O Segredo Das Fronteiras
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O Segredo Das Fronteiras - Ycarim Melgaço Barbosa
A história do Brasil é recheada de acordos entre cavalheiros, com seus interesses patrimonialistas, liderados por um grupo com perfil aristocrático. Foi assim na Independência do Brasil, na Proclamação da República e também na definição dos limites internos do país, isto é, nas divisões regionais.
O presente livro descreve os elos do poder regional alinhado aos interesses da União visando o rearranjo das fronteiras políticas regionais, os quais proporcionaram uma mudança nos limites geográficos brasileiros a partir da criação de um novo estado, o Tocantins. Nesse sentido, a obra analisa o que esteve por trás da nova constituição fronteiriça: as alianças e manobras no interior da Assembleia Nacional Constituinte de 1987, uma vez que, das várias propostas de novos estados apresentadas, apenas uma foi aprovada, a do estado do Tocantins. Examina também os bastidores dessa assembleia, considerando-se que critérios técnicos não fizeram parte da gênese do jovem estado.
Após a criação do Tocantins, deram-se outros desdobramentos, entre eles, a fundação de uma nova cidade – a capital, Palmas. Construída nos moldes da arquitetura moderna, no entanto, em seu bojo, estava reservada uma estrutura urbana excludente, consolidando as fronteiras do capital expansionista e conservador e fechando os vértices entre a divisão regional, a fronteira e o poder.
Reconhece-se que, nas políticas regionais brasileiras, ainda persiste um modelo de acumulação primitiva permanente ou espólio. Movidos pela expansão do capital, empresários da construção civil e dos meios de comunicação se organizaram em interesses políticos de cunho regional, sendo representados por entidades de classe e liderados, sobretudo, por grandes proprietários rurais articulados com o poder nacional. Essa correlação de forças redefiniu as fronteiras de um novo estado na região Norte do país.
Antes da Constituinte de 1987, a concepção do estado do Tocantins teve duas propostas aprovadas pelo Congresso. Posteriormente, foram vetadas pelo poder executivo, de acordo com laudo técnico elaborado por equipe do Ministério do Interior, pasta existente nos anos 1980. Porém, no período da Constituinte, a história tomou outro rumo: a intenção do presidente José Sarney de prolongar por mais um ano seu mandato exigia o apoio dos constituintes, o que modificou sua opinião a respeito da fundação desse estado. A mudança de atitude combinou com os desígnios daqueles que comandavam a política e a economia na região.
A criação do estado do Tocantins foi permeada por dois discursos ideológicos: o primeiro defendia a tese de que a região era abandonada, esquecida; o segundo discurso se fundamentava na construção de uma identidade nortense, situando-se como proposta de ligação à terra, no sentido de afetividade e de raízes. A noção de identidade nortense alimentou os discursos proferidos pelo relator na comissão de criação de novos estados na Constituinte de 1987, o deputado Siqueira Campos, do Partido Social Democrático (PSD).
Diante disso, sem perceber que estava sendo usada, a população se transformou em plataforma de luta pela conquista e emancipação de uma nova divisão político-administrativa. Ao final do processo, a população se tornou mero figurante, uma vez que foi esquecida após a consolidação da nova configuração fronteiriça.
A presente obra destaca também a comprovação de que a construção da cidade de Palmas, num estilo moderno e arrojado, gerou custos bastante elevados para um estado recém-criado e que dependia de recursos do governo federal. Tem-se, portanto, a dialética da inclusão/exclusão, envolvendo a população do novo estado, que dormiu goiana e amanheceu tocantinense. Nesse sentido, as considerações aqui mencionadas constituem as grandes contradições das políticas voltadas para a criação do estado do Tocantins. O preconizado salto para a modernidade omitiu outra realidade: a de que o governo do Tocantins reproduziu o abandono, outrora fonte de inspiração para justificar a criação do próprio estado.
Por fim, pode-se afirmar que a fundação do estado do Tocantins não foi fruto do anseio legítimo da população e muito menos oriunda de um estudo técnico favorável, mas tão somente o resultado de interesses de políticos e latifundiários da região articulados com o governo federal.
Ycarim Melgaço Barbosa
O significado de fronteira é amplo, desde um sentido abstrato ao mundo físico ou tangível. Nesta obra, o interesse sobre a noção de fronteira percorre os limites geográficos responsáveis pela separação entre comunidades, sociedades e muito mais que isso, relaciona poder e governos.
Qualquer autoridade política e judiciária tem limites físicos – uma característica tão óbvia que dispensa comentários. A localização dos limites e os propósitos a que servem influenciam a vida das pessoas separadas por fronteiras. As fronteiras contemporâneas não são simples linhas nos mapas, uma vez que, no exame das justificativas do seu aumento crucial, às vezes dramático, são identificadas questões envolvendo cidadania, identidade, lealdade política, exclusão, inclusão e os fins do Estado (ANDERSON, 1997).
Fronteiras entre Estados, por sua vez, são compreendidas como instituições e processos. Como instituições, são estabelecidas por meio de decisões políticas e regulamentadas por textos legais; consistem numa instituição política básica, visto que, sem ela, nenhum critério de fronteira econômica, social ou de atividade política em sociedades complexas poderia ser organizado. Diferentes tipos de fronteiras existiram antes do Estado Moderno e outras tantas emergiram depois dele (ANDERSON, 1997). Como processos, as fronteiras apresentam quatro dimensões. A primeira diz respeito às políticas de Estado, pois os governos tentam modificar, em proveito próprio, sua localização e suas funções. A segunda diz respeito às políticas e práticas de governos consideradas como formas de repressão, em face do controle que possuem sobre as fronteiras; na contemporaneidade, a incapacidade dos governos de controlar grande parte do tráfico de pessoas e de mercadorias por meio das suas fronteiras mudou a natureza dos Estados. Em sua terceira dimensão, as fronteiras são definidoras de identidade. No século XX, apareceram, principalmente, como identidade nacional; embora sejam identidades políticas, podem ser mais amplas ou mais estreitas do que o Estado-nação. Fronteiras, nesse sentido, são parte de crenças políticas e de mitos sobre a unidade de um povo e, algumas vezes, sobre a unidade natural de um território. No entanto, mitos de unidade podem ser criados ou transformados com considerável rapidez durante guerras, revoluções e levantes. Na quarta dimensão, o termo fronteiras se apresenta como controverso, isto é, diferentes definições são mencionadas, tanto no aspecto geral quanto no aspecto particular, mudando de tempos em tempos. Nota-se que o termo tem sido empregado nas áreas de direito, diplomacia e política e seu significado varia de acordo com o contexto (ANDERSON, 1997). Portanto, é empregado com significados distintos, de acordo com as necessidades de determinado momento.
Cada fronteira tem sua história, resultando de um princípio dinâmico: o crescimento da população, a valorização das terras, a pressão da contiguidade (chamada pelos alemães de espaço vital). Nas orlas de contiguidade, se apresentam os elementos de expansão, de ataque e de defesa que os recursos e a cultura da época põem à disposição do Estado (MATTOS, 1975).
Segundo Martin (1994), a palavra fronteira:
(...) é derivada do antigo latim fronteria ou frontaria, que indicava a parte do território situada in fronte, isto é, nas margens. Isso significa dizer que a avaliação da história anterior a Roma e mesmo de outras sociedades torna-se um tanto especulativa. Aliás, as próprias fronteiras do Império foram chamadas de limes, o que originariamente significava ‘confim entre dois campos’ e se referia, portanto, à propriedade fundiária individual.
Os Estados primitivos não procuravam contatos com os vizinhos, portanto, não havia contiguidade nem pressões fronteiriças; predominavam as fronteiras zonas, espaços imprecisos e incertos, percorridos, às vezes, por caravanas. Com o crescimento dos interesses de ocupação do solo, tornaram-se mais precisas as lindes e começaram a se esboçar as linhas. Os romanos as desenhavam por meio das lapides terminales e o Império de Carlos Magno, por meio das marcas carolíngias (MATTOS, 1975).
Durante muito tempo, isolar foi a função precípua das fronteiras. Os Estados antigos e medievais preferiam, por motivos vários, segregar suas populações do contato com o exterior. Por isso, optavam por fronteiras de difícil transposição – rios caudalosos, cadeias de montanhas e vazios ecumênicos. Após a Idade Média, passaram a predominar os interesses de reunir antigos feudos confinados em organizações políticas maiores. Dessa forma, prevaleceram os interesses comerciais e culturais entre os Estados. A fronteira se tornou a porta de entrada dos países que exerciam o controle da sua soberania (MATTOS, 1975).
A noção de