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Jogos digitais, cidade e (trans)mídia:: a próxima fase
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E-book330 páginas3 horas

Jogos digitais, cidade e (trans)mídia:: a próxima fase

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Sobre este e-book

JOGOS DIGITAIS, CIDADE E (TRANS)MÍDIA trata das recentes transformações na cultura digital, utilizando como parâmetro os jogos de realidade alternativa (ARG). O trabalho de Luiz Adolfo de Andrade vem preencher uma lacuna nos estudos que relativizam comunicação social e jogos digitais, oferecendo uma abordagem introdutória sobre o gênero. Ao longo dos sete capítulos que formam este volume, o leitor poderá encontrar discussões sobre temas pertinentes à cibercultura, como jogos digitais, computação ubíqua, espaço, lugar, mídias locativas e pervasivas. Escrita por um referencial no cenário brasileiro dos games, esta obra é uma grande contribuição tanto para profissionais quanto para estudantes de Comunicação Social, Ciências da Computação, Estudos de Mídia, Arquitetura e Urbanismo.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de jan. de 2015
ISBN9788581927145
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    Pré-visualização do livro

    Jogos digitais, cidade e (trans)mídia: - Luiz Adolfo de Andrade

    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO - SEÇÃO GESTÃO

    Para Teresinha, Luiz Carlos e Nina.

    Agradecimentos

    Este livro não seria possível sem a ajuda de pessoas e instituições especiais. Meus sinceros agradecimentos ao estimado professor André Lemos, pelo prefácio e pela importante interlocução desde meus tempos como bolsista de doutorado da UFBA. Aos colegas pesquisadores do Lab 404, especialmente José Carlos Ribeiro, Macello Medeiros, Fernando Firmino, Adelino Mont’Alverne, Diego Brotas, Paulo Victor Sousa, André Holanda, Leonardo Branco, Leonardo Pastor e Nelson Oliveira, pelo proveitoso debate estabelecido durante o amadurecimento desta pesquisa. Além do Lab 404, sou grato também aos integrantes dos grupos LEME/UNEB e Comunidades Virtuais/UNEB. Obrigado pelo diálogo constante e profícuo. A todos os jogadores e designers que entrevistei, peças importantes para a realização deste trabalho. Ao Programa de Pós-graduação em Comunicação e Cultura Contemporânea (PPGCOM/UFBA) e ao Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), pelo apoio com alocação de bolsa de produtividade. Agradeço também a Simone Pereira Sá e Tadeu Capistrano, meus orientadores de mestrado e graduação, fundamentais na minha formação como pesquisador. Aos professores Vinicius Andrade Pereira, Lynn Alves, Afonso de Albuquerque, Erick Felinto, Wilson Gomes, Marcos Palácios, Benjamim Picado, Marialva Barbosa, Jéder Janotti Júnior, Hugo Pardo, Christy Dena, Markus Montola, Annika Waern, Roger Tavares e Paolo Bruni, meu muito obrigado pelos conselhos e pela interlocução. À Clélia Bessa e Rosane Svartman (Raccord Produções), Flávio Bidóia (Núcleo da Idéia) César Piva (Vivo Telecomunicações), Elisa Andrade e Antonio Luís Nilo (Engenho Novo Comunicação), Bruno Netto (BN54), Fred Santana (Ntera) e Júlia de Abreu, por acreditarem no meu trabalho como designer de jogos. Aos meus colegas professores, funcionários e alunos da UNEB, com quem aprendo diariamente, por me aturarem nos melhores e nos piores momentos.

    APRESENTAÇÃO

    Usar a cidade como suporte representa a próxima fase na cultura dos games. O espaço urbano, que sempre foi apropriado como tabuleiro para brincadeiras de rua, agora serve de base para a disputa de jogos digitais. Estes games utilizam ferramentas de comunicação e geolocalização em suas configurações, trazendo problemas cotidianos para o mundo lúdico, borrando as fronteiras entre realidade e ficção. Através das novas tecnologias de informação e comunicação, em convergência com tecnologias e serviços baseados em localização, o conteúdo dos tradicionais videogames está transbordando das telas e dos consoles para a cidade, penetrando na vida comum.

    Este movimento começou em 2001 com o surgimento de gêneros como o dos jogos de realidade alternativa (chamados ARG, sigla de alternate reality game). Trata-se de uma modalidade que utiliza o potencial dos meios de comunicação, especialmente as novas mídias, para criar uma forte impressão de mundo paralelo na mente de seus jogadores, que se divertem encarando eventos do jogo como se fossem parte da realidade. Nos primeiros ARGs, a narrativa era disseminada em uma rede formada por mídias digitais e analógicas, estimulando incursões no espaço urbano para encontrar personagens e resgatar tesouros. Em um segundo momento, com o surgimento de sites como Youtube, Orkut, Facebook, Twitter, dentre outros, a web tornou-se a principal ferramenta de comunicação na disputa. Desde de 2010, com a popularização dos smartphones e o surgimento dos tablets, esses desafios estão migrando para aplicativos com funções georeferenciadas, que conservam outra especificidade típica dos ARGs: usar a cidade como palco das ações no jogo.

    O paradigma tecnológico que revolucionou a forma pela qual interagimos nos jogos digitais é a computação ubíqua (UBICOMP). Este modelo tem como proposta disseminar funções, sistemas e redes de computadores no espaço urbano, ampliando o potencial das coisas e do ambiente para o processamento de dados e, consequentemente, para da comunicação social. Injetando conteúdo no ambiente e nas coisas, a computação ubíqua pode contribuir, por exemplo, para ampliar a noção acerca da transmídia, a linguagem emergente nos tempos da convergência midiática.

    Este livro é resultado do estudo desenvolvido por mim entre 2008 e 2012, no Laboratório de Pesquisa em Mídia Digital, Redes e Espaço (Lab. 404) da Universidade Federal da Bahia. O trabalho é dividido em sete capítulos, distribuídos em quatro partes. Na primeira, Comunicação e Cibercultura, apresento as bases do modelo da computação ubíqua, dialogando com noções de cibercultura e com a lógica da Geografia da Comunicação. A segunda parte, intitulada Jogo e Espaço, discuto a relação do lúdico com os conceitos de espaço social e lugar. Compreendendo um processo socializante concebido como espacialização, argumento que os jogos, incluindo os ARGs, tem seu potencial para mediação fundamentado em um lugar especial, um círculo mágico dotado de tempo e espaço próprios. Na parte três, chamada Jogo e Mobilidade, mostro como os games podem se relacionar com o movimento e a mobilidade, através de suas dimensões física, informacional e imaginária. Simultaneamente, procuro discutir formas pelas quais podemos usar tecnologias e serviços baseados em localização, também chamados mídias locativas, na configuração de jogos digitais. Na parte Jogo e Mídia, que encerra este livro, lanço as bases da chamada cultura da convergência, para desenhar uma proposta de mediação em transmídia a partir da experiência nos jogos de realidade alternativa. O prefácio desta obra é assinado pelo professor André Lemos (UFBA), coordenador do Lab. 404.

    Simultaneamente, durante os quatros anos dedicados a este estudo, pude participar como designer de cinco jogos de realidade alternativa, que aparecem mencionados ao longo deste livro¹. Trabalhar no desenvolvimento desses projetos me serviu como laboratório, onde pude testar a aplicação de teorias e procedimentos de design de ARG. Ao final dessas experiências, posso considerar que obtive êxito na ampla maioria das tentativas de replicar puzzles e mecânicas de jogo usando a cidade como base das ações. Por exemplo, um desses jogos, A Fórmula do Conhecimento foi contemplado com o Prêmio Converge de Inovação Digital, sendo considerado melhor jogo digital desenvolvido no Brasil em 2009. Obviamente, os games produzidos por mim não figuraram como objetos empíricos deste estudo. Apenas recorro a alguns deles, no sentido de exemplificar a eficácia da aplicação de teorias e/ou técnicas de game design que são descritas nas próximas páginas.

    Meu objetivo com este livro é preencher um hiato nos estudos que envolvem jogos digitais e comunicação social, construindo uma abordagem introdutória sobre gênero dos jogos de realidade alternativa. Este trabalho pode ser útil para profissionais e estudantes de comunicação social, ciências da computação, estudos de mídia, arquitetura e urbanismo, além dos interessados em cibercultura e jogos digitais.

    Em 07 de fevereiro de 2015,

    Luiz Adolfo Andrade, PhD

    PREFÁCIO

    Em Busca dos Seres do Jogo.

    Comunicação, Games e Teoria Ator-Rede

    André Lemos²

    O livro de Luiz Adolfo Andrade vem suprir uma lacuna no debate sobre o processo de espacialização em andamento com as novas tecnologias de comunicação e informação no Brasil. Esta obra propõe uma análise da relação entre espaço urbano e comunicação a partir dos ARG (Alternate Reality Games), jogos eletrônicos que utilizam dispositivos de comunicação e/ou geolocalização e colocam em fronteiras não muito nítidas os espaços urbano e eletrônico, os problemas concretos do dia a dia e as narrativas ficcionais.

    Esta pesquisa, que discute os processos de produção do espaço com as mídias digitais, poderia ser realizada de diversas formas, mas o interessante é que ao invés de privilegiar o papel das mídias sociais ou das empresas jornalísticas e sua distribuição pelo território, Luiz Adolfo Andrade escolhe abordar a produção de espaço por intermédio dos jogos, e este ineditismo é o que torna o trabalho especialmente interessante.

    O objeto traz à baila uma discussão muito interessante sobre as formas de produção do lugar, colocando em ação diversas questões sobre a técnica, as mídias, o espaço e o lúdico. Há nestes jogos formas complexas de mediação entre agentes humanos (jogadores) e não humanos, sejam esses dispositivos, regras ou objetos do espaço urbano, por exemplo. Esta mediação híbrida é uma das mais interessantes formas da comunicação por meio das mídias digitais hoje. Não vou insistir nesta discussão aqui. O leitor terá, pelas mãos do autor, um excelente percurso a explorar.

    Vou, por outro lado, apresentar um complemento à reflexão de um dos temas centrais do livro: o lúdico. Aponto, portanto, para uma questão que a leitura do último livro do sociólogo francês Bruno Latour, Enquête sur les modes d’Existence³ deixa em aberto: a ausência de um modo de existência do lúdico que desse conta deste importante aspecto de produção da subjetividade moderna.

    A modernidade se caracteriza por uma forma específica de enquadramento da atividade lúdica, seja para infantilizá-la, seja para ajustá-la como um negócio (do entretenimento). Acredito que este modo seja uma das chaves para empreender uma antropologia dos modernos, já que o que chamarei aqui de seres do jogo nos constituem, nos provocam, jogam com a nossa subjetividade e com o nosso corpo por intermédio de artefatos (brinquedos fetiches), narrativas e regras específicas. É surpreendente não haver nenhuma referência na Enquête sobre este fenômeno. Os seres do jogo (assim como os seres da técnica, da metamorfose e da ficção, como veremos) nos constituem de fora para dentro, exigem nossa atenção e mesmo a criação de um mundo a parte, de um outro espaço-tempo, de um círculo mágico, se posso usar aqui essa expressão muito utilizada nas análises do jogo.

    Neste prefácio, vou propor um modo de existência do lúdico próprio dos seres do jogo e mostrar como o ARG, objeto deste livro, é um excelente operador de misturas de modos. Para isso, preciso explicar os modos de existência de acordo com a obra de Bruno Latour, mesmo que não possa, neste espaço, fazê-lo com o aprofundamento que o desafio impõe.

    No livro de Luiz Adolfo Andrade não há referência a esta obra ou discussão, nem poderia, já que o livro de Bruno Latour não havia ainda sido lançado na época de sua pesquisa, nem é uma referência direta sobre o objeto central do seu estudo. O modo lúdico, no livro de Andrade, é uma forma de produção do espaço por meio de mídias digitais locativas e dos processos sociais correlatos com narrativas transmidiáticas. É um exemplo do modo de existência dos seres do jogo.

    Sobre os Modos de Existência

    No Enquête, Bruno Latour faz uma antropologia dos modernos, tentando responder positivamente a questão colocada em uma de suas obras mais famosas, Jamais fomos modernos⁴. Se jamais fomos modernos, o que somos então? Para responder a esta questão, Latour explora os principais modos de existência dos seres que fazem de nós modernos. Ser moderno é tomar posições específicas sobre esses modos de existência, é usar chaves próprias (diferente dos não modernos) de compreensão e/ou reconhecimento de seres específicos. Essa posição indica a forma como os modernos (ocidentais, brancos, europeus ou por eles diretamente influenciados) agem, pensam e constroem um mundo bem particular, o mundo da modernidade.

    Podemos identificar este mundo moderno como aquele produzido a partir de visões próprias sobre os seres, tais como os da referência, da religião, do direito, da técnica, da política, do hábito... Muitos analistas, não só Latour, descrevem e analisam a modernidade como o período da história da humanidade no qual emergem e tornam-se hegemônicas a visão científica do mundo; o desmerecimento ou a visão exótica de culturas tradicionais; a compartimentalização da vida social em domínios autônomos com a separação da natureza da cultura, do sujeito do objeto; o descrédito do religioso em prol de uma perspectiva racionalista; a autonomização da técnica e a associação do destino com um destino tecnológico; o desmerecimento das dimensões do jogo e outras despesas improdutivas em prol de uma economia da acumulação e da eficiência etc.

    O desafio do Enquête é entender a maneira de ser dos modernos em uma antropologia comparada. Para Latour, eles confundem diversos modos de existência e propõem um mundo à parte, que obscurece a natureza, os objetos, a técnica, a religião, o direito, a política...

    A tese do Enquête é que um modo representa seres que se manifestam por alterações e descontinuidades, devendo sempre passar por outros para existir. A ontologia em questão é esta: um ser não se define por sua substância, essência, mas por sua trajetória em busca da subsistência, passando por hiatos e descontinuidades. A análise de todos os modos se dá tendo como premissa não "l’être-en-tant qu’être, mas l’être-en-tant qu’autre".

    Esta perspectiva de interdependência dos seres é muito interessante, já que coloca a obra de Latour em uma dimensão ontológica (e não epistemológica), bem como abre um debate político, ambiental e mesmo religioso, pois tudo se dá nas associações, nas redes, nas mediações (reforçando e ampliando a tese da Teoria Ator-Rede⁵). As trajetórias pressupõem, necessariamente, mediação, tradução, comunicação, transformando tudo em uma rede de influências. O sentido é uma trajetória desenhada por um modo que, por sua vez, define os antecessores e os sucessores, uma linhagem no curso de uma ação. Ou seja, trajetória, ser e sentido podem, na perspectiva do Enquête, ser entendidos como sinônimos.

    Latour aponta então os quinze modos de existência, reunidos em cinco grupos, a saber: 1. Grupo dos sem quasi objeto e sem quasi sujeito, composto pelos modos da Reprodução (REP), Metamorfose (MET), Hábito (HAB); 2. Grupo dos quasi objetos, composto pelos modos da Técnica (TEC), Ficção (FIC), Referência (REF); 3. Grupo dos quasi sujeitos, formado pelos modos da Política (POL), Direito (DRO), Religião (REL); 4. Grupo da ligação entre quasi sujeitos e quasi objetos, com os modos da Ligação (ATT), Organização (ORG) e Moralidade (MOR), e; 5. Grupo da metalinguagem, com os modos da Rede (RES), Preposição (PRE) e Duplo Clique (DC).

    Todos esses quinze modos (ou doze, a depender do leitor, pois podemos não considerar os três últimos como sendo modos) dependem uns dos outros. No entanto, eles têm condições de felicidade e de infelicidade que lhes são próprios, assim como querem sempre fazer valer as suas condições de felicidade sobre as dos outros. Quando um modo tenta dominar o outro, temos erros de categoria por adoção de uma preposição (PRE) inadequada. Quando um modo tenta saltar sem pagar as mediações, tem-se o apagamento das redes (RES) pela ação do Duplo Clique (DC).

    O esforço da Enquête é o de identificar (para evitar) os erros de categoria (ou achar a boa preposição), visualizar suas trajetórias em descontinuidades (as redes que vão sendo criadas) e, por fim, apontar as condições de felicidade ou de infelicidade de cada um desses modos. Este trabalho é feito para que possamos garantir uma certa objetividade e racionalidade da experiência analisada, uma maneira de falar bem que não esteja associada a um racionalismo abstrato, mas à uma objetividade que paga o preço das mediações. Por exemplo, não se pode analisar o ritual de dança dos índios para produzir a chuva com a visão científica da chuva. Esta mistura é um desrespeito tanto aos índios como aos cientistas e à chuva, já que esta não se esgota nem em uma visão, nem na outra.

    O que é verdadeiro e falso se diz então dentro das particularidades de cada modo. É um problema locativo portanto, que consiste a evitar os erros de sentido/direção, que nos levariam a confundir as coisas e tomar um modo por outro. No livro, Latour aponta toda a confusão dos modernos que obscurece os seres da natureza e da técnica, que confunde política com ciência, que idealiza um mundo material e simbólico, pretendendo ser materialista e contra o idealismo.

    O trabalho do Enquête é o de captar a multiplicidade das associações. Isto implica tradução, mediação, passagem de uma coisa por outra na busca pela subsistência. Temos aqui o primeiro elemento da metalinguagem, a noção de Rede (RES). Ela é o que os seres criam nas suas trajetórias. Portanto, não há deslocamento e relação sem o estabelecimento de uma conexão custosa entre diversos agentes e domínios. A qualificação dos tipos de conexão é uma tomada de posição sobre o modo. Aqui, aparece a segunda metalinguagem, a Preposição (PRE). Ela é a chave de interpretação de um modo, a posição de julgamento que vai permitir a comparação entre modos diferentes. A falta de uma preposição adequada é erro de categoria. Não reconhecer a mediação é aniquilar as redes.

    Cada modo exige uma preposição (PRE) específica e a visualização de suas redes (RES). Mas o demônio jogador, o terceiro elemento da metalinguagem da pesquisa, que Latour chama curiosamente de Duplo Clique (DC), está sempre presente, perturbando, criando erros de categoria e propondo transcendências sem pagar pelas mediações. Devido à ação desse elemento perturbador (seria um elemento lúdico?), de negação da rede, os modernos não percebem nem o particular de cada modo, nem as suas misturas. O cientista ridiculariza a dança dos índios que, para estes, produz a chuva!

    Duplo Clique não quer pagar as mediações, não aceita os pequenos hiatos, age por transcendência, defende a substância dos domínios, negas as redes, dá grande saltos, simplifica e purifica. Ele apaga o mundo ao instituir uma experiência sem mediações. Se existir é continuar uma trajetória através de uma superação de descontinuidades, agindo e sofrendo ação no curso das transformações, DC quer nos convencer do contrário. Há algo de brincalhão e jogador neste demônio das grandes transcendências.

    No curso de uma ação, adotamos um determinado entendimento (a preposição que assumimos em certas ocasiões) de que algo é do domínio do direito, da ciência, da religião, do político, do mundo simbólico, da arte... Às vezes, tomamos um modo por outro e os erros de categoria começam a se multiplicar. A Enquête quer explicar esses erros através de uma análise que leva em conta o que há de particular em cada modo e a necessidade de identificar as mediações, já que todos devem passar por outros para existir. A Enquête exige o bom posicionamento (PRE) e o reconhecimento das mediações (RES).

    Os modos de existência explicam as relações desempenhadas, sempre em composição com outros elementos (as mediações em rede), e as simplificações do processo de hibridização, pela anulação (purificação) dessas mediações por erros de categoria (é frequente tomar algo religioso por científico, científico por jurídico, jurídico por político e assim por diante). Portanto, entender os modernos deve passar por uma tarefa de explicação das misturas dos modos, dos erros de categoria e dos processos de purificação explorados no Jamais fomos Modernos. Esses processos buscam simplificar e tornar os modos menos dependentes uns dos outros, fechados em categorias estanques.

    Acreditando-se racionais, os modernos parecem perdidos em um emaranhado de modos. Esses seres bizarros vão simplificando, em nome do seu pretenso racionalismo, as experiências. Para Latour, desembaraçar os modos é uma necessidade urgente, já que é preciso aprender a dialogar com os outros (não modernos) para instituir um instrumento diplomático que nos ajude a salvar Gaia. Se tomamos um modo por outro, não vamos conseguir conversar. Esta é, no fundo, a «missão» da Enquête.

    Antes de descrever o que chamarei de Modo de Existência do Lúdico (LUD) e os seres do jogo, explico rapidamente os modos que se ligam diretamente a ele: os modos de existência dos Seres da Metamorfose (MET), dos Seres da Ficção (FIC) e dos Seres da Técnica (TEC).

    Seres da Metamorfose (MET)

    Colocando de forma direta e simples, os seres da metamorfose são os que constituem a nossa subjetividade. O Enquête mostra que devemos desconfiar do que os modernos chamam de mundo invisível,

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