhecida como Rádio Panamericana – a emissora dos esportes.
Já era a década de 60, mas nossos caminhos se encontraram bem antes, nos anos 40, lá no Paraná.
O mundo havia acabado de sair da 2ª Guerra Mundial e nossos pais atravessaram o rio Paranapanema e foram tentar a sorte no norte do Paraná, em Arapongas.
Aquele era um outro mundo. O Paraná era uma floresta imensa (algo como a Amazônia de hoje) e os paulistas invadiram a terra com foice e machado e, em menos de 20 anos, botaram a mata no chão.
A caminhada do homem pela selva a dentro era um ato de grande heroísmo. Não se falava em ecologia. Derrubar as árvores era um ato glorioso. O homem dominando a natureza e o Paraná se tornou, de repente, a meca do ouro verde
– as plantações de café. Foi aí que explodiram Londrina, Arapongas, Apucarana, Mandaguari, Maringá e as regiões mais profundas do meio da mata, onde nasceram Mandaguaçu (que se chamava Vila Guaíra), Nova Esperança (que era Capelinha) e a famosa Fazenda Brasileira
que se fez Paranavaí.
A mata era derrubada, as árvores enfileiradas e o fogo comia tudo. Nos carreadores surgiam as covas do Sumatra, do Bourbon, do Mundo Novo, as sementes de café famosas da época. Época difícil. Dura, para nossos pais, num mundo que acabava de viver quase uma década conflagrada, sem negócios, em razão da guerra mundial – cujo drama foi deixado de lado, como um rebotalho da história.
Agora, o heroísmo estava no machado e na foice para destruir e ocupar a mata. E construir cidades.
Nós, Carmona e eu, éramos dois meninos inviáveis naquele fundão do Brasil.
Saímos do grupão municipal de Arapongas (Ginásio só havia em Londrina e Curitiba. Talvez também Ponta Grossa) e fomos buscar nossos caminhos, longe dali.
O acaso nos uniu em São Paulo, anos depois, num jogo de futebol na Rua Javari.
Eu já estava em rádio e iniciava uma jornada com Darcy Reis, Braga Júnior, Claudio Carsughi, Orlando Duarte e Leônidas da Silva. A equipe era nova. Precisávamos de um repórter. E Carmona estava chegando.
O encontro foi fácil. O convite foi feito. E a história começou.
O rádio tinha seus donos. Nós éramos meros aprendizes – mas para quem veio de uma infância difícil, naquele pós-guerra no Paraná, nada assustava.
E chegamos. Carmona se fez um dos maiores repórteres do Brasil.
Nossa vida foi construída dentro do rádio. Aqui estamos até hoje, nesse veiculo fantástico e maravilhoso. Esse amigo bom e fiel que você liga e desliga, na hora que quiser, e agora poderá ler também.
Joseval Peixoto
Jornalista
DE ONDE EU VI O MUNDO
O mundo na cabeça do menino poderia ser comparado ao de Dom Quixote, o fidalgo espanhol que só pensava em fender gigantes, descabeçar serpentes, matar dragões, desbaratar exércitos, fracassar armadas e desfazer encantamentos. Enfim, moinhos de ventos! Um prato cheio para quem tem boa imaginação e disposição para se jogar em cima deles como se fossem poderosos inimigos. A vida é uma aventura da qual jamais sairemos vivos. Por isso mesmo, todos tem o direito de planejar sonhos e se aventurar pela longa estrada da vida. Vou relatar aqui, sem desviar da verdade nenhum til, casos e coisas do mundo de outro fidalgo espanhol, não menos engenhoso, que um belo dia decidiu ganhar caminhos desconhecidos e por ele jamais percorridos: Roberto Carmona.
O livro é um legado aos futuros profissionais da imprensa esportiva e para quem vive, respira e tem o jornalismo correndo nas veias. Garanto que você vai rir com os contos divertidos dos bastidores do mágico mundo do rádio, aqui relados. Sua escalação está garantida para entrar no fantástico planeta esportivo. Suponho que quando menos esperar você estará diante de pessoas que fazem parte da história recente do Brasil, como Pelé, Senna, Telê, Piquet, Waldh Helu, Leão, Filpo Nuñez, Zezé Moreira, Paulo Machado de Carvalho, Juarez Soares, Fausto Silva, Vicente Matheus, Osmar Santos, Luciano do Valle, Joseval Peixoto, Éder Luiz e tantos outros. Digo isso porque quando fui martelar as teclas do computador na expectativa de arrancar palavras, tal qual um matuto selvagem em busca de lenha para o fogo em um dia frio, me vi deslumbrado igual o jovem escritor que Woody Allen retratou em seu clássico filme Meia Noite em Paris, ali conversando com os personagens, comendo e bebendo, rindo e teimando, sem acreditar que é verdade; vivendo com pessoas que já se foram, mas permanecem vivas e intactas em cada partícula da memória do nosso fidalgo.
Nota do escritor
UM
ME LEVA PARA VER O MUNDO
Corria o ano de 1943
NO NORTE DO Paraná, na maioria das casas, o cheiro do jantar começava por volta das cinco e meia, quase na hora em que as sonoras pancadas do relógio da igreja anunciavam o fim da tarde. Terminada a refeição, os adultos tinham o costume de ir para a porta da rua e ficavam conversando com os vizinhos até a boca da noite. Cachorros latiam e corriam com as crianças, os meninos e as meninas, já crescidinhos, ficavam de olhos compridos assuntando os mais velhos. Os rapazes saiam, uns para jogar bilhar, outros para a praça e ainda outros para o lado oposto da igreja.
Em algumas ocasiões era bom ficar lá até pelas oito e quarenta conversando debaixo do clarão da lua. Entre a queda do prefeito Júlio Junqueira, que voltou depois de cair, e a rodada do futebol, o assunto quase sempre era a geada negra que ceifava as lavouras e as vidas de seus donos. Um caos econômico na cidade. Virava, mexia e surgia o boato de mais um tiro que havia cortado o silêncio da depressão com outro suicídio por causa do prejuízo com a plantação.
O café trouxe o dinheiro no laço para Arapongas. Em pouco tempo se transformou em ouro, enriqueceu os agricultores, gerou empregos. Tudo girava em torno dele. Até a data em que virou cinza da noite para o dia, como se fosse alquimia pelo avesso.
A geada negra sempre destruía milhões de pés de café. O vento frio era tão intenso que os troncos das plantas se queimavam por dentro até o nível do solo. No outro dia, as folhas escureciam, secavam rapidamente e caíam uma por uma. Um dano irreparável. Choro, dor e falência anunciada aos poderosos do café que tinham que arrancar até a raiz de cafezais inteiros e recomeçar o plantio que só daria resultado três anos depois. Desesperados e endividados alguns se matavam.
RECOMEÇAR É PRECISO sempre. Um dia depois do outro e mais um, e o terceiro até que as coisas iam se ajeitando nos seus lugares e a vida brotava com uma nova esperança igual a força jovial das pequeninas mudas de café que em breve estariam outra vez rebentando seus frutos que, depois de colhidos, seriam preparados e transportados nos vagões da Maria Fumaça até o porto de Santos em São Paulo.
Seu Adolfo tinha um caminhão e vivia no trecho. Levava café, esperava um frete retorno e voltava. Sempre que chegava na rua Beija-Flor reduzia a velocidade para ver a molecada correndo atrás do caminhão. Alguns até subiam na carroceria, uma festa. O menorzinho chegava por último segurando a calça curta, caída. Limpava o nariz com o bracinho e timidamente sorria para o caminhoneiro. Esperava ganhar também uma bala de caramelo.
— Seu Adolfo, seu Adolfo, que dia o senhor vai me levar para ver o mundo?
— Oi Robertinho, qualquer dia desses você vem comigo.
— Seu Adolfo, o mundão de meu Deus continua bonito?
— Continua, piá. Mas com umas quebradas feias...
E depois de ganhar umas jujubas, o pequeno Roberto saia correndo, dirigindo seu potente caminhão imaginário, acelerando rápido perto das quebradas feias, porque não é bom demorar ao passar por quebradas feias... e, diante daquelas paisagens lindas que vinham em sua cabeça de menino mudava o barulho que fazia com a boca, engatando a primeira marcha e ia quase parando... porque é bom demais da conta ver coisa bonita.
Êtaaa mundão de meu Deus!
— Um dia vou andar no mundo inteirim — pensava.
DOIS
ESTÁ NO AR
Corria o ano de 1949
A INFÂNCIA SE esconde em cantos estranhos do porão da memória. A viagem com seu Adolfo foi planejada tantas vezes! Provavelmente tendo como primeiro destino o país de sua família: a Espanha. Roberto queria ver um toureiro lutando e divertindo a platéia com seu famoso capote vermelho, arrancando aplausos e, finalmente, derrotando a força bruta do animal com sua esperteza e dribles desconcertantes. Depois seu destino seria a Itália, ir até a famosa Companhia Italiana de Circo. Já pensou chegar perto de uma grande amazona
de verdade? Mas quando ouvia o caminhão do amigo partindo outra vez sem lhe oferecer a bendita carona... ficava acabrunhado no canto, calado e com olhos grandes, adiando mais uma vez o seu sonho de criança. Isso se repetiu até o dia em que o seu Adolfo vendeu o caminhão e se aposentou. Terminou assim, desse jeito. Sem mais nem menos. O que, aliás, é normal. Igual a quase tudo na vida.
Isso posto, posto isto. Voltemos ao sonho do menino que ficou martelando em sua cabeça aquele negocio de percorrer o mundo.
Aa ruas de Arapongas tinham nomes de pássaros como Andorinhas, Tucano, Bem-te-vi, Gaivota e assim por diante. O município era plano e dividido pela linha do trem que ligava Ourinhos a Apucarana. Na rua Beija-Flor morava a família Carmona. A mãe de Roberto, dona Luíza, ficou famosa por ser a única parteira da região. Então, praticamente quase todos os bebês da cidade chegavam ao mundo pelas suas mãos. Sua habilidade era tão grande que quando o doutor Antônio Marcos construiu um hospital imediatamente mandou chamá-la.
— Dona Luiza, a senhora venha trabalhar comigo aqui na maternidade que vou lhe dar um bom salário e ainda pagar os estudo de medicina para o seu menino, o Roberto. Já pensou? Doutor Roberto Carmona.
Dona Luiza bem que gostaria de ver o diploma do doutor Roberto, mas foi logo tirando o cavalinho da chuva por três motivos simples: primeiro, Roberto desde novinho, tinha verdadeiro pavor a sangue e certa vez até desmaiou quando se cortou e viu um pouquinho do vermelho. Segundo, o pai, Gabriel Carmona, sistemático daquele jeito, não queria saber de filho seu sair de casa para estudar no Rio de Janeiro. E terceiro, o rapaz não queria papo com a medicina, estava ocupado fazendo outras coisas que contaremos adiante.
Arapongas tinha seus trinta mil habitantes. O comércio se desenvolveu do lado direito da ferrovia. As ruas eram praticamente todas sem pavimentação. Nas sarjetas haviam valetas por onde corriam as enxurradas. Entre os montões de terra o pó aos poucos parecia ferrugem. Forasteiro que chegasse com roupa branca tinha que tomar cuidado para não se sujar com os espirros de lama quando a charrete passava apressada para descarregar o café. E se respingasse barro na calça o cidadão tinha que lavar com a água de lá, se deixasse para limpar em outro lugar, fora do Paraná, a mancha nunca mais saía. Mistérios da terra roxa...
Longe da medicina, o trabalho de Roberto consistia em colecionar figurinhas de jogadores de futebol, artistas, astros do cinema, curiosidades e feitos militares dos álbuns das balas instrutivas Ruth. O prazer dos prazeres era completar um álbum, principalmente aqueles mais difíceis.
Alguns álbuns depois... chegou, enfim, a oportunidade para seu primeiro emprego: jogar serragem com água no chão batido e passar a vassoura na loja Riachuelo, para que o pó da terra forte em seu tom vermelho não subisse e sujasse as roupas expostas. Essa era sua missão. Todo dia ele fazia tudo sempre igual com a canequinha molhando o interior do comércio.
Antes dessa profissão, ele se aventurou em outras ocupações: foi babá, vigiava os dois filhos