Diário De Quarentena
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Diário De Quarentena - Leonardo Tibiriçá Corrêa
Por mais que queiramos esquecer esta pandemia, muitos entes queridos partiram em decorrência tanto da doença quanto das complicações que o isolamento social causou. A melhor forma de mantê-los vivos é na memória, pois nos lembrar dos nomes daqueles que partiram é mantê-los vivos e eternos, além de manter a chama acesa de seu legado.
- Leonardo Tibiriçá Corrêa
In memoriam de todas as vítimas da pandemia. Que seus nomes e seus legados fiquem vivos eternamente em nossas memórias
16 de março de 2020
Foi decretado, oficialmente, o inicio da quarentena e prevejo enlouquecer ou cair em profunda depressão se não tiver algum subterfúgio para passar por este período. Pela primeira vez, tive medo e anseio de andar de ônibus. Usei uma luva para me agarrar a barra, e chegando em casa, tirei-a e lavei as mãos duas vezes. Neste instante pensei: é uma medida mínima de higiene que todos nós já deveríamos ter como rotina
, porém não há mais tempo para julgamentos. Estarei, de agora em diante, trabalhando em casa e saindo somente para ir ao mercado ou à farmácia, conforme as devidas recomendações sanitárias. Espero passarmos por isso e voltarmos ao normal em breve. Tentarei relatar como um diário, mas não sei o que esperar dessa nova vida de isolamento em casa. Não há previsão para o retorno da nossa rotina.
17 de março de 2020.
Hoje, foi um dia muito turbulento. Adaptar-se às tecnologias remotas é mais complicado do que se parece. Além disso, tenho a sensação de que não parei de trabalhar um minuto sequer desse dia. Minha irmã não retornou do hospital, pois fará um plantão para suprir as necessidades de profissionais da área da saúde. Tivemos a primeira morte por coronavírus, apesar das declarações de estarmos vivendo uma mera histeria. Eu devo encerrar rapidamente esse relato, porque terei que acordar mais cedo que de costume para dar tempo de ir ao mercado e voltar para o trabalho.
18 de março de 2020
Pela manhã, fui ao mercado e me deparei com a pior cena de todas. A recomendação é de não se usar máscaras, somente aqueles que tiverem sintomas. Pois bem. Levei meu álcool em gel no bolso e andei tranquilamente até o mercado, onde agora é uma zona de guerra. Todos corriam e se batiam tentando pegar mais alimento que o outro. Eram pilhas e pilhas de comida a ser estocada para os próximos meses. Uma mulher de aproximadamente 35 anos estava com 14 pacotes de papel higiênico. Eu mesmo contei. Uma senhora com o que parecia ser seu filho, carregavam uns 5 sacos de arroz. Além disso, era terrível ver pessoas socando umas as outras para passar pela fila ou conseguir o último saco de feijão da prateleira. Tive que ir ao hipermercado que é mais longe e me fez perder o café da manhã que iria tomar antes do trabalho. O cenário era mais amigável, talvez pelo espaço, mas pagar 40,00 reais em um frasco de 300 mL de álcool em gel me pareceu muito ofensivo. Todas as marcas de absolutamente todos os produtos subiram seus preços em 400%, obviamente, pela demanda elevada. Deixei mais da metade do meu salário na primeira compra que duraria 15 dias aproximadamente, porque achei moralmente duvidoso estocar comida e itens de higiene em tempos que poderiam ocorrer desabastecimento. Mesmo que eu quisesse estocar para um mês, não teria como pagar. Eu cheguei em casa e minha irmã estava dormindo, completamente exausta de quase 48 horas de serviço no hospital. Não estava fácil. Eu iniciei meus trabalhos administrativos as 9 horas da manhã, uma hora mais cedo do que meu horário e terminei as 22 horas, 3 horas a mais do que o costume. Meus olhos mau paravam em pé para escrever esse diário, porém achei primordial escrever sobre aquele insano álcool em gel e a cena deplorável de individualismo. Não espero mais nada desse povo.
20 de março de 2020.
Primeira semana da quarente e não houve um dia sequer que eu pude ligar a televisão e assistir um filme. A mídia usa e abusa da temática do coronavírus para aumentar audiência, os políticos e empresários desdéns dos riscos envolvidos em exposição e meu telefone e computador não param um segundo sequer. Não consigo relaxar. Trabalhar em casa tem sido sinônimo de escravidão e trabalho intermitente. Estou sempre de prontidão. Não sem nem se agora são oito da manhã ou oito da noite ou talvez cinco da tarde. Estou trabalhando e parando estes poucos minutos para escrever no meu diário e pedir socorro. Há a esperança de que semana que vem as coisas voltarão ao normal, pelo menos no sentido de trabalhar em casa, pois acredito já ter encerrado o período de adaptação. Meu vizinho perdeu o emprego, porque foi necessário cortar gastos. Encontrei com entrando em sua casa, quando retornei do mercado, chorando, pois não sabia como contar a sua esposa e filha que não haveria mais salário. Nem ele e nem eu sabemos como as coisas serão de agora em diante e isso aumenta uma angústia e destrói as nossas mentes aumentando a exaustão do trabalho intermitente e do medo de morrer por causa de um vírus, ou seria, gripezinha
?
22 de março de 2020
Hoje, eu acordei sem vontade de sair da cama. Na Itália, as coisas parecem que perderam seu rumo e meu trabalho parece pequeno demais para significar alguma coisa. Não sei por quanto essa situação irá durar. Sinto falta de ir tomar café na casa dos meus pais, sinto falta de ter uma conversa franca com minha irmã, que chega praticamente de madrugada depois de um plantão de 12 horas no hospital público. Sem sinal de esperança, o número de mortos no mundo está chegando em 15 mil e não há nada que possa diminuir isso, a não ser ficarmos em casa. É como se eu estivesse esperando pela morte bater em minha