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A regulação da cosmiatria no Brasil: o conflito regulatório entre os conselhos profissionais de saúde
A regulação da cosmiatria no Brasil: o conflito regulatório entre os conselhos profissionais de saúde
A regulação da cosmiatria no Brasil: o conflito regulatório entre os conselhos profissionais de saúde
E-book313 páginas3 horas

A regulação da cosmiatria no Brasil: o conflito regulatório entre os conselhos profissionais de saúde

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Sobre este e-book

O interesse pelos tratamentos estéticos para melhorar imagem, a autoestima e a sensação de uma beleza estética tem levado vários profissionais a buscar cada vez mais esses recursos a partir do avanço tecnológico possibilitado pela indústria farmacêutica. Médicos e outros profissionais da saúde passaram a exercer a cosmiatria, sendo referendados por seus respectivos conselhos profissionais através de suas resoluções. Diversos conflitos resultaram dessas normas, provocados principalmente por ações judiciais da classe médica. Este livro se propõe a analisar os efeitos da inexistência de coordenação regulatória no exercício da cosmiatria atualmente regulada pelos conselhos profissionais da área da saúde, a partir de três eixos: a relação entre os conselhos profissionais e em que medida os procedimentos causam conflitos; em que medida tais dissensões implicam a atuação do Judiciário como órgão suprarregulador frente à judicialização das resoluções produzidas pelos conselhos profissionais da área da saúde; e a partir da análise da natureza dos conselhos profissionais de saúde e seus interesses privados por meio do direito público, justificando coordenação regulatória para evitar abusos.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento21 de mar. de 2023
ISBN9786525278155
A regulação da cosmiatria no Brasil: o conflito regulatório entre os conselhos profissionais de saúde

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    A regulação da cosmiatria no Brasil - Mayrinkellison P. Wanderley

    CAPÍTULO I A REGULAÇÃO DA ATIVIDADE DA COSMIATRIA

    Os médicos exerceram o monopólio no tratamento de saúde dos pacientes para fins tanto terapêuticos quanto estéticos durante séculos, e a preocupação com a estética humana, especialmente com a pele,¹⁴ é um fenômeno milenar.¹⁵ Até recentemente, o médico era considerado imprescindível para exercer qualquer atividade que envolvesse diagnóstico, prescrição de medicamentos e introdução de fármacos no corpo humano.

    A partir dos avanços da cosmetologia¹⁶ e da própria dermatologia,¹⁷ criou-se uma subdivisão relativamente nova que passou a se chamar de cosmiatria ou dermatologia estética. De acordo a SBD,¹⁸ a dermatologia pode ser subdividida em clínica e preventiva, oncológica, cirúrgica e a cosmiátrica, sendo esta, segundo a SBD, exclusivamente, uma área da medicina em que os procedimentos médicos são privativos a médicos e seu objetivo é a manutenção da beleza e aparência.¹⁹

    Partindo dessa premissa da organização médica, nasce um conflito regulatório decorrente da existência aparente de dois grandes atores atuando nesse espaço regulatório: médicos (CFM) e não-médicos (todos os outros conselhos profissionais de saúde) e disso decorre todo o conflito que envolve os diversos conselhos profissionais da saúde que se autodefinem como competentes para regular a cosmiatria.

    1.1 A REGULAÇÃO DA COSMIATRIA NO BRASIL

    Como uma atividade econômica, esse mercado é regulado²⁰ pelos conselhos de fiscalização profissionais das ciências da saúde, bem como por legislação que determina os parâmetros de atuação de cada um desses profissionais. Ao ser observada a popularização desses serviços, os profissionais da saúde das diversas especialidades defenderam para si a prerrogativa de, pari passu com os médicos, realizarem procedimentos estéticos, uma vez que tal ramo se demonstrou promissor.²¹ Neste contexto, não apenas o Conselho Federal de Medicina (CFM), por meio de suas sociedades de especialidades,²² mas também conselhos profissionais,²³ como o de Odontologia (CFO), Farmácia (CFF), Fisioterapia (COFFITO), Enfermagem (COFEN) e Biomedicina (CFBM) e outras associações de profissões não-regulamentadas, como as de acupuntura,²⁴ passaram a regular a atividade, autorizando seus filiados a exercerem a dermatologia estética, gerando uma visível overlap na regulação desse nicho econômico.

    Na falta de um órgão hierarquicamente superior a tais conselhos, tem sido o Judiciário o ente público a coordenar os conflitos regulatórios decorrentes das resoluções desses conselhos, por meio das diversas ações judiciais distribuídas pelos tribunais regionais federais, principalmente, mas não exclusivamente, na 1ª e 5ª Regiões da Justiça Federal.²⁵ O ajuizamento de ações judiciais tem se dado especialmente pela interpretação dada à Lei do Ato Médico – Lei 12.842/2013 (LAM),²⁶ que disciplina o exercício da medicina no Brasil, bem como pela Mensagem de Veto que acompanhou sua sanção,²⁷ que excluiu determinadas partes do texto legal, contribuindo para o conflito regulatório.

    1.1.1 PRINCIPAIS PROCEDIMENTOS EM COSMIATRIA

    Para que se possa compreender esse mercado, é necessário tecer alguns comentários sobre essa atividade econômica específica. Os procedimentos estéticos da face têm peculiaridades e semelhanças com quaisquer outros atos médicos.²⁸ São várias²⁹ as técnicas utilizadas na cosmiatria.³⁰ Sua correta utilização pode trazer benefícios para o paciente, mas também efeitos colaterais deletérios, se não forem corretamente administrados. E é exatamente nesse contexto que se discute se eles seriam ou não privativos de médicos, uma vez que sua administração exigiria um mínimo de reserva legal. Em geral, os procedimentos estéticos mais utilizados pelos profissionais de saúde são os esfoliativos, os peelings químicos, de luz e calor e os de injeção.

    Os procedimentos esfoliativos são aqueles realizados na parte mais superficial da pele, por meio de técnicas como peelings físicos, químicos e microdermoabrasão. Consiste normalmente em aplicar sobre a pele uma quantidade de microcristais de compostos quimicamente inertes, com ou sem equipamentos que possibilitam regular os níveis de esfoliação sob pressão assistida.³¹ O elemento abrasivo é passado sobre a pele por esfoliação mecânica para produzir abrasões superficiais na superfície cutânea.³² Os procedimentos microdermoabrasivos são indicados não apenas para fins estéticos, que implicam associação com peelings químicos, mas também para fins terapêuticos inestéticos ou mesmo estéticos causados por eritema facial,³³ acnes não inflamadas, hiperpigmentação, cicatrizes superficiais inestéticas pós-acne ou pós-cirúrgicas, rugas finas, estrias superficiais, entre outras.³⁴

    Os tratamentos de peeling químico, também conhecidos como quimioesfoliação, quimiocirurgia ou dermopeeling, removem as camadas mais externas da pele de forma a melhorar a função global e a aparência da pele. O mecanismo de ação dos peelings químicos baseia-se nos princípios da cicatrização das feridas, pois os peelings promovem um dano intencional, programado e controlado nas camadas mais superficiais da pele,³⁵ visando estimular um processo de regeneração da superfície cutânea, tendo como resultado uma melhora na textura e aparência da pele.³⁶ Os produtos químicos, neste caso, provocam verdadeira reação na superfície da pele, por serem ácidos, mas sempre de forma controlada,³⁷ chegando, em alguns casos, a penetrar na derme reticular.³⁸ Neste caso, quando o peeling chega à derme reticular, ocorrem complicações inestéticas como cicatrizes. Isso é um efeito indesejado no peeling. Significa que ele aprofundou de tal forma que pode gerar uma lesão semelhante a uma cicatriz de queimadura; daí a necessidade de controle da técnica.

    Já as técnicas de luz e calor não são exclusivas da cosmiatria. O laser é utilizado largamente em cirurgias e tratamentos diversos na área médica. No entanto, como tratamento na dermatologia estética, seu campo de atuação vem crescendo nos últimos tempos. Além do laser, há ainda tratamentos físicos por aplicação de radiofrequência, de infravermelho, o uso do LED (Light Emitting Diodes), ultrassom e a criolipólise,³⁹ todos utilizados para o rejuvenescimento da pele.

    Finalmente, há os procedimentos de injeção na pele, que interessam diretamente ao escopo desta pesquisa, sendo os mais importantes a toxina botulínica (botox)⁴⁰ e os preenchedores cutâneos, especialmente o ácido hialurônico.⁴¹ Essas são substâncias utilizadas para atuar principalmente nos efeitos do envelhecimento facial, que está associado com a diminuição gradual da espessura da pele, a perda do volume facial e a perda da elasticidade ao longo do tempo. São indicados para tratamento de rugas e sulcos faciais, mas têm avançado para aplicações mais sofisticadas de escultura e contorno faciais, permitindo um rejuvenescimento facial. Sua utilização pode estar associada também a fins terapêuticos para a anatomia da face, a uniformização do sorriso, o preenchimento de sulcos provocados por lesões, para fins odontológicos e eliminação de cicatrizes de depressão. Seu uso é observado também para fins de tratamento da atrofia facial associada ao HIV.⁴² Podem ser aplicados em diferentes profundidades, representando um método moderadamente invasivo, pois pode adentrar até um nível mais profundo da pele.⁴³ Nesses procedimentos, a aplicação das toxinas ou preenchedores é feita por infiltração,⁴⁴ isto é, o líquido é injetado no músculo que se pretende paralisar ou alterar, envolvendo a inspeção da área, palpação, testes funcionais e documentação.⁴⁵

    1.1.2 A LEI DO ATO MÉDICO E O MARCO LEGAL DA COSMIATRIA

    A Lei do Ato Médico dispôs sobre o exercício da medicina. No caso da cosmiatria, o principal artigo desta lei a ser enfrentado nesta pesquisa é o artigo 4º, especialmente o seu inciso III, embora uma interpretação sistemática do texto tenha de ser feita para sua melhor compreensão:⁴⁶ São atividades privativas do médico: [...] III - indicação da execução e execução de procedimentos invasivos, sejam diagnósticos, terapêuticos ou estéticos, incluindo os acessos vasculares profundos, as biópsias e as endoscopias [grifos nossos].

    A expressão procedimento invasivo, a partir da interpretação literal do texto legal, pressupõe atividade que implique introduzir, perfurar, aplicar ou inserir qualquer instrumento, aparelho ou substância no corpo humano. A partir dessa leitura, pode-se chegar à conclusão apriorística de que a cosmiatria, uma atividade basicamente estética, uma vez que se refere à injeção (no sentido de injetar, introduzir, aplicar),⁴⁷ seria atividade privativa do profissional médico e sua disciplina caberia exclusivamente a essa classe profissional, representada pelo CFM, com exclusão de todas as outras.

    À medida que o artigo 4º é interpretado de forma mais restritiva, isto é, como procedimento invasivo que atinge órgãos internos, por exemplo, mais ampla seria a gama de profissionais habilitados a exercer a cosmiatria que, em geral, não chega a camadas mais profundas da pele, o que autorizaria outros profissionais da saúde como biomédicos, cirurgiões-dentistas, farmacêuticos, etc., a atuarem nesse nicho de mercado. No entanto, como o CFM interpreta que qualquer introdução de fármacos ou instrumentos na pele como procedimento invasivo, surgem os conflitos com os outros conselhos profissionais que, em pé de igualdade em produzir norma regulatória autorizativa (resoluções), autorizam seus filiados a praticarem a cosmiatria.

    Por outro lado, como já dito anteriormente, o próprio texto legal sofreu vetos importantes, exatamente no artigo que previa a exclusividade médica em atividades invasivas, conforme será melhor tratado oportunamente. Neste caso, o CFM estaria interpretando o rol de procedimentos cosmiátricos e a permissão legal como ato exclusivamente médico, enquanto que as demais profissões estariam interpretando restritivamente o texto, isto é, indicando exatamente quais seriam os considerados primordialmente como procedimentos invasivos, liberando todos os outros para qualquer profissional da saúde habilitado, suavizando o alcance para atividades que não sejam tipicamente invasivas, como a intubação, a cirurgia, os exames invasivos e os acessos vasculares profundos, que foram textualmente previstos na norma.

    Ora, sendo a lei stricto sensu a norma por excelência com efeito erga omnes, restaria suficiente a LAM para definir e esclarecer o espoco de atuação da cosmiatria. Qualquer norma hierarquicamente inferior deveria apenas refletir ou regulamentar detalhes da própria lei, sem inovar nem permitir que se dê interpretação extensiva. Ocorre que é exatamente isso que vem acontecendo no espaço regulatório⁴⁸ da cosmiatria. A dicção legal prevista na norma de indicação da execução e execução de procedimentos invasivos encontra diversas dificuldades práticas, pois, sendo um conceito indeterminado, permite diversas interpretações e exceções que autorizariam outros grupos profissionais a conceberem restritivamente a norma, assumindo a permissão legal para o exercício das atividades.

    Com tais conceitos, pode-se analisar como o CFM e as sociedades médicas passaram a interpretar a LAM enquanto norma reguladora da cosmiatria. Como todos os conselhos profissionais a serem estudados nesta pesquisa se julgam competentes, em tese, para regular sobre cosmiatria, a partir da interpretação de uma norma legal, temos a existência de um espaço regulatório de disputa e uma superposição de normas. Levando-se em conta que cada conselho regula a atividade sem aceitar a interferência de qualquer outro, praticamente a cosmiatria passou a ser uma atividade plural e comum a vários grupos. Mais do que isso, como não existe hierarquia entre os conselhos, nem órgão legalmente previsto para exercer metarregulação, ocorre overregulation. Assim, se o resultado pode ser externalidade (efeito social) ou concorrência desleal (efeito econômico), tem-se um ambiente em que há ausência de coordenação regulatória, decorrente, em parte, da autorregulação que caracteriza os conselhos profissionais ou de classe no Brasil.

    1.2 A COORDENAÇÃO REGULATÓRIA E A REGULAÇÃO DE ATIVIDADES ECONÔMICAS

    Regulação é um tema controverso. Diversos podem ser os conceitos dados a essa atividade estatal, seja na doutrina estrangeira seja na brasileira.⁴⁹ A ideia de um Estado regulador é relativamente recente no Brasil. Especialmente após o processo de desestatização iniciado na década de 1990,⁵⁰ a regulação decorre de um movimento que envolveu diversos fatores, entre os quais a reestruturação do Estado.⁵¹ Para alguns doutrinadores, numa evolução história, estaríamos diante do Estado regulador.⁵² A partir de então, a intervenção estatal direta seria verificada nas atividades típicas do Estado, mas também em outras atividades estritamente econômicas; no entanto, agora não mais para executar, mas supervisionar, disciplinar e regular setores da economia sensíveis, em que haja risco de colapso sistêmico.⁵³

    Esse conceito mais restrito, defendido por Sérgio Guerra em suas diversas obras,⁵⁴ salienta a importância de o Estado agir como um agente indireto da atividade econômica, atuando como um regulador, isto é, harmonizando os interesses, a fim de que o serviço ou atividade mantenha relativa equidistância entre todos os envolvidos e seus interesses: o Estado em si (regulador), os usuários (a sociedade ou bem jurídico protegido) e o agente econômico. Para o autor, a regulação estaria ligada, basicamente, à intervenção estatual para atividades que, por sua relevância, deveriam ser supervisionadas de forma mais intensa por conta do risco de efeitos desastrosos estruturais, como atividades econômicas ligadas à infraestrutura, mercado econômico, saúde suplementar, etc.

    Esse conceito de regulação, um tanto obtuso, porém, não é o único. Aliás, o conceito de regulação é um dos mais vastos no direito administrativo,⁵⁵ comportando variáveis mais amplas ou mesmo divergentes. Floriano de Azevedo Marques Neto, por exemplo, entende que a regulação é uma forma de ordenação da atividade econômica. Ordenação que não dispensa, mas tampouco se limita, ao caráter normativo.⁵⁶

    Regulação, assim, não se circunscreve apenas a atividades econômicas ligadas ao universo da infraestrutura ou como decorrência da necessidade do chamado Estado Regulador, num contexto macro, como já foi mencionado, tampouco se refere apenas a atividades econômicas propriamente ditas. O meio ambiente⁵⁷ ou o trânsito,⁵⁸ por exemplo, não são necessariamente atividades econômicas típicas, mas igualmente são reguladas ou regulamentadas por órgãos públicos. Há inclusive quem defenda que a regulação tenha por objeto atividades econômicas e sociais,⁵⁹ estando nessas últimas compreendidas, por exemplo, a proteção subjetiva do consumidor, do meio-ambiente, da saúde pública, etc.

    Aliás, sequer regulação é uma atribuição exclusiva do Estado, como as posições mais restritas acima parecem assentir. Deste modo, a regulação comporta uma interpretação menos restrita, mais micro, fora das atividades econômicas-fins, como, por exemplo, a regulamentação dos pesos e medidas,⁶⁰ das classificações indicativas nas programações audiovisuais,⁶¹ das técnicas de produção textual⁶² ou das atividades profissionais chamadas regulamentadas, como a advocacia, a engenharia, a contabilidade, a odontologia, a medicina, entre outras. Ao expedir normativas, sejam entes de natureza pública, privada ou híbrida, os órgãos reguladores (típicos ou não, sejam agências reguladoras ou não) criam regras que devem ser seguidas por seus destinatários, com efeitos sobre terceiros.⁶³

    Assim, para fins desta pesquisa, regulação em cosmiatria (também utilizada aqui como regulamentação indistintamente) terá o sentido de expedição das normativas regulatórias dos conselhos profissionais de saúde que tenham relação com o disputado espaço regulatório no exercício profissional da cosmiatria e que exerça impacto sobre terceiros. Neste último caso, o efeito da norma regulatória se refere à alegada proteção do cidadão de externalidades, isto é, as consequências que uma atividade privada possa exercer sobre terceiros, como danos em geral, acidentes, prejuízos, sejam esses econômicos ou sociais, como a liberdade econômica e de profissão, exigindo-se, neste ponto, alguma coordenação regulatória.⁶⁴

    Levando-se em conta que regulação também designa um estado de equilíbrio e de regularidade no funcionamento de um sistema ou mecanismo e, também, aponta para o estabelecimento de regras (regulamentos) a serem observadas num determinado comportamento ou situação,⁶⁵ por um lado o Estado deve prezar pela produção de normas gerais, mas por outro, tanto quanto possível, deixar que o próprio mercado se autorregule.

    Como se verá mais adiante, a legalidade estrita, entendida aqui como a satisfação da Lei do Ato Médico como marco legal regulatório para o exercício de atividades médicas, parece ter sido desafiada diante do avanço tecnológico com a abertura de um novo mercado: a cosmiatria. Mais do que isso: como não se trata de regulação advinda de entes reguladores stricto sensu,⁶⁶ as resoluções dos conselhos profissionais de saúde não encontram controle dentro da estrutura do Poder Executivo, cabendo ao Judiciário, neste caso, dirimir eventuais conflitos de competência regulatória desses entes ou encontrar novas saídas para se resolver tais conflitos.

    1.2.1 A COORDENAÇÃO REGULATÓRIA COMO INSTRUMENTO DE INTEGRAÇÃO NORMATIVA

    Quando diversos entes atuam na regulação de uma atividade, seja de forma direta ou indireta, os resultados podem ser variados. Por um lado, pode haver cooperação, fusão e aprendizado; por outro, há o risco concreto de superposição, disputa, atrofia ou paralisia da atividade regulatória.

    Neste sentido, sobreposição ou interseção de atividade regulatória não são incomuns. Por exemplo, embora não se trate de órgãos reguladores, há duas casas legislativas em nível federal: o Senado Federal e a Câmara dos Deputados, que compõem o Congresso Nacional. A União, os Estados e Municípios podem regulamentar sobre meio-ambiente por mandamento constitucional.⁶⁷ Tanto a Polícia Federal quanto a Receita Federal podem investigar atividades suspeitas de agentes econômicos. No caso concreto de agências reguladoras, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e a Agência Nacional de Águas (ANA), entre outras, precisam cooperar no que tange à utilização das bacias hidrográficas, por exemplo.⁶⁸ Dependendo da forma como os órgãos reguladores atuam, o resultado poderá ser positivo ou negativo. Em geral, regulação excessiva traz prejuízos porque cria insegurança jurídica, sejam elas produzidas através de normas ou standards.⁶⁹ Por outro lado, pode trazer criatividade e autocontenção entre os diversos órgãos, numa rede de normas que permitem maior segurança na execução de um procedimento cosmiátrico, por exemplo, pela especialização.

    Uma das necessidades da coordenação regulatória é evitar que um número excessivo de entes regule uma mesma atividade sem o devido sincronismo. Quando isso não ocorre, o resultado pode ser um overlap, ou, sobreposição. Em geral, diversas agências exercem autoridade ou poder sobre os mesmos indivíduos, atividades ou targets, podendo gerar ineficiência, custos excessivos e desperdício.⁷⁰

    Outro fator que corrobora com a importância de uma coordenação regulatória é a redundância (redundancy), como mais conhecido na doutrina, isto é, normas semelhantes em situações igualmente similares. É curioso que, neste caso, a existência de diversos reguladores emitindo normas sobre uma situação seja aparentemente ineficiente, uma vez que não haveria tal necessidade. Por outro lado, em determinados setores, a existência de mais de uma norma pode trazer mais segurança, sobretudo em temas sensíveis, como o da saúde pública, por exemplo. Chegou-se a afirmar que na administração pública, por exemplo, a redundância pode ser útil para prevenir ou corrigir erros.⁷¹

    Para resolver questões de over-regulation, ou regulação excessiva, busca-se coordenar os agentes de tal forma que os efeitos da regulação possam ser mais positivos, ou se extraia um resultado útil que justifique a existência dessa regulação.⁷² Na experiência norte-americana, por exemplo, Freeman e Rossi sugeriram algumas ferramentas para superação ou aproveitamento dos efeitos negativos do overlap ou redundancy através de coordenação regulatória, como consulta interagência, acordos entre as agências, tomada de decisões ou políticas conjuntas e gerenciamento externo da coordenação, as quais serão mais bem explicitadas no capítulo quarto.⁷³ O objetivo dessas ferramentas é permitir que, num ambiente de regulação compartilhada, haja o mínimo de consenso e maximização de benefícios e a interação entre os diversos entes reguladores.

    Tecidas essas considerações, conclui-se que não é suficiente apenas regular ou desregular, mas também regular bem, num movimento conhecido como better regulation.⁷⁴ Dependendo do desenho regulatório de determinado setor econômico, e da estrutura hierárquica do órgão público que regula o setor, pode-se ter diferentes formas de coordenação. No caso de estruturas mais centralizadas, é mais fácil se definir um órgão que exerça sua autoridade sobre as camadas mais inferiores dessa hierarquia. No entanto, em outras situações, como é o caso específico da cosmiatria, em que há diversos entes dotados de

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