O mundo do tudo pode: um estudo de design dos sites de namoro voltados para homossexuais masculinos
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Sobre este e-book
análise da linguagem visual de alguns desses sites e aplicativos, das imagens fotográficas e ilustrações contidas neles e do cruzamento dessas informações com o discurso de quem tem ou teve algum contato com esse meio de comunicação.
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O mundo do tudo pode - Simone Marie Berthe Medina Wolfgang
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PARA ALÉM DAS IMPRESSÕES
O que você precisa saber é: é tudo sobre sexo. É verdade, dizem que o homem pensa em sexo a cada vinte e oito segundos. Claro que esses são os homens héteros; pois homens gays pensam a cada nove. Você pode estar no supermercado, na lavanderia ou comprando aquela camiseta maravilhosa, quando, de repente, você se vê conferindo um cara gostoso, mais gostoso do que aquele que você viu no último final de semana ou com quem foi para casa na noite anterior. Isso explica porque estamos todos na Babylon à uma da manhã, num dia de semana, ao invés de estar em casa, na cama. Mas quem quer estar em casa, na cama? Especialmente sozinho, quando você pode estar aqui, sabendo que a qualquer momento você pode ver ele: o homem mais bonito que já viveu. Isto é, até amanhã à noite. [...] mas quem diz a verdade desde que o sexo virtual foi inventado? (Queer as Folk)
Há alguns anos, em 1997, eu estava em uma banca de jornal, em Ipanema, quando me deparei com uma revista gay inglesa chamada Attitude. Tudo nela me chamava a atenção, o seu design, o uso das cores, as fotografias e a estética das chamadas publicitárias ali contidas. Outra coisa interessante era o tratamento das campanhas de prevenção ao HIV. O apelo utilizado, na maioria dos casos, era alegre e bem-humorado, bem diferente do que eu via aqui no Brasil. Tudo isso era graficamente muito interessante e, por causa disso, despertou minha atenção para as publicações e os impressos voltados para o público homossexual de uma forma geral. Na mesma época, enquanto cursava o segundo grau técnico em publicidade, decidi pesquisar impressos ligados à homossexualidade de origem nacional, para começar a desenvolver alguns trabalhos de curso. Entretanto, aqui no Brasil, naquela época, não era muito fácil ter acesso às publicações voltadas para o público gay, e apenas uma ou outra iniciativa surgia aqui e ali, em algumas revistas, fanzines e filipetas voltados para esse segmento.
Então, alguns anos depois, enquanto eu cursava a faculdade de design, tive um contato maior com as escassas publicações sobre a homossexualidade no Brasil, por conta de minha pesquisa de conclusão de curso — lembrando que, no que diz respeito à linguagem visual, a maioria delas não se parecia em nada com que era feito no exterior. Por outro lado, a internet vinha-se mostrando um crescente meio de comunicação, com uma enxurrada de sites voltados para homossexuais, especialmente sites de festas, de boates, de busca de sexo e de parceiros. Essa escassez de meios de comunicação impressos específicos para os homossexuais masculinos levou-me a desenvolver um guia voltado para eles como trabalho de graduação e, paralelamente a isso, eu estava sempre em busca de uma forma de continuar a estudar a homossexualidade e como ela se expressa por meio de suas imagens, estéticas e design.
Com o término da minha graduação, procurando ainda manter-me nessa temática de estudo, passei a buscar um novo objeto de pesquisa que se relacionasse com a homossexualidade e as suas expressões gráficas. Ao observar mais atentamente os meios de comunicação visual ligados à homossexualidade, notei que, aos poucos, eles estavam se expandindo e, em alguns casos, de certa forma, modificando sua linguagem visual, algumas vezes se assemelhando muito ao design de revistas estrangeiras. Ao mesmo tempo, existia também um outro design, que, a princípio, foi criado para atender a uma demanda de grupos homossexuais que se reuniam por possuir características em comum, como o incentivo a um estilo de vida específico, a uma forma de se vestir e estampar em si outros símbolos, como piercings e tatuagens, ou ainda o fato de se reunirem por compartilharem algum tipo de fantasia, prática sexual ou fetiche específico.
Para atender a essas pessoas, foram sendo criadas páginas na internet, folhetos de festas e fanzines, que, na maioria das vezes, eram desenvolvidos por indivíduos ligados aos grupos. Esses suportes tinham aparências bastante interessantes, muitas vezes utilizando símbolos gráficos que eram bem conhecidos pelos grupos para os quais foram projetados, mas com alguns códigos que não necessariamente faziam parte do repertório visual mais comumente difundido pelo movimento homossexual, como a bandeira do arco-íris.
Paralelamente a isso, minha experiência pessoal levava-me a conviver com uma variedade de pessoas que partilhavam diferentes lugares dentro do universo homossexual, então eu me pus a observá-los de forma mais atenta, até que, em certa ocasião, comecei a esquematizar mentalmente a quantidade de subdivisões existentes dentro da própria cultura homossexual masculina, presentes naquele momento específico, e a notar como, dentro de um mesmo espaço, existiam tantas subculturas distintas que poderiam ou não se cruzar.
Foi então que surgiram os primeiros questionamentos que guiaram minha pesquisa. Primeiramente, tive a intenção de traçar contrapontos entre os diversos lados dessa cultura, baseando-me nas diferenças visuais entre eles, pensando em como essas vivências seriam organizadas em função do imaginário, já que, no universo homossexual masculino, existem uma grande variedade de culturas e uma alta diversidade de representações subjetivas frequentemente traduzidas por meio de estereótipos.
Tais estereótipos estão, mais do que nunca, presentes nos meios de comunicação voltados para a homossexualidade — revistas, filipetas, programas de televisão, filmes e sites da internet — sendo apresentados com uma configuração muito semelhante em vários países do mundo e pelas mais diversas culturas. Foi a partir dessas observações primárias que surgiram as questões iniciais que fomentam minha pesquisa de mestrado, com três perguntas que procurei responder durante a redação da tese: Como acontecem as representações da homossexualidade masculina nos meios de comunicação? Por que os estereótipos são apresentados e reproduzidos nesses espaços? De que forma eles são expostos, com quais intenções e com quais efeitos?
A partir desses questionamentos iniciais, de forma direta ou indireta, surgiram outras novas lacunas a serem preenchidas. O primeiro exemplo disso é a própria denominação da homossexualidade, que nem sempre foi pensada e concebida da forma como é atualmente. Foi fundamental, nesse momento, o aprofundamento dessa questão por meio da obra de Michel Foucault (2001; 2005)¹ e seus estudos sobre sexualidade, constituição subjetiva da homossexualidade² e dos discursos e das categorias ligadas a ela.
Averiguar questões relacionadas à categoria subjetiva da homossexualidade implica pensar e expor sua constituição, assim como a formação do imaginário a ela relacionado, seu repertório imagético, suas falas e suas narrativas ligadas a essa configuração, para, então, por meio de seus suportes, estudá-la. No caso específico desta pesquisa, os suportes são os meios de comunicação que produzem ou reproduzem uma linguagem visual ligada a esse imaginário.
Foi então que surgiu uma nova questão: com que propósito teria sido feita a comunicação visual das peças gráficas com que eu havia tido contato nessa averiguação?
Tais peças eram filipetas de festas e saunas, revistas de conteúdo adulto e sites de busca de parceiros. Além disso, havia outro dado relevante: o apelo visual da maioria das peças estava relacionado à sexualidade, mesmo aquelas que não haviam sido feitas exclusivamente com o intuito de sinalizar um local de prática de sexo, como uma sauna, por exemplo, ou como as filipetas de festas ou boates gays.
Graças à homogeneização das imagens com as quais me deparei nessas diversas mídias, propus-me a estudar as peças gráficas dos mecanismos de busca de parceiros voltados para os homossexuais masculinos — filipetas de saunas, classificados de revistas, anúncios de garotos de programa e sites de busca de parceiros — pensando em como se dá a criação, a reprodução e a circulação dos estereótipos nesse imaginário, e de que maneira a produção gráfica contribui para a fixação de tais estereótipos.
A partir da repetição percebida nas peças gráficas, pode-se pensar também no papel do profissional de design como produtor e reprodutor de estereótipos e na importância dessa posição e suas consequências.
A utilização e a reprodução de estereótipos pelos designers são estudadas por Steven Heller (1997; 2005), que atenta para um uso consciente dos estereótipos no sentido de que eles não devem ser utilizados para fins indevidos, como transmitir mensagens com fins preconceituosos. As teorias de Heller têm seu valor, pois constituem uma preocupação — por parte de um teórico do design — com estudar os estereótipos e os seus usos. Além disso, pessoalmente funcionaram como um ponto de partida teórico para esta pesquisa. Contudo, minha proposta difere um pouco da apresentada por ele, inicialmente por acreditar que a relação entre design e estereótipo não precisa ser necessariamente sempre conflituosa ou conturbada.
Resumidamente, a reprodução dos estereótipos, para Heller, consiste em utilizar estereótipos para modificar a opinião pública em relação a assuntos que envolvem discriminação, opressão de minorias ou representações que sejam pejorativas, algo contraindicado. Um bom exemplo da concepção de Steven Heller sobre a relação entre design e estereótipo pode ser visto na seguinte citação:
O humor e especialmente a paródia são meios efetivos para comentar, educar e alterar a opinião pública, mas os designers não deveriam ter a licença para usar estereótipos emocionalmente
carregados indiscriminadamente — o tiro pode sair pela culatra. A consequência, muito mais do que chamar a atenção do expectador ou apelar para a simpatia do público, pode ser alienante. ‘Bombe a minha marca’ pode desencadear algumas risadas embaraçosas, mas ninguém precisa ser extremamente escrupuloso para se ofender com sua mensagem confusa. Como uma pessoa que recebeu a chamada para participar me disse, essa ideia é incrivelmente ruim
(HELLER, 2005).
Em muitos casos, os estereótipos funcionam como uma boa ferramenta de apoio para o design, uma vez que constituem uma forma rápida e resumida de transmitir informações que devem ser compreendidas por muitas pessoas em um pequeno espaço de tempo, como é o caso da sinalização de trânsito.
Esta pesquisa faz outro tipo de análise da utilização de estereótipos. A intenção aqui não é averiguar se eles aparecem de forma correta
, incorreta
ou ofensiva, mas compreender, de alguma forma, por que aqueles estereótipos estão ali, ou seja, por qual motivo os recursos gráficos ligados à divulgação de espaços voltados para homossexuais masculinos utilizam esse tipo de repetição