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Pegou Seu Par De Pernas Finas E Foi Embora
Pegou Seu Par De Pernas Finas E Foi Embora
Pegou Seu Par De Pernas Finas E Foi Embora
E-book97 páginas59 minutos

Pegou Seu Par De Pernas Finas E Foi Embora

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Sobre este e-book

Num momento em que não sabe mais o que quer da vida, em que sonhos não se realizaram e a vida parece não estar muito afim de ser simpática com ela, nossa protagonista perde e retoma o fôlego algumas vezes para dividir conosco suas inquietações e agonias cheias de poesia. Ou de amargura.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento9 de nov. de 2015
Pegou Seu Par De Pernas Finas E Foi Embora

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    Pegou Seu Par De Pernas Finas E Foi Embora - Larissa Lima

    Larissa Lima

    Pegou seu par de pernas finas e foi embora

    1ª Edição

    São Paulo

    2015

    Direitos autorais do texto original₢ 2015 Larissa Lima

    Todos os direitos reservados

    1.

    Eu tinha um chá na geladeira, dois dedos de vodca no armário e um medo debaixo da pele. O chá  era resto dos dias em que eu tentei viver como aquele tipo de pessoa que vive bebendo chá e a vodca era pra colocar um pouco de fogo no frio que o medo deixava em mim. O medo que vem dentro de cada nova ruga, de cada dor nas costas e nos ombros e nos calcanhares. De cada cabelo com tinta vencida, de cada gozo e cada sorriso sem mostrar os dentes. O medo de encostar-se ao outro, o medo de escutar minha própria voz.

    Ela tinha medo, não, ela tinha nojo, agonia de escutar a própria voz.

    Se cantava, cantava surdamente pra poder escutar a verdade. Escutar a própria voz nunca vinha com o sentimento de verdade. Sempre parecia estranho, parecia falso, parecia ela. Era quando ela lembrava que não gostava dela.

    Que não gostava do que era,

    que não gosto de nada do que poderia ser. Mas não é mais do corpo que eu não gosto, não é mais das pernas finas e desequilibradas, não é do nariz grosso nem dos dentes tortos. Não, não, com o tempo, disso tudo passei até a gostar, a não me importar.

    Não.

    Eu não gosto mesmo é do que carrego quando estou sem espelho.

    Quando só tenho o lado de dentro pra olhar.

    Pra te falar a verdade eu nem gosto muito de espelho. Evito todo tipo de coisa que cause algum reflexo - janelas de carro, portas de vidro, ou as poças de água no meio-fio. Mas não é por enxergar as pernas finas, o nariz grosso e os dentes tortos. Eu não gosto mesmo é do maldito espelho que olha praquela que vive no inverso. Praquela que não dorme. Praquela que revira de ódio porque pouco a pouco foi sendo esquecida, foi sendo esquecida para poder sobreviver.

    Ela sabia que não era do tipo que sobrevive. Ela nasceu pra ser do tipo que se entrega, que se acaba e se abandona. Do tipo que enche a cara pra ver se consegue encher a porra da alma. Do tipo que nem acredita em alma, o que é que ela tá falando - deve ter enchido a cara hoje.

    Mas eu só bebi chá hoje.

    mas hoje não é desses dias em que ela tenta viver como essas pessoas que bebem chá. É que chá é só o que sobrou na geladeira da visita que aquela menina estranha do curso de fotografia, que ela tentou fazer mas não teve grana pra continuar, fez a ela – a única visita que ela já teve nessa cidade até então. Ela mora há cinco anos em São Paulo.

    Talvez eu consiga mesmo morrer de fome com essa merda de ideia de não comer nada pra ver até onde o corpo vai, que merda de ideia foi essa e agora to com esse estômago gritando e eu quero que ele cale a boca, mas pelo menos ele não tem a mesma voz que eu. A voz do estômago pelo menos é uma voz completa, a voz do estômago é melhor do que eu. A porra da voz do estômago que não cala é uma voz que não vai parar até que dê o que ela quer, o que ela precisa, o que ela cismou que precisa. A voz do estômago é muito melhor do que eu.

    Enquanto ela e o estômago e todas as vozes que viviam ali colocavam as três blusas de frio (ela aprendera a falar blusa – o que achava ridículo - em vez de casaco) que ela costumava usar para enfrentar o frio de São Paulo desde que se mudara, pensava:

    que merda de cidade é essa que eu tenho que parecer um mostruário de casacos de mau gosto mas é o que tem e é o que dá pra usar. merda de cidade e merda de frio.

    Quando caminhava pra estação do trem, o que levava uns cinco minutos, a raiva da cidade - ela sabia - ia diminuir e diminuir a cada sensação gelada no rosto e diminuir a cada pelo encolhido – os pelos dela encolhiam de frio, não eriçavam – ia diminuir a cada olhar vago que cruzava pelo caminho e ia diminuir até querer cravar os pés mais fundo nas calçadas dessa cidade que há pouco ela odiava e agora já amava para daqui a pouco poder odiar de novo.

    Eles são escrotos, mas até que tem lugar pior.

    Depois de 40 minutos, ela chegou na Paulista. Desceu a Augusta. Ela sempre decide o lugar que vai entrar pelas pessoas que ficam na frente.

    aqui não entro nunca. Esse até é legal mas não sujo o suficiente. Saco desviar desses casais que insistem em andar

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