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Folias Divinas em Redes: Patrimônio Imaterial, Gestão Cultural e Economia Criativa na Festa de Iemanjá em Salvador
Folias Divinas em Redes: Patrimônio Imaterial, Gestão Cultural e Economia Criativa na Festa de Iemanjá em Salvador
Folias Divinas em Redes: Patrimônio Imaterial, Gestão Cultural e Economia Criativa na Festa de Iemanjá em Salvador
E-book519 páginas5 horas

Folias Divinas em Redes: Patrimônio Imaterial, Gestão Cultural e Economia Criativa na Festa de Iemanjá em Salvador

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Sobre este e-book

A publicação é fruto de anos de trabalho intenso, complexo, porém sempre prazeroso, pois mobilizado pelo anseio da autora por
compreender os entrelaçamentos das linhas que formam as redes da festa, identificando os locais que precisam de remendos urgentes. A
Festa de Iemanjá, realizada no Rio Vermelho, em Salvador, no dia 02 de fevereiro, tem características singulares. São muitas festas dentro
da festa que se mantém a partir de redes de governança formais e informais. Neste livro, a autora apresenta esta manifestação cultural
na perspectiva dos seus contextos e atores, dos arranjos gerenciais e dos múltiplos mercados na dinâmica social que viabiliza a execução
anual da Festa. São imensos os desafios para manutenção das tradições simbólicas e dos espaços decisórios dos guardiões dos ritos no
encontro com interesses divergentes, e muitas vezes conflitantes, de ordem econômica, social e política. (Trecho da Apresentação)
IdiomaPortuguês
Data de lançamento30 de jan. de 2023
ISBN9786586319569
Folias Divinas em Redes: Patrimônio Imaterial, Gestão Cultural e Economia Criativa na Festa de Iemanjá em Salvador

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    Folias Divinas em Redes - Mércia Maria Aquino de Queiroz

    Folias Divinas em Redes [recurso eletrônico]: patrimônio imaterial, gestão cultural e economia criativaFolias Divinas em Redes [recurso eletrônico]: patrimônio imaterial, gestão cultural e economia criativa

    Às águas, de onde vim e para onde voltarei.

    À minha mãe, minha origem.

    À Ebomi Regina de Iemanjá, Mãe Regina, que me ensinou a observar, ouvir os silêncios e caminhar nas trilhas da arena festiva. Em seu nome ofereço este trabalho a todas as mulheres de axé.

    A meus ancestrais, que me permitiram ser fruto de muitas raízes.

    A meus guias e suas luzes.

    Às negras e aos negros mestiços da Bahia.

    A Eliane Ferreira – Liu – (in memoriam) e a Dagmar Serpa – minha Baixinha - (in memoriam), por toda a força que me deram ao longo deste caminho.

    A Daniele Canedo, gratidão eterna pelos ensinamentos, pela generosidade, por me incentivar a insistir e finalizar o trabalho.

    Aos senhores Joaquim Manoel dos Santos e Valdimiro Soares, guardiões dos ritos da festa.

    A meu irmão Herz Aquino (in memoriam), homem do mar, ao qual dedicou sua vida.

    Aos homens e mulheres do mar da Bahia.

    Imagem

    Para acessar a Tese completa:

    https://repositorio.ufba.br/handle/ri/34446

    AGRADECIMENTOS

    São muitos e especiais.

    A todos e todas que entrevistei, pela confiança em prestar seus depoimentos, doação de seu tempo, enfim, pela generosidade em colaborar com esta investigação.

    A meus orientadores, professores doutores Paulo César Miguez de Oliveira e Daniele Pereira Canedo e também ao professor doutor Vitor Queiroz pelas luzes, pistas e diálogos da maior importância para os resultados obtidos.

    Aos membros da banca examinadora dessa tese: profa. Dra. Cláudia Sousa Leitão (Universidade Estadual do Ceará); prof. Dr. Vitor Aquino de Queiroz D’Ávila (Universidade Federal do Rio Grande do Sul); prof. Dr. José Márcio Pinto de Moura Barros (Universidade Federal da Bahia) e prof. Dr. Milton Araújo Moura (Universidade Federal da Bahia) pelas observações, apreciações e importantes sugestões para a sua versão final.

    Aos professores que participaram da banca para a qualificação de meu projeto de pesquisa: profa. Dra. Maria Elizabeth Loiola da Cruz Souza e profa. Dra. Carmen Lima (UNEB) pelas generosas contribuições.

    A Cláudia Leitão, Luiz Antonio Oliveira, Luciana Guilherme, Teresa Cristina Oliveira, Suzete Nunes e Selma Santiago, pelas trocas no processo coletivo de construção da Secretaria da Economia Criativa no Ministério da Cultura do Brasil: pensares, planos e desafios.

    A José Eduardo Cassiolato, Isaura Botelho, Cesar Bolaño, José Márcio Barros, Christiano Braga, Ebomi Cici de Oxalá, pelas colaborações ao longo deste processo.

    A Jacson do Espírito Santo (diretor do Centro de Formação em Artes), Renata Dias (diretora geral da FUNCEB), Marle Macedo, Fernanda Tourinho, Tatiane Braga e aos colegas de trabalho, pelo respeito a meu processo de pesquisa, pela compreensão e pelo estímulo.

    Aos parceiros pesquisadores do Observatório da Economia Criativa da Bahia (OBEC-BA), pelas reflexões, diálogos, estímulo, e pela amizade.

    Ao Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade, pelo apoio, infraestrutura e possibilidade do ambiente multidisciplinar. E também, em especial, a Marlus Pinho, secretário acadêmico do Programa.

    A Valéria Macedo, pela paciência, formatação e revisão deste trabalho. À querida Malaika, pelos livros emprestados. Às irmãs Clécia e Lúcia, pelas colaborações.

    A Paulo Coelho e família, Aristóteles (Totinho) e João Sampaio, pela amizade e por terem me possibilitado estadia em seus paraísos para que eu pudesse descansar, me inspirar e escrever em paz. À Mônica Pisani (Quinha) e Jonathan, pela torcida e pelo empréstimo do equipamento para os registros de campo. A Erika e Nerivaldo, por estarem, sempre que possível, ao meu lado, nos festejos e fora deles. Em nome de minhas queridas Sumaya Paiva, Isabela Rêgo e Rita Santos, aos demais amigos e amigas, segunda família que a vida me presenteou, agradeço a companhia nos piores e melhores momentos presenciais e virtuais, o incentivo e a força. Sabemos que a vida é festa.

    A todos e todas que contribuíram para o meu processo de formação pessoal e profissional, para mim uma experiência enriquecedora, tão gratificante e da maior importância, expresso os meus sinceros agradecimentos.

    Essa publicação só foi possível graças ao investimento e à confiança de amigos e amigas que acreditam na importância de pesquisas e da difusão de conhecimentos no campo da cultura: Marcelo Lyra, José Eduardo Formosinho, Dayse Pereira de Araújo, Ana Luiza Nasser Queiroz Nunes da Silva, Hélvia Maria Aquino de Queiroz, Paulo Roberto Pereira Coelho, Eduardo José F. Nunes, Clécia Maria Aquino de Queiroz, Valéria Garcia Macedo, Hilcéia Patriarca, João Luiz Sampaio, Carmen Lúcia Castro Lima, Daniela Abreu Matos, Isabela Barretto Rego, Andrea Pisani, Mônica Bomfim Pisani, Sheila Almeida, Sumaya Paiva, Luciane Arize Santos da Cruz, Jaçanã Lopes da Costa, Lúcia Maria Aquino de Queiroz, Márcia Regina Coêlho Simões, Rose Vermelho e Ana Dumas.

    Grata a vocês.

    Laroyê!

    Ogunhê!

    Orê Yeyê Ô!

    Odô Iyâ Yemanjá Ataramagbá,

    ajejê lodõ,

    ajejê nilê!

    Odô Iyâ

    "Mãe das águas, Iemanjá, que se estendeu

    ao longe na amplidão.

    Paz nas águas!

    Paz na casa!"

    SUMÁRIO

    APRESENTAÇÃO

    PREFÁCIO

    INTRODUÇÃO

    1 FESTAS, TRADIÇÕES E MERCADOS: AS PISTAS SEGUIDAS

    1.1 A Cultura em suas Múltiplas Dimensões e Transversalidades

    1.2 Economia Criativa: Conceito e Princípios

    1.3 Complexidades da Festa Contemporânea que, na Economia Criativa, se Insere no Campo do Patrimônio, no Setor Criativo do Patrimônio Imaterial

    1.4 Redes Sociais – Desvendando Características Estruturais e Posições de Atores

    1.5 Arranjo Gerencial da Festa – Gestão Compartilhada

    2 APROXIMAÇÕES DA FESTA DE IEMANJÁ: O CONTEXTO DA FESTA

    2.1 O Bairro do Rio Vermelho: Território da Festa de Iemanjá

    2.2 Iemanjá: Rainha do Mar – o Rito e o Orixá

    2.3 Mapeamento da Festa de Iemanjá no Brasil

    2.4 Dinâmicas da Festa de Iemanjá em Salvador – Contextualização da Festa

    2.5 Aproximações com o Campo – Atores Sociais Identificados

    2.5.1 Grupos religiosos

    2.5.2 Grupos artísticos e outros

    2.5.3 Trabalhadores informais

    2.6 No Baile das Ondas de Iemanjá – a Festa do Ponto de Vista dos seus Fazedores

    2.6.1 A Colônia de Pesca Z-1 – Rio Vermelho e seus pescadores

    2.6.1.1 Tempo de participação dos entrevistados na Festa de Iemanjá

    2.6.2 Maré de lembranças – versões dos pescadores sobre as mudanças ocorridas na Festa de Iemanjá ao longo do tempo

    3 ATORES E CONEXÕES NA DINÂMICA DA FESTA DE IEMANJÁ

    3.1 O Arranjo Gerencial da Festa de Iemanjá Realizada em Salvador em 2018-2019

    3.1.1 Rastreamento de conexões entre os atores

    3.1.1.1 Trilha 1: dar – receber – agradecer: preparação do evento no campo do sagrado

    3.1.1.2 Trilha 2: dar – receber – agradecer: preparação do evento no campo institucional/atribuições da coordenação central da festa – Colônia Z-1

    3.1.1.3 Trilha 3: dar – receber – agradecer: preparação do evento no campo institucional/organismos de apoio, fiscalização, regulação, apoio financeiro e promoção da festa

    3.1.2 Os investimentos financeiros na festa – ou com quantos paus se faz uma jangada?

    3.2 As Conexões em Redes

    3.2.1 Centralidade de grau

    3.2.2 Centralidade geodésica ou de Bonacich

    3.3 Colaboração Interorganizacional e as Ausências no Processo de Planejamento e Organização da Festa

    3.3.1 As inovações tecnológicas a serviço dos gestores e da festa

    3.4 CONEXÃO DA FESTA COM O TURISMO

    4 OS MÚLTIPLOS MERCADOS NA DINÂMICA DA FESTA DE IEMANJÁ

    4.1 Tanto Negócio e Tanto Negociante

    4.2 Os Públicos da Festa

    4.3 Como Iemanjá Aparece na Festa que é Realizada em sua Homenagem? Podemos Falar de Iemanjás?

    4.4 As Festas, Eventos e Atrações Dentro da Festa Maior e/ou Dela Decorrentes

    4.4.1 As festas e os eventos dentro da Festa Maior: de lá para cá, o que mudou?

    4.4.2 As atrações artísticas das festas e eventos mapeados dentro da Festa Maior

    4.5 O Importante Papel dos Ambulantes e Barraqueiros na Festa: Conflitos, Tensões, Potencialidades

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

    EPÍLOGO

    REFERÊNCIAS

    APÊNDICES

    SOBRE A AUTORA

    APRESENTAÇÃO

    Uma pesquisa acadêmica pode ser mobilizada por diferentes causas e interesses de ordem pessoal, contextual e circunstancial. Pode ser elaborada para viabilizar o desenvolvimento teórico de um determinado tema; para produzir dados empíricos sobre um setor; para gerar impactos positivos para uma comunidade ou área; ou pela disponibilidade do financiamento para investigações com um determinado recorte; entre muitas outras razões. Quando uma pessoa nos apresenta uma proposta de pesquisa, buscamos captar o que raramente está escrito no pré-projeto, procuramos compreender qual a motivação pessoal em que se ancora a intenção de pesquisa e o que levará aquela pessoa a dispender esforço intelectual e a dedicar todo tempo necessário para a execução da pesquisa.

    Investigações de doutoramento são trabalhos extensos que requerem dedicação profunda e exaustiva a uma temática. Daí, escolher fazer um doutoramento deve ser uma decisão especialmente mobilizada por um forte desejo de gerar alguma contribuição para a sociedade, através da produção de conhecimento, e, sobretudo, por uma imensa dose de curiosidade e paixão pelo objeto de estudo. Se isso se aplica vivamente a quem escolhe fazer um doutorado, não é menos verdadeiro para a pessoa que estará na função de orientação de uma tese doutoral. Assim, entre as principais razões que sempre nos motivam aceitar um convite para responder por uma orientação estão a nossa relação e a relação da pessoa com a temática, sendo os ingredientes de curiosidade e paixão absolutamente fundamentais.

    Quando Mércia nos convidou para orientar seu projeto de pesquisa sobre a economia criativa e a gestão cultural na Festa de Iemanjá, nos encantamos de imediato com a possibilidade de aceitarmos a empreitada. A paixão de Mércia e o compromisso social com essa manifestação da cultura afrodescendente reluzia no projeto. Frequentadores assíduos do 02 de fevereiro no Rio Vermelho, sempre nutrimos um profundo respeito e admiração pela Senhora Dona da festa e uma preocupação com o modus operandi do evento, em toda a sua complexidade e importância simbólico-cultural e econômica para Salvador. Não tivemos dúvidas que seria uma brilhante tese de doutorado, o que ficou comprovado na defesa, em 11 de agosto de 2021, e que agora se reflete neste livro.

    A publicação é fruto de anos de trabalho intenso, complexo, porém sempre prazeroso, pois mobilizado pelo anseio da autora por compreender os entrelaçamentos das linhas que formam as redes da festa, identificando os locais que precisam de remendos urgentes. A Festa de Iemanjá, realizada no Rio Vermelho, em Salvador, no dia 02 de fevereiro, tem características singulares. São muitas festas dentro da festa que se mantém a partir de redes de governança formais e informais. Neste livro, a autora apresenta esta manifestação cultural na perspectiva dos seus contextos e atores, dos arranjos gerenciais e dos múltiplos mercados na dinâmica social que viabiliza a execução anual da Festa. São imensos os desafios para manutenção das tradições simbólicas e dos espaços decisórios dos guardiões dos ritos no encontro com interesses divergentes, e muitas vezes conflitantes, de ordem econômica, social e política.

    Estamos certos de que a leitura deste livro será fonte de prazer e conhecimento para aquelas pessoas que fazem a festa acontecer, sua rede de múltiplos atores humanos, não humanos e institucionais, para seus muitos públicos e, também, para os que ainda não conhecem a beleza e a riqueza desta importante festividade da Cidade da Bahia. Sobretudo, esperamos que a generosidade da autora em transformar a sua tese em um livro – tese e livro feitos com o cuidado que bem lembra a arrumação do balaio dos presentes que entregues ao mar encantam Iemanjá no dia de sua festa – possa contribuir para a promoção de reflexões sobre os desafios da Festa de Iemanjá, gerando subsídios para políticas públicas e para a tomada de decisão dos atores sociais envolvidos.

    Viva a universidade pública, gratuita, laica, de qualidade e socialmente referenciada que abriga pesquisas como esta!

    Viva a educação! Viva a Cultura!

    Odô Iyá!

    Daniele Canedo*

    Paulo Miguez**

    *

    Doutora em Cultura e Sociedade (UFBA), com dupla titulação - PhD in Media and Communication Studies, pela Universidade Livre de Bruxelas (Vrije Universiteit Brussel, VUB). Produtora e gestora cultural, capoeirista e professora do Centro de Cultura, Linguagens e Tecnologias Aplicadas (UFRB) e professora colaboradora do Núcleo de Pós-Graduação em Administração (NPGA - UFBA).

    **

    Doutor em Comunicação e Culturas Contemporâneas (UFBA), Professor do Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade (UFBA) e pesquisador do CULT - Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura (UFBA). Reitor da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

    PREFÁCIO

    Aos leitores que mergulharão nas ‘Folias divinas em redes: patrimônio imaterial, gestão cultural e economia criativa na festa de Iemanjá em Salvador’

    O avanço das crises sanitárias, das guerras, da concentração de renda, da desinformação, dos desastres ambientais e das ameaças aos seres vivos no planeta nos deixam, ao mesmo tempo, indignados e frustrados. Apesar das conquistas científicas e tecnológicas das últimas décadas, não fomos capazes de impedir obscurantismos, fundamentalismos e a barbárie. Mas, como observa Edgar Morin, antes de nos indignarmos diante dos fatos, precisamos pensar! Considero que nenhum campo do conhecimento é tão fértil para novos pensares como a cultura. É pela cultura que podemos rever valores e crenças para que possamos reinventar nosso estar no mundo. É no campo da cultura que novos pensamentos encontram fissuras para emergir e reagir contra epistemologias hegemônicas. Vale, ainda, enfatizar que a produção científica sobre a cultura no Brasil tem contribuído para ressignificar conceitos, categorias e metodologias, tradicionais à pesquisa científica, buscando compreender e não explicar a era de incertezas na qual estamos mergulhados.

    Mércia Queiroz é uma dessas pesquisadoras que nos fazem pensar. Suas escolhas teóricas e caminhos metodológicos revelam a maturidade da gestora cultural, mas, especialmente, a sensibilidade de uma baiana de longas vivências culturais. O território cultural/criativo da festa de Iemanjá, objeto de sua investigação, é o ‘território usado’ de Mílton Santos, onde o mundo, o cotidiano e os espaços de produção, distribuição, troca e consumo se encontram e se desencontram em seus diferentes fluxos e dinâmicas. Por meio da festa é possível compreender as tensões e as intenções de indivíduos, grupos e organizações, pois ela constitui o espaço complexo das verticalidades e horizontalidades, onde o local e o global se entrelaçam, onde redes conectam pessoas, objetos e ideias. Compreender o território da festa a partir da teoria do ator- rede de Bruno Latour foi uma decisão acertada da pesquisadora e merece ser saudada. Graças a esse caminho metodológico, o estudo ganha maior aprofundamento e relevância, ao revelar novas relações no território, em função da diversidade dos seus protagonistas. Tecnologias, pescadores, turistas, empresários, gestores, políticos, habitantes da cidade e a própria Iemanjá estão todos conectados em rede, em torno da festa. Figura híbrida, meio humana, meio peixe, meio divina, meio profana, Iemanjá simboliza a necessária religação entre natureza e cultura, espaço expressivo das ambiguidades humanas que estão sempre a produzir o ‘religare’ essencial às religiões, às festas e às sociabilidades humanas. Penso aqui com meus botões que, além de Iemanjá, também o mar poderia ser percebido como um ator-rede nesse território encantado. Afinal, o mar é a casa de Iemanjá e é no movimento das águas e dos humanos que encontramos o ir e vir, o retirar e o doar, o perder e o lembrar. A festa em território marítimo nos lembra, com seus tambores e danças, o quanto perdemos e devemos às águas atlânticas. Entre deuses e orixás, as águas lavam impurezas e renovam esperanças.

    Metodologias positivistas seriam incapazes de compreender essa teia de competições e colaborações, de éticas e estéticas que animam os usos dos territórios culturais/criativos. A partir da festa de Iemanjá e de seus diversos atores-rede, a autora nos conduz muito além, fazendo-nos pensar nas virtudes, mas também nas perversidades, na diversidade cultural, mas também nas ameaças a esta diversidade, tão presentes na cidade de Salvador quanto nas demais cidades brasileiras, latino-americanas, caribenhas e africanas.

    Com sua bela tese de doutoramento, Mércia Queiroz ratifica a importância estratégica da Universidade Federal da Bahia nos estudos acadêmicos da cultura para o Brasil. Cultura no sentido amplo, necessário e urgente de reinvenção do humano, de ampliação da cidadania, locus de criação, imaginação e resistência. Cultura como direito à cidade, novo contrato social, reconhecimento dos bens comuns, reinvenção da política e inspiração para um novo desenvolvimento territorial.

    A cultura importa. E importa cada vez mais nas diversas dimensões da vida. Somos um país em que a festa é uma das maiores expressões da nossa cultura. A festa, como nos adverte Jean Duvignaud, é muito mais que um ato de reprodução de cânones, mas significa, sobretudo, ruptura. Territórios festivos são territórios insolentes e inventivos. São espécies de laboratórios a céu aberto que produzem tecnologias sociais, formas inovadoras de viver, conviver e sobreviver, apesar de todos os pesares.

    Cláudia Leitão*

    *

    Doutora em Sociologia pela Sorbonne, Université René Descartes, Paris V (1993). Foi responsável pela criação da Secretaria Nacional da Economia Criativa - SEC, tendo sido sua primeira gestora (2011-2013). Professora do Mestrado Profissional em Gestão de Negócios Turísticos da Universidade Estadual do Ceará, consultora ad hoc em Economia Criativa para a Organização Mundial do Comércio - OMC e para a Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento – UNCTAD (2013 a 2016). Sócia do Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento e associada da Tempo de Hermes Projetos Criativos.

    INTRODUÇÃO

    1

    O culto aos orixás femininos não se completa sem Iemanjá, a senhora das águas, mãe dos deuses, dos homens e dos peixes, aquela que rege o equilíbrio emocional e a loucura, talvez o orixá mais conhecido do Brasil. (PRANDI, 2001, p. 22)

    Nasci entre rios e o mar, sou festeira e os meus guias espirituais são dançarinos. No entanto, só conheci as festas de largo, como são popularmente chamadas, em meados dos anos de 1970, quando vim morar em Salvador para concluir o curso pedagógico e fazer vestibular. Encantei-me por elas, que aconteciam durante o verão baiano, deixando a cidade ainda mais quente, efervescente, sonora e brilhante. As festas de largo me reconectaram com as músicas de Dorival Caymmi, ouvidas desde a infância, e com os romances de Jorge Amado, alguns dos quais lidos na adolescência. Daí o que tanto significam para mim o mar, as jangadas, os pescadores, as mulheres, as redes, os peixes, os amores, a solidão, o vento, a vida e a morte.

    Dentre todas as festas de largo, a minha preferida sempre foi a de Iemanjá2

    , pelos seus ritos na beira da praia, pela força e a beleza do povo de axé, ou de santo, como se diz na Bahia, com suas roupas alvas, pelos batuques, pelas rodas de capoeira e de samba, pelo cheiro de alfazema no ar, pelas comidinhas e por ser também um local para encontrar os amigos, celebrar a vida antes da chegada do Carnaval e, algumas raras vezes, uma festa colada ao início do próprio Carnaval.

    Por outro lado, atuando profissionalmente como produtora cultural, desde 1992, sempre me intrigavam os bastidores das festas de largo. Como seria organizar uma festa dessas? Quem a bancava? Quem fazia parte de seu planejamento? Quem se responsabilizava pela montagem da infraestrutura para garantir que a festa ocorresse sem grandes e visíveis problemas? Estas eram algumas das perguntas que eu me fazia, dentre outras, que instigam aqueles que trabalham nos bastidores desses eventos.

    Anos foram se passando, com mudanças em minha vida, mudanças no Brasil, na Bahia e em Salvador, mudanças nas festas. Em 2004, retornei à academia, paralelamente à atividade profissional de produção e gestão cultural. Desde então, venho realizando estudos e pesquisas sobre as interconexões entre a Cultura e o Desenvolvimento. Quando resolvi fazer um mestrado, em 2006, pensei em deixar o meu olhar acadêmico visitar as festas populares da Bahia e escolhi a Festa da Boa Morte como um dos casos a serem estudados na perspectiva do turismo cultural, no segmento turismo étnico afro. No Brasil e na Bahia, especificamente, as discussões sobre esse segmento turístico eram novas, como também eram ainda incipientes aquelas sobre indústrias criativas, economia criativa e economia da cultura.

    O interesse em conciliar as experiências anteriores de estudos em cultura com a temática da Economia Criativa foi motivado inicialmente pela conclusão do mestrado realizado no Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade (POSCULTURA/UFBA), na linha de pesquisa Cultura e Desenvolvimento, com a apresentação da dissertação sobre Turismo de raízes no estado da Bahia (2008), com foco nos casos da Festa da Boa Morte, em Cachoeira e no Pelourinho em Salvador. Posteriormente, pela oportunidade de fazer parte da equipe de profissionais do Ministério da Cultura (MinC), em Brasília, tanto no período de 2010-2011 em que estive na Coordenação-Geral do Centro Nacional de Informação e Referência da Cultura Negra (CNIRC) da Fundação Cultural Palmares (FCP/MinC), como também quando participei da estruturação da Secretaria de Economia Criativa (SEC/do MinC), nela atuando como Coordenadora-Geral de Ações Estruturantes, no período de 2011-2013.

    Na Secretaria da Economia Criativa do Ministério da Cultura (SEC/MinC), tive também a oportunidade de participar da elaboração do Plano da Secretaria de Economia Criativa: politicas, diretrizes e ações 2011 a 2014, lançado em 2012, como também fiz parte da equipe de elaboração e estruturação do Plano Brasil Criativo, plano de governo, interministerial e interinstitucional, visando a dinamizar e fortalecer a Economia Criativa Brasileira como dimensão estratégica para um novo desenvolvimento do país, tendo como diretrizes básicas a diversidade cultural, a sustentabilidade, a inovação e a inclusão social.

    Esses dois momentos de atuação no MinC me proporcionaram a oportunidade de vivenciar a complexidade da gestão de políticas públicas em nível federal. Pude participar intensamente das discussões sobre a Economia Criativa numa perspectiva de contribuir para os debates e formulações de políticas sobre cultura e desenvolvimento no país, que correspondessem às necessidades e características culturais, econômicas e sociais próprias de nosso país, além de me possibilitar conhecer ainda mais o Brasil, nossa rica diversidade cultural e os inúmeros desafios presentes neste campo.

    De volta a Salvador, em 2015, ingressei no grupo de pesquisadores do Observatório da Economia Criativa da Bahia (OBEC-Ba), instalado no Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Prof. Milton Santos da Universidade Federal da Bahia (IHAC/UFBA). Em julho desse mesmo ano também comecei a fazer parte do corpo de profissionais da Fundação Cultural do Estado da Bahia (FUNCEB) atuando, até o presente momento, na coordenação de pesquisa do Centro de Formação em Artes, uma unidade educacional responsável pela realização, articulação e apoio às ações de formação artística na Bahia.

    Todas essas experiências profissionais, acadêmicas e interlocuções com diversos parceiros me fizeram pensar que, apesar do reconhecimento da crescente importância econômica dos setores artísticos, culturais e criativos para o desenvolvimento do país e da sociedade, ainda carecemos de estudos e pesquisas que contemplem de modo amplo os diversos setores da Economia Criativa, permitindo que haja o reconhecimento de vocações e oportunidades a serem reforçadas e estimuladas por meio de políticas públicas consistentes, especialmente no que diz respeito ao nosso patrimônio imaterial, do qual fazem parte as festas populares.

    Assim, em 2016, ingressei no doutorado no Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade da UFBA, com um projeto de pesquisa tendo por objeto de estudo a Festa de Iemanjá realizada em Salvador, no Rio Vermelho, no dia 2 de fevereiro, voltando o nosso olhar para as múltiplas dimensões e lógicas que permeiam a dinâmica desta festa, como a simbólica, a econômica, a social e a ambiental.

    Durante o período de doutoramento, escrevi alguns artigos que foram apresentados e publicados em anais do Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura (ENECULT), realizado, anualmente, pelo Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura (Cult) do IHAC/UFBA. Em 2017, o artigo Festejos Divinos: algumas observações sobre a Festa de Iemanjá em Salvador – Bahia, como espaço para reafirmação da identidade afro-baiana e, ao mesmo tempo, para a celebração de múltiplas identidades, foi apresentado no XIII ENECULT. Em 2018, os primeiros resultados da pesquisa foram apresentados no artigo Preparando o presente de Iemanjá: aproximações da Festa e de suas Redes, no XIV ENECULT, tendo como coautores os orientadores da tese.

    Em setembro desse mesmo ano, o projeto de tese foi apresentado para qualificação à banca composta pelos professores doutores Paulo Miguez, Daniele Canedo, Elizabeth Regina Loiola da Cruz (examinadora interna) e Carmen Lucia Lima Castro (examinadora externa – UNEB) que deram valiosas contribuições para aperfeiçoá-lo.

    A proposta de investigação foi a de um recorte de estudo sobre a festa pública afro-religiosa de Iemanjá, realizada na cidade de Salvador – Bahia. A escolha da festividade, analisada ao longo de quatro anos, justificava-se por esta ser celebrada em homenagem ao orixá Iemanjá, por fazer parte do calendário religioso e popular da cidade onde ocorre, pela sua importância social, cultural e religiosa, além de também ser considerada como forte atrativo para o turismo da localidade.

    Por outro lado, minhas experiências profissionais me despertaram o interesse em ampliar a compreensão a respeito das festas populares, que ainda representam um grande desafio para as políticas públicas de cultura. Isto, na perspectiva de entender quem são os atores sociais que tomam parte nesses festejos e seus interesses (tanto como produtores quanto como consumidores); para quem a festa é produzida; e quais condições devem ser criadas para que os festejos públicos, além de gerar riqueza e empregos, também valorizem e promovam a diversidade cultural, possibilitem a sustentabilidade (social, econômica, ambiental e cultural) e promovam a inclusão (social, cultural, econômica) para os diversos atores (e redes de atores) neles envolvidos.

    De modo geral, as reflexões sobre essas festas têm escapado aos trabalhos de Economia Criativa, que têm se dedicado a pensar em setores que estão, de alguma forma, submetidos à indústria cultural e à lógica do sistema capitalista de produção, como é o caso do cinema, da música, do teatro, da moda, dos games, do design etc., com exceção do ciclo do Carnaval e dos festejos juninos (estes, especialmente celebrados no Nordeste brasileiro), os quais são contaminadas por lógicas da indústria cultural, como também pela presença de outras economias relacionadas à Economia Criativa, como a Economia do Turismo, por exemplo.

    Embora a Festa de Iemanjá também tenha a presença da indústria cultural, em alguma medida, ela nos possibilita pensar na importância de suas múltiplas dimensões (simbólica, econômica, ambiental etc.) e em lógicas diferenciadas que permeiam a sua dinâmica – como a dos valores simbólicos, a do lucro e por lógicas ampliadas envolvendo valores simbólicos e de mercado tornando-se, evidentemente, necessário que as políticas públicas, que se dedicam à economia criativa, procurem entender manifestações dessa natureza, assim como pensar meios de contribuir para sua proteção, salvaguarda e preservação. Na perspectiva econômica, observa-se ainda que a festa, além de atrair milhares de turistas para Salvador, também movimenta a microeconomia local através de diversos nanoempreendimentos, durante os dias dedicados ao evento, para os quais é preciso pensar políticas públicas.

    Entretanto, em 2020, na fase de conclusão do doutorado, o mundo foi surpreendido pela pandemia do coronavírus, que tem provocado impactos tanto na saúde pública, com a ocorrência de inúmeras vidas perdidas, como também na economia global e, particularmente, nos setores culturais e criativos dos quais faço parte. Diante desses impactos, participei da pesquisa Impactos da COVID-19 na Economia Criativa, realizada pelo OBEC-Bahia, com o objetivo de levantar dados sobre as consequências da crise para indivíduos e organizações que compõem os setores dessa economia no Brasil.

    Ainda em 2020, os festejos juninos foram suspensos e também não houve a realização pública do calendário de festas populares do verão baiano em 2021, que se iniciou em dezembro indo até o Carnaval, porque essas festas são locais de encontros, de trocas, de contatos, de sociabilidades e, por enquanto, a recomendação tem sido de isolamento físico. Tal fato nos faz refletir um pouco mais sobre a importância de políticas públicas que garantam a permanência dessas expressões culturais, a valorização e a sustentabilidade daqueles que fazem as festas acontecerem.

    A PESQUISA

    O recorte da pesquisa é o da compreensão das relações entre os atores sociais nas redes que conformam a dinâmica da festa. O campo de estudo está localizado na Festa de Iemanjá, realizada anualmente em Salvador, no bairro do Rio Vermelho, no dia 2 de fevereiro.

    OBJETIVO DA PESQUISA

    A pesquisa teve por objetivo compreender a dinâmica das relações entre os atores sociais nas redes que conformam a gestão da Festa de Iemanjá, através do mapeamento dos atores sociais-chave para a sua organização. Optamos por uma abordagem de natureza qualitativa, por nos permitir analisar experiências (históricas e práticas) dos atores envolvidos com a festa, investigar documentos sobre a mesma e examinar interações entre eles.

    PRESSUPOSTOS

    A pesquisa sobre a Festa de Iemanjá realizada no Rio Vermelho, no dia 2 de fevereiro, tem como princípio que a dinâmica da festa depende de articulações em rede, que envolvem diferentes atores sociais em busca da realização do evento em agradecimento ao orixá Iemanjá. As ações desses atores são guiadas por lógicas diferentes, muitas vezes conflituosas, que envolvem valores simbólicos, a busca de lucro, questões de cidadania, entre outras. Neste sentido, a investigação realizada objetivou mapear os atores que participam da organização da festa e verificar como as relações sociais que aí se estabelecem estruturam diferentes situações, influenciando fluxos de materiais, ideias, informações e poder. (BORGATTI; FOSTER, 2003) O trabalho partiu dos seguintes pressupostos:

    • enquanto uma expressão cultural, a festa deve ser vista como resultado de um processo histórico e social que se transforma permanentemente e deve ser compreendida nas suas múltiplas dimensões – simbólica, cidadã, econômica e ambiental;

    • a festa é o resultado da articulação de uma ampla rede composta de atores sociais que formam sub-redes orientadas por lógicas diferenciadas entre si e baseadas em relações de poder desiguais, com distintas formas

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