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Controle de concentrações envolvendo Fundos de investimento no Brasil
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Controle de concentrações envolvendo Fundos de investimento no Brasil
E-book443 páginas5 horas

Controle de concentrações envolvendo Fundos de investimento no Brasil

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Sobre este e-book

O livro leva o leitor a mergulhar no controle de trustes no Brasil, realizado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, com particular foco na configuração de grupo econômico dos fundos de investimento brasileiros participantes de fusões e aquisições de empresas. Diante do grau de agregação de poder de mercado que fundos podem gerar e outros riscos concorrenciais, aprofunda-se a estrutura organizacional do fundo para revelar o papel funcional dos gestores dos fundos perante as sociedades investidas por estes.
O protagonismo do gestor é realçado por meio de evidências acerca da dinâmica e racionalidade para a constituição e atuação dos fundos, para além do controle regulatório imposto pela Comissão de Valores Mobiliários – CVM. Ponderando a política antitruste idealizada, as evidências colhidas foram cotejadas com a atual regulamentação do CADE acerca de fundos e seus respectivos grupos.
Assim, o leitor é convidado a explorar a organização dos fundos e sua interface com o direito concorrencial
IdiomaPortuguês
Data de lançamento20 de out. de 2022
ISBN9786586352764
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    Controle de concentrações envolvendo Fundos de investimento no Brasil - Ednei Nascimento da Silva

    1. A PREVENÇÃO DA CONCENTRAÇÃO DO PODER ECONÔMICO VIA FUNDO DE INVESTIMENTO NO BRASIL

    1.1. A concentração do poder econômico na perspectiva concorrencial

    1.1.1. Dimensão do poder econômico e sua concentração

    Uma situação que a recente crise sanitária de Covid-19 evidenciou foi o grau de dependência que diversas economias tinham de produtos médico-hospitalares e outros insumos correlatos, produzidos preponderantemente por empresas chinesas, que gerou, em certa medida, dificuldades de atendimento diante de uma explosão de demanda por tais produtos4. Tal conjuntura extrema ilustra de forma simplista como empresas podem ditar as condições comerciais para oferta de produtos, limitando as escolhas de consumidores.

    A evolução da estruturação de negócios empresariais tem propiciado diferentes formas do emprego de capital, sendo a mais usual no mundo contemporâneo sua equivalência em títulos de valores mobiliários, sobretudo na forma de participação societária em empresa (também referenciada pelo termo em inglês equity). Em face desses valores mobiliários titularizados pelos agentes, é possível extrair vínculos empresariais entre pessoas, culminando em teias societárias entre companhias e pessoas de diferentes escopos e níveis, que correspondem à esfera econômica de influência dos agentes (corpo sujeito a algum grau de direcionamento).

    Embora a relação societária tenha peculiar preponderância para o estabelecimento da conexão entre agentes, outra forma que pode aproximar companhias com interesses em comum é pela via contratual, notadamente um meio adicional de coordenar a atuação empresarial. Esses elos empresariais, por meio dos quais se pode manifestar a concertação entre empresas, formam o espectro de influência dos agentes, exprimida essencialmente como poder econômico.

    A configuração e exercício do poder econômico é constantemente objeto de discussão no âmbito acadêmico, sobretudo nos diferentes ramos do Direito em face dos seus efeitos sobre as relações negociais, bem como pela interface com os fundamentos e organização do estado democrático de direito, com impacto na garantia de direitos fundamentais e o progresso econômico, como será retratado mais adiante.

    Na perspectiva concorrencial, interessa dimensionar o poder econômico e seus reflexos no ambiente competitivo para então tratar dos objetivos do controle do poder econômico, de forma a traçar o escopo e fins visados para a função de controle preventivo da concentração de poder econômico e, mais precisamente, os fundamentos norteadores da defesa da concorrência.

    Em linhas gerais, BOBBIO ET.AL (1998, p. 933) definem o termo poder como a capacidade ou a possibilidade de agir, de produzir efeitos. Tanto pode ser referida a indivíduos e a grupos humanos como a objetos ou a fenômenos naturais (como na expressão Poder calorífico, Poder de absorção). Segundo eles (p. 942), o poder é um fenômeno que se observa na tomada de uma decisão, sendo delimitado pela dinâmica e valores existentes, bem como consideram diferentes aspectos, como o econômico e religioso.5 Nesse contexto, pode-se dizer que o poder econômico levará em conta a relação e afinidade entre os sujeitos pela ótica econômica e a repercussão das decisões sobre o ambiente de mercado.

    Acerca da caracterização do poder econômico, uma parte da doutrina6 já atribuía tal poder a quem possui os meios de produção, que poderia ser pessoa ou empresa, individual ou coletivamente consideradas. Assim, o elemento definidor do poder, na esfera econômica, se relaciona com o controle dos fatores de produção, sendo o comportamento dos agentes detentores dessas estruturas foco de análise nas ciências econômicas. Com base nessa definição, é dado um maior peso para a propriedade dos ativos produtivos, porém, na teoria econômica, outros aspectos podem influenciar as notáveis forças da oferta e demanda no ambiente econômico, mitigando os efeitos da posse dos meios de produção, tais como a tributação, a viabilidade de importação, a possibilidade de substituição entre produtos, entre outros7.

    O poder econômico foi abordado por SALOMÃO FILHO (2014) sob a ótica filosófica, econômica e jurídica, tendo sido exploradas por ele diversas justificativas, de forma crítica, que indicam haver um movimento de aceitação do poder econômico.8 Contudo, como parte do devido processo econômico, tendo como premissa a concorrência, SALOMÃO FILHO (2014) enaltece a necessidade de combate às estruturas de poder no mercado, de modo que a diluição do poder econômico seria inerente a esse processo.

    Considera-se que FARINA (1997, p. 121) equipara o poder econômico com o poder de monopólio, ao indicar o impacto que as estruturas de mercado propiciam ao seu detentor e como tal condição se reflete no ambiente concorrencial. Segundo ela, [p]oder de monopólio depende do controle de parcela substancial da produção, por meio do gerenciamento da própria capacidade produtiva ou da coordenação do grupo de empresas, concluindo que, por esse motivo, há uma associação nas legislações antitrustes entre participação de mercado e poder de monopólio, que é referido por outros autores também como poder de mercado ou como poder econômico.

    Em recente estudo sobre a estruturação do poder econômico, RODRIGUES (2016, p. 35) traça uma dimensão geral para o poder econômico e referencia os sinônimos atribuídos a esse termo:

    no âmbito da literatura jurídica e econômica que trata do poder econômico, e para os fins visados pela presente obra, é especialmente relevante o entendimento do poder econômico como fenômeno relacionado às relações econômicas entre os agentes efetivamente. Por tal razão, o conceito de poder econômico é intimamente relacionado aos conceitos de poder de mercado ou de posição dominante.

    Assim, o poder econômico ganha contornos próprios na dinâmica das relações econômicas, ao se observar seu desenvolvimento com as atividades desenvolvidas nos mais diversos setores, refletindo no que se nomeia como poder de mercado9 ou posição dominante10 no Direito Concorrencial brasileiro.11 Ainda no nível conceitual, ao se dimensionar poder de mercado, posição dominante e poder econômico, pode ser destacado um núcleo em comum entre esses termos: aptidão e autonomia de um agente em impor suas condições de oferta de bem ou serviço ao mercado, com reais possibilidades de êxito12. Em face dessa associação, na análise concorrencial estar-se-ia fazendo alusão ao poder econômico quando se menciona o poder de mercado e até mesmo ao se falar em posição dominante.13

    Levando em conta essa delimitação, o acompanhamento da escalada do poder econômico irá envolver a compreensão e monitoramento da evolução do comportamento dos agentes e de suas relações econômicas na sociedade, focando-se com peculiar cautela sobre a transferência dos meios de produção e de prestação de serviços pelos regimes que possuem controle de concentrações. Na perspectiva econômica, é reconhecida uma tendência natural ao abuso na atuação dos agentes econômicos, o que demanda não apenas um regime punitivo, mas também regras estruturais para mitigar o poder detido pelos agentes (parte inerente ao Direito Antitruste), como caracterizado por SALOMÃO FILHO (2019, p. 64)14 e FRAZÃO (2016)15.

    No processo de geração e acúmulo de poder econômico, há duas formas usuais a serem consideradas: o crescimento orgânico ou o crescimento artificial via cooperação, aquisição, incorporação ou fusão de empresas. O primeiro grupo não representa uma preocupação em si, sob a ótica econômica, porque é tratada como um movimento natural e autonomamente decorrente da busca pelo aumento de lucro pelas empresas e indivíduos por meio de expansão própria, sendo uma prática legítima16, que não obsta, porém, o controle repressivo quando houver uma prática abusiva.17

    Por outro lado, a segunda forma de aumento de poder de mercado ocorre como consequência de uma pretendida coordenação (lato sensu) ou concentração18 entre os agentes via acordo, que pode envolver também fundos de investimento. Uma prática classificada como concentração de poder econômico e, pela legislação brasileira, denominada como ato de concentração, sendo passível de intervenção pelo Poder Público previamente a sua implementação, em sede de tutela e defesa da concorrência.19 Aí reside a função do Direito Antitruste ou Concorrencial, no que se refere ao controle preventivo, como ramo do Direito responsável por inibir e solucionar o excesso de poder econômico derivado de atos deliberados pelos agentes.

    De modo a mensurar e exemplificar o potencial negativo da concentração de poder econômico, cita-se o Horizontal Merger Guidelines (2010, p. 2), publicado pela Federal Trade Commission (autoridade concorrência dos Estados Unidos da América - EUA), segundo o qual fusões não devem ser permitidas para criar, aprimorar ou aumentar o poder de mercado ou para facilitar o seu exercício que pode ter como consequência aumentar o preço, reduzir a produção, diminuir a inovação ou, de outra forma, prejudicar os clientes20. Esses seriam exemplos práticos de como o poder econômico pode ser manifestado de modo deletério ao ambiente competitivo, assim como aos consumidores.

    1.1.2. Origem e premissas constitucionais para o controle do poder econômico

    Historicamente, no século XIX a preocupação com o impacto resultante de elevada concentração de poder econômico levou ao estabelecimento de regimes para controle das situações que poderiam ocasionar o uso desmedido e arbitrário do poder econômico, em detrimento da economia e sociedade. O berço do controle antitruste é considerado os EUA, onde foi editada uma das primeiras leis antitruste do mundo contemporâneo (conhecida como Shermman Act de 1890)21, que decorreu do anseio pela contenção às práticas de monopolização de mercados e o receio de mitigação da concorrência. De certo modo, o objetivo primário foi tutelar o mercado (ou sistema de produção) contra seus efeitos autodestrutíveis (FORGIONI, 2020, p. 71).22 Posteriormente, a legislação estadunidense foi aprimorada23 visando tornar mais clara e efetiva a atuação do sistema de defesa da concorrência local.

    Esse movimento influenciou a adoção de legislações e políticas de defesa da concorrência em vários países do mundo, sobretudo na Europa. Assim, a concorrência ganhou relevância como valor essencial ao sistema econômico de diversas jurisdições (FORGIONI (2020, p. 71).

    A intervenção do Estado na prevenção e repressão ao poder econômico possui a mesma essência que a regulação estatal de mercados, pois partem do pressuposto que há teoricamente falhas de mercados que limitam o livre exercício da atividade econômica24.

    Ao se falar em poder econômico no estado democrático de direito brasileiro, entre outros princípios e diretrizes25, é dado especial destaque a dois deles, que exercem grande influência no arcabouço legal e no pensamento sistêmico relativo à supervisão da atuação dos agentes no ambiente econômico do país. Trata-se dos princípios constitucionais, concernentes à ordem econômica, da livre iniciativa e da livre concorrência, expressos no art. 170, caput e inciso IV da Constituição Federal, respectivamente.

    Em linhas gerais, o preceito de livre iniciativa possui conotação de concessão de liberdade de iniciativa econômica e, de forma mais específica, duas acepções apresentadas por GRAU (2006, p. 204) são: a liberdade de comércio e indústria (expressas na forma da faculdade de desenvolver atividade econômica e não haver impedimento estatal à exploração da atividade, salvo às restrições legais) e a liberdade de concorrência (no sentido de haver a faculdade de conquistar a clientela, desde que não através de concorrência desleal; proibição de formas de atuação que deteriam a concorrência; e neutralidade do Estado diante do fenômeno concorrencial, em igualdade de condições dos concorrentes). Portanto, a liberdade econômica não possui dimensão absoluta, encontrando limitação pela atuação estatal e em face de outros valores constitucionais a serem tutelados pelas instituições, porém tal diretriz tem sido ponderada em discussões relevantes no ordenamento nacional26.

    De forma semelhante, BARROSO (2001, p. 189-190) associa a livre concorrência com o respeito à propriedade privada, à liberdade de empresa, à livre concorrência e à liberdade de contratar.27 Evidencia-se, assim, uma correlação entre os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência, enaltecida pela doutrina.

    Por sua vez, o princípio da livre concorrência revela duas vertentes de valores contemplados nessa diretriz. Como observado por GRAU (2006, p. 208-209), de um lado, há a escolha pelo modelo de disputa entre concorrentes conforme as regras de mercado (aproximando-se, mais uma vez, do liberalismo econômico) e, por outro lado, a manutenção da livre concorrência pressupõe uma configuração de mercado sem espaço para exercício arbitrário do poder econômico28. É pela livre concorrência que se propicia a liberdade de escolha dos consumidores, assim como se alcança melhores resultados sociais: qualidade dos bens e serviços e preço justo (BARROSO, 2001, p. 195).29 A conjugação desse princípio com outros valores constitucionais foi recentemente considerada no julgamento do caso envolvendo a flexibilização do prazo de exclusividade aplicado à patente de medicamentos30.

    Em linha com essas acepções, na nossa Lei Maior também foi estabelecido o comando ao Estado para reprimir o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros via lei própria (art. 170, § 4º, da Constituição Federal). Aliada tal diretriz com os princípios constitucionais da ordem econômica de livre iniciativa e livre concorrência31, tem-se o escopo da Constituição Econômica, juntamente com outras regras primárias previstas na Constituição Federal, e principalmente do programa normativo referente à tutela da concorrência.32

    Cabe observar que o controle do poder econômico não é colocado como um fim em si mesmo33, mas faz parte das diretrizes e valores impostos ao Estado, visando manter mercados competitivos, garantir a livre concorrência e, em última instância, preservar a ordem econômica34. A ordem econômica35 é preceito tratado diretamente na Constituição brasileira, que preconiza como seu fundamento a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa, de forma a assegurar existência digna a todos, tendo como referência os ditames da justiça social (art. 170, caput).36

    Analogamente aos valores enfatizados no ordenamento pátrio, ao traçar os objetivos gerais da defesa da concorrência37, AREEDA e HOVENKAMP (2006, p. 102) também destacam a justiça e a dispersão do poder econômico como fins da política antitruste, já que esse controle promove como consequência a eficiência e o progresso econômico. Contudo, em termos gerais, os autores (2006, p. 106) ponderam o caráter dubio da justiça como meta do controle concorrencial: de um lado, (i) a concorrência promove consequências justas como preços próximos ao custo e múltiplas escolhas para compradores e vendedores e, de outro lado, (ii) os rivais [especialmente as pequenas empresas] podem considerar injusta a concorrência de baixo preço de uma empresa mais eficiente, embora essa outra concepção de justiça seja antiética e não deve embasar a atuação de tutelar a concorrência.38

    Retomando as premissas constitucionais brasileiras, como eixo comum da defesa da concorrência, é possível fazer uma correlação teórica entre o justo, bem-estar social e eficiência como decorrência do combate ao abuso do poder econômico. Com parte disso, o controle do poder econômico gera impacto também sobre o desenvolvimento econômico, na busca e concretização da justiça social. SCHUARTZ (2002, p. 65) explica que

    justificar, tendo em vista o ideal constitucional de justiça social, uma política de defesa e de estímulo da concorrência, é, em última instância, apontar para a relação de determinação existente entre eficiência seletiva e desenvolvimento econômico (no sentido schumpeteriano), este último, por sua vez, como condição básica para a realização de mudanças estruturais no perfil da distribuição de recursos e renda entre os agentes que sejam justas, ou seja, aceitáveis racionalmente por todos.

    Assim, parece ser possível traçar um paralelo entre a justiça social e o desejado bem-estar da sociedade39, propalado como um efeito inerente ao (quase utópico) mercado que funciona em concorrência perfeita (que pode ser uma consequência da preservação da ordem econômica)40. Nessa toada, sob a ótica macroeconômica, POSSAS ET.AL (2002, p. 11) enumeram como efeitos a serem prevenidos pelo controle do poder econômico a redução do grau de eficiência na alocação de recursos da sociedade e dos níveis de bem-estar social, através da fixação de preços superiores aos respectivos custos marginais, que são efeitos também assentados no já citado Horizontal Merger Guidelines (2010, p. 2).

    Por contemplar valores estruturantes da ordem econômica, ligados ao modelo livre de competição adotado no Brasil, os princípios constitucionais suscitam discussões sobre sua aplicação em casos práticos e decorrentes da evolução das necessidades e dos arranjos ofertados à sociedade, como no questionamento judicial envolvendo a atividade de plataformas de transporte de pessoas41, demonstrando a importância de sua conformação no ordenamento jurídico e no cotidiano das pessoas.

    À luz dessas considerações, fica evidente que não se pode dissociar o componente econômico dos valores justiça social, livre iniciativa, livre concorrência, sobretudo ao se refletir os fins visados pela defesa da concorrência, já que esta tem como foco a manutenção de relações econômico-comerciais equilibradas. Tais premissas irão balizar o controle preventivo de concentrações. Para a análise adequada dessa dinâmica e execução dessa importante função, faz-se necessário a conjugação dos postulados de ao menos duas áreas de conhecimento, Economia e Direito, razão pela qual a teoria econômica teve papel relevante na construção das bases e no desenvolvimento da defesa da concorrência, bem como na aplicação de suas políticas, sendo a seguir abordado seu objetivo central.42

    1.1.3. Propósito da política de controle preventivo da concentração do poder econômico: a promoção do bem-estar

    Em âmbito global, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) (2017, p. 4) e a International Competition Network (ICN) (2013, p. 44) reconhecem o bem-estar do consumidor como propósito central para os regimes de controle de concentração de poder econômico nas diferentes jurisdições. Ampliando o horizonte de efeitos decorrentes desse controle, já foi apurado que uma política antitruste efetiva impacta também na melhoria do padrão de vida de uma nação e em sua prosperidade, vez que quanto mais intensa a concorrência em um país maior a probabilidade de melhora do PIB per capita (PORTER, 2002, p. 4 e 5). Tal consequência também foi evidenciada em discussões e documentos produzidos pela OCDE43.

    Voltando ao prisma formal, o controle dos riscos decorrentes da agregação de poder econômico aos mercados, preceituado na Constituição, é atualmente regulamentado na Lei nº 12.529/201144, que implantou no Brasil o regime de notificação prévia de atos de concentração e reforçou o combate e sanção às infrações à ordem econômica, que notoriamente são condutas enquadradas como efetivo abuso de poder econômico.45 Na esfera preventiva, para controle da concentração de poder econômico, a nomeada lei estabelece em que condições os agentes terão que notificar e obter autorização do CADE para consumação de transações envolvendo empresas e fundos de investimento (os chamados atos de concentração), cujos requisitos serão apresentados mais adiante.

    De forma explícita, a eficiência e o bem-estar do consumidor estão expressos como fundamentos a nortearem a avaliação dos impactos econômicos dos atos dos agentes econômicos submetidos ao crivo da autoridade concorrencial brasileira. Especificamente nos parágrafos 5º e 6º do art. 88 da Lei nº 12.529/2011 se encontram os objetivos que deverão pautar a decisão caso riscos ao ambiente concorrencial sejam identificados, os quais são a seguir transcritos.

    § 5º Serão proibidos os atos de concentração que impliquem eliminação da concorrência em parte substancial de mercado relevante, que possam criar ou reforçar uma posição dominante ou que possam resultar na dominação de mercado relevante de bens ou serviços, ressalvado o disposto no § 6º deste artigo.

    § 6º Os atos a que se refere o § 5º deste artigo poderão ser autorizados, desde que sejam observados os limites estritamente necessários para atingir os seguintes objetivos:

    I - cumulada ou alternativamente:

    a) aumentar a produtividade ou a competitividade;

    b) melhorar a qualidade de bens ou serviços; ou

    c) propiciar a eficiência e o desenvolvimento tecnológico ou econômico; e

    II - sejam repassados aos consumidores parte relevante dos benefícios decorrentes. (grifo nosso)

    Está claro que a eficiência e o bem-estar do consumidor foram objeto de destaque também na legislação infraconstitucional, os quais podem ser relacionados como possíveis resultados indiretos também das demais alternativas previstas na aludida lei, como o aumento da produtividade ou competitividade (§ 6º, inciso I, alínea a) e melhora da qualidade de bens ou serviços (§ 6º, inciso I, alínea b).

    O programa normativo brasileiro, conjugando o texto legal e a visão doutrinária, aponta para a preponderância do bem-estar do consumidor na avaliação de atos de concentração entre agentes econômicos por ter relação com as noções de justiça social. Nessa linha, na literatura nacional e estrangeira há razoável consenso que um dos objetivos principais da política de controle prévio de concentração do poder econômico é a promoção da concorrência e da eficiência como forma de permitir maior bem-estar ao consumidor e, em última instância, à sociedade.

    SCHUARTZ (2002, p. 107) explicita que "o objetivo da análise estrutural em razão de atos de concentração econômica é a prevenção de situações econômicas em que seja provável o exercício de poder de mercado e a perda de bem-estar social a ele associada", esclarecendo que a diferença entre a prevenção e repressão está na observação do efeito líquido negativo sobre o bem-estar social, que seria efetivo na análise repressiva e potencial na análise preventiva.46

    Traduzindo em termos econômicos, FARINA (1997, p. 120) disserta sobre a forma como essa equação se desenvolve, sobretudo por inibir efeitos como os derivados do poder de monopólio, correlacionando especialmente o efeito sobre o preço (que tendem a ser mais elevados com a concentração de poder econômico):

    A ação sobre a estrutura dos mercados baseia-se na hipótese da concentração-coalizão, que resulta do modelo de oligopólio de Cournot. Quanto menor o número de participantes, mais a solução de equilíbrio se aproxima do resultado de monopólio e vice-versa, o que justificaria ações sobre a estrutura. Evitar a concentração torna-se uma medida preventiva contra o poder de monopólio, amparada, principalmente, pelas legislações que controlam as fusões, aquisições e parcerias entre empresas.

    Não há qualquer consequência nefasta para a economia se uma empresa, ou grupo de empresas, detém posição dominante em um mercado. O problema está no exercício do arbítrio que essa posição lhes confere. Do ponto de vista do agente privado, tal prática é perfeitamente racional, já que lhe permite o máximo rendimento. Entretanto, causa perdas para o sistema econômico geral à medida que provoca uma oferta menor de produto e, consequentemente, um preço mais elevado. Há uma redistribuição da renda em favor desses setores e impactos em todos os mercados a ele relacionados.

    Do ponto de vista normativo, a medida apropriada para estimar a distorção decorrente do exercício de monopólio é a perda líquida de bem-estar social. Quando um monopolista fixa o preço acima do custo marginal, verifica-se uma transferência de excedente do consumidor para o produtor. Somente quando essa transferência não é completa estará caracterizada uma perda de bem-estar social, pela redução líquida do excedente apropriado por cada um dos agentes econômicos. Diz-se, nesse caso, que existe um peso-morto. Portanto, a medida desta distorção será dada pela comparação entre o excedente total ao preço de monopólio e o excedente total ao preço competitivo. (grifos nossos)

    Esse agente econômico compreenderá diferentes formas de estruturas societárias, direta ou indiretamente relacionadas ao negócio, visto que o sistema capitalista permite a criação e manutenção de uma rede societária, que pode ser mais ou menos ampliada, assim como a utilização de várias entidades econômicas, como fundo de investimento, holdings e sociedades contratuais.

    FORGIONI (2020, p.196-200) suscita uma dualidade nos objetivos da política antitruste entre, de um lado, a eficiência e, de outro, preços menores aos consumidores, entendendo que as normas antitruste são instrumentos para implementação de políticas públicas, sem especificar claramente qual política pública (GOLDBERG, 2006).

    Em outro sentido, apresentando uma proposta de implementação de política antitruste, para além da finalidade de fomento do bem-estar do consumidor nas análises concorrenciais, POTTER (2002, p. 3) abordou outra preocupação que interessa à manutenção e estímulo à competição, ao evidenciar o que ele chamou de novo padrão para o antitruste ("new standard for antitrust"), fundado no crescimento da produtividade47. Durante certo período de implementação da política antitruste estadunidense, ancorada na teoria de bem-estar, o resultado mais importante ao consumidor esteve relacionado à limitação da margem de preço/custo ou à lucratividade das empresas, como forma de restringir o poder econômico48. Todavia, o autor (2002, p. 11) defende um redirecionamento no foco da política antitruste (visão alternativa): que passaria da tradicional visão embasada pela variável preço para o padrão de crescimento da produtividade, dando maior destaque aos efeitos sobre inovação (economia dinâmica), acréscimo de valor aos produtos (produtividade estática) e, em menor grau, lucratividade/margem de preço-custo (eficiência alocativa), que na visão tradicional possui maior peso na análise.

    Ao trazer o aumento da produtividade como objetivo central da análise antitruste preventiva, POTTER (2002, p. 19) especifica as razões para a concentração de poder econômico via aquisição ou fusão de empresas receber especial atenção.49 Considerando a relação com discussão aqui proposta, destaca-se a justificativa apresentada pelo autor de que as fusões teriam preferência frente a outras estratégias de crescimento, pois haveriam relevantes pressões oriundas do mercado financeiro, que advém, em certa medida, de problemas de agência que afligem tanto os gerentes de investimento compensados com base na valorização do preço das ações a curto prazo, quanto os executivos da empresa que recebem incentivos com opções de ações (POTTER, 2002, p.

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