Isla de la Juventud: memórias de um bolseiro em Cuba
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Isla de la Juventud - Pedro Luis Nguvulo
© Editora Gato-Bravo, 2022
Não é permitida a reprodução total ou parcial deste livro nem o seu registo em sistema informático, transmissão mediante qualquer forma, meio ou suporte, sem autorização prévia e por escrito dos proprietários do registo do copyright.
editor Marcel Lopes
coordenação editorial Paula Cajaty
revisão e adaptação Carolina Faria
projecto gráfico Bookxpress
imagem da capa AdobeStock
Título
Isla de la Juventud: memórias de um bolseiro em Cuba Autor
Pedro Luís Nguvulo
Impressão
Europress Indústria Gráfica
isbn 978-989-9069-17-6
e-isbn 978-989-9069-18-3
1a edição: abril, 2022
Depósito legal: 497657/22
gato·bravo
rua Veloso Salgado 15, A
1600-216 Lisboa, Portugal
tel. [+351] 308 803 682
editoragatobravo@gmail.com
editoragatobravo.pt
Educar é dar ao homem as chaves do mundo, que são a independência e o amor, e dar-lhe forças para caminhar por si, a luz que ilumina, ser espontâneo e livre
.
José Martí
Nas relações internacionais, praticamos nossa solidariedade com ações, não com belas palavras
.
Fidel Castro
Aos companheiros e colegas da 47 e Inti Peredo, pela vossa irmandade, solidariedade, anos de convívio e a memória daqueles que já partiram.
À todas as crianças e jovens angolanos que forjaram as suas vidas nas ESBEC da Ilha da Juventude; à todos os Caimaneros
quer sejam de Moçambique, Etiópia, Congo Brazaville, Namíbia, do Gana, da Nicarágua etc; que são os verdadeiros protagonistas desta histórica união entre Cuba e África.
Aos professores e professoras cubanas que deram o seu melhor para a educação e formação dos filhos de África;
À população pinera e a população cubana da ilha maior que nos recebeu com muito amor e carinho desde o primeiro momento da nossa chegada. Obrigado pela vossa generosidade e acolhimento.
Pedro Luis Nguvulo
(Ned-Lay)
SUMÁRIO
PREFÁCIO
INTRODUÇÃO
CHEGADA À ILHA DA JUVENTUDE
SURGIMENTO DAS ESBEC NA ILHA DA JUVENTUDE
ENCAMINHAMENTO PARA O POLITÉCNICO
FÉRIAS EM HAVANA
SUMMER BEACH — OCEAN SURF
ODALYS
A VIDA NA ILHA
O FESTIVAL DE LA TORONJA
— PARTE 1
O FESTIVAL DE LA TORONJA
– PARTE 2
O REGRESSO A HAVANA
RICARDO
O REGRESSO IMINENTE
PRELÚDIO PARA O PERÍODO ESPECIAL
OS FINALISTAS
O REGRESSO DEFINITIVO
A VIDA EM ANGOLA
LONDRES
AULAS DE INGLÊS
A MARISOL
PASSEIO AO HAMPTON COURT PALACE.
FIM DO CURSO DE INGLÊS
A VIDA EM LONDRES
A VIDA EM LONDRES
O REGRESSO ADIADO
AGRADECIMENTOS E REFERÊNCIAS
FOTOS
PREFÁCIO
FOI COM MUITO PRAZER que aceitei o pedido de Pedro Luis Nguvulo em prefaciar o seu livro Isla de la Juventud — Memórias de um bolseiro em Cuba. Foi tão interessante que acabei de lê-lo em três dias.
Pedro conseguiu prender a minha atenção do princípio ao fim, porque ele faz com que o leitor o acompanhe aos encantos da Isla de la Juventud, aos recintos de dança, aos dormitórios e aos refeitórios dos alunos e também às casas dos cubanos em Havana, levando o leitor para uma experiência individual única, nos tempos áureos do internacionalismo socialista cubano.
O regresso ao país natal retrata a situação da maioria dos estudantes angolanos, depois de terminarem os estudos no exterior, no fim da década de 1980 e início de 1990, período em que a glasnost e perestroika tinham já começado a desmontar a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, com a transformação das antigas Repúblicas Soviéticas em Estados independentes e o ressurgimento da Federação da Rússia, que continua a ser o país mais vasto do mundo. Angola experimentou essa dolorosa transição geopolítica e todos os angolanos sentiram os efeitos dessa mudança que ocorreu num período muito curto da história.
A parte final do romance de Pedro Nguvulo tem lugar em Londres, capital do Reino Unido, retratando a luta dos imigrantes para a sua reinserção no país onde nasceu a Revolução Industrial. Pedro Nguvulo mostra na sua obra as faces dos ingleses, bem apresentados pelos historiadores Peter Burke e Maria Lúcia Garcia Pillares (ele inglês, ela brasileira), mostrando as novas faces desse povo fascinante.
Para além do Big Ben, os ingleses legaram para a humanidade a Magna Carta – documento de 1215 que estabeleceu as bases da democracia moderna – e transformaram o mundo com a sua Revolução Industrial – embora Londres tenha 8 milhões de árvores (em 2016), o que faz dela a maior ‘floresta urbana’ do planeta; um país em que a jardinagem é uma obsessão nacional. Um país único, com suas fortes tradições, mas também aberto ao novo – inclusive à imigração.
Se a obra Os ingleses
, de Peter Burke e Maria Pallares é uma leitura empolgante, a leitura de Isla de la Juventud — Memórias de um bolseiro em Cuba, é uma leitura imperdível. Uma obra com história e amor, que faz de Pedro Nguvulo um escritor com tudo para fazer história como escritor da história e do amor. O livro, além de ser um retrato dos estudantes estrangeiros em Cuba, é uma homenagem ao povo Cubano, que conquistou o respeito e o carinho da maioria absoluta dos que passaram pela pátria de José Martí, que Fidel Castro transformou na Escola dos Povos desfavorecidos de boa parte do Mundo.
— Geraldo Sachipengo Nunda.
Londres, 1 de Fevereiro de 2021.
INTRODUÇÃO
ESTE LIVRO É UM testemunho vivo e presente daqueles jovens e crianças que um dia tiveram que cruzar o Atlántico em busca de formação nas terras longínquas do mar do Caribe, na terra de Fidel e Martí. Tenha sido o Jack um personagem fictício ou real, a verdade é que cada um de nós, com especial referência os que passaram nas ESBEC na Ilha da Juventude, encontramos no Jack as nossas próprias vidas e experiências nele retratadas.
As ESBEC — conhecidas em espanhol como Escuelas Secundarias Básicas en el Campo — eram centros educacionais construídos no campo, onde alunos bolseiros, longe dos seus países de origem, combinavam trabalho e estudo diariamente durante o ano lectivo.
A vida na ESBEC, quer para os seus defensores e detratores, marcou a vida e a história de várias gerações de angolanos, de jovens de outros países africanos e outras latitudes do mundo e dos próprios cubanos. Chegaram à ilha crianças e adolescentes e daqui regressaram como profissionais para os seus países de origem.
Independentemente do ponto de vista de cada um, a verdade é que no seu contexto histórico em que foram concebidas, ser bolseiro foi uma experiência sedutora. Alguns adolescentes, rapazes e meninas, talvez tenham tido algumas experiências negativas, e talvez se lembrem da vida na ESBEC como lugares inóspitos, que os mantinham longe dos pais e onde eram obrigados
a trabalhar. Mas a maioria se lembram dessas escolas como o lugar onde encontraram seu primeiro amor, onde se tornaram independentes de seus pais e onde conheceram o espírito de camaradagem, a disciplina social e se fortaleceram como homens e mulheres aptos para os desafios da vida.
Eu, como narrador, ao escrever a história de Jack, parti de um facto semelhante, para não dizer real. Porque não se encontra retratada nesta obra a vida real de um personagem, mas sim vidas de centenas de angolanos que alguma vez tiveram que deixar Angola, quer por razões nobres ou ainda por força das circunstâncias. Após o meu regresso de Cuba em 1990, constatei que falar sobre Cuba, em especial sobre a realidade da vida dos estudantes angolanos na Ilha da Juventude sempre suscitou grandes debates e ainda persistem até hoje muitos mitos e deturpações sobre os factos reais. Um dos grandes mitos que se propagou tanto em Angola é a crença segundo a qual os bolseiros eram forçados a trabalharem nos campos de cana-de-açúcar. O facto é que os autores deste mito desconhecem, por exemplo, que na Ilha da Juventude, ao longo da sua história nunca se cultivou cana de açúcar no seu território. Como participante daquele processo histórico que marcou as relações entre Angola e Cuba, no âmbito da ajuda internacionalista cubana à Angola e outros países africanos, esta obra é uma homenagem a todos os jovens angolanos e de outras nacionalidades, vulgarmente chamados Caimaneros
, que ligaram as suas vidas para sempre à Cuba. Esta obra, tem por outro lado, o objectivo de separar os factos de ficção, mitos e deturpações sobre a verdadeira história da vida dos bolseiros angolanos em Cuba, em particular na Ilha da Juventude. A Cuba daquela época que descrevo nesta obra era a Cuba dos cartões-postais
, onde o azul do Mar do Caribe podia ser vista de longe entre as palmeiras. Das Tiendas Intur, belas praias, Kometas e do Festival de La Toronja
da Ilha da Juventude. Para os rapazes angolanos e africanos em geral, parecia um paraíso de belas mulheres que se apaixonavam não por interesse, mas pelo puro amor. As mulheres cubanas daquela época eram atrevidas e muito sedutoras. Mas também muito simples pelo jeito de ser, mas sempre com um toque de erotismo crioulo e não tinham preconceitos raciais. Cuba parecia ser aquele paraíso onde os intervalos escolares eram para saborear iogurte e doces saborosos chamados masa reales. Acreditava-se que Cuba era o paraíso onde os jovens podiam socializar e viver em harmonia entre eles, independentemente das suas nacionalidades, raça e culturas distintas. Mas não. Como em qualquer sociedade, havia limites e restrições. Apesar de não existirem gangues criminosas como em outros países latino-americanos, nas ruas de Havana, Nueva Gerona, La Fe e outras cidades principais como Santiago de Cuba e nas periferias existia uma certa cultura de intolerância contra os estrangeiros.
Montados a cavalos, como auténticos cowboys, os famigerados guapos
(bandidos) cubanos assaltavam as escolas estrangeiras e muitos estudantes africanos perderam suas vidas em Cuba a golpes de facadas e machetes. Muitos cubanos tinham atitudes muito negativas sobre a presença de estudantes estrangeiros. Eles falavam mal dos bolseiros africanos em Cuba, principalmente dos angolanos. Mas nenhuma nacionalidade foi tão vítima como os angolanos que somaram tantas mortes em Cuba. Cada ano, principalmente durante as férias de verão, ocorria sempre a morte de um estudante angolano por assassinato. Os angolanos somaram tantas vítimas que os estudantes congoleses apelidaram os angolanos de baratas
, por não andarem com cuidado e temor nas ruas das cidades cubanas. Por outro lado, havia conflitos constantes entre diferentes nacionalidades, com destaque as lutas entre os estudantes congoleses e estudantes árabes (iemenitas e do Sara Ocidental) e as agressões dos estudantes etíopes contra os angolanos, assim como os conflitos entre gangues de cubanos na Ilha da Juventude contra todos os estudantes estrangeiros. As origens destes conflitos, tanto quanto entre os congoleses e os árabes e entre os etíopes e angolanos, nunca foram muito claras. Especula-se que começaram com uma coisa de saias, de ciúme pelas meninas árabes e das raparigas etíopes.
CHEGADA À ILHA DA JUVENTUDE
DEPOIS DE UMA NOITE em Havana, e cerca de oito horas de travessia no mar do Caribe, tinham finalmente desembarcado na pequena cidade de Nueva Gerona
, capital da famosa Isla de la Juventud
. Esta pequena cidade tinha sido fundada no ano 1830 na desembocadura do rio Las Casas. Apesar do seu diminuto espaço geográfico, estava bem servida em infraestruturas. Havia uma autoestrada que ligava Nueva Gerona à La Fé e uma outra à vila Pinera. Havia um aeroporto, um terminal marítimo, canal televisivo próprio, um jornal local e uma emissora de rádio. Havia dois hotéis principais e uns tantos motéis. A cidade era ligada com Havana por dois voos diários cuja duração era de aproximadamente vinte e cinco minutos. Havia ainda quatro kometas
diários e um barco por dia, que cobriam os portos de Gerona e Batabanó, do outro lado da costa cubana.
Esta ilha, que fica aproximadamente a cinquenta quilómetros ao sul da Ilha de Cuba, no golfo de Batabanó, tem uma área de 2.419 quilómetros quadrados, é a segunda maior ilha do arquipélago cubano e a sexta maior das Antilhas. Por sua extensão superficial, população e características económicas, é considerada um Município Especial, não estando vinculado a nenhuma província.
É nesta pequena parcela do território cubano, separados da maior ilha que viveriam anos e anos, separados das suas famílias e do seu país. É nesta ilha que compartilhariam momentos de alegria e tristeza, o primeiro amor e o começo do caminhar para a vida.
Imediatamente após o desembarque do navio, que se chamava Jibacoa
, foram transportados para as escolas que ficavam fora da pequena cidade de Nueva Gerona. Semanas depois ficariam a saber que estas escolas onde frequentariam os seus estudos secundários e pré-universitários se chamavam ESBEC
. As escolas, construídas com base em um único modelo e plano, eram estruturas pré-fabricadas, simples e básicas tanto na sua estrutura externa como interna. Devido a sua localização rural, eram na verdade um mundo à parte. Estavam rodeadas apenas de pinheiros e vastos campos de cítricos — a famosa toranja. As ESBEC foram constituídas a partir de um conceito de Martí que dizia que uma criança deve ... manusear o caderno de manhã e a enxada à tarde
— onde o apóstolo, como também é referido José Martí, destacava o valor do trabalho na formação do ser humano.
O conceito principal por trás destas escolas cubanas era a combinação do estudo e o trabalho para a formação do homem novo revolucionário
, segundo o prisma Martí-Marxista. Oficialmente, o objetivo desse modelo de ensino era conseguir uma formação integral dos alunos por meio da combinação do estudo e do trabalho desde a adolescência.
Por esta razão, os alunos combinavam os estudos com os pequenos trabalhos nos campos de cítricos que a par da indústria de mármore e cerâmica, eram