Um Universo A Mais
De Léo Silva
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Um Universo A Mais - Léo Silva
Um
UNIVERSO
a MAIS
LÉO SILVA
Um
UNIVERSO
a MAIS
1ª Edição – 2017
Copyright © 2017 by Léo Silva
CC0Foto da capa em domínio público.
Capa: Golden Gate Bridge – Fonte: http://pixabay.com/
O autor da imagem dedicou o trabalho ao domínio público, renunciando a todos os seus direitos sobre o trabalho, em todo o mundo, ao abrigo das leis de direito de autor e/ou de direitos conexos, na medida permitida por lei. Pode copiar, modificar, distribuir e executar o trabalho, mesmo para fins comerciais, tudo sem pedir autorização.
Revisão e supervisão de texto
Suély Gomes
Silva, Léo.
Um universo a mais/Léo Silva. – 1.ed. – Bom Jesus do Itabapoana: Clube de Autores, 2017.
p.181.; 14,8 x 21 cm.
ISBN: 978-85-923388-0-0
Todos os direitos reservados (Lei 9.610/98). Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, por qualquer meio, eletrônico ou não, sem a autorização, por escrito, do autor. Os direitos morais do autor foram assegurados.
Esta é uma obra de ficção sem compromisso com a realidade. Todos os acontecimentos, nomes e lugares mencionados correspondem à imaginação do autor ou foram usados de forma fictícia. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é mera coincidência.
Clube de Autores
www.clubedeautores.com.br
Blog
www.observatorioclubedeautores.blogspot.com
observatorioclubedeautores@gmail.com
Para três sábias mulheres:
Minha mãe, que sabe o significado de meus momentos de silêncio;
Ellen Sheila, que sabe exatamente o que dizer, sempre;
Carla, que sabe tornar minha vida mais alegre (só ela sabe como).
Amo vocês. Muito.
O universo é uma harmonia de contrários.
Pitágoras
Conhece-te a ti mesmo e conhecerás o universo e os deuses.
Sócrates
Se não existe vida fora da Terra, então o universo é um grande desperdício de espaço.
Carl Sagan
Notas do autor:
Todos os lugares citados neste romance (à exceção do Texas Club), de fato, existem, porém foram usados de forma fictícia.
Quatro pessoas jamais tiveram seus corpos encontrados após pularem da Golden Gate. A quinta pessoa a desaparecer só existe neste romance.
Os tratamentos e terapias descritos realmente existem.
Os times de futebol e as regras da liga neste livro, assim como a própria liga, são fictícios. A grife Christian Sabath só existe neste livro.
Todas as informações científicas apresentadas neste romance são reais.
Prólogo:
Pensei, por diversas vezes, em como seria dar aquele próximo passo. Em muitos sonhos fantasiava criar asas no momento em que me decidisse fazê-lo, ou descobrir que Deus mandara um anjo para me agarrar antes... antes de tudo terminar. Mas, ainda que tivesse uma vida inteira para pensar nisso, não seria capaz de prever a forma exata de como aconteceria, ou o que sentiria quando finalmente o fizesse.
Sem a intenção de prolongar ainda mais aquele minuto de dúvida – talvez com medo de desistir, ou de alguém me fazer desistir – levantei o pé e encarei a altura pela última vez, em um último olhar para baixo.
Então o tudo se transformou em nada, céu e mar se misturaram e eu descobri que não é preciso ter asas para voar.
1
Ela é grande, pesada e imponente. Foi concluída em 1937, e liga dois pedaços de terra que se chamam São Francisco e Sausalita.
Enquanto o carro cruza a ponte Golden Gate eu olho pela janela. O trânsito é intenso lá fora, porém organizado. As pessoas vem até aqui procurando por uma bela vista – ou para se matarem. Mais de mil e duzentas pessoas já cometeram suicídio na Golden Gate, e quatro dos corpos jamais foram encontrados. Abro um pacote de batata-frita e penso nisso. Mais de mil pessoas, de todas as partes do mundo, se jogando de uma ponte.
É um número impressionante e terrível.
– Sofia, o que eu disse sobre comer no carro? – pergunta meu pai enquanto mastigo a maior batata do pacote.
Eu engulo o pedaço de batata restante e enfio o pacote de volta na mochila. Continuo olhando pela janela do compacto ano 2012 enquanto terminamos de cruzar a ponte, e não posso deixar de sentir uma pontinha de aflição, um friozinho na barriga. Tenho medo de que mais alguém decida se jogar enquanto estamos passando, e sei que não conseguirei deixar de olhar se isso acontecer.
– Sei no que está pensando – disse meu pai assim que o carro saiu da ponte.
– Não, não sabe – falei.
– Queria que soubesse que...
– Eu não estava pensando nela – falei com certa raiva no olhar.
Mas era mentira. Sim, eu estava pensando nela, por mais que detestasse admitir, e muito mais nas últimas semanas do que nos nove anos anteriores. Faria dez anos no próximo mês, e isso é muito tempo. Era como se eu esperasse que aquilo acontecesse de novo, somente porque eu estava lá, e o dia em que ela decidira dar o passo que mudaria sua vida se aproximava. O último passo.
Minha mãe se chamava Florence Spencer. E ela se jogou da Golden Gate no dia 19 de julho de 2004.
***
É relativamente simples.
As pessoas que vão até a ponte se jogar acreditam que, em algum lugar embaixo dela, existe uma passagem (só não me pergunte para onde). Não, a passagem, para ser mais exata. Então, quando alguém sente que não suporta mais viver neste mundo frio e cruel, vai até lá e mira a água – que é algo relativamente fácil de fazer, uma vez que a parte inferior da ponte está cheia dela. É preciso subir no corrimão e, ultimamente, olhar para o lado e ver se alguém não está correndo para tentar impedi-lo (há câmeras de vigilância). Vencida essa parte, é só se jogar e curtir a queda de quatro segundos até a água – e se preparar para um impacto a cento e vinte quilômetros por hora.
Simples, não?
Em 1982 a ponte foi interditada por causa dos fortes ventos, e a estrutura metálica rebolou docemente, para um lado e para o outro, como se dançasse com a corrente de ar. Algumas pessoas pensaram que ela cairia e desapareceria no mar – talvez atravessando a passagem que guardava. Eu imagino que nem um pedacinho dela seria encontrado se isso acontecesse. Não é o que acontece com o que cai no Estreito Golden Gate e desaparece?
Meu nome é Sofia Spencer, tenho dezessete anos e isso é tudo o que sei sobre a ponte Golden Gate. Minha casa fica em um subúrbio de São Francisco, e meu pai se chama Mark Spencer. Ele é corretor de imóveis. Tenho um irmão mais velho que está terminando a faculdade de direito e uma gata chamada Fofura (é um nome idiota, eu sei, mas é minha gata, e ela é mesmo uma fofura!). Meu vizinho da direita e melhor (e único) amigo se chama Claude e meu vizinho da esquerda não existia até duas semanas atrás.
Até o dia em que Joseph Humfrey resolveu montar acampamento ao lado da minha casa.
2
Todo mundo sabe que um telefone de latas simplesmente não funciona quando se está muito longe da pessoa para a qual se deseja transmitir a mensagem – na verdade essa porcaria não funciona nem mesmo de perto.
Claude deu dois puxões na linha – sinal de que queria falar alguma coisa.
Uma das latas ficava no meu quarto, e a outra no quarto dele. Um fio de pouco mais de quinze metros atravessava o vão entre nossas casas, por cima da cerca de madeira branca, e dessa forma nos unia.
Como uma pipa a seu dono.
Coloquei a lata na orelha e esperei. Sabia que se olhasse pela janela – à minha direita –, veria o Claude gritar desesperadamente com aquele treco na boca, esperando que eu entendesse pelo menos uma palavra. Isso já bastaria para a tese de doutorado que ele um dia defenderia. Talvez o chamassem de o homem que provou que telefones de lata de molho de tomate são melhores (e mais baratos) do que celulares
. Naquele momento, porém, éramos dois estudantes secundaristas com latas penduradas nas orelhas feito idiotas.
Com o canto do olho vi que ele gesticulava bem em frente à janela, e decidi conservar um pouco da minha dignidade. Agarrei o celular e apertei o atalho para o número dele.
Claude atendeu no segundo toque.
– Acho que o fio não estava bem esticado – disse ele, sorrindo levemente.
– Claro que é o fio. Com certeza não é o fato de que isso não funciona se estivermos a mais de dois palmos um do outro.
Rimos. Claude ajeitou os óculos sobre o nariz e pareceu pensar na próxima coisa que diria. Sua expressão (agora eu olhava para ele diretamente pela janela aberta) era a mesma daquela estátua famosa, só que sem a célebre pose.
– Sabe, Sofia, estive pensando...
– Não me diga! – falei, sem perceber o que fazia.
Ele parou de falar e então a ficha caiu para mim. Fosse o que fosse que Claude desejava me dizer, provavelmente estava exigindo muito dele. Eu nunca o vira arrumar os óculos tantas vezes quanto naquela tarde ensolarada de junho.
– Desculpe-me, prometo não interromper mais – falei. – É que você disse que estava pensando, e você pensa o tempo todo, então...
– Sofia... – recomeçou ele.
Eu fingi que fechava minha boca com um zíper. Era isso ou ele jamais terminaria aquela frase.
– Estive pensando se você não gostaria de... não gostaria de ir comigo ao De volta para o futuro
...
De volta para o futuro
foi o nome escolhido para a festa de comemoração do fim da temporada estadual de futebol, que terminaria em quatro semanas. Nosso time, os Esquilos de São Francisco (cujo mascote, obviamente, era um esquilo gigante e dentuço) brigariam pelo terceiro lugar (o que era um bom motivo para comemorar, pois há seis anos não conseguíamos nem chegar às oitavas) e por isso alguns adolescentes iriam se embebedar e cometer irresponsabilidades à vontade no sábado logo após a final. Quer dizer, outros adolescentes – menos eu.
– Achei que você odiasse festas – falei, mordendo a unha.
– Não vou pela dança, se é o que te assusta. É que todo mundo da escola estará lá, e eu não queria ficar de fora mais uma vez... Pelo menos uma vez eu queria...
Deixei de ouvir o que Claude falava há duas frases atrás, quando ele apareceu na rua. Joseph Humfrey, meu novo vizinho e cujo nome eu descobrira remexendo o lixo dele (brincadeira, ouvi o pai chamá-lo assim no terceiro dia depois da mudança) passava pela calçada, pilotando um skate e ouvindo headphones enormes.
Vê-lo era como sentir o tempo desacelerar, deslizar lento, comprimido – talvez tal qual uma viagem por um buraco negro.
– Está me ouvindo, Sofia? – perguntou Claude do outro lado da linha.
– Claro... Claro que estou... Só preciso de um minuto...
Atravessei meu quarto correndo e saí no pequeno corredor que me levou até o quarto dos meus pais – atualmente conhecido como o quarto do meu pai. Fui até a janela para continuar a ver Joseph Humfrey.
– O que está acontecendo? – perguntou Claude, aparentemente irritado.
Joseph chegava em casa. Desceu do skate, abriu a porta e desapareceu. Durante aquele tempo eu não conseguia tirar os olhos dele, ou prestar atenção no mundo ao meu redor. Eu estava em outra dimensão.
– Sofia? Ainda está aí ou pulou da Golden Gate? – gritou Claude.
De repente eu acordei da minha pequena fuga da realidade. Claude também pareceu ter acordado de seu acesso cego de raiva, porque logo depois, antes que eu tivesse tempo de elaborar uma resposta, ele disse aflito:
– Sinto muito Sofia... Eu não queria dizer isso...
– Seu... Seu imbecil! – gritei também, desligando.
Corri até meu quarto e vi Claude Jenks balançar os braços na janela como se sua vida dependesse daquilo. Fechei a janela e me joguei sobre a cama.
3
Às vezes eu me deitava na cama e ficava olhando o ventilador girar lentamente. Naqueles momentos eu não me entristecia ou chorava, ou fazia qualquer coisa de gente depressiva. Simplesmente imaginava como seria o outro lado, quer dizer, o outro lado da passagem. As pessoas se jogavam de lá porque acreditavam que, morrendo ali, poderiam ser felizes, de alguma forma (ou no mínimo deixar de ser infelizes, que é o mais óbvio quando se morre). Quando ela se jogou deveria pensar a mesma coisa, e como o corpo dela jamais foi encontrado, passei a acreditar que, talvez, ela estivesse do outro lado. A solução que encontrei para continuar a viver era uma grande besteira. Disse a mim mesma que ela tinha conseguido, tinha atravessado a passagem e estava da forma como desejava, feliz, de um jeito que não conseguia ser deste lado, comigo, com papai e com o Evan. De uma forma que somente aquela travessia dolorosa era capaz de fazer.
Naqueles momentos, por mais idiota que fosse isso, se estivesse um pouquinho triste (só um pouquinho, dá um desconto) imaginava também que ela me esperava.
Lembrava-me da última pessoa conhecida a saltar de lá, e de uma de suas frases mais famosas: A morte dará conta de tudo o que a vida não deu, pois ambas fazem parte de um mesmo e irrisório momento: começa-se a morrer tão logo se começa a viver
. L. S. Hoffman. Ele era um escritor, e seu suicídio se tornou matéria do The New York Times.
Naquele dia, depois de brigar com o Claude, eu estiquei o braço, sem me levantar da cama, e puxei a gavetinha do criado mudo. Lá de dentro retirei uma pasta azul enfeitada com papel de presente. Dentro da pasta havia vários recortes de jornal, e o primeiro deles era o recorte com a matéria e uma foto panorâmica da ponte Golden Gate, com uma foto pequena de L. (gostava de chamá-lo assim) ao lado.
Morre o escritor L. S. Hoffman. 18/02/2014. Morreu ontem o romancista L. S. Hoffman, pseudônimo de Leon Smith Hoffman, autor de romances de sucesso nos anos 90, como
Sob o céu de outono e
Enigmas do amor, ambos adaptados para o cinema. O romancista sofria de depressão profunda e transtorno bipolar, e cometeu suicídio ao se jogar da ponte Golden Gate, por volta das dezessete horas de ontem, segundo testemunhas que passavam pelo local e reconheceram o autor. Visivelmente transtornado, Hoffman caminhava pela ponte quando subiu no parapeito, e, em seguida, se jogou, sem dar a chance a alguém de ajudá-lo. As buscas pelo corpo prosseguiram por toda a noite e continuarão por todo o dia de hoje. Segundo o chefe da guarda costeira, Edmund Falcon, as chances de encontrá-lo são grandes, uma vez que somente quatro corpos não foram localizados até hoje. O escritor de trinta e nove anos deixa mulher e uma filha.
Aquele corpo jamais foi encontrado e as buscas encerraram-se dois dias depois da publicação da matéria. Ninguém tirava da minha cabeça que ele conseguira. L. era a quinta pessoa a atravessar o portal, e isso o fazia especial. Tão especial que resolvi ler todos os livros dele (só me arrependi de não ter comprado antes do suicídio, uma vez que os preços subiram trinta por cento). Mesmo assim eu sentia que valia a pena. Estava para começar Passos na escuridão
(ele escrevera somente quatro romances durante toda a sua carreira, o que o tornava ainda mais especial), o último deles. Se não estivesse com tanta