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O Sacerdócio Psiquiátrico
O Sacerdócio Psiquiátrico
O Sacerdócio Psiquiátrico
E-book189 páginas1 hora

O Sacerdócio Psiquiátrico

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Sobre este e-book

Elaborei este trabalho como forma de manifestar minha indignação frente ao caráter elitista, autoritário e coercitivo do campo da Saúde Mental, sua ideologia pseudo libertária que mantém indefinidamente o ser humano nas amarras de uma escravidão terapêutica. O discurso da doença mental viola o direito constitucional do ser humano ser reconhecido e respeitado como criatura semelhante à outra qualquer. A imposição de rótulos e intervenções contra sua vontade exprime o valor coercitivo de práticas que não satisfazem seus interesses, porém o de pessoas que o julgam mentalmente enfermo. Esta problemática transborda o conforto existencial proporcionado pela engenharia semântica que reduz a singularidade em termos de doença, sintomas, tratamento, reabilitação psicossocial, entre outros. A batalha a ser travada, portanto, não é contra as enfermidades mentais, tampouco contra manicômios, mas ao caráter involuntário das intervenções psiquiátricas, seja encarcerando pessoas em hospitais psiquiátricos ou expulsando-as de lá, seja impondo rótulos ou removendo-os à força, e assim por diante. Esta batalha não é fácil, pois exige antes de tudo que renunciemos a ideia paranoica de que devemos fazer algo por alguém a quem julgamos necessitado de um cuidado do qual só nós poderíamos oferecer. Enquanto este embuste não for destruído, creio eu, permaneceremos prisioneiros da escravidão imposta por este sacerdócio psiquiátrico.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento9 de dez. de 2018
O Sacerdócio Psiquiátrico

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    O Sacerdócio Psiquiátrico - Daniel Figueira

    O Sacerdócio Psiquiátrico

    Nota Sobre a Escravidão Terapêutica

    do Ser Humano

    Daniel Figueira

    [O Sacerdócio Psiquiátrico], por [Daniel Figueira]

    [ 2 ]

    [O Sacerdócio Psiquiátrico], por [Daniel Figueira]

    Sumário

    Apresentação

    Introdução

    Capítulo 1 – A Constituição do Mito da Doença Mental

    - O desespero humano e a constituição do mito

    - O papel e a função estratégica do bode expiatório

    - O Grande Internamento e a fabricação da doença mental

    - A Crença em Feitiçaria e a Drapetomania

    - O Mito do Homossexualismo e da Insanidade

    Masturbatória

    - O Mito da Esquizofrenia e o Tratamento Moral

    Capítulo 2 – A Ideologia da Saúde Mental

    - Reforma Psiquiátrica ou Escravidão Terapêutica?

    - Ressocializar não é infantilizar

    - Drogas não Matam, Pessoas se Matam!

    - Quanto à cultura da doença mental

    - Quanto à questão do papel de doente

    Capítulo 3 – O Engodo da Política de Inclusão Social

    - O estigma da diferença e a mortificação da semelhança

    - Políticas de inclusão social ou de destruição individual?

    Capítulo 4 – O Engodo da Política de Prevenção do

    Suicídio

    [ 3 ]

    [O Sacerdócio Psiquiátrico], por [Daniel Figueira]

    Capítulo 5 - O Engodo da Política de Combate às Drogas

    Capítulo 6 – Delírios e Alucinações: Uma análise crítica

    - Pessoas não deliram, pessoas mentem!

    Capítulo 7 – Justificando o Injustificável: a Alegação de

    Insanidade

    Capítulo 8 – O Mito da Teoria Bioquímica da Doença

    Mental

    Capítulo 9 – Tratamento Não é Coerção

    Considerações Finais

    Epílogo – A destruição do Autocontrole

    Resumo

    Bibliografia

    [ 4 ]

    [O Sacerdócio Psiquiátrico], por [Daniel Figueira]

    Apresentação

    Há muita razão na proposição segundo a qual viver

    é um risco. Se desejo viver devo aceitar o risco que lhe é

    inerente, pois caso a renuncie estaria logicamente

    renunciando a própria vida. Assim não pode haver vida

    sem risco. Viver implica fazer escolhas, ainda que a

    escolha seja nada escolher. Não há como fugir disto.

    Qualquer escolha que se faça pode nos orientar a

    algo bom ou mau, algo que nos faça sofrer ou nos faça

    sentir bem, talvez nem uma coisa nem outra, mas de uma

    coisa é certa, a possibilidade do erro estará sempre

    presente a despeito de negarmos ou não.

    É, portanto justo reescrever a sentença inicial da

    seguinte maneira: viver é a arte que envolve o risco da

    derrota. Significa assim que não é possível viver sem se

    permitir ao erro, pois tal empreendimento só seria viável

    caso estivéssemos mortos, quando a possibilidade de

    realizar escolhas já não existisse mais.

    [ 5 ]

    [O Sacerdócio Psiquiátrico], por [Daniel Figueira]

    Quando nos sentimos mal ou sentimos que nosso

    corpo não está bem podemos optar por buscar um auxílio

    profissional ou talvez uma pessoa leiga a quem vamos

    depositar nossa confiança pela ajuda que poderá nos

    oferecer, embora a facilidade de acesso varie conforme a

    condição socioeconômica de cada um.

    Isto é algo que ocorre todos os dias na vida de

    milhões e milhões pelo mundo afora, não resta dúvida.

    Cuidar da saúde é palavra de ordem numa sociedade

    adoecida como a nossa. Mas saúde é apenas um dentre

    tantos outros valores humanos, como vida, segurança,

    liberdade, etc. Podemos, por exemplo, amar mais saúde

    que liberdade ou vice-versa.

    Há uma posição ética que devemos assumir ao

    invés de tentar impingir aos olhos de nosso semelhante

    que um valor seja superior a outro. O valor que estimo é

    o de liberdade, as ideias que aqui apresento se modelam

    conforme tal valor. Este é o posicionamento ético que

    adoto e assumo desde já.

    [ 6 ]

    [O Sacerdócio Psiquiátrico], por [Daniel Figueira]

    Por mais que haja pessoas que se sintam mal e

    busquem ajuda profissional não significa que todos que

    são tratados consentiram com as intervenções a que

    foram submetidos. O leitor deve saber o quanto é

    gratificante sermos ajudados quando desejamos receber

    tal auxílio.

    Agora imagine a situação em que você não deseja

    ser ajudado e há pessoas que o tentam convencer do

    contrário, pior elas simplesmente desqualificam sua fala

    dando-lhe um nome degradante (como louco,

    esquizofrênico) e o tratam involuntariamente. Consideraria

    isto bom para ti?

    Se realmente considerasse tal intervenção boa para

    ti, a expressão tratamento involuntário perderia sua razão

    de ser. Ela só existe justamente pelo fato de representar

    uma clara violação do direito do ser humano ser

    reconhecido e respeitado em sua liberdade de recusar

    tratamento.

    [ 7 ]

    [O Sacerdócio Psiquiátrico], por [Daniel Figueira]

    Elaborei este trabalho como forma de manifestar

    minha indignação frente ao caráter elitista, autoritário e

    coercitivo do campo da Saúde Mental, sua ideologia

    pseudolibertária que mantém indefinidamente o ser

    humano nas amarras de uma escravidão terapêutica.

    Eu atuei durante um breve período de tempo neste

    campo e acredito que se não houvesse aproveitado a

    oportunidade de conhecer um pouco como as coisas

    funcionam muitas das questões que aqui abordarei

    dificilmente teriam sido formuladas, talvez sequer

    cogitadas. Deste modo, antes de apresentá-las considero

    essencial apresentar o contexto em que tais surgiram.

    Estou certo de que a maneira como irei abordar os

    temas resulta não tão somente daquilo que observei na

    experiência de meus colegas de profissão, mas também

    do que observei em mim mesmo enquanto alguém que

    esteve no papel de agente de cuidado.

    [ 8 ]

    [O Sacerdócio Psiquiátrico], por [Daniel Figueira]

    Muito antes de haver pretendido realizar um curso

    de graduação em Psicologia nutria crenças que havia

    aprendido ao longo da vida: algo a respeito do que seria

    doença mental, do que seria alguém com esquizofrenia,

    do que seria o trabalho de um profissional desta área, do

    que significava tratamento, qual era a função das

    medicações, etc.

    Penso que qualquer ser humano leigo que tenha

    tido um mínimo de contato com a realidade das práticas

    psiquiátricas deve provavelmente possuir suas opiniões.

    Transportei minhas crenças até o momento em que as

    confrontei com o fato do trabalho propriamente dito.

    Perguntava-me: que significava aquilo tudo?

    Porque algumas pessoas estavam ali? O que elas

    realmente

    desejavam?

    Estariam

    verdadeiramente

    sofrendo de uma doença? O cuidado oferecido seria algo

    imprescindível? Questões cujas respostas me levavam a

    maiores questionamentos: Deveríamos fazer algo por

    [ 9 ]

    [O Sacerdócio Psiquiátrico], por [Daniel Figueira]

    aquelas pessoas? Se sim, por quê? Se não, por quê? Em

    qualquer caso, como?

    Apesar de estar diante de questões angustiantes

    passei a me dedicar a um aspecto considerado essencial

    na tentativa de solucionar este impasse: a convivência

    constante com os usuários do serviço associada a uma

    contínua observação e reflexão de tudo que ocorria ao

    meu redor.

    A importância da convivência foi algo que aprendi

    com uma das psicólogas do serviço, atualmente diretora

    do CAPS, a quem devo o mérito de haver me indicado que

    o fundamental a ser considerado na prática de assistência

    ao ser humano é o próprio ser humano, aquilo que só

    podemos ter acesso através do contato direto, sem

    mediações feitas por literaturas ou especulações que

    distorcem a realidade que só o outro pode nos dizer.

    Uma das coisas que constatei foi o fato de não me

    parecer haver substancial diferença no cuidado prestado

    [ 10 ]

    [O Sacerdócio Psiquiátrico], por [Daniel Figueira]

    às pessoas diagnosticadas como portadora de transtorno

    mental e seus familiares. Comecei a me indagar sobre a

    função do rótulo psiquiátrico e a considerar que ele servia

    mais como ferramenta de estigmatização que qualquer

    outra coisa que alguém pudesse alegar como bom.

    Pois em que poderia tornar melhor o cuidado à

    pessoa usuária em saúde mental o fato de ela ser ou não

    rotulada como esquizofrênica? Se realmente há algo bom

    poderíamos dizer que a relação custo-benefício é

    efetivamente favorável ao paciente?

    Se não o é, então não vejo justificativa para o uso

    de tal ferramenta. Realmente pude notar que muitos

    pacientes eram estigmatizados e prejudicados não tanto

    pelas coisas consideradas estranhas que fazia, mas pelo

    rótulo que carregava, ainda que nada fizesse.

    Um pequeno exemplo a citar foi o que ocorreu com

    um dos usuários ao ser encaminhado ao serviço de clínica

    médica e ao chegar lá ser reencaminhado ao serviço de

    [ 11 ]

    [O Sacerdócio Psiquiátrico], por [Daniel Figueira]

    saúde mental apenas por se tratar de um paciente

    psiquiátrico, como se um paciente desta categoria não

    pudesse sofrer de um problema clínico.

    Também notei que muitos destes usuários,

    praticamente todos, eram pessoas economicamente

    desfavorecidas, desempregadas, com baixa escolaridade,

    sem possuir expressivos vínculos familiares e afetivos.

    Talvez isto não seja nenhum absurdo dado o fato

    de vivermos num país afetado por inúmeros problemas

    sociais, como a pobreza, a violência urbana, as crises

    econômicas, entre outros. De qualquer modo, a busca

    pelo serviço parecia mais como meio de preencher

    lacunas ocasionadas pelas circunstâncias adversas da vida

    do que uma busca por tratamento de alguma possível

    enfermidade.

    Além disto, todos faziam uso crônico de drogas

    psiquiátricas, embora uns mais outros menos. O curioso

    foi o fato de que os usuários que apresentavam menor

    [ 12 ]

    [O Sacerdócio Psiquiátrico], por [Daniel Figueira]

    comprometimento de suas funções vitais eram os que

    menos uso faziam de drogas ou rejeitavam tomá-las, ao

    passo que os mais comprometidos eram os que mais

    faziam seu uso.

    Diante

    disto

    me

    ocorreu

    o

    seguinte

    questionamento: tais pessoas estavam mais adoecidas

    porque faziam uso da medicação ou faziam uso da

    medicação porque sua doença mental estava num estágio

    mais avançado, caso contrário estariam ainda mais

    doentes?

    E também: tais pessoas estavam mais preservadas

    porque faziam pouco uso da medicação ou faziam pouco

    uso da medicação porque seu transtorno estava

    estabilizado, caso contrário estariam piores? Não

    reconheço até o momento outra hipótese senão que as

    drogas psiquiátricas destroem inúmeras vidas na falsa

    esperança de que ajudam

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