Mandem Saudades, Uma Longínqua História de Emigração
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Mário Augusto
Mário Augusto (1963) é jornalista desde 1986. Autor e apresentador de vários programas de televisão, tendo sido subdiretor da RTP 3 e fundador da SIC. Colabora em diversos jornais e revistas e é cronista de rádio. Dedicou grande parte da sua atividade profissional à divulgação e análise do cinema. Realizou vários documentários e argumentos para televisão. Autor de vários livros de cinema, Janela Indiscreta e Como se fosse um romance, além de biografias de atores como Charlie Chaplin e Philip Seymor Hoffman.
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Mandem Saudades, Uma Longínqua História de Emigração - Mário Augusto
Prefácio
Das ilhas para as ilhas… a propósito deste livro por Lopes de Araújo
A nortada encheu de ilhas o horizonte Olhando bem nenhuma é verdadeira… Mas cada uma em mim tem porto e monte Que eu sou homem que vê de outra maneira
— Vitorino Nemésio
Quando saímos do Jumbo da Pan American em Honolulu, já era perto da meia-noite de um dia de setembro de há 43 anos e fomos recebidos pelo doce calor tropical e pelos tradicionais colares de flores.
Tínhamos atravessado meio mundo a voar para oeste, num total de mais de 17 horas de voo. Na pista junto às escadas do avião, estava uma delegação de portugueses residentes no Havai, presidida pelo Dr. John Felix, empresário e médico local e cônsul honorário de Portugal (J. Felix é autor do livro Portuguese in Hawaii e estava de serviço como médico militar na base de Pearl Harbor no dia do bombardeamento). A delegação aguardava, no aeroporto, as autoridades portuguesas que vinham à celebração do centenário da chegada dos primeiros portugueses ao Havai: Mota Amaral, então jovem presidente do Governo dos Açores, e o embaixador Hall Themido, nosso representante em Washington.
Numa reportagem que me permitiu visitar quatro ilhas do Havai, conheci então gente extraordinária que voltei a encontrar numa segunda visita minha ao arquipélago em 1987: John Felix, Edna Ryan, o mayor Elmer Cravalho, Herbert Carlos (que tinha um programa de rádio em português e nunca conseguiu descobrir os seus antepassados nos Açores), todos eles hoje infelizmente já desaparecidos. Todos com enorme orgulho da sua origem portuguesa, dos costumes e das tradições que herdaram dos seus antepassados, vindos nessa saga extraordinária que foi o fluxo migratório português na segunda metade do século XIX e início do século XX de tão longe até ao meio do Pacífico.
A história da nossa emigração para o Havai é, sem dúvida, a mais extraordinária de toda a aventura da diáspora portuguesa pelo mundo. E foi nessa história por narrar que Mário Augusto, distinto jornalista multifacetado, tropeçou, logo decidindo contá-la, porque nela viu o argumento cinematográfico que a sua sensibilidade de cinéfilo e homem de televisão facilmente intuiu.
História extraordinária, desde logo, pela distância percorrida, seis meses no mar descendo o Atlântico e subindo o Pacífico depois da terrível passagem do cabo Horn, viagem dramática na qual muitos pereceram. Depois, pela desilusão de quem fugia a uma vida de miséria e era atraído por falsas promessas. Trabalho duro no campo, no calor dos trópicos, explorados pelos ricos proprietários das plantações de açúcar. Muitos não aguentaram e voltaram derrotados à Califórnia, por onde ficaram, ou a Portugal continental. Os ilhéus de origem, esses, adotaram as novas ilhas como suas também, como se o verde da paisagem, os vulcões, as baleias e o mar fossem, como eram, parte da sua identidade de origem. A tudo isso se refere Mário Augusto e a muito mais, numa narrativa rica e viva, diria mesmo em estilo de guião cinematográfico. Nesse guião, o fio condutor (chamado fil rouge) é a viagem. Da partida para nunca mais voltar (partir é morrer…) às cenas dramáticas a bordo e às dificuldades para literalmente sobreviver, até à chegada e ao que se lhe seguiu, Mário Augusto faz desfilar as imagens do filme desta saga extraordinária, entre presente e passado, como se na nossa mente se projetassem esses fotogramas de ontem e de hoje, numa montagem e cadência perfeitas.
A presença dos Portugueses no Havai é hoje bem viva na gastronomia, na arquitetura, na toponímia, nas tradições religiosas e essencialmente no famoso ukelele, o cavaquinho levado pelos primeiros madeirenses. Mas, acima de tudo, é deveras comovente a história dessa emigração e o amor que os seus descendentes ainda hoje têm à sua terra de origem, no outro lado do mundo, que muitos nem sequer conhecem.
Muito obrigado ao Mário Augusto por nos dar este livro e por se ter lembrado de mim para o prefaciar.
Todos os descendentes de portugueses que hoje vivem no Havai e, se o pudessem também fazer, aqueles que já partiram diriam como eu: Mahalo!¹
Lisboa, dezembro de 2021
Homenagem
Não fossem a miséria e a fome a escorraçarem tantas famílias das ilhas, das terras do interior, de Trás-os-Montes e do Alentejo, muitos teriam morrido nas aldeias sem nunca verem o mar ou ousarem navegar. Assim, a pensar numas ilhas de que nem o nome sabiam, transformaram-se em marinheiros improváveis. Partiram famílias inteiras numa longa viagem à procura de nova vida. Uma jornada difícil de vários meses no alto-mar.
No porão de cada barco apinhavam-se mais de 1500 passageiros… Para muitos, era a última viagem. Em cada travessia morriam 20, 30, às vezes mais. Muitas certidões de nascimento também eram passadas pelo comandante em plena travessia dos oceanos Atlântico e Pacífico.
Esta é uma das mais duras e marcantes histórias da emigração portuguesa. Em pouco mais de 30 anos de viagens num só sentido, seguiram milhares. Os primeiros deixaram uma marca que é hoje o orgulho dos lusodescendentes, talvez mais de 10 % da população das distantes ilhas do Havai, cujos antepassados morreram a mandar saudades.
Este livro é dedicado a todas as mães-coragem que, sem direito a opinião nas decisões de partir, seguiram os maridos nessas aventuras. Seguiam doridas mas determinadas, viram os filhos ainda crianças morrerem-lhes nos braços durante a viagem, sofreram todas as privações, reergueram-se nos campos, como pilar da família, fizeram vida e, como as árvores mais rijas, lançaram longe as raízes dos valores da portugalidade e da família que ainda hoje perduram no Havai.
Esta é uma história de emigração, mas das mais duras. Pela resiliência dos que partiam, é também dos mais bem-sucedidos processos de aculturação da nossa atitude de Portugueses no mundo.
Como começar uma história
Acossados pela necessidade e pelo amor da aventura, emigram. Metem toda a quimera numa saca de retalhos, e lá vão eles. Os que ficam, cavam a vida inteira. E, quando se cansam, deitam-se no caixão com a serenidade de quem chega honradamente ao fim dum longo e trabalhoso