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Sanção Premial no Brasil:  estudos da função promocional do Direito na atividade negocial
Sanção Premial no Brasil:  estudos da função promocional do Direito na atividade negocial
Sanção Premial no Brasil:  estudos da função promocional do Direito na atividade negocial
E-book472 páginas6 horas

Sanção Premial no Brasil: estudos da função promocional do Direito na atividade negocial

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Sobre este e-book

A obra objetiva compreender, classificar e identificar modelos de fomento existentes em leis nacionais direcionadas às atividades negociais. Após classificar os modelos existentes, analisar-se-á o que se entende como principais modelos existentes no ordenamento jurídico brasileiro, quais sejam: (i) as leis de incentivo fiscal federais que estimulam práticas sociais por meio da redução da carga tributária; (ii) a lei anticorrupção que concede redução de punição para pessoas jurídicas que criem mecanismos de integridade (programas de compliance); e (iii) as leis federais que concedem extinção ou redução de penas a pessoas jurídicas que cometeram ilícitos de interesse econômico (ilícitos anticoncorrenciais, atos de corrupção ou ilícitos em licitações e contratos públicos), por meio de instrumentos negociais denominados acordos de leniência.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de ago. de 2022
ISBN9786525254135

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    Sanção Premial no Brasil - Fabio Martins Bonilha Curi

    CAPÍTULO I - Análise conceitual da função promocional do direito

    Segundo Vilém Flusser²², universo, conhecimento, verdade e realidade são aspectos linguísticos, de forma que, aquilo que se conhece, nada mais é do que um conjunto de dados, dispostos a todos de acordo com suas percepções. Sob essa perspectiva, tem-se que, tanto o Direito, como a própria realidade, são formas de expressões de linguagem que estão sujeitas, portanto, ao conhecimento, à interpretação e às diversas limitações daquele que pretende compreender um determinado tema.

    Assim, para se tomar consciência de algo, faz-se necessária a adoção de um sistema de referência, que, segundo Alaor Caffé Alves²³, está fundado em três elementos: apresentação, objeto representado e sujeito que apresenta o referido objeto. Sem definir o objeto de estudo/análise, não há qualquer possibilidade de conhecimento.

    O objeto da presente obra é o estudo da função promocional do Direito no âmbito negocial. E, para compreendê-la, é necessário conceituá-la e contextualizá-la. Função do Direito é uma expressão que pode ter diversas acepções.²⁴ Para o presente trabalho, entretanto, a expressão função será utilizada como sinônimo de propósito perseguido pela lei. Por sua vez, função promocional é o propósito de promover a conduta desejada pelo legislador em vez de, tão somente, punir a conduta indesejada.

    Tanto a Filosofia como o Direito sempre analisaram a importância da punição para viabilizar a convivência em sociedade. Essa importância não se restringe à ciência jurídica, já que o senso comum, frequentemente, clama por aumento do rigor das leis como meios de solução de conflitos e/ou busca por pacificação social.

    A punição imposta coativamente pelo Estado, porém, nada mais é do que a consequência do que Jhering chamou de mecânica social. Para o autor, a sociedade é movida pela vontade humana que, apesar de estar direcionada para inúmeros sentidos, opera de forma harmônica e conjunta para o mesmo fim.²⁵ E essa vontade humana é movida por quatro alavancas, sendo que duas delas possuem aspecto egoístico e são representadas pela coação e pelo prêmio; e outras duas forças apresentam caráter moral mais elevado, representadas pelo senso de dever e pelo amor.²⁶

    São essas quatro alavancas que representam os pressupostos elementares da sociedade, as forças motrizes cogentes. Por outro lado, a coação imposta por meio de punições, ora em diante denominadas de sanções punitivas, foi a forma priorizada pelos ordenamentos jurídicos para direcionar vontades e, consequentemente, modular condutas; apesar de estas punições serem, ainda nos dizeres de Jhering, a forma psicologicamente mais fraca de direcionamento de vontade. Fato é que prevaleceram. Mais do que isso: a escola jurídica positivista afirma que não existe norma sem sanção punitiva, ou seja, sem uma consequência coercitiva imposta e legitimada pelo Estado, não há Direito.²⁷

    O senso comum e boa parte do senso jurídico²⁸, por sua vez, nunca questionaram que a punição é a forma eficaz de se exigir o cumprimento de uma norma. Normas jurídicas, sociais, religiosas sempre trouxeram alguma punição, como meio de coerção para a modulação de condutas desejadas. As religiões, em regra, preveem dor e ranger de dentes, muitas vezes eternos, para aqueles que não se portarem de acordo com suas regras. Para as normas jurídicas, a sanção proporcional ao dano cometido, o famoso olho por olho de Talião, mostrou-se um enorme avanço na garantia de uma punição mais justa.²⁹

    Também as ciências jurídicas reconhecem a importância do tema e, igualmente, se dedicam bastante ao estudo da punição, analisando a quem compete o direito de punir e qual é a função da pena (reparatória, preventiva e outras). Trata-se de um assunto extremamente envolvente e sempre atual, haja vista que, de acordo com a concepção tridimensional, o direito surge da valorização de um fato, ocasião em que uma norma jurídica é editada, coagindo à prática ou à abstenção de um ato a fim de proteger um bem ou uma pessoa.³⁰

    Quando se pensa nessa coação, é comum que se imagine uma punição ao infrator da lei. O que prevalece é a necessidade de segregar o transgressor e trazer formas de infringência econômicas ou restrições em sua liberdade que desestimulem a reincidência. Nem sempre foi assim. Jhering³¹ ensina que, em Roma, as recompensas, muitas vezes configuradas em títulos e honrarias, tinham função importantíssima para que, aos olhos políticos, os fins sociais fossem atingidos. Um jurista romano punia o infrator da mesma forma que recompensava aquele que praticava o ato desejado. Segundo o autor, até a codificação do Direito Penal, ocorrida no final da república romana, o Direito Compensatório era mais bem definido que o próprio Direito Penal.

    Álvaro Melo Filho e Luís Eduardo Schoueri trazem, em suas respectivas obras de Direito Tributário, outros exemplos sobre a importância do prêmio para modular as condutas dos romanos. Melo Filho afirma que, no próprio Digesto (livro I, Int. I, 1, §1º), já havia previsão de prêmios e punições de acordo com as condutas praticadas.³² Schoueri, por sua vez, exemplifica que em Roma havia isenções de tributos destinadas a estimular pessoas a casarem e terem filhos e que foram replicadas em diversos países.³³

    Desde então, essa lógica não mais prevaleceu. Durante séculos, teorizou-se a punição como forma de modulação de conduta, mas o prêmio utilizado com a mesma finalidade ainda é pouco teorizado. Tanto é assim que a expressão sanção passou a ser sinônimo de punição, trazendo consigo uma forte carga ideológica em seu conteúdo. Em uma consulta a um dicionário jurídico³⁴, verifica-se que as primeiras acepções da palavra remetem a essa ideia. Há também, no entanto, a concepção de que a sanção, do latim santio, sanctionis, de sancire, é aquilo que provém de lei, de modo que pode ser, então, uma recompensa ou uma punição para quem a observa ou a infringe. Ou seja, a palavra sanção pode ter um viés positivo, já que ser sancionado pode corresponder à facilitação de uma conduta ou premiação, por um ato desejado e premiado.

    Além do conceito etimológico, Radcliffe Brown³⁵ busca um conceito antropológico da expressão sanção e transcreve a definição do termo existente na Encyclopedia of the Social Sciences - New York, de 1934, na qual consta a definição de sanção como sendo "uma reação por parte de uma sociedade ou de um número considerável de seus membros a um modo de comportamento que é assim aprovado (sanções positivas) ou reprovado (sanções negativas)".³⁶

    Justamente por isso é que, na presente obra, o termo sanção será muitas vezes adjetivado, ora será utilizada a expressão sanção punitiva, tradicionalmente utilizada pelas ciências jurídicas, ora será utilizada a expressão sanção positiva, que é aquela que trará alguma vantagem ou recompensa àquele que observa o comando normativo, obrigando a um ato ou à abstenção de um fato e, finalmente, ora será utilizada apenas sanção, ocasião em que ambas as formas estarão englobadas.

    Para compreender bem essas acepções que o termo possui, faz-se necessária uma digressão histórica e doutrinária para analisar como a sanção (em suas duas modalidades) fundamenta os diversos pensamentos jurídicos e como ela está intimamente ligada a conceitos de justiça e de Direito. Também se faz necessário segregar as sanções públicas instituídas em leis pelos entes soberanos (democraticamente eleitos ou não), das sanções privadas previstas em instrumentos jurídicos firmados por particulares, tal como os contratos. Isso porque, em ambas as situações, é possível haver a estipulação tanto das sanções punitivas como das premiais.

    Não será, entretanto, uma análise exaustiva, pois, como afirma Norberto Bobbio, a discussão sobre a necessidade/importância da sanção foi objeto das maiores e mais complexas indagações da Filosofia e Teoria Geral do Direito, de tal forma que é possível haver uma divisão entre filósofos sancionistas e não sancionistas.³⁷ Portanto, o objetivo da análise da sanção e, em especial, da sanção positiva terá apenas contexto didático, a fim criar premissas sólidas para compreender, com mais profundidade, os textos de Bobbio que tratam do assunto e são as referências teóricas do presente trabalho.

    1.1 Breve histórico sobre as noções e as funções da sanção positiva

    A punição coativamente imposta enraizou-se de tal maneira que, frequentemente, deixa a impressão de ser a única forma de moldar as condutas. É importante lembrar que sanção, justiça e direitos são expressões que estão intimamente ligadas e sempre foram tratadas pela Filosofia e pelas ciências jurídicas, que questionavam a necessidade de punir/premiar e o direito de fazê-lo.

    Sócrates é exemplo dessa interligação de justiça e sanção. Para o filósofo, a punição como meio de repressão à injustiça mostrava-se bastante questionável. O diálogo entre Sócrates e Polemarco, transcrito por Platão no Livro I de A República³⁸, demonstra o silogismo realizado para chegar à conclusão de que o mal praticado aos inimigos (que podem ser entendidos como transgressores da justiça) apenas os torna piores inimigos.

    Sócrates – Então, queres que acrescentemos ao que dissemos anteriormente a respeito da justiça que é justo ajudar o amigo e prejudicar o inimigo. Agora, devemos também afirmar que é justo ajudar o amigo bom e prejudicar o inimigo mau?

    Polemarco – Precisamente. Dessa maneira parece-me bem explicado.

    Sócrates – Logo, é peculiar ao justo prejudicar a quem quer que seja?

    Polemarco – Não há dúvida de que devemos prejudicar os maus que são nossos inimigos.

    Sócrates – E se fazemos mal aos cavalos, eles se tornam melhores ou piores?

    Polemarco – Piores.

    Sócrates – Relativamente à virtude dos cães ou à dos cavalos?

    Polemarco – A dos cavalos.

    Sócrates – Então, quanto aos cães a que fizermos mal, eles se tomarão piores em relação à virtude dos cães, e não à dos cavalos?

    Polemarco – Exatamente.

    Sócrates - E quanto aos homens a quem se faz mal, podemos também afirmar que se tornam piores conforme a virtude humana?

    Polemarco – Isso mesmo.

    Sócrates – Mas a justiça não é virtude especificamente humana?

    Polemarco – Sim.

    Sócrates – Por conseguinte, meu amigo, os homens contra quem se pratica o mal tornam-se obrigatoriamente piores.

    Polemarco – Concordo. [...]

    Sócrates – Por conseguinte, se alguém declara que a justiça significa restituir a cada um o que lhe é devido, e se por isso entende que o homem justo deve prejudicar os inimigos e ajudar os amigos, não é sábio quem expõe tais ideias. Pois a verdade é bem outra: que não é lícito fazer o mal a ninguém e em nenhuma ocasião.

    Percebe-se que Sócrates traz um grande limite para o conceito grego que definia justiça como sendo dar a cada um o que é seu.³⁹ Para ele, esse fim não pode ser atingido se houver a necessidade de fazer mal a alguém.

    Ainda, utilizando-se dos discursos socráticos, Platão também analisa a função das leis na cidade justa e afirma que não se pode apenas perseguir fins punitivos para infratores, sendo necessário condicionar o cidadão a comportar-se de maneira adequada. Por sua vez, também defende que a persuasão se mostra mais eficaz na busca pela justiça do que a própria coerção. Dizia que a prevalência da coerção era uma deficiência que precisava ser corrigida. Sua sugestão era que fossem criados preâmbulos, com finalidade pedagógica de instruir e convencer seus destinatários.

    nenhum legislador jamais percebeu ainda que embora esteja em seu poder fazer uso dos dois métodos em sua legislação, a saber, a persuasão e a força, na medida em que seja praticável quando se lida com a massa humana inculta, os legisladores na realidade não combinam a coerção com a persuasão, empregando sim somente a coerção pura. E eu, meus caros senhores, noto ainda um terceiro requisito que deve estar presente nas leis e que, no entanto, atualmente não temos onde encontrar [...]

    O que pretendo ao dizer isto? Todo discurso e toda expressão contam com prelúdios e preliminares que produzem uma espécie de preparação em apoio ao desenvolvimento posterior do assunto. [...] Mas para as verdadeiras leis – que denominamos políticas, ninguém até agora jamais formulou, compôs ou publicou um prelúdio, como se a natureza não o comportasse.⁴⁰

    Portanto, a discussão sobre a eficácia da punição como meio de modulação de conduta e como instrumento legislativo sempre foi questionável. Apesar disso, a prevalência do uso da coerção continua sendo uma realidade atual. Ou seja, a deficiência apontada por Platão persiste por mais de 2 mil e 300 anos. Durante todo esse tempo, pode-se discutir se temos apenas estimulado mais ilícitos, já que, segundo a lógica socrática, a punição infligida ao infrator só piora seu caráter.

    O que se pretende destacar até aqui é que, filosoficamente, a punição nunca foi o único caminho para a modulação de condutas. E pode-se questionar se foi o mais eficiente. Como visto, pelo menos desde os primórdios da filosofia clássica ocidental, há, expressamente, análises alternativas à punição.

    Apesar dessa constatação inicial, é indiscutível a importância da punição na evolução histórica para o que, atualmente, se denomina de ciência jurídica. Não por outra razão foi por meio dela que os ordenamentos jurídicos foram estruturados. Por isso, não é demais ressaltar que o presente trabalho não pretende reduzir sua importância. Ao contrário, a ratifica, lembrando que filósofos, como Aristóteles, Thomas Hobbes e Immanuel Kant, sempre a defenderam.

    Aristóteles, por exemplo, afirma que o temor ao castigo é a melhor forma de persuadir o homem a ter bom hábito (éthos). Assim, a lei terá uma função repressiva (pode- se dizer, punitiva) para aqueles, cujo éthos não for condizente com os preceitos do local. Além de ressaltar a importância da repressão, porém, Aristóteles também reconhece a necessidade de a lei exercer um papel pedagógico, politizando e moralizando os indivíduos a serem cidadãos sérios. Isso significa que a lei, tal como defendido por Platão, tem a função de educar as pessoas.

    O ethos [hábito] dos cidadãos é, pois, fortemente condicionado pelas leis da cidade. Estas assumem, junto aos adultos, o espaço do pedagogo – e isso tanto melhor, quanto sua formação tiver sido conduzida conforme o espírito da constituição. Mais precisamente, dado que a educação, em virtude da natureza e do estatuto social de cada um, nem sempre é da mesma qualidade, a lei deve exercer diversas funções. A lei desempenha papel repressivo quanto àqueles cujo ethos não foi convenientemente formado; pode-se dizer que ela socializa sob a forma de hábitos éticos. E é por isso que ela deve suscitar o temor da sua sanção (...) A lei, exercendo antes o papel de norma do que de proibição, pode preencher aqui sua função ética; politizando e ‘moralizando" os indivíduos, faz deles cidadãos sérios e permite-lhes atingir o alto grau de humanidade de que são suscetíveis.⁴¹

    Há outras diversas passagens em que a necessidade do temor à lei é ressaltada por Aristóteles. Destaca-se, por outro lado, que o filósofo reconhece a existência de outras ferramentas de cunho educacional. Aliás, também na educação, a punição que já foi muito utilizada como meio corretivo de alunos, hoje, no Brasil, é proibida, em razão de prevalecer o entendimento de que se trata de uma forma arcaica e autoritária, incompatível, portanto, com um ordenamento minimamente democrático e com as proteções internacionais garantidas a crianças e adolescentes.⁴²

    De toda forma, o importante é verificar a constatação aristotélica de que a lei também possui uma função educativa. Logo, sendo essa premissa verdadeira, é preciso que o legislador se aproprie de técnicas de outras ciências que também estudam o comportamento humano e as desenvolva a fim de melhorar, no mínimo, esse aspecto da lei.⁴³

    Seguindo a análise filosófica da sanção, também se destaca o entendimento de Thomas Hobbes que, na obra O Leviatã, datada de 1651, teorizou sobre a natureza humana e sobre a necessidade de um Estado e sociedade fortes, com leis e punições rígidas. Segundo ele, a pena é um dano necessário para que se garanta a obediência e é infligida pelo Estado a quem transgrediu a lei.

    Thomas Hobbes diferencia as leis naturais das leis civis e foca sua análise na punição ressaltando, por diversas vezes, a necessidade do uso da força para que a lei do soberano prevaleça e, consequentemente, a paz social se sobreponha ao estado de natureza; reconhece o prêmio como um poder ao lado da punição, mas entende que a função da pena é desestimular a prática de desserviços à república.⁴⁴

    Em outra perspectiva, Gisele Salgado destaca que Thomas Hobbes reconhece que o medo, isoladamente, não consegue manter o Estado, havendo a necessidade de ir além da coerção para obter a obediência dos súditos e, tal como os filósofos gregos, Hobbes falará da necessidade de persuasão e Educação, os quais devem atuar conjuntamente com a espada no cumprimento das normas. Não basta, então, o medo para deixar-se ser governado, sendo necessária a crença em uma sociedade melhor, o que, para Hobbes, seria o estado civil.

    Hobbes, além da coerção via sanção do soberano, entende que há outros tipos de direção de comportamentos. Outras formas de se conseguir a obediência dos súditos, além da sanção, são a educação e a persuasão. Essas não se dão a partir da sanção estatal, mas sim através do poder de convencimento do soberano, que é exercido pela linguagem. Para Hobbes a espada não supera o poder da persuasão dos súditos para o cumprimento das normas, mas atua conjuntamente a esta.⁴⁵

    Norberto Bobbio analisa a fundo a obra hobbesiana e, em diversas passagens, traz noções de que Hobbes deve ser classificado como um filósofo positivista, justamente em razão de seu grande foco ter sido direcionado à importância da lei dos homens.⁴⁶ Para Bobbio, essa é uma conceituação formal de Direito, pois só a lei positivada pelo soberano é capaz de acarretar sanção.

    Além disso, Bobbio ressalta que, na teoria de Hobbes, não há referência nem ao conteúdo, nem ao fim do Direito. [...] A definição do Direito é dada apenas com base na autoridade que põe as normas e, portanto, com base num elemento puramente formal.⁴⁷ Essa análise de Norberto Bobbio sobre Thomas Hobbes é bem sintetizada por Gisele Salgado⁴⁸

    Bobbio acredita que Hobbes é um positivista, pois a lei da natureza será positivada no Estado e esta vira lei dos homens, que é a lei do soberano e é esta que, se for descumprida, acarretará sanção.

    Bobbio entende que há uma diferença entre os dois tipos de leis em Hobbes e o que as difere é a exigibilidade frente ao Estado soberano, que se dá pela existência de uma sanção estatal. Para Bobbio, a definição de Hobbes de Direito é puramente formal, assemelhando-se aos padrões que serão admitidos no positivismo jurídico.

    Realmente, quando se analisa a teoria hobbesiana sob essa perspectiva, verifica-se uma grande semelhança com a teoria kelseniana, que consagrou o positivismo, pois, em ambas, prevalece um enfoque formal do Direito, no qual a punição legitimada pelo Estado é a essência do ordenamento. Como visto anteriormente, porém, Thomas Hobbes não acredita que apenas a punição garantirá a subordinação do súdito à lei, sendo necessária a utilização conjunta da persuasão e da educação, a fim de que a sujeição à lei seja efetiva.

    Outro filósofo importante sempre citado para compreender a Teoria Geral do Direito é Immanuel Kant. Norberto Bobbio também disserta sobre como esse filósofo compreende a sanção imposta pelo Estado. Ao analisar a obra Metafísica dos Costumes, Bobbio afirma que a diferença entre direito e moral para Kant está precisamente na coerção, presente no primeiro e ausente na segunda. Portanto, é a possibilidade do uso da força que irá ser o grande divisor de águas entre a moral e o direito.⁴⁹

    Percebe-se que Immanuel Kant conclui, então, que a coerção existente para o cumprimento da norma é que diferencia o direito da moral. Daí a importância da punição, que irá impor o cumprimento, pois, sempre que a prática ou abstenção de um ato for condicionada, não há uma prática moral. Essa prática condicionada é denominada pelo autor de heteronomia. Norberto Bobbio ressalta essa conclusão ao afirmar que, para Immanuel Kant, "a coação se concilia com a norma jurídica porque esta é heterônoma, mas não com a norma moral, porque esta é

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