O PROJETO LEMANN E A EDUCAÇÃO BRASILEIRA
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O PROJETO LEMANN E A EDUCAÇÃO BRASILEIRA - BRUNA WERNECK CANABRAVA
PARTE I
AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS PÓS-1988 E SEU CONTEXTO INSTITUCIONAL MAIS AMPLO
1
A Constituição de 1988 como marco institucional na política brasileira
Segundo Pierre Muller (1990), a noção de políticas públicas nasce junto com o Estado moderno, quando a lógica de governo passa a ser mais setorial do que territorial. Isso se deve sobretudo aos novos agrupamentos profissionais que surgem em decorrência da concentração das populações em cidades e a crescente divisão social do trabalho. Sob uma perspectiva histórica, é neste momento que as principais ameaças a uma sociedade deixam de ser os fenômenos naturais – uma seca, um inverno rigoroso ou uma praga que afetasse a produção agrícola – e passam a ser os desequilíbrios criados pelo homem na própria sociedade setorial – crises econômicas, poluição, violência urbana devida ao desemprego. Ao contrário das sociedades territoriais – sejam elas os feudos da Idade Média ou a pólis de Aristóteles –, que almejam uma autossuficiência, uma sociedade setorial enfrentará sempre um problema de coesão social.
Cada categoria profissional se agrupa e cria sua própria organização com regras e códigos próprios e sua própria elite que define e defende os interesses do grupo. Os diferentes setores, ao mesmo tempo em que se complementam em termos de suas contribuições ao conjunto da sociedade, competem uns com os outros por recursos. Com isso, emerge uma situação de conflito quase constante no seio da sociedade moderna e o Estado passa a ser visto mais como mediador das relações e solucionador de problemas do que uma instância de dominação. Nesse novo tipo de sociedade, como consequência do declínio da solidariedade territorial, vemos os pobres e indigentes perderem sua identidade e possivelmente sua possibilidade de sobrevivência. Eles não conseguem constituir um setor e acabam ficando à margem da estrutura da sociedade. Sem complementar ou competir, já não são mais sujeitos e se tornam apenas objetos das políticas públicas. Assim nasce a esfera social
como um dos desequilíbrios a serem resolvidos na sociedade.
Com o tempo, a educação se tornou um dos chamados direitos sociais. Contudo, no Brasil, desde os tempos de colônia, a educação tem uma duplicidade de sistemas, com aulas sendo ministradas por entidades particulares – sobretudo ligadas à Igreja Católica – para atender as demandas de famílias abastadas preocupadas com o futuro profissional de seus filhos e iniciativas do governo central, sem contudo o aporte de recursos necessários para que se pudesse cumprir o objetivo ambicioso de incluir as massas e educar toda a população.
Quadro 1 - Marcos importantes para a educação no Brasil, desde a Constituição de 1988
Fonte: elaboração da autora.
O primeiro grupo sempre se legitimou sob a bandeira de liberdade de escolha das famílias, enquanto o segundo pregou valores universais tais como igualdade de oportunidades, acessibilidade e laicidade. Neste capítulo, vamos nos dedicar ao período mais recente dessa história: as políticas educacionais instituídas a partir da Constituição de 1988 – que prometia a construção de um Estado de bem-estar social – e no contexto do fortalecimento do pensamento neoliberal – que aponta na direção oposta –, no mundo. Para uma visão geral dos principais marcos legislativos e outros eventos que marcam o desenho das políticas nacionais de educação básica, elaboramos o Quadro 1.
A Constituição de 1988, no artigo 205, declara: A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho
. A responsabilidade sobre a educação dos jovens é compartilhada entre a esfera pública (o Estado) e a privada (a família); e seu objetivo é dividido entre um ideal emancipatório (cidadania) e um econômico (qualificação para o trabalho).
Na década de 1990, temos mais dois marcos importantes para o desenho de uma política educacional nacional única. O marco legislativo que tem claros desdobramentos para a educação no país é a promulgação de uma nova Lei de Diretrizes e Bases (lei 9.394/96). É ela que define e regulamenta a organização de todo o sistema educacional. No entanto, para a discussão que travamos aqui – sobre a disputa entre duas visões distintas sobre educação e a influência de agentes empresariais na formação de agenda e implementação de políticas públicas –, destacamos a criação do Conselho Nacional de Educação (lei 9.131/95), um ano antes.
O Conselho Nacional de Educação (CNE) é composto por duas Câmaras: a de Educação Básica e a de Educação Superior. Sobre suas atribuições, a lei 9.131/95 afirma:
Art. 7º O Conselho Nacional de Educação, composto pelas Câmaras de Educação Básica e de Educação Superior, terá atribuições normativas, deliberativas e de assessoramento ao Ministro de Estado da Educação e do Desporto, de forma a assegurar a participação da sociedade no aperfeiçoamento da educação nacional.
§ 1º Ao Conselho Nacional de Educação, além de outras atribuições que lhe forem conferidas por lei, compete:
a) subsidiar a elaboração e acompanhar a execução do Plano Nacional de Educação ;
b) manifestar-se sobre questões que abranjam mais de um nível ou modalidade de ensino ;
c) assessorar o Ministério da Educação e do Desporto no diagnóstico dos problemas e deliberar sobre medidas para aperfeiçoar os sistemas de ensino, especialmente no que diz respeito à integração dos seus diferentes níveis e modalidades