Repensando O Espiritismo
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Repensando O Espiritismo - Robson Gonçalves E Artur Amorim
Repensando o Espiritismo
Contribuição para seu avanço em nosso tempo
Robson Gonçalves e Artur Amorim
Robson Gonçalves e Artur Amorim
2
REPENSANDO O ESPIRITISMO
Repensando o
Espiritismo
Contribuição para seu avanço em
nosso tempo
Robson Gonçalves e Artur Amorim
Primeira Edição
Edição dos Autores
São Paulo, 2016
3
Robson Gonçalves e Artur Amorim
4
REPENSANDO O ESPIRITISMO
À memória de Dona Tânia Amorim
À memória de Ana Graça dos Santos, tia Nini,
por meio da pessoa de seu filho, Edinho
5
Robson Gonçalves e Artur Amorim
6
REPENSANDO O ESPIRITISMO
O Espiritismo começou com Kardec,
mas não terminou com ele.
Seus ramos crescem e dão novos frutos,
apoiados na velha estaca do Cristianismo.
Quando chega o tempo, é preciso
saber se dedicar à colheita, mas também à poda.
7
Robson Gonçalves e Artur Amorim
8
REPENSANDO O ESPIRITISMO
É dado ao homem conhecer o princípio das coisas?
"Não. Deus não permite que ao homem tudo seja
revelado neste mundo."
O Espírito da Verdade in O Livro dos Espírito
"Caminhando de par com o progresso, o
Espiritismo jamais será ultrapassado porque, se
novas descobertas lhe demonstrassem estar em erro
acerca de um ponto qualquer, ele se modificaria
nesse ponto. Se uma verdade nova se revelar, ele a
aceitará."
Allan Kardec in A Gênese
"Discernimento não é simples adorno. Antes de
criticar as instituições espíritas que julgue
deficientes, contribuir, em pessoa, para que se
ergam a nível mais elevado."
André Luiz in Conduta Espírita
9
Robson Gonçalves e Artur Amorim
10
REPENSANDO O ESPIRITISMO
Nota prévia sobre a autoria dessa obra
Esse é um trabalho em coautoria que resume,
literalmente, anos de troca de ideias.
Cartas, leituras compartilhadas, discussões sobre a
Doutrina, a crítica literária do Novo Testamento, cristologia,
impressões trocadas a respeito da forma de condução de
algumas casas espíritas e a postura de alguns médiuns que
parecem acreditar que se pode mercadejar os dons da alma.
Como resultado, não há uma única página que não tenha
sido objeto de reflexão conjunta, longa e madura.
Ainda assim, a composição da obra teve sua própria
divisão do trabalho
. O texto principal é essencialmente de
autoria de Robson Gonçalves. Mas foi amplamente
comentado e criticado por Artur Amorim. As ideias mais
originais deste último, incorporadas ao texto, foram
apontadas em notas de rodapé quando foi necessário. Mas
essas notas não fazem justiça à contribuição do segundo
coautor ao longo da caminhada que resultou na presente
obra.
Já o posfácio segue a lógica contrária. Foi escrito
originalmente por Artur Amorim e editado por Robson
Gonçalves.
Indiscutivelmente, esta é uma despretensiosa obra
plural.
11
Robson Gonçalves e Artur Amorim
12
REPENSANDO O ESPIRITISMO
Conteúdo
Nota prévia sobre a autoria dessa obra ............................. 11
Prefácio dos autores........................................................... 15
1. A agonia das religiões ................................................. 23
2. Autoaplicação da visão religiosa espírita ................... 33
3. O antiespiritismo espírita ........................................... 43
4. A dúvida como método .............................................. 55
5. Cristianismo e Espiritismo .......................................... 75
6. Visão espírita dos Evangelhos .................................... 91
7. Jesus de Nazaré ........................................................ 119
8. À sombra do dogma ................................................. 143
9. Posfácio .................................................................... 163
13
Robson Gonçalves e Artur Amorim
14
REPENSANDO O ESPIRITISMO
Prefácio dos autores
O fenômeno espírita é antigo e disseminado. Mas, do
ponto de vista contemporâneo, o Espiritismo é, sem dúvida,
a religião dos espíritos, pois foram eles que se manifestaram
e trouxeram os elementos da nova revelação, sistematizados
de forma lúcida pelo codificador. Mas, contrariamente, o
Cristianismo não é a religião de Jesus de Nazaré. Esta foi
uma crença criada por seus adeptos e que tomou forma entre
o ano de sua morte e a grande era dos concílios, iniciada no
século IV.
Ainda assim, o Espiritismo surgiu em meio à
cultura cristã da França do século XIX e cresceu à sua
sombra, como uma parreira que se apoia em uma velha
estaca. Mais do que isso, muitos de nós, espíritas,
provavelmente estamos vivendo a primeira de nossas
encarnações em meio a uma crença reencarnacionista.
Nossa herança kármica está carregada de valores,
experiências e sentimentos dogmáticos originados nas
15
Robson Gonçalves e Artur Amorim
velhas tradições cristãs do ocidente. A encarnação apaga a
memória factual, mas preserva parcela expressiva da
memória afetiva, aí incluídos os sentimentos religiosos,
esses autênticos arquétipos que transcendem as fronteiras
entre os planos e entre as encanações.
Isso significa que muitas das velhas crenças cristãs
que se desviaram flagrantemente dos ensinamentos de Jesus
ainda estão presentes em nós e contaminam a prática e a
vivência espíritas em nosso tempo. Dizer que o Espiritismo
é o Cristianismo redivivo levanta mais dúvidas que
respostas. Qual Cristianismo? Aquele da moral de Jesus,
ensinada em um contexto judeu da antiguidade, mas
carregada de universalismo? Ou o das crenças de Paulo, um
apocalíptico que despreza a importância das boas obras e
afirma que a salvação
decorre da crença na morte e
ressurreição do seu Cristo, prenúncio do fim dos tempos? (I
Coríntios 15:16-22). Ou aquele da visão trinitária do Evangelho de João, cujo texto foi amplamente editado pelos
cristãos da Ásia Menor, conduzindo sua crença de volta
para um politeísmo disfarçado? (João 1:1-3)
Nas primeiras linhas da introdução do Livro dos
Espíritos, ninguém menos do que o próprio Kardec alerta
para a importância da precisão das palavras. Então, afirmar
de maneira retórica que o Espiritismo é o Cristianismo
redivivo é uma bela expressão, mas que está cheia de
imprecisões. Se dissermos que o Espiritismo é herdeiro do
Cristianismo, talvez estejamos mais em linha com aquela
recomendação do codificador. Mas, como toda herança, a
do Espiritismo, por vezes, pesa contra o próprio herdeiro.
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REPENSANDO O ESPIRITISMO
Exclusivismo, etnocentrismo, comportamentos
igrejeiros, autos de fé, crença na existência de nações
escolhidas e povos privilegiados, tudo isso deveria ter sido
superado pela visão espírita do mundo, da história, das
religiões e de nós mesmos. Mas, muito ao contrário, estão
presentes em boa parte de nossas casas de oração.
Quantas vezes, em inúmeros livros de ampla
circulação no meio espírita, o adjetivo divino
é atribuído a
Jesus? Somente na obra O Consolador, de Emmanuel, esse
atributo aparece quase duas dezenas de vezes. Mas Jesus
não é um ser divino. É nosso irmão maior, um espírito mais
velho que encarnou com uma missão elevada de iluminação
da humanidade. Não mais do que isso. O título exaltado de
divino mestre
é resquício da era do dogma trinitário.
Da mesma forma, Buda não foi um antecessor de
Jesus, nem Krishna, nem Confúcio. Essa visão teleológica,
que sugere que todas as grandes almas que viveram sobre a
Terra em missão de iluminação e esclarecimento nada mais
fizeram do que preparar o caminho
do nazareno está
presente
na
obra
dos
filósofos
católicos
e
foi
contrabandeada para o Espiritismo indevidamente. 1 O
antecessor de Jesus foi João Batista, o apocalíptico ao qual
o nazareno quis associar sua própria missão desde o início.
O termo filho do Homem
, tão comum nos Evangelhos
sinóticos (Lucas 6:5; Mateus 18:11; Marcos 13:26), é outra
evidência. Ele está presente nos apocalípticos do Velho
Testamento, sobretudo em Ezequiel e Daniel. Estes são os
1 Veja-se Padovani, U. e Castagnola, l. História da Filosofia. SP: Editora
Melhoramentos, 1986.
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Robson Gonçalves e Artur Amorim
antecessores de Jesus. É ao movimento deles, dentro do
judaísmo, que o nazareno se filia.
Ao mesmo tempo, os Evangelhos não são
narrativas de verdades históricas, registros precisos do
ponto de vista historiográfico, mas poemas épicos, gênero
comum em todas as religiões, repletos de ensinamentos
morais elevados, baseados em alguns fatos possivelmente
reais da vida de um galileu pobre, um judeu de seu tempo.
Não podem ser tomados ao pé da letra, tanto quanto a
criação do mundo em sete dias, narrada na Gênese. Ter um
entendimento simbólico, alegórico e poético do Velho
Testamento e crer na precisão histórica do Novo é um
contrassenso.
Tão pouco o Evangelho tem pátria, pois seus
valores são universais. A crença em uma suposta "pátria do
Evangelho é resquício da visão de
povo escolhido", outra
velha raiz dogmática que passou do Judaísmo para o
Cristianismo, invadindo o Espiritismo. São termos retóricos
brilhantes, mas que não passam pelo crivo da razão.
Essas são constatações radicais e, ainda assim,
evidentes e necessárias. E, apesar disso, quanto do velho
ranço dogmático se vê preservado na prática espírita de
nosso tempo! Quanta vaidade e quanta intolerância
decorrem da sombra do dogma que pesa sobre nós!
Foi a dor quem nos moveu a escrever esse livro. A
dor de ver a religião dos espíritos conspurcada, desviando-
se dos ensinamentos do Alto, expressos aqui embaixo por
tantos mestres além do crucificado ou de seu continuador, o
codificador. A dor de ver o Espiritismo desprezar os
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REPENSANDO O ESPIRITISMO
avanços da ciência historiográfica, quando Kardec dizia que
teríamos que andar lado a lado, de mãos dadas, com o
progresso da ciência, corrigindo a Doutrina sempre que
fosse comprovado um erro ou um desvio.
Nosso apego atávico ao dogmatismo está
vencendo a guerra. Suas armas são a vaidade e o
preconceito. Por isso podemos nos tornar os novos
doutores da Lei
, cultos e hipócritas, ou os novos
inquisidores
, queimando livros e excomungando supostos
hereges. O Espiritismo não pode se deixar levar pela
percepção errônea de que é autossuficiente. Só o dogma
basta a si mesmo, não se explica, não se deixa criticar, não
se submete ao exame da razão ou à revisão, reconhecendo
velhos erros.
Quanto isso já nos custou no passado! Quantos
séculos até começarmos a superar esses erros, as sombras
criadas em nome da luz divina que flui até nós por meio dos
emissários do Alto que trouxeram suas mensagens através
de tantos credos e tantas tradições, muito além do
Cristianismo! E, no entanto, o avanço do Espiritismo
ameaça se deter por conta das travas da vaidade e da
omissão, do etnocentrismo e da visão petrificada da moral
pregada por Jesus e por outros tantos mestres.
Este começo de século XXI é um momento
intrigante. Tolerância e intolerância se exacerbaram. Em
alguns casos, qualquer crença ou comportamento parece
aceitável. Em outros, matam-se aqueles que não
compartilham da mesma fé em atos terroristas de martírio.
Nesse turbilhão de crenças e valores, quando a era da
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Robson Gonçalves e Artur Amorim
informação está criando uma legião de pessoas que têm
acesso a tudo, mas não conhece nada, o que faz o
Espiritismo? O que fazem os espíritas? Reler os velhos
livros escritos há mais de cem anos é saudável. Mas ignorar
as novas luzes que a ciência lança sobre eles é como lançá-
los na escuridão da ignorância e negar o progresso.
No outro extremo, uma simples pesquisa nos
buscadores da internet nos traz toneladas de material
supostamente doutrinário. Qualquer um pode criar um site
ou blog e lá postar o que quiser, dizendo-se espírita. Mas, o
que mais se encontra nesse cyber-espaço é desinformação,
tolice, teses estapafúrdias e até raivosas. E, por quê?
O que se conclui é que a moral se tornou líquida,2
isto é, um conteúdo que se amolda a qualquer recipiente
conforme a conveniência de cada um e de cada