A expansão do jornalismo para o ambiente numérico
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A expansão do jornalismo para o ambiente numérico - Daniela Osvald Ramos
Editora Appris Ltda.
1ª Edição – Copyright© 2016 dos autores
Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.
Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.
Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores.
Foi feito o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nºs 10.994, de 14/12/2004 e 12.192, de 14/01/2010.
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO
AGRADECIMENTOS
À Elizabeth Nicolau Saad Corrêa, orientadora da tese de doutorado da qual resulta este livro, e à Irene Machado, minha professora de Semiótica da Cultura, pelo exemplar comportamento pedagógico, teórico, prático e existencial, reservado aos verdadeiros mestres com os quais temos a sorte de cruzar nesta existência.
Aos colegas Helena Jacob, Reuben da Cunha Rocha e Nísia Rosário, pelas conversas semióticas
e comentários, e ao GT de Semiótica da Intercom, espaço de discussão acadêmica sempre profícuo.
Ao Grupo de Pesquisa COM+, da ECA-USP, pelo constante diálogo e intercâmbio. Aos meus colegas da Faculdade Cásper Líbero, com os quais compartilhei nove anos de trabalho, pesquisa e amizade.
Aos recentes colegas do Departamento de Jornalismo e Editoração (CJE), pela acolhida e certeza de estar entre pares empenhados na construção de uma nova era na formação de jornalistas.
Às famílias: José Carlos e Tiago, pelas conversas informáticas; Ticiana, pela inspiração, e Ernata, por ter me ensinado a nunca desistir. Aos meus eternos amigos e amigas, família escolhida; à Ananda Marga, com quem aprendi a meditar; aos Cury, em que ingressei com o Fábio em uma aventura de amor e desenvolvimento.
[...] Se fosse seria o número [...]
... vigiando
duvidando
rolando
brilhando e meditando
antes de se deter
em algum ponto último que o sagre
Todo Pensamento emite um Lance de Dados
Stéphane Mallarmé
APRESENTAÇÃO
Atenção, este texto contém spoilers!
Na quarta temporada de House of Cards, a busca por dados domina o cenário pré-eleitoral americano. O data scientist Aidan Mac Allan propõe à equipe de Frank Underwood o monitoramento de dados privados de eleitores para determinar a melhor forma de definir estratégias de discurso para a campanha política. O plano, controverso, pode ser defendido na medida em que os algoritmos usados para monitorar o que é legalmente permitido, como uma navegação em site de notícias, são os mesmos usados para monitorar dados de âmbitos sigilosos, como troca de e-mails pessoais. Na verdade, o pulo do gato nessa situação é agregar os dois âmbitos, público e privado, em um só, permitindo analisar e dar forma a uma grande quantidade de dados emitidos pelos cidadãos americanos: a junção das palavras casamento
e parceria
funcionam na chapa do casal presidenciável, enquanto as palavras crise
e guerra
não funcionam. Assim molda-se um cenário, define-se um debate ao vivo, ganha-se ou se perde uma eleição.
Fim dos spoilers
O exemplo acima ilustra o quanto as mídias contemporâneas não podem ser compreendidas sem a clareza da importância do cenário do big data, contexto no qual este livro é apresentado. No entanto, antes de explorar exatamente o imenso volume de dados para o jornalismo, o que proponho é dar um passo atrás e enfrentar o fato de que, para fazer jornalismo e formar jornalistas hoje, é necessário termos a plena consciência de que isso está sendo feito a partir da forma cultural base de dados, em um ambiente numérico.
Sabemos como a digitalização da cultura mudou a forma de compilar, buscar, armazenar, indexar, recuperar, processar, produzir, distribuir e publicar informação. E, já que não é possível imaginar a prática jornalística sem linguagem, partimos do pressuposto de que também não é possível pensar as linguagens das novas mídias como se pensava as linguagens nos meios de comunicação anteriores a elas, como jornais, revistas, TV e rádio. Estamos tratando de uma estrutura semiótica diferenciada, modelizada basicamente por números, os bits, os quais são, por sua vez, modelizados por diversas hierarquias de códigos. Também é necessário pensar o jornalismo para além de suas diversas caracterizações e mudanças circunstanciais, já que elas estão sempre em constante desenvolvimento, como é próprio do dinamismo da cultura.
Assumir a condição da estrutura das bases de dados é a possibilidade que temos para entender como será possível a prática e a sobrevivência do campo jornalístico. Para tal tarefa, é impossível aplicar uma teoria e tentar adequar o objeto a ela. Assim, escolhi trabalhar com a Escola de Tártu-Moscou de Semiótica da Cultura, a qual é orientada ao constante questionamento frente ao objeto, negando as soluções fáceis e prontas. No Brasil, seu principal expoente é a professora da ECA-USP, Irene Machado, com a qual fiz minha formação teórica em dois anos, no doutorado, e, depois, três anos em grupo de pesquisa.
Acredito que o emprego dos conceitos científicos desenvolvidos pela semiótica da cultura são ferramentas teóricas de fôlego, capazes de dar conta do mapeamento da estrutura do texto Jornalismo Digital de Bases de Dados para além da instantaneidade, algo fundamental tanto para o planejamento estratégico dos negócios da comunicação como para o desenvolvimento de novos perfis de profissionais da área e do ensino do jornalismo digital.
No processo de adaptação da tese de doutorado, deparei-me com o uso de exemplos datados de 2010 e 2011, sendo que o ano de edição deste livro é 2016. Estava posto o dilema. Atualizar os exemplos ou não?. Sofremos com a falta de memória de exemplos de formatos emitidos no ambiente numérico, e deixar esses exemplos, mesmo datados, é uma forma de contribuir para que essa memória se mantenha. Essa decisão também ajuda a ressaltar o caráter com o qual esta pesquisa foi originalmente concebida: ser uma referência sobre o jornalismo no ambiente numérico, espaço que não se esgota por falta de atualidade
. Assim, deixamos alguns exemplos que consideramos ainda atuais e modificamos outros, os quais não comprometem o raciocínio central da argumentação aqui apresentada.
A autora
PREFÁCIO
Algoritmos, códigos, formatos, modelos, signos numéricos, design, big data... Seriam esses termos inerentes ao jornalismo contemporâneo? E para onde foram os pilares básicos, como critérios de noticiabilidade, veracidade, precisão, pluralidade e ética? Escrita, linguagem, texto e narrativa permanecem com seus mesmos sentidos e significados para o campo jornalístico?
Temos aqui alguns questionamentos que impactam o leitor em seu primeiro olhar diante de A expansão do jornalismo para o ambiente numérico, uma proposta ousada derivada da tese de doutoramento na ECA-USP da professora, colega de profissão e amiga, Daniela Osvald Ramos, quem tive o prazer de orientar. Essa é uma proposta que inaugurou, desde a sua concepção, uma importante e ativa vertente de exploração em nosso grupo de pesquisa, o COM+.
Este livro tem como principal valor uma compreensão dos rumos da narrativa jornalística que emerge nos ambientes digitais e que se coloca como definitiva para a práxis redacional a partir de uma opção epistemológica fundada na semiótica da cultura. Aqui é preciso abrir mentes e corações para analisar o jornalismo como um texto da cultura contemporânea: dinâmico, mutante, fluido, reconfigurado e numérico.
O ponto central para o entendimento das transformações contínuas pelas quais o jornalismo passa diante da intensa digitalização da sociedade é justamente sua condição digital irreversível: a incorporação dos bits em sua narrativa, representados por códigos de zeros e uns, constituintes das bases de dados que hoje operam a construção dos conteúdos informativos.
A condição digital permeia o fazer jornalístico desde uma simples nota informativa que salta nas múltiplas interfaces dos usuários até a construção de uma complexa reportagem multimídia recheada de combinações entre textos, vídeos, imagens, links, gráficos e indicações geolocalizadas. A condição digital se faz presente, por exemplo, no ato de subir
uma matéria para a página web ou ainda no correlacionar a dita matéria com outras complementares e/ou decorrentes por meio de links. Ela também se faz central na construção de matérias aprofundadas, investigativas e questionadoras que são cultural e narrativamente enriquecidas pelo uso de dados digitais – vide o paradigmático e pioneiro exemplo de SnowFall. A condição digital é uma exigência do velho
tradicional leitor que hoje busca informar-se de modos mais complexos e personalizados, esperando encontrar tais complexidades nos ambientes de legitimação social das marcas jornalísticas.
A expansão do jornalismo para o ambiente numérico propõe uma compreensão ampla, ainda não absorvida por marcas brasileiras: o texto jornalístico atual é mediado, resulta de um processo de transcodificação que, segundo a autora,
é a possibilidade de reproduzir mensagens ou gerar a produção de significados (semiose) em uma estrutura com base em outros códigos que não os da estrutura semiótica original da mensagem.
O jornalismo como um texto da cultura é muito mais amplo do que a palavra escrita decorrente de uma apuração. O texto jornalístico da cultura reflete nossas vivências e dinâmicas informativas típicas da cultura contemporânea: multiplicidade de formatos, dispositivos, visualidades e linguagens que aguçam quase todos os sentidos humanos. Tato, olhar, audição e fala são elementos que orquestram a leitura integrada de uma página impressa, sua reprodução nas telas de computadores, sua extensão e complementação em uma postagem do Facebook, a replicação no Twitter, sua reconfiguração nos dispositivos móveis e seus desdobramentos opinativos dos próprios leitores, seja em um espaço do Medium, seja em uma performance no Snapchat.
O jornalismo como um texto da cultura incorpora e agrega por meio de seu papel de mediação as duas pontas extremas do processo informativo: dados e informações hoje armazenados em bits e o velho
leitor hoje reconfigurado em elemento atuante e participativo.
O livro de Daniela Osvald Ramos indica para os negócios jornalísticos alguns caminhos estratégicos para sua sustentabilidade. Ele não propõe soluções ou novos modelos de negócio, mas demonstra que a eterna busca de viabilização do jornalismo contemporâneo passa, antes de tudo, pela transformação de sua linguagem como um texto da cultura. A autora propõe um redirecionamento do foco operativo para as marcas jornalísticas: a interdependência de formatos, a integração do código numérico (as bases de dados) como rotina, as concepções do design e da arquitetura como base para as estruturas narrativas.
Com consequência natural, a autora evidencia a necessidade do repensar a própria formação do jornalista por meio de uma revisão curricular de cursos superiores de jornalismo, trazendo uma ruptura no clássico ensino compartimentado por suportes midiáticos e uma evolução para que se ensine um jornalismo decorrente de uma estrutura integrada, na qual dados, formatos, linguagens e interações gerem conteúdos.
Essa proposta ousada é apresentada de forma didática ao longo do livro. Daniela discute por capítulos cada elemento necessário à compreensão do jornalismo como um texto da cultura: o uso das bases de dados, sua constituição em formatos e design, as possíveis semioses decorrentes dos dados formatados e, por último, a ampliação do texto jornalístico da cultura por meio dos recursos de sociabilidade em rede.
Vemos neste livro um didatismo oportuno para sustentar a ousadia da proposta longamente maturada, academicamente sustentada e detalhadamente desenvolvida. Um processo que reflete muito bem Daniela Osvald Ramos como pessoa, profissional e acadêmica. Um processo que venho acompanhando desde o seu mestrado, quando participei como convidada em sua banca de defesa e tive a satisfação de me deparar com uma temática ousada para a época, mas didaticamente estruturada. Postura que agora se define como consistência teórica e de ideais.
A partir disso, acompanhei a trajetória acadêmica de Daniela orientando seu doutorado e, posteriormente, apoiando suas atividades como docente do Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA-USP, além de ter o privilégio de tê-la como companheira de sala no CJE. Seu percurso é pontuado por reflexões e aprofundamentos conceituais que sempre resultam em produções e conteúdos que merecem a atenção de todos nós – pesquisadores, professores, profissionais e estudiosos dos campos do jornalismo e da comunicação. A expansão do Jornalismo para o ambiente numérico resulta de um mergulho profundo de Daniela ao longo do período de seu doutoramento. Um mergulho nos estudos semióticos que, por circunstância de orientadora, levaram-me a