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Universo de palavras
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E-book239 páginas3 horas

Universo de palavras

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Sobre este e-book

'Teresinha resolve se despedir de vez de seu marido lendo as mensagens deixadas nos livros de sua biblioteca.É nesse momento que ela conhece Paulo Augusto. Negro, morador da periferia, órfão de mãe, entregador de supermercados. Paulo tem um sonho: ser escritor. Encanta-se com os livros do finado Alceu e começa a esboçar sua própria história.Nasce daí uma grande amizade, na qual Teresinha é a leitora crítica do romance em gestação.“Este belo romance inscreve-se numa longa e ilustre linhagem: a dos livros sobre livros, que nos arrastam por um mundo inesgotável e que nos defende do tédio”. (Maria Valéria Rezende)'
IdiomaPortuguês
Data de lançamento24 de mar. de 2023
ISBN9786550460228
Universo de palavras
Autor

Eduardo Baccarin-Costa

Mestre em Letras, escritor, poeta, professor, Eduardo Baccarin-Costa é membro da Academia de Letras de Londrina (PR). Seu romance Apenas três palavras recebeu o primeiro lugar no concurso “Outras palavras”, promovido pela Secretaria de Cultura do Paraná.Eduardo tem 10 romances, 10 coletâneas de poemas e um texto teatral publicados.

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    Pré-visualização do livro

    Universo de palavras - Eduardo Baccarin-Costa

    Sumário

    PORTA ABERTA PARA LIVROS E MAIS LIVROS

    PAPÉIS INICIAIS

    AGRADECIMENTOS

    DEDICATÓRIA

    PARTE 1 - ANDANÇAS

    1. A CINZA DAS HORAS

    2. ENTRE QUATRO PAREDES

    3. OS MISERÁVEIS

    4. O FEIJÃO E O SONHO

    5. VIDAS SECAS

    6. O ENCONTRO MARCADO

    7. ECLESIASTES

    8. A MÃO E A LUVA

    PARTE 2 - LEMBRANÇAS

    9. QUASE MEMÓRIA

    10. AS HORAS NUAS

    11. ANTES DE NASCER O MUNDO

    12. A MENINA QUE ROUBAVA LIVROS

    13. MEMÓRIAS INVENTADAS

    14. O MEU PÉ DELARANJA-LIMA

    15. A RELÍQUIA

    PARTE 3 - MUDANÇAS

    16. A TERCEIRA MARGEMDO RIO

    17. BECOS DA MEMÓRIA

    18. QUARENTA DIAS

    19. A FALÊNCIA

    20. CAMINHO DAS PEDRAS

    21. A METAMORFOSE

    22. A HORA DA ESTRELA

    23. AMAR SE APRENDE AMANDO

    24. CONFESSO QUE VIVI

    UNIVERSO DE PALAVRAS, de Eduardo Baccarin-Costa

    Coordenação editorial             Rafael Silvaro

    Capa e projeto gráfico             Editora Madrepérola

    Diagramação                   Cris Spezzaferro

    Imagem da capa                   Mr. and Mrs. Patrick Caulfield, captada por Pedro Simões

    Revisão e preparação de textos       Rayssa Gatto Trevisan

    © Eduardo Bacarrin-Costa, 2023.

    Produzido pela Editora Madrepérola

    Tel. 43 3351-8003

    www.editoramadreperola.com

    contato@editoramadreperola.com

    A reprodução desta publicação é permitida sem autorização prévia por escrito dos autores (copyright) para fins educacionais ou para fins não comerciais, desde que a fonte seja mencionada de forma completa.

    ____________________________________________________________________

    FICHA CATALOGRÁFICA

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)Tuxped Serviços Editoriais (São Paulo, SP)

    Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário Pedro Anizio Gomes - CRB-8 8846

    B117u Baccarin-Costa, Eduardo.

    Universo de palavras / Eduardo Baccarin-Costa; Prefácio de Maria Valéria Rezende. -- 1. ed. -- Londrina, PR : Editora

    Madrepérola, 2023.

    194 p.; il.; 16 x 23.

    ISBN 978-65-5046-022-8.

    1. Biblioteca. 2. Etarismo. 3. Literatura Brasileira. 4. Romance. I. Título. II. Assunto. III. Autor.

    CDD 869.93 23-3004677

    CDU 82-31(81)

    ____________________________________________________________________

    ÍNDICE PARA CATÁLOGO SISTEMÁTICO

    1. Literatura brasileira: Romance.

    2. Literatura: Romance (Brasil).

    UNIVERSO DE PALAVRAS

    Eduardo Baccarin-Costa

    preto.png

    PORQUE VOCÊ DEVERIA LER ESSE LIVRO:

    PORTA ABERTA PARA LIVROS E MAIS LIVROS

    Sim, este belo romance inscreve-se numa longa e ilustre linhagem. Livros sempre foram personagens dentro de outros livros, de nossa memória, da história que contamos sobre nós mesmos, geradores das palavras que utilizamos em nosso cotidiano.

    Como disse Italo Calvino: livros produzem um rumor permanente, que permanece ao fundo quando a conjuntura presente nos absorve, ou, ao contrário, permite que nos transportemos a outro mundo, deixando o hoje reduzir-se a um murmúrio que mal penetra pelas frestas de alguma janela.

    Sem os livros como personagens desencadeadores da trama, poderia Cervantes ter escrito o Quixote, que muitos consideram a inauguração do gênero romance? Quem nunca ouviu, e mesmo compreendeu, o termo quixotesco, ainda que nunca tenha lido a história do O homem de La Mancha? Quantos de nós desejamos viver uma odisseia sem jamais ter lido Homero, ou nunca nos deparamos com uma situação kafkiana, sem ter percorrido A metamorfose?

    O que é o mundo humano, inaugurado e mantido pela palavra, senão uma imensa biblioteca da qual não encontramos a saída? Afinal, como o descreveu J. L. Borges, o que seriam as grandes religiões que permanecem em nosso mundo, sem seus livros fundadores?

    Como salvação ou como perigo, os livros, uma vez inventados, nunca mais podem ser esquecidos ou definitivamente destruídos. A isso se dobra o bibliotecário criado por Umberto Eco: diante de um livro, supostamente de Aristóteles, que considera extremamente perigoso, opta por matar os leitores que dele se aproximam, mas não pode destruir o livro… Assim como nos conta Ray Bradbury, em Fahrenheit 451, ainda que poderes despóticos queiram destruí-los por meio do fogo, restarão no mundo milhares de homens-livros, que os saberão, cada um, de cor!

    Creio que agora o leitor já está ansioso para entrar no livro sobre livros que o arrastará por esse mundo inesgotável, defendendo-o do tédio, já que haverá sempre livros por ler ou reler ad infinitum!

    Maria Valéria Rezende

    Setembro de 2022

    PORQUE EU ESCREVI ESSE LIVRO:

    PAPÉIS INICIAIS

    Quantas vidas cabem em um livro? Quantos livros cabem em uma vida? A relação homem-livro sempre foi salutar e libertadora. Ler é mergulhar em histórias alheias, e muitas vezes nas suas, ainda que por parábolas e metáforas produzidas por quem nunca trocou um olhar com você. Esse é um dos poderes mágicos da literatura e do fazer literário: produzir o devir da história coletiva e de histórias individuais.

    Julia Kristeva, ao propor um dos conceitos mais conhecidos de intertextualidade, afirma que todo texto se constrói num mosaico de citações, ele é a absorção e transformação de um outro texto.¹ Partindo desse pressuposto, pode-se afirmar que a vida é um mosaico no qual livros e histórias são absorvidos e transformados em novas histórias. É essa uma das propostas de Universo de palavras: ser um romance intertextual em que as histórias de Paulo Augusto (posteriormente Paulo Renato) e Teresinha se cruzem com vários livros, a maioria que tocou fundo o coração de Alceu, o marido morto dela, que faleceu rapidamente após um câncer prostático. No processo de luto, ela entra em depressão e é afastada temporariamente do trabalho. Para superar o isolamento forçado, uma vez que não tem filhos, resolve colocar ordem na casa, começando pela imensa biblioteca de Alceu.

    Quem quiser me conhecer melhor, precisa ler os livros que li. Eles falam muito mais de mim, do que eu, às vezes. Essa é uma frase que Alceu repetia com frequência e da qual agora Teresinha se lembra, especialmente ao descobrir que em seiscentos e trinta e dois exemplares da biblioteca, ele havia feito considerações e anotações variadas sobre a vida e o conteúdo do livro. É nesse momento que tem a ideia de se despedir definitivamente de seu amado lendo todos esses livros, para depois doá-los a alguém.

    Durante esse processo, conhece Paulo Augusto, entregador do Mercado Semprebom. Paulo é de origem humilde, vive numa favela com a avó e o pai. Henrique, o progenitor, é etilista e tem uma relação bastante ambígua com sua mãe e seu filho. Longe do álcool, é amável e um bom contador de histórias; embriagado, é violento e abusador.

    Paulo também tem um sonho: ser escritor. Imagina escrever um romance usando personagens da comunidade em que vive, pois tem convicção que é a partir das experiências pessoais do autor que uma história é escrita. Um enredo é um entretecer de ficção e autobiografia, acredita.

    Quando as histórias de Paulo e Teresinha se encontram com o mundo dos livros de Alceu, muitos significados de suas vidas são redimensionados. A ponto de serem partilhados na história de Ramon e Isabel, personagens do romance que está sendo escrito por Paulo. Sim, Universo de palavras é também uma narrativa encaixada, na qual a história a ser escrita se confunde, num processo intertextual, com a história narrada e com os livros que diz muito aos corações dos personagens. Também pode ser considerada uma ode ao fazer literário e à literatura como um todo, pois é com eles que o mundo pode e deve mudar.

    AGRADECIMENTOS

    A Deus, pois, sem Ele, não somos nada.

    À Maria Valéria Rezende, pelo acolhimento, pela leitura crítica e pelo generoso prefácio que abre este livro.

    À Maria Izabel Alabarse — uma das pessoas em quem a personagem Teresinha foi inspirada —, pelos fins de tarde de conversa boa e comidas deliciosas em torno de livros e viagens.

    À Josy, parceira nas viagens mais loucas.

    DEDICATÓRIA

    Ao Alceu Alabarse, (in memoriam) cuja variada biblioteca foi o gatilho para essa obra.

    À Teresinha Monteiro Ferreira (in memoriam) — outra pessoa de quem a personagem Teresinha herdou suas características —, pelas constantes palavras de afeto e carinho em torno de uma pretensa carreira de escritor. O romance que você comentou de um dia querer escrever está mais ou menos aqui.

    À Analice Costa Barroso (tia Morena, in memoriam), pelas palavras de apoio, pelas orações e pelos livros emprestados que, de alguma forma, me moldaram.

    Contribuia deixando sua avaliação sobre a leitura.

    Sua avaliação ajuda muito que nossos livros se tornem conhecidos no Brasil.

    Independente de ter gostado ou não, sua opinião sincera é muito válida, lembre-se de deixar sua opinião sobre ele.

    PARTE 1

    - ANDANÇAS

    1. A CINZA DAS HORAS

    Teresinha chegou exausta. Os últimos trinta dias pareciam se arrastar sem pressa no calendário. Jogou os livros e alguns cadernos dos seus alunos na mesa e foi direto para a cozinha tomar um chá gelado. Precisava relaxar.

    No primeiro gole, deu-se conta de que Alceu já estava em casa. A boina, moda recente, estava na área de serviço. Entretanto, naquele dia, o ambiente estava silencioso demais. Será que tinha acontecido alguma coisa?

    Passo a passo foi até a biblioteca, o lugar preferido de Alceu. O marido estava lá, passivo, diante de uns papéis sobre a mesa. A fisionomia denotava que tinha chorado e agora preferia o acalanto cúmplice do silêncio. Sempre foi um apaixonado pelas palavras e, nesse momento, estava numa contemplação diferente. Os signos da imagem não eram bons. O peito de Teresinha ardeu.

    — Tá tudo bem, Alceu? — perguntou ao marido.

    — Você vai sofrer quando a minha indesejada chegar?

    Teresinha sentiu o coração bater mais acelerado. Conhecia bem o poema Consoada, de Manuel Bandeira. Alceu, várias vezes, havia declamado com ar trágico:

    "Quando a Indesejada das gentes chegar

    (Não sei se dura ou caroável),

    talvez eu tenha medo.

    Talvez sorria, ou diga:

    — Alô, iniludível!

    O meu dia foi bom, pode a noite descer.

    (A noite com os seus sortilégios.)

    Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,

    A mesa posta,

    Com cada coisa em seu lugar".²

    Havia, claramente, um prenúncio de morte no ar. A evocação a Bandeira deixava translúcida essa certeza. Lentamente, Alceu levantou a cabeça, pegou as folhas na mesa e apresentou para Teresinha.

    — Leia isto. Minha indesejada está a caminho.

    Eram laudos de exames de rotina. No exame de sangue, os índices de TGP e TGO estavam bastante alterados. Fez um ultrassom que indicou um tumor na bexiga. Alceu tinha um câncer.

    Teresinha puxou a cadeira, sentou-se ao lado do marido. Passou a mão nos cabelos grisalhos de Alceu e o confortou:

    — Já fez biópsia? Já sabe se é maligno? Você tem um tumor, mas isso não quer dizer que tua morte está a caminho. É preciso investigar mais e tentar todo o tratamento possível. Você sabe que pode contar comigo. Da mesma maneira que estive ao seu lado em todos os nossos momentos nos últimos trinta e três anos.

    Alceu levantou-se, olhou para a imensa biblioteca e, contemplando cada um daqueles seus amigos, sorriu amargo:

    — Minha vida está nestes livros. Tudo que sou ou que não consegui ser está neles. Acho que até o melhor e o pior de mim que você ainda não conhece estão neles. De certa forma, meus livros são meu legado. Para quem? Por quê? Sequer tivemos um filho para chamar de nosso. Será que fomos boa influência para alguém, Terê?

    Teresinha pensou dizer muitas coisas. Contudo, teve o discernimento que o momento era de calar-se. Alceu tinha uma jornada que poderia ser longa e desabafar poderia ajudá-lo psicologicamente. Abraçou-o pelas costas.

    — Meu amor, o fato de eu não ter tido um filho não significa que não deixamos herança. Nossos amigos, nossos sobrinhos e primos são uma extensão de tudo isso. Queria muito ter uma alma dividindo nosso DNA, mas Deus não quis que fosse assim. O momento não é de revolta, mas de denodo para essa batalha que teremos pela frente.

    Alceu esboçou uma reação. Foi até um aparelho de som dos anos 1980 que tinham ganhado de presente de casamento, pôs um vinil com a Quinta de Beethoven. Chamou-a para dançar.

    — Alceu, Alceu… só você nesse mundo consegue dançar a quinta sinfonia de Beethoven!

    ***

    A biópsia confirmou as lágrimas. O tumor na bexiga de Alceu era grau quatro e estava quase em processo de metástase. Era necessário começar, com urgência, o tratamento de quimioterapia para tentar reverter o quadro. Uma cura era praticamente um milagre. Um câncer, nesse estágio, dá uma sobrevida de seis meses a um ano. Quanto mais rápido e mais agressiva for a quimio, melhor pode ser o resultado e o prolongamento da existência.

    Uma sentença de morte estava dada. A fé de Alceu não aceitava isso. Ainda faltavam mais de cem livros da sua biblioteca para terminar de ler, fora os novos que entrariam nela. Precisava da cura para, ao menos, terminar de ler todos e depois distribuí-los às pessoas.

    Teresinha era mais fria, não menos sensível. Por conta de sua ancestralidade nordestina, tinha aprendido a lutar com garra diante das adversidades. Mesmo assim, não tinha muita fé. O ser humano mudava sua história, acreditava. De repente, via-se desafiada a expressar um sentimento que era quase inexistente, mas que talvez fosse a única forma de buscar a cura do homem que representava a melhor parte da sua história.

    Durante algumas sessões de quimio, Alceu levou seus amigos mais fiéis: os livros. Com eles, esquecia-se da dor, do mal-estar e da morte iminente e se concentrava em mundos nunca imaginados. Algumas vezes, levava um livro de poesias e fazia questão de lê-las em voz alta, para as enfermeiras ou para Teresinha, quando essa ficava ao seu lado. Suas horas estavam bem apagadas e em breve sua vida poderia ser convertida em cinzas. Nessas horas, só a arte diminui a dor; só a palavra é remédio para o sofrimento; só a poesia pode traduzir amor. Foi com a certeza nessas máximas que leu, com uma entonação apaixonada, o poema Imagem, de Manuel Bandeira. Ironicamente do livro A cinza das horas.

    "És como um lírio alvo e franzino,

    Nascido ao pôr do sol, à beira d’água,

    Numa paisagem erma onde cantava um sino

    A de nascer inconsolável mágoa…

    A vida é amarga. O amor, um pobre gozo…

    Hás de amar e sofrer incompreendido,

    Triste lírio franzino, inquieto, ansioso,

    Frágil e dolorido…"³

    Teresinha ouvia, cada vez mais apaixonada pelo marido. Alceu era de uma doçura ímpar e sempre tinha sido assim, desde o início do namoro deles. Ela tinha apenas dezesseis anos, mas Alceu a tinha conquistado com seu cavalheirismo, bom humor, carinho e sua inteligência. Agora, com cinquenta e quatro anos de idade, apenas, amargurava um tratamento agressivo como a quimioterapia e procurava manter o bom humor. Alceu era um homem completamente diferente…

    O primeiro tratamento deu resultado. Aparentemente, os tumores haviam diminuído. O médico resolveu dar três semanas de intervalo entre uma sessão e outra de quimioterapia. Os exames sugeriam que o corpo de Alceu tinha reagido bem ao tratamento e, talvez, dar uma retomada na vida poderia ser uma injeção de ânimo e repercutir no seu estado de saúde.

    Como estava de licença médica, não viu muito sentido em voltar ao trabalho por aqueles dias. Ligou para o chefe e se dispôs a analisar alguns processos em casa, no que o superior concordou, a princípio. Depois, ligou de volta para Alceu, dizendo para ele concentrar suas energias em se recuperar daquele câncer. Sugeriu até uma viagem para fazer com a esposa. Alceu gostou da ideia.

    Alceu e Teresinha chegaram em Campos do Jordão no final da tarde, três dias depois. Havia alugado uma casa pelo Airbnb por seis dias. A residência era um chalé lindíssimo, no estilo suíço, com um esmero ímpar na decoração. Quase em frente, duas visões do paraíso: uma livraria e uma chocolataria. O casal já tinha opções para o primeiro passeio.

    Passeando entre os corredores da livraria, Alceu parecia revigorado. Brincava com a esposa que o cheiro de papel impresso estava matando o tumor. Teresinha se divertia, e repetia seu pensamento acerca do amor do marido por livros:

    — Alceu, eu acho você um exagerado! Eu gosto de livros, mas como você, nunca vi.

    A sensação não era irreal: algumas vezes, nos trinta e três anos de casado, seu marido deixara de comprar roupas para adquirir livros mais caros e raros.

    No primeiro passeio, Alceu saiu com quatro exemplares embaixo do braço. Foi para a chocolataria celebrar a chegada dos novos amigos. Assim que o pedido chegou à mesa, disse, empolgado:

    — Terê, agora só preciso comprar mais seis para zerar o déficit.

    — Déficit do quê, Alceu?! — respondeu ela, indignada.

    — Ué, você não percebeu que desde que nos casamos, religiosamente, comprei dois livros por semana? Se você quiser saber, um dia, quantos livros eu tenho, é só multiplicar.

    Teresinha, em alguns momentos, considerava o hábito uma verdadeira obsessão. Sabia, porém, que não adiantava questionar o marido. Alceu não abria mão de seus amigos, como ele mesmo se referia aos livros. Naqueles poemas, romances, ensaios, estavam parte significativa da sua vida.

    Foram dias lindos em Campos do Jordão. Nem mesmo a doença os atrapalhou naquela espécie de lua de mel. Apesar do sentimento real de perda e separação, Alceu e Teresinha procuraram não pensar nisso e viveram com intensidade seus momentos juntos.

    Quando o tratamento foi retomado, os pesadelos em torno da doença foram revividos. Os efeitos colaterais da quimioterapia pegaram pesado com Alceu. Muitas náuseas, ânsia de vômito, dores

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