O Estatuto dos Haitianos no Brasil e a dificuldade da propositura de política públicas
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Sobre este e-book
A diversidade de situações migratórias recodifica as cidades brasileiras, que registram elevada alteração em seus registros quantitativos para implantação de suas políticas públicas, ante a surpreendente mudança populacional com a chegada de imigrantes haitianos, os quais necessitam de todo o amparo cultural, social e dos direitos garantidos a estes constitucionalmente. Pensar leis e políticas migratórias deve sempre levar em consideração tais diversidades, pois, se políticas públicas devem ser universais, obrigatoriamente precisam incluir também a população migrante e denota-se que as transições demográficas, o crescimento econômico e as crises financeiras internacionais remodelam a faceta das migrações. O Brasil é consolidado como um espaço cada vez mais relevante para a compreensão de dinâmicas migratórias, deixando de ser apenas espaço de entrada ou saída, para se definir como um ponto estratégico nas trajetórias de migrações das mais variadas nacionalidades.
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O Estatuto dos Haitianos no Brasil e a dificuldade da propositura de política públicas - Débora Teixeira dos Reis
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho propõe apresentar a problemática envolvendo a criação de política públicas que atendam aos processos migratórios, em particular, a política imigratória brasileira, principalmente em relação aos haitianos. Busca-se ponderar a condição desses imigrantes, que chegaram em número vertiginoso ao Brasil após a ocorrência do terremoto que assolou o Haiti, em 2010, o que originou a concessão, por parte do governo brasileiro, de visto humanitário.
A política pública, esclarece Souza (2006), possui diversas definições, podendo-se dizer que se trata desde a escolha do que fazer ou não fazer1, a atuação dos governos e os resultados obtidos por meio dessas ações. Formulação, escolha, implementação, análise e avaliação de políticas públicas estão relacionadas e atuam complementarmente. De acordo com Lima e D’ascenzi (2013, p. 101-102):
A fase da formulação é composta pelos processos de definição e escolha dos problemas que merecem a intervenção estatal, produção de soluções ou alternativas e tomada de decisão. A implementação refere-se à execução das decisões adotadas na etapa prévia. A avaliação consiste na interrogação sobre o impacto da política.
Por essa linha de pensar, dentre os modelos de formulação e análise de políticas públicas, o ciclo da política pública — ao concebê-la como um ciclo deliberativo, constituído pelos estágios da definição da agenda, identificação de alternativas, avaliação das opções, seleção de opções, implementação e avaliação (SOUZA, 2006) — se apresenta adequado para fundamentar a análise e avaliação do resultado de uma política pública.
A prática de conceder asilo em terras estrangeiras, que hoje podemos considerar uma política pública a pessoas que estão fugindo de perseguição, é uma das características mais antigas da civilização. Embora cada época tenha atribuído significados distintos, referências a essa prática foram encontradas em textos escritos há 3.500 anos, durante o florescimento dos antigos grandes impérios do Oriente Médio, como Hitita, Babilônico, Assírio e Egípcio Antigo. O termo refúgio
também aparece na Bíblia, mais especificamente no Antigo Testamento, valendo-se de diversos termos, como refúgio
, asilo
e amparo
(ANNONI; VALDES, 2013).
Nos tempos atuais, o objetivo principal das migrações diz respeito a situações relacionadas a deslocamentos de populações que buscam refúgio em outro país ou outra região. Por motivos étnicos, religiosos, de nacionalidade, participação em grupos ideológicos ou, ainda, como no caso analisado, em razão da miséria e falta de perspectivas em um país devastado por diversas catástrofes naturais, essas pessoas saem de sua pátria e se deslocam em busca de locais onde possam, mesmo que minimamente, reconstruir suas vidas e ter amparo em seus direitos fundamentais. Em um mundo dividido politicamente, os elementos de territórios e soberania criam barreiras para o deslocamento das pessoas que fogem de conflitos e guerras ou que foram devastados por catástrofes naturais. Nos dizeres de Filippo Grandi, alto comissário da Organização Nacional das Nações Unidas (ONU) para refugiados, em entrevista à rede EBC (Agência Brasil2), o mundo […] enfrenta não só uma crise de números, mas de cooperação e solidariedade
.
Certamente, nenhum povo ou pessoa escolhe ser refugiado, dependente de outra nação ou cultura, para poder satisfazer suas necessidades básicas. No entanto, de acordo com dados disponibilizados pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR3), estima-se que o número de pessoas fora de seus países, no mundo, seja de, aproximadamente, 40 milhões de pessoas (RAMOS; RODRIGUES; ALMEIDA, 2011).
Em países desenvolvidos, é grande o número de residentes estrangeiros, representando grandes parcelas de sua população, como na Austrália, com 28,2%; no Canadá, com 21,8%; e na Alemanha, com 14,9%; ficando à frente dos Estados Unidos da América (EUA), com 14,5%; e do Reino Unido, com 13,2% (DENK, 2016). O Brasil também tem em sua história a composição e formação da população marcada por distintos movimentos migratórios, que chegaram ao país em diferentes momentos de sua história. No século XIX, o Brasil, com o auxílio da propaganda do governo brasileiro, era visto na Europa como um país de muitas oportunidades. Pessoas que passavam por dificuldades econômicas enxergaram uma ótima chance de prosperar no país (LIPPI, 2002).
Assim, na segunda metade do século XIX, logrou-se uma intensa imigração europeia, trazendo ao país cerca de 1,9 milhão de europeus italianos, espanhóis e alemães, em busca de melhores oportunidades de trabalho (LIPPI, 2002). Em um segundo momento, cerca de 2,1 milhões de imigrantes poloneses, russos e romenos vieram ao Brasil no período pós-Primeira Guerra Mundial. Um pouco depois, foi a chegada dos japoneses e de novas imigrações espanholas, gregas e sírio-libanesas, dirigidas ao atendimento do setor industrial até por volta dos anos de 1960, quando houve a redução do movimento migratório no Brasil. A partir de então, as migrações passaram a sedar, sobretudo, no plano interno, nos limites econômicos das regiões territoriais mais produtivas (SILVA, 2015).
As migrações internacionais provocam enormes transformações econômicas, sociais, políticas, culturais e ideológicas por conta da complexidade e diversidade do processo de redistribuição da população, em âmbito mundial. Daí a necessidade crescente da governança das migrações internacionais (MARMONA, 2010). O Estado necessita desempenhar funções de políticas públicas que se transformaram com o passar do tempo. Nos séculos XVIII e XIX, o objetivo primordial da atuação do Estado era a segurança pública e a defesa externa em caso de ataque inimigo, superada com o crescimento da democracia. Com a evolução da sociedade e a ampliação do reconhecimento das soberanias territoriais, pode-se afirmar que a função do Estado é buscar o bem-estar da sociedade, criando, aplicando e desenvolvendo ações de amparo às áreas de relevância para a sobrevivência da população (MARMONA, 2010).
No entanto, na análise de Bauman (2017), algumas populações que buscam uma nação que não a sua de origem para refazer sua vida e prosperar são completamente despolitizadas, no sentido de não estarem assistidas por qualquer política pública, seja no seu país de origem, seja no país onde escolheu viver, tornando-se aquele que bate à porta sem ser convidado. Para o autor, existe uma separação, por ele criticada, entre nós
, os nativos; e eles
, os imigrantes, decorrente da identificação de uma ameaça existencial que eles
representam à proteção da ordem doméstica
. No seu entender, a população do país que recebe o imigrante deveria tratar a questão levando em conta a responsabilidade moral (no sentido de dever de recepcionar e acolher) de receber e proteger, e não enxergá-lo como uma ameaça, criando políticas restritivas e nacionalistas (BAUMAN, 2017).
O aumento de fluxos de migrações internacionais envolvendo o Brasil, com as características que vêm surgindo nas últimas décadas, é um fenômeno relativamente novo no país e, considerando a diversidade de tipos e origens dos fluxos e suas especificidades regionais, levando em conta as dimensões continentais do país, torna a compreensão desse fenômeno uma tarefa ainda mais complexa e difícil.
A diversidade de situações migratórias redimensiona as cidades brasileiras, que indicam elevada alteração em seus registros quantitativos para a implantação de suas políticas públicas, ante a surpreendente mudança populacional com a chegada de imigrantes haitianos, os quais necessitam de todo o amparo cultural, social e dos direitos garantidos a eles constitucionalmente4.
Pensar leis e políticas migratórias precisa levar em consideração tais diversidades, pois, se políticas públicas devem ser universais, obrigatoriamente, devem incluir, também, a população migrante e toda a sua diversidade, para que ela tenha direitos garantidos, acesso aos serviços e possa desenvolver perspectivas de vida, integração e participação com equidade (NASCIMENTO, 2014).
De fato, as políticas públicas são realizadas considerando determinada população, em que se visa ao atingimento