Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

A Explicação
A Explicação
A Explicação
E-book275 páginas3 horas

A Explicação

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

A grande maioria de nós não vive mais sem um celular ao alcance das mãos. Também é verdade que as pessoas têm receio e não gostam de morar nas proximidades de uma torre de celular. Várias cidades proíbem essas torres nas proximidades de escolas e residências. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), campos eletromagnéticos de todas as frequências representam uma das influências mais comuns e de rápido crescimento no meio ambiente, sobre as quais a ansiedade e a especulação vêm se espalhando. Toda a população está agora exposta a diferentes graus de campos eletromagnéticos e os níveis vão continuar a subir com o avanço da tecnologia . Estudos recentes mostram que micro-ondas similares às utilizadas pela telefonia móvel aumentam a incidência de câncer em cobaias, quando expostas a pequenas distâncias de uma antena transmissora. Durante a Guerra Fria, com conflitos indiretos entre os Estados Unidos e a extinta União Soviética, a embaixada americana em Moscou foi bombardeada por feixes de micro-ondas. Anos depois, funcionários lotados na embaixada contraíram câncer em uma taxa maior que a média americana. O episódio ficou conhecido como o Sinal de Moscou. Esse é o pano de fundo para um instigante suspense misturando ficção e realidade. Uma trama bem alinhavada, sem pontas soltas e baseada em fatos. Ambientada em Curitiba, Montreal, passando por Boston e Nova York, lembra que países que não estão no caldeirão do Oriente Médio ou que não interferem na região, como o Brasil, não estão, necessariamente, protegidos de atos terroristas. Qualquer país pode ser vítima de facções terroristas internacionais. O fanatismo religioso não tem fronteiras. As pesquisas da Dra. Kyra Lewis Patel sobre genoma humano, na McGill University em Montreal, desencadeiam a ira de uma seita internacional de fundamentalistas religiosos. A primeira ação do grupo traz terror e dizima a quase totalidade dos moradores de três bairros em Curitiba. É o efeito dos testes iniciais do grupo terrorista com uma tecnologia baseada em uma arma americana apresentada ao mundo em 2007. O Guardião Silencioso. Paula Haxis é uma jornalista investigativa intrigada com um furgão inexplicado que pertencia a um americano assassinado. Milhares de pessoas perdem a vida em poucos meses em Curitiba, vitimadas de câncer. Com a ajuda de Marc-Antoine Montjour, engenheiro canadense enviado às pressas para a cidade pela multinacional onde trabalha, e Sópla, um amigo de infância, gênio em informática, lança-se em uma busca frenética sobre a vida pregressa do americano. Um pen drive criptografado e uma agenda são as únicas pistas. Nos EUA, Lee Laswald tem o FBI nos seus calcanhares, mas por um motivo que nada tem a ver com as atividades terroristas do grupo fundamentalista que criou e é o mentor. A Operação Inverno Criacionista está pronta para ser deflagrada, eliminando cientistas que brincam de Deus em todo o mundo.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento29 de mar. de 2016
A Explicação

Relacionado a A Explicação

Ebooks relacionados

Religião e Espiritualidade para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Categorias relacionadas

Avaliações de A Explicação

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    A Explicação - Jar Suckow

    CAPÍTULO 1

    Tinha sido um dia quente e úmido naquele início de março, mas agora, perto da meia-noite, estava agradável porque a temperatura caíra para perto dos 20°C. Havia a previsão da chegada de uma frente fria vinda da Antártida para aquela madrugada e a noite, que começava a ficar fortemente nebulosa, camuflava tenuemente uma motocicleta transportando duas pessoas seguindo de maneira furtiva um Audi A4. O motorista do carro rodava despreocupado, ainda enlevado pelos agradáveis momentos que tinha passado com sua namorada brasileira. Pensava no tempo maravilhoso que viveu nesta cidade da América do Sul. Curitiba tinha sido escolhida porque suas características se adequavam perfeitamente ao plano: cidade estruturada e moderna, com todos os recursos necessários à operação; ótimo sistema de transporte coletivo, referência e modelo para o mundo, que possibilitava o ir e vir aos locais escolhidos de forma segura, misturando-se com o povo em seu dia a dia; cosmopolita, de colonização notadamente europeia, era suficientemente grande e distante para apagar rastros se algo desse errado. Havia também as não menos importantes vantagens da língua, que ele dominava fluentemente, e da dupla cidadania que possuía, americana e brasileira. Embora os primeiros meses tivessem exigido esforço redobrado por causa da compra dissimulada de equipamentos fabricados no Brasil e de suas adaptações a um furgão e às necessidades do plano, sua implementação requereu pouco trabalho. Tinha os dias praticamente livres para aproveitar o clima temperado da cidade. Se o clima permitisse, fazia caminhadas diárias nos parques próximos de sua casa e ia a jogos de futebol, que aprendeu a gostar por causa do pai. Gostava de passear em shoppings para apreciar e, eventualmente, conhecer melhor as bonitas mulheres brasileiras. Na verdade, tímido por natureza, conheceu poucas até se apaixonar por uma delas, sua namorada. Pretendia casar-se com ela.

    Este período que se encerrava foi muito diferente da regulada e monótona vida de filho único em Cleveland, Estados Unidos. Seus pais, ambos falecidos, tinham se conhecido quando o pai, brasileiro, foi fazer um curso de especialização em soldagem elétrica de oleodutos em uma grande empresa de Cleveland. Na ocasião, ele fez amizade com uma garçonete de uma cafeteria próxima à empresa, onde regularmente ia tomar café da manhã. Sua mãe se encantou e se deixou levar por uma paixão desenfreada ao charme daquele latino. Poucas semanas depois estava grávida. Por conveniência, em um final de semana casaram-se em Las Vegas. Logo que acabou o curso e bem antes dele nascer, o pai foi contratado para trabalhar em uma empresa que construía e fazia a manutenção de oleodutos no Alasca. Embora ausente na maior parte do tempo, o soldador nutria grande amor pelo filho. Telefonava para ele todos os finais de semana contando histórias vivenciadas no Brasil e, ocasionalmente, do trabalho no Alasca. Também mandava dinheiro regularmente para todas as necessidades do menino e sempre que podia vinha vê-lo pessoalmente. Crescendo e gostando cada vez mais do pai, na adolescência passou a admirar a independência e grau de liberdade que o mesmo usufruía, muito diferente das amarras da super proteção que sua mãe lhe impingia. Ficou mais abalado com o falecimento do pai em um acidente de trabalho que com o da mãe, vitimada de morte súbita, anos mais tarde.

    Na semana seguinte desmontaria a aparelhagem montada no furgão. Venderia tudo separado, o furgão, os equipamentos sofisticados e de última geração e o carro. Bem, o carro pensava em dar de presente para a namorada. Com tudo isso resolvido, devolveria a casa que tinha alugado. Embora grande, era mobiliada apenas com o essencial e dispunha de uma garagem para quatro carros, necessária para abrigar seu carro, o furgão de trabalho, alguns equipamentos e peças de reserva. Localizada em um bairro exclusivamente residencial, o Jardim Schaffer, a região contava com boas residências e tinha uma pequena e agradável área verde onde gostava de passear, chamada Bosque Alemão. A casa distava cerca de três quilômetros e meio do centro e era muito bem atendida em seu entorno pelo transporte público, o que facilitava o deslocamento diário às outras partes da cidade, que eram suficientemente distantes e seguras para seu intento.

    Distraído e ainda pensando no que iria deixar para trás, como a namorada e a mordomia proporcionada pelo farto dinheiro disponível para execução do plano, não notou que era seguido, mesmo depois que o trânsito ficou mais fluido, já próximo de casa. Parou o carro no sinal vermelho do último semáforo que havia no caminho que regularmente usava. Neste exato momento, a porta dianteira do lado do passageiro foi aberta e a pessoa que estava na garupa da motocicleta sentou no banco ao seu lado, ao mesmo tempo em que lhe apontava uma arma.

    ― Fique quieto e você não se machuca. Só queremos o carro, celular e dinheiro. Siga a moto.

    ― What are you doing? – falou em sua língua natal mais pelo susto que pela conveniência, que adotava quando julgava prudente ou queria fazer-se de desentendido. Repetiu em português: – O que você está fazendo?

    ― Cala boca! Siga a moto, dá o celular e a carteira!

    ― Vou pegar a carteira no meu bolso. Não tenho celular.

    ― Tá a fim de levar bala! Todo mundo tem celular. Me dá ele!

    ― Pode me revistar se quiser. Não uso celular!

    Ao mesmo tempo em que, surpreendentemente, o ladrão lhe devolvia a carteira depois de tirar apenas o dinheiro, o sinal abriu e o assaltante nervosamente fez sinal para que ele fosse em frente, sempre apontando a arma. Momentaneamente desnorteado e praguejando intimamente por não ter mandado consertar o dispositivo de acionamento de travamento automático das portas, arrancou com o carro e começou a pensar no que fazer. O rapaz com a arma estava visivelmente alterado, talvez pelo uso de drogas, talvez pelo nervosismo. Com sobrecarga de adrenalina, mil coisas passaram por sua cabeça. Rapidamente lembrou, quando criança, que uma família inteira tinha sido assassinada, no subúrbio onde morava em Cleveland, por um imbecil como o que lhe apontava a arma. O filho mais velho de uma pacata e religiosa família havia matado os irmãos menores e os pais porque estes não quiseram dar dinheiro para a compra de drogas. Na época, tanto sua mãe revoltada com o acontecimento, já que conhecia a família que frequentava a mesma igreja, quanto o pastor no culto do sábado seguinte, bateram na mesma tecla: o pecado fora cometido porque o diabo havia se apoderado do coração daquele jovem e o havia incitado ao uso despropositado da violência como tentativa de resolução de um problema pessoal e egoísta. Se tivesse Deus em seu coração e pedido Sua ajuda, não teria matado sua família. A lembrança do indelével fato em sua memória aflorou como um sinal de alerta. Se nada fizesse, acabaria morto sem mais nem menos. Era inaceitável o descaramento do bandido, que usava a submissão proporcionada pela arma apontada para tirar proveito pessoal disso. A única sujeição permitida era para Deus. Assim, não podia aceitar a situação a ele imposta por aquele ladrão e, se tivesse uma oportunidade que fosse, reagiria.

    Após algumas quadras, na rua deserta e pouco iluminada aos fundos de uma emissora de televisão, foi obrigado a estacionar atrás da motocicleta. O bandido que estava com ele falou para que saísse do carro, ao mesmo tempo em que sinalizava com a arma, como que o empurrando para fora. Achando que podia atingir o homem que havia descido da motocicleta e ficado ao lado do carro, abriu a porta com violência. Conseguiu derrubar o assaltante, mas imediatamente o comparsa atirou contra ele. A bala penetrou pelas suas costas, perfurou o fígado e nele ficou alojada.

    Ferido e prostrado no asfalto molhado pela forte neblina, viu os assaltantes fugirem, um levando o carro e o outro a motocicleta. Com dificuldade, levantou-se. Não notou o pouco sangue que escorria pelo orifício da entrada da bala em suas costas porque a dor latejante manifestava-se em seu abdômen. Lembrou que precisava, tardiamente, manter a calma. Necessitava auxílio e como não havia viva alma na rua achou que o melhor a fazer era chegar em casa e telefonar para sua namorada. Tentando se localizar, observou a algumas dezenas de metros as luzes difusas do Bosque Alemão. Desnorteado pela dor causada pela hemorragia interna e respirando de maneira entrecortada numa tentativa dos pulmões oxigenarem o sangue que diminuía no coração, erroneamente achou que ganharia tempo se cruzasse o Bosque. Cambaleando conseguiu chegar à Torre dos Filósofos. Estacou apoiado no guarda-corpo do observatório superior da Torre, aonde sempre vinha apreciar a linda vista da cidade. Desesperado, quase desistiu porque lembrou que precisaria descer pela escada de madeira em forma de um caracol quadrado. Agora, sem opção, começou a descida apoiando-se no largo corrimão. Chegou sofregamente ao piso de pedras irregulares na base da torre. A fraca iluminação e a névoa junto da vegetação exuberante não ajudavam a sua vista, que começava a embaçar. Desgastado pelo grave ferimento, tropeçou numa saliência das pedras e caiu na mata à margem do estreito caminho. Deitado de costas, sentiu um conforto envolvente, já sem a dor lancinante que o tinha atormentado. Pensou em ficar ali até alguém encontrá-lo, mas num lampejo de consciência, lembrou que podia morrer antes disso. Pediu forças ao Criador para prosseguir e, girando o corpo sobre o braço esquerdo, ficou de quatro. Num impulso, levantou. Deu apenas dois pequenos passos e caiu, estatelando-se de barriga na trilha. Viu a poucos metros, em meio à neblina, um dos pequenos portais com azulejos pintados que contavam a fábula de João e Maria ao longo da trilha do bosque.

    "Joãozinho sente um medo terrível!

    Mariazinha também...

    A noite tem mil olhos

    Que olham além..."

    Seu coração bateu pela última vez.

    CAPÍTULO 2

    MESES DEPOIS...

    No Canadá, em Montreal, a Dra. Kyra Lewis Patel, bióloga neozelandesa de 34 anos, PhD em genética celular e molecular, ultimava preparativos para mais uma manipulação de genes no Laboratório de Biologia Molecular e Genética da Faculdade de Ciências, na McGill University. Os resultados que estava obtendo com a interferência no RNA, molécula mensageira do DNA, eram auspiciosos e abriam uma possibilidade enorme na luta contra doenças tidas como incuráveis. Em um segundo momento, ela deslumbra a aplicação da técnica para renovar as células, retardando ou impedindo o envelhecimento.

    Tudo começou no dia 26 de junho de 2000 quando o Instituto Nacional de Saúde (NIH) e o Departamento de Energia (DOE), ambos norte-americanos, anunciaram para o mundo, dos jardins da Casa Branca, que tinham praticamente concluído o primeiro esboço do Genoma Humano. Na época, Kyra era aluna do curso de ciências biológicas na Universidade de Auckland e a divulgação deste importante marco científico definiu a carreira que futuramente abraçaria. Depois de concluir o curso decidiu aprofundar-se no estudo dos genes. Para tanto, fez mestrado e doutorado em genética, defendendo a tese que com o bloqueio da síntese de proteínas pelo RNA seria possível compreender, diagnosticar e tratar as enfermidades humanas.

    Nascemos com cerca de 26 bilhões de células e quando adultos este número cresce para aproximadamente 50 trilhões. Cada uma das células de nosso corpo possui 100 mil genes e este conjunto forma o genoma humano. Kyra encarava agora uma tarefa hercúlea, pois no centro de cada uma destas células está o nosso genoma, o código de hereditariedade da vida composto nas bases púricas Adenina (A) e Guanina (G) e nas bases pirimídicas Citosina (C) e Timina (T). A base A só combina com a G. Da mesma forma, a base C só é associada à base T. Um erro ou falha na sequência das quatro combinações possíveis A-T, T-A, C-G e G-C em pouco mais de 3 bilhões de posições bioquímicas no nosso genoma pode significar uma doença. Surpreendentemente, apenas cerca de 25 mil genes decodificam proteínas e a quantidade do DNA utilizado representa ínfimos 1,5% do total do código humano. Os 98,5% restantes, considerados anteriormente DNA lixo, são estudados pelo Consórcio Enciclopédia de Elementos do DNA (ENCODE).

    A população do planeta tem praticamente o mesmo DNA, visto que 99,9% dele é igual em todos, mas ninguém compartilha exatamente o mesmo DNA. Nós temos dois genomas, um de nossa mãe, outro de nosso pai, cada um deles com 3,1 bilhões de pares de bases púricas e pirimídicas, que se traduzem em pessoas diferentes na aparência externa, como rosto, cor de pele e dimensões corpóreas. Na união dos genomas de nossos pais ocorre um erro em cada 100 milhões de bases no nosso genoma. Dessa forma, temos aproximadamente 60 mutações em relação aos nossos pais e assim sucessivamente, de geração em geração. Esse é o truque que a natureza usa para que pequenas modificações produzam diferenças aparentemente grandes entre nós. Isso também oferece um respaldo e tanto para a teoria da evolução de Darwin.

    O mundo científico, por seu lado, dava como certo o Prêmio Nobel de Medicina para Kyra e isso a incomodava. Não pela fundada e íntima esperança em ganhar aquela prova de reconhecimento, mas pela frequência cada vez maior das conversas e fofocas às suas costas, ou mesmo à sua frente, sobre o Prêmio. Sentia profundo mal-estar com a situação.

    O salão asséptico e muito iluminado onde ela trabalhava foi invadido pelo Dr. Ralf Williams, emanando, como de costume, seu melhor estilo de pessoa espaçosa. Para desconforto de seus pares, fomentava esta característica porque a considerava politicamente importante. Julgava que este traço de sua personalidade tinha sido um dos motivos de sua nomeação como diretor da Faculdade de Ciências da Universidade. Caminhando cuidadosamente entre as bancadas com instrumentos, equipamentos e computadores, o Dr. Williams falou com Kyra assim que se aproximou dela.

    ― Bom dia Kyra. Como vai a nossa futura ganhadora do Nobel?

    ― Bom dia Dr. Williams. Sei que o senhor acredita nisso, mas prefiro manter os pés no chão a ficar enlevada com essa possibilidade. Como sabe, o passado não endossa sua afirmação – respondeu educadamente.

    ― Ora, não seja pessimista minha cara. É verdade que se cometeu uma injustiça com Franklin, como você sempre lembra. Mas, hoje é diferente. Estamos no século XXI.

    Efetivamente, sempre que se falava no Prêmio Nobel, ela lembrava como Rosalind Franklin, pesquisadora no King’s College de Londres, foi passada para trás. A história registra muitos aspectos obscuros entre os cientistas ganhadores do Prêmio Nobel de Medicina de 1962. O norte-americano James Watson, o britânico Francis Crick e o neozelandês Maurice Wilkins tinham, na opinião de Kyra e de muitos outros, uma dívida impagável para com Franklin.

    ― Sim, me refiro ao que aconteceu com ela. Prefiro pensar que foi um esquecimento imperdoável por ela já estar morta e não pelo fato de ser mulher.

    ― Isso é bobagem Kyra. Poucas mulheres ganharam o Prêmio porque as oportunidades dadas a vocês também eram poucas. Agora as coisas estão diferentes e você é a prova concreta disso. Não se preocupe, o Nobel está praticamente em suas mãos e todos na Universidade, em especial na nossa Faculdade, vão ajudá-la no que for preciso. Sem hipocrisia. Vale lembrar que a Universidade tem o máximo interesse no seu sucesso pelo prestígio internacional que respingará na Instituição.

    ― Obrigado Dr. Williams. Às vezes o senhor age como se fosse meu pai e sou muito grata por isso.

    ― Bem, acho que você tem uma grande parcela de culpa nisso. Por causa de seu excepcional trabalho tenho dispensado uma atenção especial ao Laboratório. Minha mulher às vezes reclama que cuido mais daqui que da família. Cá entre nós, há um fundo de verdade nisso. Meus filhos não têm, infelizmente, seu brilhantismo. Por isso, considero você uma filha adotiva, o contraponto para os dois marmanjos lá de casa que não gostam de estudar. Mas deixemos o sentimentalismo de lado. Não quero mais distraí-la. Até depois ― disse, um pouco constrangido, saindo sem que ela pudesse falar algo.

    Daquele auxílio Kyra não tinha dúvidas. Para sua satisfação, todos no Laboratório gravitavam em torno dela, agindo como satélites protetores e municiadores de tudo que fosse necessário para facilitar seu estudo dos efeitos de genes manipulados no genoma. Naquele momento, entretanto, lamentava intimamente que Rosalind Franklin não tivesse tido a mesma sorte. Sentando-se pesadamente na frente do computador, pensou uma vez mais no que tinha ocorrido.

    Rosalind era uma mulher independente, confiante e admirada em Paris, onde trabalhou de 1947 a 1951, quando a participação de mulheres no meio científico era pequena. Em Londres, todavia, o ambiente era pouco amigável para uma judia de classe média alta que apreciava a cultura francesa. No King’s, sua reputação era pouco conhecida e seu trabalho, pouco respeitado. A situação ficou insustentável por causa da antipatia dela por Wilkins. Ambos trabalhavam no mesmo tema, mas de forma isolada.

    Para constrangimento de Kyra, seu compatriota Wilkins teve uma atitude discutível quando mostrou para Watson uma imagem da molécula de DNA obtida com raios-x por Franklin, sem o consentimento dela. Wilkins a conseguiu com um estudante de doutorado, que auxiliava Franklin. Foi a amostra de número 51, mostrada no ano de 52, que permitiu, no ano de 53, em 7 de março, que no laboratório Cavendish, na Inglaterra, James Watson e Francis Crick concluíssem que a molécula do DNA possui estrutura de uma dupla hélice, algo que pode ser imaginado como uma escada flexível muito longa que tenha sido torcida várias vezes.

    Logo após, os três futuros ganhadores do Nobel iniciaram manobras para demarcar prioridade, estratégia comum usada por cientistas para garantir os louros e benefícios financeiros da descoberta, o que é compreensível. Nessa linha, os três escreveram dois artigos baseados na amostra 51, Watson e Crick fizeram um e Wilkins, sozinho, o outro. Ambos foram publicados em uma mesma edição da revista Nature, mas nenhum deles deu crédito ou mencionou o trabalho de Franklin. Apenas Watson, tardiamente, admitiu o fato em uma biografia. Três anos depois, em agosto de 1956, Rosalind teve câncer no ovário. A morte chegou em abril de 1958, aos 37 anos. Ainda que fosse postumamente, o Nobel de Medicina de 1962 esqueceu Rosalind Franklin, a Dama Sombria do DNA.

    CAPÍTULO 3

    Mentalmente cansada depois de mais um dia de extenuantes análises dos resultados de interferência do RNA, Kyra agradeceu para si mesma ter chegado à academia para uma partida de tênis com uma amiga. Sentia um alívio enorme no nível de estresse praticando esportes, parecendo que a exaustão se diluía junto com o suor do esforço físico. A prática do jogo de tênis era uma alternativa interessante por ser urbana, mas Kyra preferia o trekking, uma espécie de caminhada vigorosa por trilhas naturais, e a canoagem em caiaque individual. Ela fazia estes esportes regularmente quando ainda vivia na Nova Zelândia. Vendo que sua amiga Laura já a esperava fazendo aquecimento no paredão apressou-se.

    Tirou rapidamente a roupa de trabalho e vestiu uma malha fina por baixo do uniforme, porque estava um pouco frio. Na passagem pela agradável lanchonete da academia, caminho obrigatório para chegar às quadras numa típica estratégia de marketing do proprietário, cruzou o olhar com um homem que estava tomando um suco. Ele sorriu para Kyra e ela retribuiu de maneira educada. Desviou o olhar e dirigiu-se apressada à quadra número três.

    ― Oi Laura. Quero um game de vantagem porque você está aquecida e vai me tripudiar no começo.

    ― Oi Kyra, nem pensar! Quem mandou chegar atrasada. Além disso, quando ganho, acho que é porque você deixa.

    ― Claro que não. É difícil ganhar de você. Que tal você começar sacando e me dar dois pontos, 0-30? ― disse Kyra

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1