Criança d'agora é fogo
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Sobre este e-book
Nesta nova edição de Criança dagora é fogo, com textos adicionais e ilustrações inéditas, o grande contador de histórias Carlos Drummond de Andrade faz um retrato sensível e divertido da vida cotidiana, que certamente encantará crianças e jovens de todas as idades.
No conto de abertura do livro, uma menina de 4 anos vai ao restaurante com o pai e demonstra seu "poder ultrajovem". A história seguinte, "Na delegacia", conta a inusitada reação da mãe ao descobrir o verdadeiro motivo de seu fi¬lho ter sido preso. Em "Tareco, Badeco e os garotos", duas crianças se divertem ligando para um desconhecido — afi¬nal, "criança dagora é fogo"! A disputa de dois irmãos que moram em um colégio interno e vivem a expectativa de ganhar um presente com a visita do padrinho é o tema de "Caso de escolha". "Serás Ministro" mostra as consequências da escolha de um nome inusitado para a criança. "Na estrada" narra a história de um menino de pernas tortas que só queria brincar como os outros. Em "O segredo do cofre", um menino descobre o que havia no grande cofre misterioso embutido na parede de sua casa. "A menininha e o gerente" acompanha uma garotinha deixada pelo pai com o funcionário de uma loja por "quinze minutinhos, no máximo". "A outra senhora" mostra uma menina escrevendo a redação por ocasião do Dia das Mães. E em "A boca, no papel", o poeta ajuda um pequeno amigo a falar sobre a boca, pois, afi¬nal, "é sempre por ela que falamos dela".
Crianças e adolescentes de hoje, como os de ontem, irão adorar a prosa sensível de Drummond. Um escritor fi¬no, capaz de deliciosas fabulações a partir do dia a dia.
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Criança d'agora é fogo - Carlos Drummond de Andrade
No restaurante
— Quero lasanha.
Aquele anteprojeto de mulher – quatro anos no máximo, desabrochando na ultraminissaia – entrou decidido no restaurante. Não precisava de menu, não precisava de mesa, não precisava de nada. Sabia perfeitamente o que queria. Queria lasanha.
O pai, que mal acabara de estacionar o carro em uma vaga de milagre, apareceu para dirigir a operação-jantar, que é, ou era, da competência dos senhores pais.
— Meu bem, venha cá.
— Quero lasanha.
— Escute aqui, querida. Primeiro, escolhe-se a mesa.
— Não, já escolhi. Lasanha.
Que parada – lia-se na cara do pai. Relutante, a garotinha condescendeu em sentar-se primeiro, e depois encomendar o prato:
— Vou querer lasanha.
— Filhinha, por que não pedimos camarão? Você gosta tanto de camarão.
— Gosto, mas quero lasanha.
— Eu sei, eu sei que você adora camarão. A gente pede uma fritada bem bacana de camarão. Tá?
— Quero lasanha, papai. Não quero camarão.
— Vamos fazer uma coisa. Depois do camarão, a gente pede uma lasanha. Que tal?
— Você come camarão e eu como lasanha.
O garçom aproximou-se, e ela foi logo instruindo:
— Quero uma lasanha.
O pai corrigiu:
— Traga uma fritada de camarão pra dois. Caprichada.
A coisinha amuou. Então não podia querer? Queriam querer em nome dela? Por que é proibido comer lasanha? Essas interrogações também se liam no seu rosto, pois os lábios mantinham reserva. Quando o garçom voltou com os pratos e o serviço, ela atacou:
— Moço, tem lasanha?
— Perfeitamente, senhorita.
O pai, no contra-ataque:
— O senhor providenciou a fritada?
— Já, sim, doutor.
— De camarões bem grandes?
— Daqueles legais, doutor.
— Bem, então me vê um chinite, e pra ela... O que é que você quer, meu anjo?
— Lasanha.
— Traz um suco de laranja pra ela.
Com o chopinho e o suco de laranja, veio a famosa fritada de camarão, que, para surpresa do restaurante inteiro, interessado no desenrolar dos acontecimentos, não foi recusada pela senhorita. Ao contrário, papou-a, e bem. A silenciosa manducação atestava, ainda uma vez no