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As Faces do Homoerotismo e da Homofobia em Quatro Narrativas Juvenis Contemporâneas
As Faces do Homoerotismo e da Homofobia em Quatro Narrativas Juvenis Contemporâneas
As Faces do Homoerotismo e da Homofobia em Quatro Narrativas Juvenis Contemporâneas
E-book333 páginas4 horas

As Faces do Homoerotismo e da Homofobia em Quatro Narrativas Juvenis Contemporâneas

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Sobre este e-book

O livro investiga as configurações do homoerotismo e da homofobia em quatro narrativas juvenis contemporâneas: Eu é um outro (2014), de Hermes Bernardi Júnior; O namorado do papai ronca (2012), de Plínio Camillo; One man guy (2015), de Michael Barakiva; e Garoto encontra garoto (2015), de David Levithan.
O livro propõe uma discussão, por meio da análise das narrativas, do homoerotismo masculino e da homofobia nos diversos espaços de sociabilidade, provenientes de estruturas sociais, que regulamentam a heteronormatividade como natural, gerando assim desigualdade, violência e discriminação entre os indivíduos LGBTI+.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento24 de jan. de 2023
ISBN9786525032696
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    As Faces do Homoerotismo e da Homofobia em Quatro Narrativas Juvenis Contemporâneas - Ronaldo Soares Farias

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    As faces do homoerotismo e da

    homofobia em quatro narrativas

    juvenis contemporâneas

    Editora Appris Ltda.

    1.ª Edição - Copyright© 2022 do autor

    Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.

    Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98. Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores. Foi realizado o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nos 10.994, de 14/12/2004, e 12.192, de 14/01/2010.Catalogação na Fonte

    Elaborado por: Josefina A. S. Guedes

    Bibliotecária CRB 9/870

    Livro de acordo com a normalização técnica da ABNT

    Editora e Livraria Appris Ltda.

    Av. Manoel Ribas, 2265 – Mercês

    Curitiba/PR – CEP: 80810-002

    Tel. (41) 3156 - 4731

    www.editoraappris.com.br

    Printed in Brazil

    Impresso no Brasil

    Ronaldo Soares Farias

    As faces do homoerotismo e da

    homofobia em quatro narrativas

    juvenis contemporâneas

    Dedico este livro aos meus pais, Maria e José, agricultores de vida humilde,

    e aos meus irmãos, que não tiveram a mesma oportunidade, mas se orgulham dos caminhos que trilhei até aqui.

    Olha doutor, estou a fim de um cara e não de uma garota, tal qual os garotos todos, sacou? Doutor, tenho um amigo de quem gosto muito mais do que pretendi gostar. Mais do que cabe no que chamam de normalidade.

    (Hermes Bernardi Júnior, ٢٠١٤, p. 16.)

    — Não procure rótulos, gavetas ou encaixes; por sorte, ou azar, somos todos diferentes, com diferentes olhares, diferentes formas de ver, sorrir e andar. E, principalmente, nem sempre o que é diferente da gente é ruim.

    (Plínio Camillo, 2012, p. 115.)

    Ele me contou sobre a escola dele, que não era como a minha, e sobre os pais, que não eram como os meus. Não usou a palavra gay, e eu não precisei que usasse. Ficou subtendido. Essa viagem clandestina era secreta e especial para ele.

    (David Levithan, 2015, p. 47.)

    — Acho que o que quero dizer é que não penso em garotos desse jeito. Não sei o que dizer. Eu já tenho 14 anos. Você acha que, se eu fosse gay, eu já saberia?

    (Michael Barakiva, 2015, p. 114.)

    PREFÁCIO

    Este livro é fruto da pesquisa de doutorado de Ronaldo Soares Farias, no Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística, da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás, tendo como objetivo analisar as configurações homoeróticas das personagens, em quatro narrativas juvenis contemporâneas, em distintos espaços de sociabilidade, dentre eles, o espaço da escola, marcadamente, opressor e homofóbico, além de propor uma discussão acerca do armário, como um dispositivo que regula, muitas vezes, a vida dos homossexuais.

    Trata-se, sem sombras de dúvidas, de uma contribuição ímpar para o campo dos estudos de gênero, da diversidade sexual e do ensino de literatura, ao propor uma leitura perspicaz e ao mesmo tempo muito sensível acerca de temas considerados, muitas vezes, como polêmicos pela sociedade e pela escola, como o desejo gay, as descobertas sexuais, o sair do armário, a homofobia e a violência física e simbólica tão corriqueiras nas vivências dos jovens que estão descobrindo a própria sexualidade e seus desejos.

    Ao propor uma leitura a partir da perspectiva dos estudos de gênero e da teoria queer dos romances Eu é um outro (2014), de Hermes Bernardi Júnior, O namorado do papai ronca (2012), de Plínio Camillo, One man guy (2015), de Michael Barakiva, e Garoto encontra garoto (2015), de David Levithan, Ronaldo Farias coloca em evidência leituras que estão à margem do cânone literário, porque são consideradas, muitas vezes, como literatura de entretenimento, mas é a esta literatura que os jovens têm acesso e leem. E é por meio dela que eles conseguem, muitas vezes, se verem autorrepresentados, ao se depararem com narrativas que contam histórias de vida parecidas com as suas, pois retratam o despertar do desejo homoerótico, a angústia entre estar dentro e fora do armário e os perigos que assumimos quando dele saímos, por vontade própria ou não.

    Enfim, Farias toca em questões latentes em nossa sociedade e que precisam ser debatidas, problematizadas e trazidas à tona de modo a colocar em evidência como a imposição de uma heterossexualidade compulsória pode ser tão nefasta aos corpos e identidades que não se encaixam nas normas estabelecidas. Esses sujeitos são considerados como corpos que não pesam, como nos lembra Judith Butler, justamente porque são corpos e identidades que não performam uma identidade de gênero e uma sexualidade aceita pelos padrões heterossexuais e patriarcais.

    Neste sentido, o estudo de Farias contribui, de modo singular, para ampliar as pesquisas sobre as configurações homoeróticas na literatura, sobretudo o que diz respeito à narrativa juvenil contemporânea, além de propiciar aos leitores interessados nessa temática um trabalho de fôlego.

    Flávio Pereira Camargo

    Universidade Federal de Goiás

    Faculdade de Letras

    INTRODUÇÃO

    Levar em conta o sexo, formular sobre ele um discurso que não seja unicamente o da moral, mas da racionalidade, eis uma necessidade suficientemente nova para, no início, surpreender- se consigo mesma e procurar desculpar-se.

    (Michael Foucault, 1988, p. 30.)

    Abordar e discutir o texto literário e as suas distintas representações de situações diversas que colocam personagens gays em situação de vulnerabilidade social, psicológica e em situações homofóbicas é de extrema relevância, tendo em vista as infindáveis lutas por direitos iguais. Há o preconceito e a discriminação contra os sujeitos com orientação sexual divergente dos padrões heterossexuais, de forma que eles são estigmatizados, e sua sexualidade não é vista como legítima. Nesse sentido, a literatura tem um papel importante ao fomentar reflexões sobre as sexualidades consideradas como desviantes.

    As discussões sobre o homoerotismo na literatura juvenil ainda são limitadas, e poucos são os trabalhos desenvolvidos sobre essa temática no campo da análise literária. As pesquisas de mestrado e doutorado que encontramos ainda estão mais centralizadas nas abordagens pedagógicas, respaldadas em análises provenientes do campo da educação, e apenas uma pequena parcela dos pesquisadores utilizam a teoria e a crítica literárias para problematizar os textos de cunho homoerótico na literatura juvenil. Em pesquisa no portal da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD)¹/ Instituto Brasileiro de Informações em Ciência e Tecnologia (IBICT), foram encontradas três teses que fazem menção aos estudos do homoerotismo (SILVA, 2006); da homossexualidade (FACCO, 2009) e da homossociabilidade (ARAÚJO, 2018) na literatura infantil e juvenil. A tese de doutorado de Rubenilson Pereira de Araújo² (2016), com o título Estranhando o currículo: a temática homoafetiva no ensino de literatura infantil, posteriormente publicada em livro pela editora Metanoia, em 2018, é um exemplo primoroso da importância de pesquisas que abordam as questões da sexualidade na literatura infantil e juvenil. A maior parte das pesquisas adota o termo juvenil, mas os corpora dos trabalhos estão intrinsicamente voltados para o público infantil, e poucos pesquisadores problematizam somente as discussões acerca dos romances juvenis contemporâneos. Analisar o texto literário de cunho infantil denominando-o de infantojuvenil, ou vice-versa, sempre foi, para mim, um incômodo. Mesmo que as características sejam sutis, julgo importante ressaltar, de forma suscinta, as nuances entre a literatura infantil e juvenil. O arcabouço teórico proposto nesta introdução tem como objetivo subsidiar outros pesquisadores a encontrar os liames dos conceitos para melhor aplicabilidade de análise nos diversos textos literários.

    Nesse sentido, para justificar nossa escolha pela análise dos romances juvenis, faremos uma breve discussão sobre as fronteiras que tentam separar o que é apropriado para crianças (infantil) e para adolescentes (juvenil), pois a distinção entre literatura infantil e juvenil é tênue e, dependendo do contexto em que esses conceitos são discutidos, eles podem até serem contraditórios. Para José Nicolau Gregorin Filho (2009, p. 15),

    [...] o que se percebe é a existência de uma literatura que pode ser chamada de infantil apenas no nível de manifestação textual, isto é, no nível do texto em que o leitor entra em contato com as personagens, tempo, espaço, entre outros elementos textuais; percebe-se também que os temas não diferem dos temas presentes em outros tipos de texto que circulam na sociedade, como a literatura para adultos e o texto jornalístico, por exemplo.

    Os textos destinados às crianças e aos adolescentes diferem, nesse sentido, na linguagem utilizada para a produção dos textos com adaptações apropriadas para o público infantil e juvenil. Segundo Gregorin Filho (2009, p. 10, grifos do autor), [...] o texto ‘infantil’ pressupõe um leitor competente intersemioticamente [...], ou seja, a construção de sentidos a partir do verbal e do visual. Pressupomos, por corolário, que o leitor do texto juvenil consiga, com as experiências leitoras, compreender narrativas mais elaboradas, por esse motivo, nesse contexto, diferem do texto infantil. É notório que o mercado editorial, amparado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e pelas teorias de desenvolvimento da criança e do adolescente, estabelece o que é apropriado ou inapropriado para cada fase.

    A discussão, breve, da LDB e da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), nesse cenário, contribui para pensarmos como esses documentos preconizam as abordagens dos estudos de gênero no contexto da educação, em específico, nos textos literários destinados ao público juvenil. A partir das diretrizes dos documentos do Ministério da Educação (MEC), podemos propor, por meio dos romances selecionados, a desconstrução de lugares predeterminados em relação às abordagens de gênero.

    Na LDB, é claro e explícito, no artigo 3º, inciso IV, da Lei n.º 9.394/96, que o ensino será ministrado com base em alguns princípios, entre eles, o respeito à liberdade e o apreço à tolerância. Além disso, com a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), foi possível ampliar as discussões no âmbito da literatura juvenil, partindo de temas transversais. Segundo os PCNs para o ensino fundamental (6º ao 9º ano),

    [...] as manifestações da sexualidade afloram em todas as faixas etárias. Ignorar, ocultar ou reprimir são respostas habituais dadas por profissionais da escola, baseados na ideia de que a sexualidade é assunto para ser lidado apenas pela família (BRASIL, 1997, p. 291).

    É importante ressaltar o amparo legal, no caso da LDB, para deixar claros os caminhos que os professores podem trilhar por meio das temáticas que abordam as questões relacionadas às minorias sexuais.

    Por outro lado, a BNCC, etapa ensino médio, homologada em 14 de dezembro de 2018, pelo MEC, suprime os termos gênero e orientação sexual. Infelizmente, mais um retrocesso para os estudos de gênero nas escolas. O tema sobre as questões de gênero aparece superficialmente em alguns componentes curriculares. A discussão, tímida, aparece no componente de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, especificamente, na competência 5, com a seguinte redação:

    Identificar e combater as diversas formas de injustiça, preconceito e violência, adotando princípios éticos, democráticos, inclusivos e solidários, e respeitando os Direitos Humanos.

    O exercício de reflexão, que preside a construção do pensamento filosófico, permite aos jovens compreender os fundamentos da ética em diferentes culturas, estimulando o respeito às diferenças (linguísticas, culturais, religiosas, étnico-raciais etc.), à cidadania e aos Direitos Humanos. Ao realizar esse exercício na abordagem de circunstâncias da vida cotidiana, os estudantes podem desnaturalizar condutas, relativizar costumes e perceber a desigualdade, o preconceito e a discriminação presentes em atitudes, gestos e silenciamentos, avaliando as ambiguidades e contradições presentes em políticas públicas tanto de âmbito nacional como internacional (BRASIL, 2018, p. 577, grifos nossos).

    Desse modo, com a supressão dos termos gênero e orientação sexual, o documento da BNCC dificulta a elaboração de políticas públicas nas escolas para combater as desigualdades das minorias no contexto social. No componente de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, quando se espera que essas questões sejam debatidas no campo do texto literário, novamente vemos o apagamento dos termos gênero e orientação sexual. A competência 2, da área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, é a que mais se aproxima das discussões de gênero, mas apenas os termos igualdade e preconceito constam no documento da BNCC:

    Compreender os processos identitários, conflitos e relações de poder que permeiam as práticas sociais de linguagem, respeitando as diversidades e a pluralidade de ideias e posições, e atuar socialmente com base em princípios e valores assentados na democracia, na igualdade e nos Direitos Humanos, exercitando o autoconhecimento, a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, e combatendo preconceitos de qualquer natureza (BRASIL, 2018, p. 490, grifos nossos).

    Sabemos que os temas da sexualidade ainda são tabus nas relações familiares, além disso, essas discussões são questionadas por alguns setores conservadores, amparados pelo discurso religioso, quando o professor se propõe a trabalhar com a temática em sala de aula, mesmo com amparo legal. Coloco-me nessa situação real do contexto de sala de aula, quando, mesmo sem abordar diretamente as questões da sexualidade, o preconceito surge, de forma aberta, e diz muito sobre a atual conjuntura de opressão, ao se expor qualquer assunto que discuta ou envolva a sexualidade, de forma restrita ou ampla.

    Sou professor da rede pública da educação básica e sei exatamente como o poder se manifesta no cotidiano dos professores abertamente gays, minoria, em muitas unidades escolares. Embora os gestores e coordenadores pedagógicos não falem abertamente sobre a orientação sexual dos professores, é possível conviver com o preconceito nos bastidores das reuniões, por meio das insinuações, das brincadeiras despretensiosas, segundo alguns, na forma de direcionar o trabalho do professor e até a postura que este deve ter em sala de aula.

    As intervenções dos heterossexuais ecoam nos corredores das escolas, quando se deparam com atitudes de professores abertamente gays. Os professores de exatas, salvo as exceções, são os que mais tentaram fazer intervenções no meu trabalho. O professor de física insinuou que falar grosso é primordial para obter o respeito dos alunos. O professor de matemática, após eu ter sucesso em uma atividade com os alunos, aconselhou-me a manter a postura firme com os discentes, ou seja, os alunos já estavam condicionados, por meio da pedagogia da opressão, que a relação entre professor e aluno deve se dar pelo poder e pela imposição.

    Segue uma situação, entre tantas do meu cotidiano, que revela o quanto o preconceito está arraigado nas escolas. A aula, naquela ocasião, no ensino médio, era sobre ambiguidades e a importância da vírgula na construção dos sentidos dos enunciados. Compartilhei com os alunos diversas figuras (linguagem verbal e não verbal), para que identificassem nelas as construções ambíguas e como poderíamos desfazê-las. Eram exatamente 23 situações em que havia a possibilidade de identificar as ambiguidades. As atividades foram realizadas em grupos, para que pudessem discutir, juntos, quais palavras e imagens, presentes nos enunciados, geravam imprecisão quanto ao sentido.

    Das 23 análises, para a minha surpresa, uma delas gerou muita polêmica por parte de alguns alunos. A imagem, retirada do Instagram, fazia parte do cotidiano desses alunos: as redes sociais. No print constava a seguinte frase: Minha boca na sua rola?. A escolha do print tinha como objetivo ajudá-los a compreender os inúmeros equívocos que os adolescentes cometem nas redes sociais pelo simples posicionamento da vírgula. A primeira reação dos alunos foi dar muita risada, própria de um desconforto com a situação. Expliquei aos alunos, posteriormente, que a frase foi escrita por um usuário das redes sociais. Várias foram as tentativas para que pudessem reconhecer as possibilidades de sentido da referida frase. Mas infelizmente os alunos ficaram presos ao sentido pornográfico do enunciado. Em determinado momento da aula, já constrangido, expliquei como poderíamos mudar aquela situação, acrescentando uma vírgula depois da palavra sua. Dessa forma, a frase ficaria assim: Minha boca na sua, rola?, uma gíria muito utilizada pelos adolescentes.

    No dia seguinte, o diretor disse que uma mãe havia comparecido à escola para pedir explicações sobre a referida aula. Expliquei ao diretor o contexto em que a frase foi inserida e o objetivo de usá-la em sala de aula. Enfim, ouvi da coordenadora pedagógica, da qual esperava um respaldo, o seguinte conselho: tantos outros exemplos, foi levar logo esse?. O relato mostra como as escolas não estão preparadas para lidar com as questões que envolvem a sexualidade dos adolescentes. E o quanto os gestores, salvo as exceções, perpetuam e chancelam o preconceito nas unidades escolares. Romper com esses paradigmas de comportamento nas escolas infelizmente é muito difícil, quando os professores, também, em sua maioria, estão de acordo com as políticas educacionais dos gestores e coordenadores pedagógicos.

    O poder, nesse sentido, como afirma Michael Foucault (1988), tem por objetivo rejeitar e excluir todas as outras formas das sexualidades desviantes e impedir que essas discussões tidas como imorais cheguem à sala de aula. Caso cheguem, como no meu caso, logo devem ser reprimidas e, tão logo, que se volte à normalidade que existia antes da presença de um professor gay, como se os dispositivos da sexualidade não pudessem ser acionados por outros professores heterossexuais. Essas situações, como a minha, seriam minimizadas nas escolas de todo o país se os professores discutissem mais sobre as questões da sexualidade em sala de aula.

    Nesse sentido, mais uma vez, reitero que as abordagens das sexualidades tidas como desviantes possam ser discutidas em sala de aula para que possamos, apesar do cenário sombrio do Brasil atual, desmistificar o preconceito e reafirmar que é possível insistir em uma educação mais plural, tendo como ferramenta, para essas discussões, o texto literário juvenil.

    Por esse motivo, é preciso e necessário que as manifestações da sexualidade sejam abordadas em todos os âmbitos da educação brasileira. Segundo Gregorin Filho (2011, p. 31), assim

    [...] como nos demais textos produzidos na e para a sociedade, a literatura de recepção juvenil traz um discurso que dialoga com outras manifestações textuais no conflito de vozes dessa sociedade, ou seja, ela não é um veículo à parte na sociedade, também está carregada de valores ideológicos e de conflitos sociais.

    Desse modo, a literatura de recepção juvenil³, entre tantas possibilidades relevantes, pode e deve problematizar questões que abordem as sexualidades que estão à margem da sociedade, privilegiando a normatização da heterossexualidade, pela perspectiva androcêntrica, em detrimento de outras possibilidades possíveis de vivê-las. A seguir, faremos um breve percurso histórico sobre a literatura infantil e juvenil para entendermos melhor as questões que envolvem esse gênero literário.

    O interesse em produzir literatura para crianças e adolescentes surge em meados do século XVIII, quando [...] a criança passa a ser considerada um ser diferente do adulto, com necessidades e características próprias (CUNHA, 1986, p. 19). Os escritores, professores e alguns seguimentos da sociedade da época perceberam que a linguagem destinada às crianças e aos adolescentes deveria sofrer adaptações para esse público específico. É claro que as transformações não foram rápidas, pois já havia uma cultura, restrita, de acesso à leitura. As crianças tinham acesso aos mesmos livros que os pais liam ou a histórias que ouviam e repassavam aos filhos, não havia distinção entre adulto e criança. Ainda, no século XVIII, o acesso à leitura não era universal, a divisão dos que tinham acesso aos bons livros era perceptível, como ressalta Maria Antonieta Cunha (1986, p. 19): A criança da nobreza, orientada por preceptores, lia geralmente os grandes clássicos, enquanto as crianças desprivilegiadas liam ou ouviam histórias de cavalaria, de aventuras.

    A partir do século XVIII, mesmo que lentamente, os grandes clássicos da literatura universal foram adaptados para o público infantil e juvenil. Entre os autores desses clássicos estão Charles Perrault e os Irmãos Grimm. Essas obras ganharam tantas versões que hoje, muitas vezes, fica difícil saber a fonte original das histórias adaptadas. Embora as obras de Charles Perrault e os Irmãos Grimm, entre outros romances nacionais ou estrangeiros, sejam classificadas como canônicas, é importante salientar que o valor das obras depende muito do contexto histórico em que foram produzidas. Segundo Terry Eagleton (2006, p. 17),

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