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Estratégia e liderança em tempos de profundas mudanças: o caminho do sucesso na organização pública
Estratégia e liderança em tempos de profundas mudanças: o caminho do sucesso na organização pública
Estratégia e liderança em tempos de profundas mudanças: o caminho do sucesso na organização pública
E-book531 páginas6 horas

Estratégia e liderança em tempos de profundas mudanças: o caminho do sucesso na organização pública

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Sobre este e-book


O que pensam e fazem nove importantes dirigentes públicos brasileiros, de diferentes matizes ideológicas, em relação à gestão da estratégia para cumprir suas metas organizacionais, liderando e envolvendo suas equipes, diante do complexo e cada vez mais frequente cenário de mudanças?

É a essa desafiadora pergunta que o autor responde com o seu premiado trabalho de pesquisa acadêmica devidamente compilado neste livro. De maneira extremamente didática e com uma linguagem leve. Sem perder a indispensável profundidade nas quatro teorias propostas – Liderança Transformacional de James MacGregor Burns, Planejamento Estratégico Situacional de Carlos Matus, Estratégia Como Prática de Richard Whittington e Teoria dos Stakeholders de Robert Edward Freeman – Robson Leite navega analisando o pensamento e a prática desses nove destacados dirigentes públicos brasileiros.

Em tempos de enorme polarização política, unir o que há de positivo em gestão, liderança, relacionamento com as partes interessadas, concepção e prática da estratégia organizacional de dirigentes reconhecidos nacionalmente pelo seu trabalho, mas que possuem visões ideológicas antagônicas, torna-se um considerável desafio para este trabalho. Entretanto, essa questão acaba se mostrando como um dos grandes atrativos deste belíssimo material acadêmico.

Se você quer se tornar um bom gestor, preparado com um conteúdo de excelência sobre estratégia e liderança, para encarar as profundas mudanças dos tempos atuais, este livro foi feito para você!

Boa leitura!
IdiomaPortuguês
Data de lançamento30 de ago. de 2022
ISBN9786525253497
Estratégia e liderança em tempos de profundas mudanças: o caminho do sucesso na organização pública

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    Estratégia e liderança em tempos de profundas mudanças - Robson Leite

    O DIA A DIA DAS ORGANIZAÇÕES E EMPRESAS - Um desafio para os líderes e para a área acadêmica

    – Não aguento mais. É impossível trabalhar assim. O computador leva meia hora para imprimir um mero recibo de entrega do pedido de seguro-desemprego. E esse pessoal da informática também não ajuda nem um pouco. Abrir um chamado para resolver esse problema de lentidão só aumenta a nossa angústia – reclamava Fernando que era chefe do setor de atendimento ao público para recebimento dos pedidos de seguro-desemprego e, em função daquele caos, também atendia pessoalmente ao público.

    O trabalho, especificamente naquela regional do Ministério do Trabalho, era sofrível em função da péssima qualidade da rede fornecida pelo governo federal e dos computadores completamente sucateados. Um verdadeiro inferno, conhecido por todos os integrantes daquele importante órgão do Governo Federal.

    – É meu amigo... – respondeu o colega que ficava na baia ao lado, sacudindo a cabeça afirmativamente e com um olhar desanimador e perdido dentro do monitor a sua frente – Para emitir o recibo do pedido de emissão da carteira de trabalho é o mesmo martírio. Quem sofre é o cidadão que atendemos. Aquele senhor que acabou de sair – meio que virando o nariz em direção ao cidadão que saía apressado de sua frente – quase me bateu depois de meia hora sentado aqui diante de mim, me esperando. Eles acham que a culpa é nossa. Sou obrigado a ouvir cada coisa...

    – É surreal meu camarada... – afirmou com um olhar de indignação para o colega ao lado.

    – E o palhaço do Superintendente ainda vem aqui todo pomposo com o fotógrafo oficial do Ministério tirando fotos posadas para fazer propaganda do seu trabalho pro ministro, mas, quando surge um jornalista querendo saber das reclamações de demora no atendimento, ele logo dá uma desculpa e se esconde no gabinete.

    – E quando precisamos conversar sobre as nossas condições de trabalho? – indagou Fernando com uma cara de poucos amigos. – Nunca tem agenda disponível. E, se insistirmos, ele manda recado pedindo para falarmos com os gerentes ou com os chefes de departamento. Nunca é com ele. Da última vez que recebi esse recado, eu precisei lembrar a ele que eu era o chefe do departamento. E como resposta, também por recado, eu recebi uma ameaça sutil: se eu insistisse, ele acabaria sendo obrigado a resolver o problema me dispensando da chefia... Como se eu fosse agarrado ao cargo como ele é. Um completo ausente que não está nem aí para os servidores que sofrem aqui em sua regional.

    – Exatamente. A propósito, estão dizendo que trocaremos novamente de chefe aqui no setor de emissão de carteira de trabalho, está sabendo? Acho que será o quinto, em menos de seis meses.

    – E quem aguenta esse sofrimento? – indagou Fernando girando a cabeça, ao mesmo tempo que apresentava com a mão direita o cenário caótico ao seu redor. – É por essas e outras que eu estou quase entregando o meu cargo aqui na chefia do atendimento de seguro-desemprego. A saúde mental vai para o brejo.

    – Fiquei sabendo que vão trocar o Superintendente também. Será que virá alguém que pelo menos nos escute?

    – Bobagem... – afirmou Fernando com cara de desdém – Não crie essa expectativa. Trocam as moscas, mas a ‘merda’¹⁵ é sempre a mesma. Acaba sendo tudo farinha do mesmo saco.

    A situação caótica do atendimento no posto do ministério do trabalho daquele estado, frequentemente explorada pela mídia, já era uma marca registrada daquela superintendência. Havia até jornalistas de plantão, só aguardando as primeiras reclamações da incapacidade de atendimento ao público para preparar as matérias. E, para piorar, o cenário do conturbado ambiente da área de informática daquela regional não era nada diferente do caos no atendimento.

    – Chefe. Tem outro chamado aqui do pessoal do atendimento reclamando de lentidão da rede para emissão de carteira de trabalho e entrada no seguro-desemprego... – afirmava o servidor que trabalhava no setor de informática daquela regional ao seu superior imediato.

    – De novo? Todo dia isso. Essa turma quer mesmo é desculpa para não trabalhar. Aquele tal de Fernando, então! Que figura insuportável! Nada e ninguém presta para ele. Só sabe reclamar – respondia Maurício, que era o chefe do setor de informática da superintendência.

    – Verdade, chefe. Eles pensam que somos mágicos. Eles não têm a menor boa vontade. É tão simples anotar em um formulário os pedidos de seguro-desemprego e deixar para digitar depois, quando a rede está mais rápida por ter menos usuários, mas, não. Preferem o caos para dar desculpas e não trabalharem. Não querem nada.

    – Já falei com o Superintendente. Tem que trocar todo mundo. Essa turma não quer colaborar. Só sabem reclamar – afirmou Maurício com cara de desdém.

    – Falando nisso, chefe. Está sabendo que vão substituir o Superintendente? Parece que é para resolver os problemas da nossa regional.

    – Que nada. É porque trocaram o Ministro. Não vai mudar nada. É como diz aquele ditado popular: mudam as moscas, mas a ‘merda’ permanece a mesma.

    Passados alguns dias, eis que é anunciada a chegada de um novo Superintendente para a regional. Mário era o nome dele. Filho de imigrantes japoneses, chegava com um novo estilo. Acessível e pedindo para as pessoas não o chamarem de Doutor ou Chefe, apenas de Mário, algo que poucos servidores acataram. Reservava sempre um dia da semana para visitar as agências e os postos de atendimentos espalhados pelo estado. Buscava dialogar e ouvia muito e com muita atenção, quase sempre olhando profundamente nos olhos dos interlocutores que eram, na verdade, seus subordinados. Inclusive, ele chegou no meio de uma conturbada greve nacional dos servidores públicos do Ministério do Trabalho.

    Logo nos primeiros dias após a posse do novo chefe na superintendência daquele estado, algumas questões chamaram a atenção. A primeira delas foi o fato de não ter acontecido nenhuma troca de chefes e gerentes subordinados ao novo superintendente, algo que aconteceu em todas as posses anteriores. Eram 17 gerências e quatro chefias ligadas diretamente ao superintendente. Apenas duas trocas foram feitas e mesmo assim porque os respectivos chefes pediram para sair, temendo que o novo superintendente mantivesse a lógica dos anteriores; conseguir a proeza de piorar o que já estava ruim. Entretanto, para surpresa de todos, o que aconteceu foi algo totalmente diferente.

    Na primeira semana, o novo superintendente decide aceitar o antigo e pendente pedido do comando de greve do seu estado de receber os dirigentes sindicais dos servidores em seu gabinete. Sua secretária, Dona Andréa, que trabalhava há mais de 30 anos na mesma função, não demora a lhe fazer uma advertência:

    – Chefe. Olha, eu preciso lhe dizer que esse pessoal do sindicato não é fácil. O senhor é muito legal, gosta de conversar, mas essa turma aí é de briga. Eles vão invadir aqui esse andar e não vão querer sair do seu gabinete enquanto não conseguirem o que eles querem. Esse era um dos motivos que fazia com que o antigo superintendente não mantivesse nenhum tipo de contato com eles. Aliás, de todos os superintendentes que passaram por aqui. Tinham medo do que esse povo louco poderia fazer.

    – Calma Dona Andréa... – respondeu o superintende com uma tranquilidade incrível e um olhar penetrante ao falar com a sua secretária – Confie em mim. A transparência e o real desejo de resolver os problemas são armas indispensáveis na solução dos conflitos. Se eles realmente quiserem dialogar e não apenas defender posições, a conversa será boa. Pode ficar tranquila. Pede para eles subirem, por gentileza.

    Com a chegada dos dirigentes sindicais, logo se iniciou a conversa. Alguns pleitos, como salários e carga horária de trabalho, estavam fora do alcance do superintendente, mas outros pontos, como melhoria das estações de trabalho, substituição da rede de computadores e a construção de canais permanente de diálogos com os sindicalistas eram bem mais fáceis de resolver. E o superintendente seguiu esse caminho na conversa, ouvindo atentamente e de forma bastante compenetrada – como se nada mais importasse – a preleção de mais de uma hora e meia dos dirigentes sindicais.

    – Caríssimos! – proclamou com uma voz tranquila e calma, logo que os dirigentes sindicais terminaram de falar e olhando nos olhos de todos ali presentes. – Eu ouvi atentamente a explanação de vocês e, naquilo que está ao meu alcance, poderemos avançar perfeitamente. Infelizmente, a questão salarial e de carga horária não dependem de mim, mas nada impede que eu leve esse assunto ao Ministro e traga respostas para vocês, além de intermediar um canal do comando nacional do seu sindicato com a cúpula do Ministério do Trabalho. Agora, no que diz respeito às questões que dependem de mim, eu vou iniciar desde já o processo de mudanças e tomada de decisões, visando à solução e, em contrapartida, eu gostaria de pedir que vocês suspendessem a greve para que eu resolva esses pontos que estão relacionados diretamente aqui com a superintendência. Podemos fazer desse jeito?

    Surpresos, pois nem esperavam ser recebidos, como era a prática dos superintendentes anteriores, os dirigentes sindicais se entreolharam e pediram um prazo de 48 horas para conversar em assembleia com os demais servidores, encaminhando o pedido e a proposta do superintendente. E assim terminou a reunião. Saíram todos com um sorriso no rosto e marcando um novo encontro para dali a três dias, no mesmo local e com as mesmas pessoas.

    – Viu Dona Andréa? O diálogo bem-feito, quando a gente escuta mais do que fala e, principalmente, ouve com atenção e dedicação, resolve boa parte dos problemas. E, quando não resolve, atenua bastante os conflitos.

    – Verdade, chefe. Estou impressionada. Até o astral deles, ao saírem da reunião, era outro. Saíram rindo e dando até boa noite. Eles nunca, sequer, tinham falado comigo na vida.

    Sem esperar a resposta do sindicato, Mário tratou de se debruçar sobre as questões trazidas, aproveitando o fato de que todo dia, quando chegava à Superintendência, ele saia de seu gabinete e visitava as áreas e os departamentos do prédio para uma conversa informal de uma hora com os funcionários de dois ou três setores, um de cada vez. Com isso, ele começou a construir um relacionamento com os funcionários, ao mesmo tempo em que fazia crescer a confiança na relação com esses empregados. Através dessa ação, ele ainda aproveitava e identificava as questões trazidas pelo sindicato e algumas das vezes já endereçava, ali mesmo, junto com os funcionários e os respectivos chefes, as soluções dos problemas apresentados na reunião: uma luminária ruim, um conjunto de cadeiras quebradas que só faltava a assinatura em um documento para providenciar a licitação, a fim de substituí-las, destravar a burocracia para a compra de novos computadores que estava parada na Casa Civil em Brasília há oito meses etc.

    Eis que então eclode o grande problema da emissão da carteira de trabalho e entrada no seguro-desemprego: o atendimento ao público parou e a posição do chefe do atendimento era o de sempre: a rede da informática não suportou a carga e caiu.

    Logo que chegou a notícia do problema, Mário desceu ao setor de atendimento ao público. Ao chegar, encontrou o chefe da informática e os responsáveis pelo setor de atendimento batendo boca. Com uma calma impressionante, ele conversou com Fernando, chefe do setor de atendimento para entrada no seguro-desemprego, a fim de entender exatamente o que estava acontecendo.

    – Chefe. É a informática. Essa nossa rede não suporta a carga. Não adianta abrir chamado e falar com o pessoal. A emissão de um recibo de pedido de seguro-desemprego que tem três páginas leva vinte minutos para sair na impressora. – Isso é impraticável – afirmou Fernando, de forma afoita e com a voz bastante nervosa.

    – Chefe, desculpa, mas numa boa. Essa turma do atendimento que não quer trabalhar. Eles colocam um tempo exagerado no sistema de agendamento de atendimento pela web e fica impossível para o cidadão conseguir fazer uma reserva de horário no sistema em seu computador de casa. E aí ele vem para cá para tentar pegar uma senha e fica esse caos todo! – afirmou Maurício, o chefe da informática esquentando ainda mais o clima tenso que já estava ali.

    – Calma. Não é assim, irritados e com os nervos à flor da pele, que iremos resolver isto. Vamos a minha sala conversar e construir juntos uma solução – interveio Mário.

    Chegando ao seu gabinete, imediatamente, Mário, com a serenidade e a voz firme, mas ao mesmo tempo calma e suave como era a sua marca, tomou a palavra disse:

    – Queridos, eu entendo perfeitamente os dois pontos de vista colocados por vocês, mas eu queria fazer uma proposta. Uma proposta não, um pedido: que deixássemos as nossas diferenças de lado junto com a tentadora, e ao mesmo tempo terrível, vontade de encontrar culpados, fora desta conversa para que focássemos no problema e nas alternativas de solução que temos. A rede parece que realmente é antiga e não suporta a carga de atendentes, é isso Maurício? –

    Menos exaltado e com a voz um pouco mais moderada, Mauricio, o chefe da informática, insistiu no seu ponto de vista: – Chefe, tudo bem que a rede não ajuda, mas alocar no sistema 45 minutos para dar entrada em cada pedido de seguro-desemprego torna o agendamento pela internet praticamente impossível. As vagas se esgotam em segundos, assim que o sistema abre.

    – Mauricio, por favor, um problema de cada vez. Se insistirmos em defender posições, em vez de juntos buscarmos colaborar na construção de uma solução, nós não vamos sair daqui hoje e, pior, também não resolveremos o problema. A rede está realmente sobrecarregada, certo? Vamos ligar agora para divisão de informática em Brasília e pedir um suporte pelo menos para testarmos esta questão e começarmos a isolar os problemas.

    E assim fizeram. Mário colocou o Diretor de Informática do Ministério que ficava em Brasília na linha ao mesmo tempo em que Fernando descia para acompanhar como estava a crise no atendimento. A bem da verdade, ele havia descido para não ouvir as críticas, para ele injustas, do chefe da informática.

    – Caro Diretor. Obrigado pela sua disponibilidade em nos atender nessa conferência por telefone – introduziu Mário, de maneira muito suave e cortês, na conversa em viva-voz com o Diretor, para, logo em seguida, entrar no assunto principal daquela ligação emergencial. – O Ministro havia me pedido, um pouco antes da minha posse aqui na Superintendência, que resolvesse essa questão histórica dos atendimentos, pois era inadmissível esse problema em nossa regional, sobretudo, pelo fato de que ele não acontece em nenhuma outra no país. Há possibilidade de rever a nossa rede e pensar na substituição dela, nem que seja para fazer um teste? – Indagou o superintendente.

    – Oi Superintendente. Claro. O link da sua regional já apresenta esse gargalo há um tempo e pensamos mesmo em substituí-lo. Emergencialmente, podemos alocar de hoje para amanhã uma contingência, com uma largura de banda de rede bem maior, ao mesmo tempo em que aciono o fornecedor para uma solução definitiva. Eu lhe darei um retorno ainda hoje!

    – Obrigado, Diretor. Fico no aguardo – respondeu Mário, finalizando a reunião por telefone com o Diretor, na presença do chefe da informática. Porém, assim que a ligação é finalizada, Maurício se dirige ao Superintendente e diz:

    – Chefe, eu sei que o link não ajuda, mas o pessoal do Fernando não gosta de trabalhar. Os tempos de atendimento alocados no sistema de agendamento de atendimento pela web tem de ser revisto também – emendou Maurício, insistindo em defender a sua posição. Porém, assim que ele conclui a sua colocação, o superintendente, olhando fundo nos olhos do chefe da informática e, com uma tranquilidade incrível e um sorriso nos olhos, responde:

    – Maurício, quando assumimos posições como bandeiras nas negociações e as abraçamos de forma apaixonada, ficamos cegos e acabamos cometendo um erro fatal, mesmo estando com razão; nós não conseguimos enxergar através ou por cima dos problemas. Não podemos nos agarrar em posições desta maneira. Isso nos torna reféns do problema e causa uma cegueira que não nos permite ver a situação com os olhos do outro. Eu queria muito te fazer um pedido importante e sincero: imagine-se no atendimento, recebendo as pessoas e com uma rede que simplesmente não funciona. Já fez esse exercício? Vamos fatiar o problema com calma e resolver uma coisa de cada vez. Eu lhe prometo que irei resolver também a alocação de tempo no sistema de agendamento de atendimento, mas, neste momento, eu quero te pedir para focar nessa questão da substituição do link imaginando-se do outro lado da questão. Quais são os pontos que podem realmente atrapalhar o setor do atendimento e que podemos melhorar? Como deve ser lidar diariamente com cidadãos que foram demitidos e que, no meio dessa tragédia pessoal, precisam procurar o serviço público para resolver temporariamente a sua vida sobre circunstâncias complexas como pôr comida na mesa, pagar a escola dos filhos etc. Não é simples. Por favor, faça esse esforço por mim. Eu preciso muito da sua ajuda, pois você é um profissional altamente qualificado. Será fundamental o seu acompanhamento ‘in loco’ durante o trabalho da equipe de informática de Brasília dando todo o suporte a eles – concluiu Mário que, enquanto falava, olhava fundo nos olhos do Maurício.

    – Chefe, eu vou me esforçar, mas quero que saiba que só farei isso pelo senhor. O senhor é uma pessoa diferente e que realmente se importa com a gente e com os nossos problemas – argumenta Maurício, atônito e surpreso, por nunca ter visto, ao longo de seus vinte anos de serviço público no Ministério, um superintendente agindo daquela forma.

    – Obrigado, Maurício. Sem você, seria impossível encontrar uma solução para esse problema! –exclama Mário com um sorriso no rosto e um brilho nos olhos que refletiam duas coisas que Maurício jamais havia visto em um superintendente: humildade e gratidão.

    Ainda naquele dia, Mário recebe a ligação do Diretor com a boa notícia:

    – Superintendente tenho uma ótima notícia. Vamos alocar até amanhã de manhã, na madrugada, mais precisamente, um link com o triplo da capacidade do que está aí atualmente. Se funcionar, o fornecedor se comprometeu a substituir definitivamente o equipamento antigo em quinze dias, por força do nível de serviço exigido pelo atual contrato que temos com ele.

    – Muito obrigado, Diretor. Eu tinha convicção que você nos ajudaria na solução deste problema – afirmou Mário ao telefone com um sorriso tão sincero e intenso que chegava a ser perceptível em sua voz pelo outro lado da linha.

    No dia seguinte, assim que a mudança foi feita na madrugada e os testes realizados logo cedo pela informática mostraram uma rede com velocidade infinitamente superior ao que apresentava no dia anterior, Mário desce, como de costume, para visitar os departamentos e, dessa vez, começa pelo atendimento.

    – Fernando, bom dia! Tudo bem? Como está a nossa rede e como está o sistema? – indagou um superintendente com um belo sorriso nos lábios e em um tom bem tranquilo.

    – Chefe, impressionante! Está voando! É até difícil de acreditar. A turma aqui está incrédula. O sistema está emitindo o recibo do seguro-desemprego, que antes levava de vinte minutos a meia hora, em segundos. Parabéns, chefe.

    – Fernando, o mérito é de vocês que desde o início apontaram para essa questão. Eu apenas fui um facilitador. Uma ponte para fazer chegar aos canais competentes a insatisfação de vocês. Mas agora sou eu quem precisa de uma ajuda. De um imenso favor seu. Você sabe que a imprensa está em cima deste problema. Tem um radialista aqui que xinga a mãe dos superintendentes e, para azar meu, a minha, que tem 80 anos, é ouvinte assídua e fã dele. Já pensou se ele começar a xingá-la?

    – Claro, chefe. O que eu preciso fazer para evitar isso? – Indagou o chefe do setor de atendimento, que estava atônito por ver a humildade em um pedido do superintendente que, em outros momentos de sua carreira, eram colocados como ordens seguidas de ameaças de punição.

    – Eu preciso que você aloque o menor tempo possível no sistema de agendamento de atendimentos pela web para dar entrada no pedido de seguro-desemprego e emissão da carteira de trabalho. Hoje, o sistema trabalha com o tempo de 45 minutos para cada atendimento, disponibilizando, assim, apenas 100 agendamentos por dia aqui na sede. Se você diminuir, por exemplo, para dez minutos, nós passaremos de 100 para 450 vagas para agendamentos por dia. Resolverá a indisponibilidade que temos hoje no sistema de agendamento de atendimento e acabará com as filas aqui na porta – completou um superintendente que fazia um pedido muito mais como um amigo de infância que pedia um simples e importante favor que como superintendente responsável por toda uma regional e que tinha mais de mil servidores sob a sua responsabilidade.

    – Chefe, eu vou fazer melhor do que isso. Eu vou comprometer o nosso pessoal e colocar em cinco minutos. Com a velocidade que está a rede e o empenho da nossa equipe, nós vamos passar não para 500, mas para 900 atendimentos, multiplicando por quase dez o número de agendamentos disponíveis por dia. E vamos fazer isso porque foi o senhor quem pediu. A equipe aqui gosta muito da forma como o senhor tem conduzido a nossa regional.

    Assim que terminou, todos os atendentes que estavam parados de pé e acompanhando a conversa aquiesceram positivamente com a cabeça e, logo em seguida, aplaudiram entusiasticamente os dois.

    – Obrigado Fernando e toda a equipe. Eu tinha certeza de que poderia contar com a ajuda de todos vocês – finalizou Mário com um sorriso contagiante no rosto.

    ***

    A conceituação de liderança, aplicada nessa história, por mim vivenciada no papel do Superintendente Mário, é um instrumento capaz de envolver e engajar um time na busca de um objetivo comum, conforme expresso nessa situação real. Uma ferramenta até poderosa e eficaz, mas que, quando utilizada conjuntamente com outras três – o Planejamento Estratégico Situacional, de Carlos Matus¹⁶; a Estratégia como Prática. de Richard Whittington e a Teoria dos Stakeholders de George Freeman¹⁷ –, através do framework que esta obra propõe, abre enormes possibilidades de aplicações bem-sucedidas, na solução de problemas complexos dentro de uma organização, como este que ocorreu na Superintendência Regional do Ministério do Trabalho no Rio de Janeiro e que foi apresentado para evidenciar a importância do recorrente tema aqui pontuado para ser reconstruído e amplamente utilizado para esclarecer a prática de que é parte fundamental.

    Transitando entre o tema e a prática, é notório que as mudanças de ambiente que vivenciamos no mundo moderno tornaram-se mais recorrentes e acentuadas, em função do enorme fluxo de informações que hoje em dia chegam a todos. Voltemos no tempo e observemos, por exemplo, como era a maior parte do mundo na década de 1980: sem telefones celulares, computadores pessoais, tablets e internet. O acesso às informações era, de maneira geral, apenas por meio de jornais (impressos, radiofônicos ou televisivos), livros e revistas, todos estes, muitas vezes, disponibilizados em bancas de jornais por um tempo muito limitado, ou guardados em uma biblioteca física. Podemos afirmar, com muita tranquilidade, que a quantidade de informações disponíveis na época exigia um razoável esforço para acessá-las, sobretudo, quando comparado ao mundo atual.

    Hoje, cerca de quarenta anos depois, o acesso a informações não foi apenas bastante facilitado. Em função das redes sociais e de seus modelos de negócios voltados a prender seus usuários em engajamentos; dos repositórios de conteúdos – sejam eles audiovisuais como o YouTube ou de livros e periódicos, como os diversos portais existentes no mundo web, além dos veículos de comunicação para troca de mensagens (WhatsApp, Telegram etc.), esse espaço transformou o que antes era um mundo isolado, das bibliotecas físicas, em uma avalanche de conteúdos que invadem – prejudicando até a saúde – a vida dos cidadãos e das organizações¹⁸. Podemos afirmar com bastante segurança que a quantidade de informações – mesmo não sendo necessariamente verdadeiras – que uma pessoa comum recebe na ferramenta de mensagens do seu telefone celular em um dia é superior à que um indivíduo tinha acesso ao longo de toda a sua vida nos anos de 1980.

    Significativo exemplo de como aumentou consideravelmente a quantidade de informações que impactam e geram mudanças no mundo de hoje vem de uma rede de rádio de notícias, muito famosa no Brasil, a Band News FM. Há cerca de dez anos, ela tinha como slogan a frase Em vinte minutos tudo pode mudar. Hoje, o slogan é Em um segundo tudo pode mudar. A sociedade mudou em quarenta anos, no campo da disseminação de informações, o que não tinha feito em 200 anos, até então. E isso afeta bastante o ambiente organizacional, sobretudo, a prática da estratégia, o acompanhamento do plano estratégico, a relação com os stakeholders e a liderança sobre uma equipe que precisa estar envolvida na prática do plano, a fim de cumprir os objetivos estratégicos de uma organização que precisa permanecer, apesar de tudo isso, firme e estável, atingindo seus objetivos, cumprindo a sua missão e funcionando com as suas visões e seus valores.

    Outra questão relevante na história é a que emerge da situação prática, sobre o envolvimento das partes interessadas que possuem opiniões e interesses diferentes, e, em alguns casos, conflitantes, em relação à prática da estratégia organizacional. Some-se a esses interesses o plano estratégico definido pela alta administração da organização com suas metas, visão, missão, seus valores e objetivos. Além disso, acrescentem-se as mudanças de cenários dos ambientes externo e interno, tais como greves, desligamentos de empregados e crises – econômicas, políticas etc. – que também influenciam o plano e a sua prática e aquelas que chamaremos de variáveis, no decorrer deste livro. Como tratá-las? Como prevê-las? E como, neste contexto organizacional, liderar a equipe para cumprir o plano dentro das expectativas previstas, conciliando os interesses dessas partes interessadas, ou melhor, dos stakeholders?

    Tudo isso pode parecer complexo e desafiador, mas é exatamente esta a proposta: oferecer um framework, aliando o estudo de quatro teorias acadêmicas,¹⁹ construído por meio de um levantamento bibliográfico validado no trabalho de campo que, por sua vez, foi fundamentado por entrevistas com nove grandes gestores públicos brasileiros, possuidores de diferentes visões político-ideológicas.

    Essa caraterística específica de diversidade ideológica serviu também para mostrar que essas quatro teorias acadêmicas, assim como a aplicabilidade do framework, independem das visões ideológicas dos governos a que servem. Essas visões até modificam – e deve ser assim – o conteúdo da estratégia, mormente, quanto à questão de aonde chegar e como chegar. Porém, a condução e gestão da prática da estratégia, e a sua prática propriamente dita, a forma e o estilo de liderar, a maneira de envolver e conciliar os interesses dos stakeholders, o próprio processo de construção da estratégia e a forma de engajar a equipe que praticará o plano nada tem a ver com essas visões político-ideológicas. Dizer isso com segurança, em tempos de profunda intolerância com o diferente, especialmente para pessoas que pensam de forma discordante no que se refere ao espectro político, pode ser arriscado. Contudo, quando temos a ciência do nosso lado, com os seus estudos e conteúdos acadêmicos devidamente experimentados, tudo se torna muito mais fácil.

    Para estudar melhor esses conceitos, a partir da análise das entrevistas, à luz do referencial teórico e no framework, é necessário, inicialmente, discorrer um pouco sobre cada uma dessas quatro teorias acadêmicas e acerca do conceito de estratégia e da evolução dos modelos de gestão pública no Brasil, em face do que existe no mundo. Mundo este inspirado na experiência organizacional do autor desta obra que está fundamentada no pensamento científico e no trabalho de campo desenvolvido na expressiva e premiada pesquisa intitulada: O Dirigente como Gestor da Estratégia: a prática do setor público frente ao complexo cenário de mudanças. Guiado pela ciência e pela experiência, ocupo-me da reescrita deste estudo, enquanto autor, acadêmico, gestor e político que busca, cada vez mais, um aprimoramento para implementar e, ou ampliar estratégias a serviço do bem-comum e da partilha de um saber pautado em fontes diversas e profícuas.


    15 A linguagem popular, ou mesmo considerada chula ou obscena foi mantida na transcrição da fala dos entrevistados.

    16 Carlos Matus, 1991, 1997, 2005: Matus, C. O plano como aposta. v. 5, n. 4, São Paulo: Perspectiva. 1991, p. 28-42; Matus, C. Teoria do jogo social. Fundap, 2005; Matus, C. Adeus, senhor presidente: governantes, governados. Edições Fundap, 1997.

    17 Freeman, R. E. Strategic management: A stakeholder approach. Cambridge University Press, 2010, p. 47.

    18 Um bom exemplo dos problemas, inclusive de saúde mental, que essa situação provoca, é muito bem apresentado no filme O Dilema das Redes da Netflix.

    19 Planejamento Estratégico Situacional de Carlos Matus, Estratégia como Prática de Richard Whittington, Teoria dos Stakeholders de George Freeman e Liderança Transformacional de James MacGregor Burns.

    UMA IMERSÃO NAS QUATRO TEORIAS E A REALIDADE HISTÓRICA DA GESTÃO PÚBLICA BRASILEIRA

    Nesta seção, descrevemos, a partir de relevantes estudos, que a estratégia tem sido foco nas diversas áreas do conhecimento, especialmente na Administração, em torno da qual dezenas, quiçá centenas, de linhas de trabalho se desenvolvem voltadas a um gerente, líder ou gestor que se esmera para estabelecer relações de confiança, harmonizar a liderança, alinhar expectativas dos stakeholders, alcançar objetivos e torná-los parceiros partilhando interesses que se estendam a todos os envolvidos, em especial no ambiente público.

    CONCEITUAÇÃO DE ESTRATÉGIA PARA A TRANSFORMAÇÃO

    As primeiras utilizações do termo estratégia remontam há cerca de 3.000 anos, quando o estrategista chinês Sun Tzu afirmava que a estratégia seria o meio pelo qual se conquista o poder; e tendo o poder, se conseguiria fazer tanto o certo quanto o errado²⁰. Já no Século IXX, Carl Von dizia que:

    Estratégia é o uso do engajamento para atingir o propósito da guerra. O estrategista deve definir, portanto, uma meta para todo o aspecto operativo da guerra, que deverá estar de acordo com o seu propósito. Em outras palavras, ele esboçará o plano de guerra, e o propósito determinará a série de ações pretendidas para atingi-lo²¹.

    Depois disso, apesar de o termo estratégia ganhar vários significados ao longo do tempo, ele somente aproximou-se do ambiente administrativo nos anos de 1950 e 1960, tanto na área empresarial quanto acadêmica. Essa demora, comparada a outras disciplinas da área de administração para a definição, o aprofundamento e o uso desse conceito, se encerrou na segunda metade do século XX²², quando surgiram diversas definições, como a de Mintzberg e col., descrevendo as acepções de estratégia contidas nos cinco Ps –Plano, Padrão, Posição, Perspectiva e Truque (do inglês Ploy"), sendo aprofundadas mais adiante.

    As escolas de pensamento estratégico, propostas por Mintzberg e col., apresentam dez visões relativas ao processo de estratégia, com focos específicos, conforme descrito no Quadro 1.

    Quadro 1 – As escolas de estratégia

    Fonte: Adaptado de Mintzberg et al. (2009).

    As três primeiras escolas – Design, Planejamento e Posicionamento – são classificadas como sendo de natureza prescritiva, ou seja, estão mais preocupadas com o como as estratégias são formuladas do que com sua formação. Além disso, elas obtiveram o seu auge a partir dos anos 1970 chegando a 1980, quando, então, experimentaram o início de um declínio, apesar de manterem influência na academia e nas organizações. A partir de 1990, essas escolas tornaram-se mais ecléticas perdendo popularidade em publicações científicas e no ambiente corporativo para as demais escolas e visões²³.

    Já as seis escolas seguintes – Empreendedora, Cognitiva, Aprendizado, Poder, Cultural e Ambiental – são classificadas como escolas por serem voltadas a alguns aspectos particulares do processo de formulação de estratégias, mais especificamente com a descrição de como as estratégias são, efetivamente, formuladas. As referidas escolas ganharam visibilidade e atenção dentro da administração estratégica, em razão do maior número de publicações e pesquisas na comunidade acadêmica e abordagens na comunidade empresarial – a partir dos anos 1990²⁴.

    Finalmente, tem-se a escola de Configuração, que ganhou destaque no ambiente acadêmico e empresarial, a partir da segunda metade dos anos 1990. Na verdade, trata-se de uma espécie de combinação de todas as demais, buscando integrar diversos aspectos das outras escolas, tais como o processo de formulação de estratégias, o seu conteúdo e as estruturas organizacionais com os seus respectivos contextos, além de descrever o processo de transformação da estratégia, aglutinando os conceitos e as práticas relativas às mudanças estratégicas²⁵.

    O surgimento dessas escolas de pensamento sobre estratégia passou a determinar uma ampliação da complexidade e da própria definição do termo, fazendo com que não seja possível encontrar um conceito único que sintetize todas as aplicações e as utilizações. Nessa perspectiva, surgiu a proposta dos referidos 5 Ps da estratégia: plano, truque – do inglês "ploy" –, padrão, posição e perspectiva²⁶.

    Enquanto plano, representa um guia, ou, ainda, um curso de ação devidamente definido como diretriz para o futuro, oferecendo duas propriedades essenciais: é preparado previamente às ações a que se aplica e é desenvolvido de forma consciente e propositada²⁷.

    Observa-se em outro P a sua definição como truque ou como estratagema (do inglês "ploy"), sendo utilizada para ludibriar um competidor. Henry Mintzberg, Bruce Ahlstrand e Joseph Lampel exemplificam esse caso com uma corporação que adquire terras para passar a impressão que planeja expandir a sua capacidade e, dessa forma, desanimar um concorrente a construir uma nova fábrica.

    Quando padrão, define um comportamento da organização ao longo do tempo, podendo ser pretendido ou não. Já como posição localiza determinados produtos da organização em determinados mercados²⁸.

    E, por último, mas não menos importante, a estratégia como perspectiva demonstra a maneira fundamental de uma determinada organização fazer as coisas²⁹. Pode-se, ainda, afirmar que se trata do olhar da organização para dentro de si mesma³⁰.

    Nas definições supracitadas, variando entre todas as escolas de estratégia e os seus

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