Amarelinho da cana-de-açúcar: Uma síndrome e não uma doença
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- Nota: 5 de 5 estrelas5/5MUITO ORGULHOSA! PARABÉNS POR TANTA DEDICAÇÃO COM A CANA-DE-AÇÚCAR!! SUCESSO!
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Amarelinho da cana-de-açúcar - Sizuo Matsuoka
AMARELINHO DA
CANA-DE-AÇÚCAR
Logotipo da Universidade Federal de São CarlosEdUFSCar – Editora da Universidade Federal de São Carlos
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
Editora da Universidade Federal de São Carlos
Via Washington Luís, km 235
13565-905 - São Carlos, SP, Brasil
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AMARELINHO DA
CANA-DE-AÇÚCAR
uma síndrome e não uma doença
Sizuo Matsuoka
© 2022, Sizuo Matsuoka
Imagens da capa
Sizuo Matsuoka
Capa/Projeto gráfico
Vitor Massola Gonzales Lopes
Preparação e revisão de texto
Marcelo Dias Saes Peres
Ester Jennifer Nunes de Souza
Livia Damaceno
Karen Naomi Aisawa
Tradução de anexos do apêndice
Felipe Menezes
Editoração eletrônica
Alyson Tonioli Massoli
Edgar Fabricio Rosa Junior
Editoração eletrônica (eBook)
Alyson Tonioli Massoli
Coordenadoria de administração, finanças e contratos
Fernanda do Nascimento
Apoio
Cocal Energia Responsável
Ficha catalográfica elaborada pelo DePT da Biblioteca Comunitária da UFSCar
Matsuoka, Sizuo.
M434a Amarelinho da cana-de-açúcar : uma síndrome e não uma doença / Sizuo Matsuoka. -- Documento eletrônico. -- São Carlos: EdUFSCar, 2022.
ePub: 17.5 MB.
ISBN: 978-85-7600-520-9
1. Cana-de-açúcar. 2. Doenças. 3. Resiliência. I. Título.
CDD – 633.61 (20a)
CDU – 633.61
Bibliotecário responsável: Ronildo Santos Prado – CRB/8 7325
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônicos ou mecânicos, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema de banco de dados sem permissão escrita do titular do direito autoral.
AGRADECIMENTOS
Em minha longa jornada de pesquisador científico interagi e tive apoio e incentivo de muitas pessoas e não seria possível enumerá-las todas aqui. A todas elas o meu mais profundo agradecimento. Porém me é forçoso fazer um agradecimento especial à Usina COCAL, que sempre entendeu o valor da pesquisa científica e deu apoio ao Programa de Melhoramento Genético da Cana-de-açúcar desde a época do IAA/PLANALSUCAR, prosseguindo com a RIDESA/UFSCar, e, atualmente, de seu Diretor-Superintendente, Paulo Zanetti, apoiando o Programa de Melhoramento Genético de Cana-energia. Como se não bastasse, é ainda a patrocinadora deste livro.
Sumário
Prefácio
Introdução
Ótica holística
Declínio de outono
Sintomas e ocorrência
Fotoperiodismo e senilidade
Resiliência
Etiologia
Transmissão
Disseminação
Perdas
Sintomas em outros genótipos
A cultivar SP71-6163
Efeito da latitude e do clima
Efeito do solo e da sua degradação
Sistema radicular
Manejo de plantio e colheita
Efeito da ferrugem marrom
Produtividade de soqueiras
Discussão geral
Considerações gerais
Conclusões
Palavras finais
Apêndices
Apêndice 1 – Como conheci o Declínio de outono
Apêndice 2 – Embate: síndrome x doença
Apêndice 3 – Os trinta anos do caso amarelinho
Apêndice 4 – Tentativa de transmissão do amarelinho
através de pulgões
Apêndice 5 – O produtor e eu, e o amarelinho
no meio do caminho
Sobre o autor
Referências
Prefácio
Em primeiro lugar, como canavieiro, quero expressar a minha alegria em ver o Sizuo com novo texto sobre velhas coisas mal resolvidas! Quando o conheci, já era o principal melhorista do PLANALSUCAR, sempre com poucas palavras e muita paixão pelos clones
que se espalhavam… Eram meados da década de 1970 e sonhávamos com as variedades que viriam. Um programa do IAA – Instituto do Açúcar e do Álcool que literalmente mudou o setor. Na época era um canavial com variedades desenvolvidas em Campos-RJ (cabe aqui nosso enorme reconhecimento ao trabalho hercúleo de Frederico de Meneses Veiga, do Ministério da Agricultura na época), pelo IAC (Instituto Agronômico de Campinas-SP), também iniciava um belo programa de pesquisas, a Copersucar, com muita expressão.
Na época, com a lógica da intervenção de governo, havia grupos interinstitucionais de liberação de variedades e um rigor por vezes maior que o efetivo conhecimento…
Faço essa recuperação no olhar de popa, pois nesse ambiente o Brasil canavieiro fez, de fato, chover! Crescimento da produtividade de 3% ao ano por vários anos!
Falar dessa geração e do Sizuo em particular é mergulhar num passado rico e de grandes entregas.
O presente documento mostra que surgiu uma nova variedade SP (71-6163), com impressionante desenvolvimento vegetativo, o que fez crescer rápido a sua área cultivada, e em 1992, em São Paulo, 22% dos canaviais da cultivar dessa cana amareleciam e apresentavam mau desenvolvimento, especialmente em soqueiras. Provavelmente se estava diante de uma nova doença, arrasadora, apelidada de amarelinho
. E assim foi…, mas nem todos achavam isso, numa clara minoria. No entanto, deve-se salientar, muitas empresas já tinham alto porcentual plantado da cana que seguia crescendo. Entre os poucos que não viam o amarelinho
como doença estava o Sizuo, do PLANALSUCAR. Advogava ele que não se estava diante de uma doença, e sim de um mal genético conhecido como Declínio de outono
e que, na forma aguda, era chamado de colapso de outono
. Mas foi voto vencido.
Em 1997 pesquisadores brasileiros registraram definitivamente ao nível internacional a associação de um luteovirus com a doença da folha amarela da cana-de-açúcar, embora uma simples associação não fosse prova de que se estava diante de um novo vírus, uma nova doença.
A missão do cientista é construir a história, não com uma narrativa distorcida, mas real. Daí o esforço do autor para buscar fatos e trazê-los à luz. Isso certamente impeliu o autor a voltar ao caso e questionar o que se definiu na época.
Certamente não teve o autor nenhuma intenção de denegrir ninguém. A intuição dizia que sua teoria de décadas atrás continuava válida, mas confessa que ao rever tudo não tinha a mínima ideia até onde as investigações tinham chegado. A busca da verdade é a essência do texto do autor.
O setor sucroenergético vive uma nova fase, onde milho e cana são casados, onde se produz gás metano que substitui o diesel, onde se produzirá em escala o etanol a partir da palha da cana e do milho e onde se cristaliza a visão de uma longa cadeia produtiva com plataformas de tecnologias de uso de etanol nos veículos do século XXI.
Em nenhum momento se pensou que a fábrica
de açúcares teria ficado menos importante: não, é a cana a biomassa que carrega a essência de tudo o que se faz depois, em seu processamento. Buscar seu aperfeiçoamento é prioridade!
A fábrica de açúcar está nas folhas e é delas que se faz o sustento desse magnífico agronegócio canavieiro. Nada melhor em tempos digitais do que buscar a verdade, caso ela não esteja claramente estabelecida.
Não tenho dúvida que a leitura do texto do Sizuo trará aos que viveram aquele momento lembranças importantes. Aos que conhecerem o tema, verão como segue a caravana…
Luiz Carlos Corrêa Carvalho (Caio)[1]
1 Engenheiro agrônomo, pós-graduado em Administração, ambos pela USP; presidente da ABAG, Conselheiro de Empresas da
Unica
, Diretor da Canaplan, Bioagência e Grupo Alto Alegre. Eleito Engenheiro Agrônomo do ano de 2011, Prêmio Bunge Vida e Obra – Agroenergia.
1. Introdução[2]
A dúvida é a origem da sabedoria
René Descartes
Em 1992, em São Paulo, canaviais da cultivar [3] de cana-de-açúcar SP71-6163 chamaram a atenção porque as plantas amareleciam e apresentavam mau desenvolvimento, especialmente em socas. As primeiras observações relatavam que o amarelecimento geralmente iniciava-se em manchas localizadas nos bordos dos talhões e com o passar do tempo se disseminava
para todo o canavial. Os sintomas do Amarelinho
, nome pelo qual logo passou a ser conhecida tal anomalia, puderam ser observados nas mais diversas regiões do estado a partir de meados daquele ano, naquela cultivar, pois que ele já ocupava 22% da área e seguia em franca expansão. Os canaviais amarelados, em contraste com a coloração verde de outras cultivares, se sobressaíam aos olhos de todos, tornando-se motivo de muita preocupação. Como era de se esperar, a primeira ideia de todos os profissionais da área, como produtores, agrônomos e fitopatologistas (especialistas em doenças de plantas), foi a de que estavam diante de uma nova doença, arrasadora.
Em 1993, quando em junho, novamente os canaviais daquela variedade iniciaram a amarelar, a preocupação foi geral, levando a Sociedade dos Técnicos Açucareiros e Alcooleiros – STAB a promover uma reunião para discutir o assunto, a qual ocorreu no auditório do Departamento de Tecnologia Industrial da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz – ESALQ. Convidado para dar minha opinião, pois que sempre atuara como fitopatologista de cana-de-açúcar, advoguei que não se estava diante de uma doença, e sim de um mal genético conhecido como Declínio de outono
e que, na forma aguda, era chamado de Colapso de outono
, conforme descrito em 1964 por C. G. Hughes no livro Sugarcane diseases of the world (volume 2). É de se imaginar que tal ponderação não suscitou credibilidade nos presentes que lotavam o auditório, o que é compreensível (e previsível), porque, sempre, em casos assim, o que todos imaginam é que se está diante de uma nova doença. Pois bem. Colhidos os canaviais, a brotação veio normal; porém, ao chegar o próximo outono, o amarelecimento recrudesceu. Nesse ínterim, havia chegado ao conhecimento um relato do Havaí de uma anomalia denominada síndrome da folha amarela
(Yellow leaf syndrome – YLS) que se transmitia por propagação vegetativa e com a suspeita de que se tratava de uma doença causada por vírus. Dada a semelhança dos sintomas relatados no Havaí com estes sendo observados na SP71-6163, encontrar um vírus tornou-se o foco dos pesquisadores, por mais que eu insistisse que não se tratava de doença junto aos que pesquisavam o problema.
Em fevereiro de 1994, no XVII Congresso Paulista de Fitopatologia, fizemos uma comunicação com a descrição dos sintomas, e outra relatando os estudos que desenvolvíamos em relação ao sistema radicular da SP71-6163, que sempre eram depauperados nas plantas com problema, e que também os solos apresentavam fatores restritivos ao crescimento das raízes e da planta. Naquele mesmo ano, no Congresso Brasileiro de Fitopatologia, um colega relatou a ocorrência de partículas virais em floema de plantas afetadas. Internacionalmente, em abril de 1994, pesquisadores da Copersucar, a criadora da referida variedade, comunicaram em um workshop na Austrália a ocorrência da síndrome da folha amarela (YLS) no Brasil, ocasião em que a mesma pesquisadora que havia relatado a ocorrência do YLS no Havaí reiterou o fato. De nossa parte também enviamos uma nota sobre a anomalia, na qual expressávamos a ideia de que deveria ser um problema fisiológico induzido por muitos fatores e que os sintomas se assemelhavam ao do Autumn colapse na sua fase inicial. Todavia ela não foi apresentada em virtude da impossibilidade de nosso comparecimento, mas a nota foi publicada em dezembro na revista Sugar Journal. Também naquele mesmo ano foi relatada a ocorrência da síndrome nos EUA. É possível imaginar que, a partir de então, a ideia de uma doença virótica se fortaleceu. Mas vamos seguir a história. Nos anos seguintes, a anomalia foi relatada em muitos outros países – Austrália, Venezuela, África do Sul, Maurício, Zimbábue, Cuba –, e continuaram surgindo muitos outros relatos.
É preciso esclarecer, entretanto, que eu conhecia os sintomas desde a década de 1970 e os relacionava com duas anomalias ocorridas na década de 1960 na África Oriental e na Austrália, descritas como Yellow wilt (Murcha amarela
) e Autumn collapse (Colapso de outono
), respectivamente (vide Apêndice 1). Porém nenhum outro pesquisador tinha atinado que a síndrome da folha amarela, e que também passou a ser chamada de Amarelinho
no Brasil, fosse correspondente àquelas anomalias, talvez por duas razões: 1) o termo Autumn collapse não levava ninguém a supor que os sintomas da forma inicial da anomalia levavam à exata correspondência aos sintomas observados no caso do Amarelinho
; 2) os relatos do Yellow wilt foram feitos na revista Sugarcane Pathologists Newsletter (SPN), não indexada e, portanto, que rotineiramente não era consultada para fins de projetos de pesquisa ou de teses, e talvez também porque o termo wilt (murcha) não remetia à anomalia Amarelinho
.
Em dois comunicados internacionais, aquele de 1994 e outro de 1995, fiz menção muito rápida que os sintomas correspondiam à anomalia Autumn decline, ou seja, a forma inicial do Autumn colapse; porém, como tal denominação não constava em nenhum compêndio sobre doenças da cana-de-açúcar, ou sequer em artigos, e naquelas duas ocasiões não dei nenhuma explicação, só mencionei o termo, suponho que ninguém entendeu, numa análise retrospectiva. Porém, ao final de 1995, através de carta (enviada via fax) ao Dr. R. A. Bailey, então chairman do Comitê de Doenças da Cana-de-açúcar da Sociedade Internacional dos Tecnologistas da Cana-de-açúcar (ISSCT), fiz referência explícita ao artigo do livro que relatava o Autumn collapse e também, pela primeira vez, ao artigo sobre o Yellow wilt no SPN. Na semana seguinte, também por fax, inquiri o Dr. C. Ricaud, que descreveu o Yellow wilt, para que fizesse algum comentário sobre a questão, também registrando a semelhança dos sintomas do YLS com aqueles dois casos. No Apêndice 1 está detalhada essa história.
Em 1997, pesquisadores brasileiros registram definitivamente em nível internacional a associação de um luteovirus com a doença da folha amarela da cana-de-açúcar em razão da detecção de partículas virais em tecidos do floema de plantas afetadas. No mesmo ano é comunicada em um workshop internacional a transmissão do luteovirus através de pulgões, o que deixou em regozijo os patologistas e virologistas (tal impressão é exclusivamente minha). A essa altura do tempo, toda a comunidade internacional já admitia que o Amarelinho
, ou YLS, se tratava mesmo de uma doença causada por um vírus, embora uma simples associação não seja prova de que esteja diante de um agente causal. Não obstante toda essa corrente da etiologia viral, apresentamos no XXIII Congresso Internacional da ISSCT, em 1999, a síntese de toda nossa pesquisa e nosso arrazoado de que antes de ser uma doença, a síndrome era uma resposta fisiológica da planta a um complexo de fatores estressantes.
Todo o embate ao longo de sete anos ocorrido no Brasil, em razão de um soldado em descompasso insistir em contrapor-se a toda uma tropa, culminava com a apresentação daquele trabalho em nível internacional, ou seja, o embate agora seria no exterior (vide Apêndice 2). O nosso artigo foi veladamente ignorado, a meu ver, porque nunca recebi nenhum comentário, nenhuma crítica, nem favorável, nem contrária. Como em 1999 a SP71-6163 tinha sido todo substituído, o assunto arrefeceu no Brasil, e desde então não voltei a tocar mais no assunto, pelo menos publicamente (prossegui por pouco tempo com algumas pesquisas, como mencionarei adiante), e então não houve o embate internacional. Até aquela data, tinha intenção de publicar no nosso meio uma revisão discutindo toda essa questão, com análise detalhada de todos os pontos controversos, mas pelo atropelo do trabalho o texto ficou inacabado (porém guardado). Até aquele momento, pelo menos em minha mente o assunto estava resolvido, ou seja, que o Amarelinho
não seria de etiologia viral; na mente dos demais também estava resolvido, porém no sentido contrário. Em suma, não estava resolvido, ou todos estavam com a razão, exceto eu.
O trabalho definitivo referente àquela última comunicação de 1997 que afirmava ter tido sucesso na transmissão do vírus através de pulgão acabou sendo publicado em 2000, quando eu praticamente não estava mais dedicado ao assunto, e portanto não o analisei, como também não analisei nenhum outro trabalho posterior. Assim, quando decidi que retomaria o artigo inacabado (no Apêndice 3 relato a razão dessa retomada), em verdade estava indo rumo ao desconhecido, não tinha a mínima ideia do caminho que tinham tomado as pesquisas. Aquele artigo de 2000 teria mesmo colocado um ponto final no debate, provando definitivamente que o Amarelinho
seria de etiologia viral? Que a síndrome não era mais síndrome, e sim uma doença? Ou, pelo contrário, que algum herói
tivesse seguido minha ideia (sinceramente não esperava) e reunido mais provas para rebater os virologistas? Quando da decisão de retomar o artigo eu não hesitei em nenhum momento para pensar que nos mais de vinte anos de continuidade da pesquisa internacional houvesse sido definitivamente provado que um vírus seria de fato o agente causal. Uma imprevidência! E qual não foi a minha surpresa, estando afastado por tantos anos, ao constatar que foi o tema mais pesquisado nos últimos trinta anos em patologia da cana-de-açúcar! É, eu não sabia o trabalho que teria pela frente para dissecar este assunto. E pior, não sabia absolutamente o que encontraria pela frente. Uma garimpagem sem nenhuma prospecção anterior era uma temeridade.
Porém, à medida que avançava na revisão, via que grande parte do que havia escrito naquele texto guardado era aproveitável, e que mais e mais a minha convicção estava correta. Quanto tempo de pesquisadores gasto, quanto recurso de pesquisa despendido, quanta participação em congressos daqueles pesquisadores sem que se chegasse a uma solução. Como?
, retrucarão imediatamente os virologistas: provamos que é um vírus. Um fitoplasma também é agente causal
, dirão outros. Contrariando estas afirmativas, a análise dos trabalhos feita nesta revisão deixou evidente que aquelas supostas provas não se sustentam. Como se notará ao longo desta discussão, todo esse esforço de pesquisa foi com visão cartesiana considerando a síndrome da folha amarela como doença, com um agente causal de fácil identificação, isto é, com os estudos sendo em grande parte em laboratórios, quando seria recomendável estudar pragmaticamente a complexa relação solo-planta-atmosfera, isto é, o ecossistema. É o problema da visão mecanicista, e pior, de não considerar que havia uma hipótese alternativa, ou melhor, hipóteses.
É de se considerar que tendo o tema esfriado
no Brasil, não é de todo ruim, pois se a preocupação atual é muito grande em termos de aumento de produtividade, a melhoria do manejo agrícola de modo geral, obviamente contando com cultivares bem adaptadas a cada um dos diversos ambientes de cultivo brasileiros, é que deverá dar a resposta desejada e necessária. Melhorando o manejo agrícola também se estará indiretamente precavendo um eventual ressurgimento do mesmo problema, ou de outro similar, e deixando de se despender tempo e recurso (sempre limitado) desnecessariamente. Porém, se os produtores relegaram o problema a um segundo plano, o mesmo não aconteceu com os pesquisadores, que continuaram despendendo tempo e recursos, como se verá ao longo deste livro.
Após essa descrição cronológica de como progrediu toda a polêmica em torno do Amarelinho
será discutida a extensa pesquisa que a comunidade mundial de patologistas e biologistas fez nos mais de trinta anos sobre essa questão, ou mais propriamente sobre o vírus. Independentemente do resultado, porque o conhecimento nunca tem fim, pode-se considerar que se está diante de um case interessante tanto do ponto de vista histórico como científico, porque permite confrontar a visão cartesiana, mecanicista, com a sistêmica, holística. O que não deixa de ser muito importante, pois que vem a ser um exemplo de contraposição à visão cartesiana que ainda tem predominado na agricultura e também especificamente na fitopatologia, como de resto na ciência de modo geral. Em suma, a intenção foi descortinar, aos que se dispõem a fazer ciência, um campo fértil a ser seguido se absorvida a visão holística, além de um outro objetivo importante, que foi o de não deixar que a história seguisse nesse equívoco científico sem uma reparação.
2 Nesta introdução retirei todas as citações para que a leitura pudesse ser mais fluida. Elas estão citadas ao longo do texto
3 O termo cultivar é usado em substituição a variedade apenas por um preciosismo técnico.
2. Ótica holística
O todo é maior do que a soma de suas partes
Aristóteles
O desenvolvimento da sociedade é umbilicalmente ligado ao desenvolvimento da agricultura e da pecuária. Sem ambas, a sociedade regride, desaparece. Restringindo-se especialmente ao cultivo de plantas há uma questão básica, elementar, que precisa ser primeiramente posta: as plantas são seres autotróficos, ou seja, que produzem seu próprio alimento através da fotossíntese. Esta é então a base da vida na terra porque através dela são produzidos os carboidratos necessários para alimentar e fornecer energia a elas próprias e para todos os seres heterotróficos, que são os animais. Dessa relação seres autotróficos-seres heterotróficos, pois, é que pulula a vida na Terra. Uma grande revolução na humanidade ocorreu quando o Homem descobriu que coletando sementes e as distribuindo no solo ele podia produzir muito mais alimento do que simplesmente colhendo o que a Natureza lhe oferecia. Nascia a agricultura.
Hoje, com o planeta abrigando próximo de nove bilhões de seres humanos, o grande desafio que se coloca é como produzir alimento e energia para sustentar tamanha população. E, então, o esforço básico é desenvolver uma tecnologia de produção compatível. Sem isso, não há saída. Para produzir esta tecnologia há que se entender a planta e todo o seu sistema de produção. Isso parece simples, mas não é, porque o sistema solo-planta-atmosfera envolve uma complexidade muito grande. Tanto é que, apesar de todo o desenvolvimento tecnológico que se fez nos últimos cem anos, em muitos casos ainda se carece de muito conhecimento, ou o conhecimento existente é apenas parcialmente aplicado, senão de forma errônea.
A agricultura é a arte de produzir carboidratos e fibra de maneira eficiente. Porém, com o reconhecimento cada vez maior de que a agricultura está degradando o solo, a base de sustentação dela mesma, cresce a consciência de que se faz necessário desenvolver tecnologias para preservar a sustentabilidade do sistema a longo prazo, ou seja, visar o output sim, porque a agricultura é um negócio, mas não unicamente e sem responsabilidade, para que o sistema agrícola e toda a cadeia pós-porteira, e consequentemente a humanidade, não entrem em colapso.[4]
Em razão da forte influência de Descartes no ensinamento e pensamento modernos, toda a nossa formação é cartesiana ou mecanicista, isto é, somos levados a considerar que a uma causa corresponde um efeito específico ou, como no caso em questão, que o efeito observado (amarelecimento) tem uma única e definida causa. Mas um novo paradigma em debate[5] considera que, na natureza, causa e efeito se confundem, pois, segundo Fukuoka, por trás de toda causa existem inúmeras outras causas
,[6] ou seja, o efeito de uma causa pode ser a causa de um fato seguinte, desencadeando uma cadeia de elos sem fim que não permite chegar a um ponto de origem se a questão for considerada numa perspectiva espacial e temporal ampla. Os estudos de física comprovaram,[7] e os de biologia vêm mostrando cada vez mais claramente que na Terra nada ocorre em forma estanque, compartimentalizada: um efeito é resultado de muitas causas atuando interdependentemente, conjuntamente ou em cadeia, embora muitas delas possam não ser reconhecidas e percebidas pelo homem ou mensuradas pelos meios disponíveis, tamanha a complexidade dessas interações. Uma visão ainda mais ampla é a teoria de Gaia de James Lovelock,[8] que diz que a Terra é um imenso organismo vivo onde todas as leis físicas, químicas e biológicas atuam conjuntamente para o seu funcionamento harmônico. Bem, isso pode parecer uma digressão, mas é intencional. O intuito é