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Teoria Inclusiva Dos Direitos Fundamentais E Direito Digital
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E-book454 páginas5 horas

Teoria Inclusiva Dos Direitos Fundamentais E Direito Digital

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Apresentação do livro TEORIA INCLUSIVA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E DIREITO DIGITAL Trata-se, em suma, de analisar o Direito Digital, em especial as temáticas da proteção de dados e inteligência artificial por meio da análise de um modelo constitucional de direitos e garantias fundamentais, envolvendo o estudo da Teoria dos Direitos Fundamentais, essencial para uma melhor compreensão e proteção dos direitos fundamentais envolvidos no tratamento e na proteção de dados, bem como para uma adequada compreensão dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, previstos tanto na LGPD – Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018), bem como no Regulamento Geral de Proteção de Dados da União Europeia – GDPR (RGPD) 2016/679, e na jurisprudência. Serão analisadas as bases legais da LGPD, os fundamentos, os princípios, os procedimentos, os direitos básicos do titular dos dados. Diante da insuficiência de leis principiológicas, diante da omissão, lacunas, e também adoção muitas vezes de conceitos abertos, iremos analisar a necessidade de se postular pela autorregulação regulada (corregulação), verificando novos mecanismos e procedimentos para uma adequada proteção de dados, considerando esta proteção como um direito fundamental, além de um direito humano e um direito autônomo da personalidade. Iremos ainda verificar algumas questões controvertidas, sensíveis e polêmicas do direito digital, da proteção de dados e da inteligência artificial, tais como: reconhecimento facial, decisões automatizadas e o direito de revisão e de oposição de decisões automatizadas, fake news, soberania digital e democracia digital e controle de pandemias com a utilização de inteligência artificial, fragilidade e ineficácia do consentimento como base legal a ser utilizada, ubiquidade e opacidade da IA e a caixa preta dos algoritmos, o direito à explicação e a necessidade de se postular por uma inteligência artificial explicável. Visa-se conjugar o estudo teórico de temas atuais, que não se encontram suficientemente disciplinados e discutidos no meio jurídico, com o estudo de casos práticos, buscando assim evitar o risco de um distanciamento progressivo da realidade pelo estudioso do Direito, trazendo para tanto a análise da jurisprudência e do Direito Comparado envolvendo as principais temáticas, como essenciais na busca de uma análise profunda, crítica e científica do Direito, fundamental para uma melhor compreensão e proteção dos direitos fundamentais envolvidos. Diante da caixa preta e dos vieses nos modelos de machine learning, e da insuficiência, neste aspecto, das atuais regulamentações previstas pela legislação europeia e pela Lei Geral de Proteção e Dados (LGPD) do Brasil, em especial pela questão da fragilidade e insuficiência do consentimento do usuário dos dados como base legal, revela-se como essencial a mudança de paradigma nesta seara, envolvendo o design responsável dos programas de computação, ou seja, a adoção de procedimentos e de novos mecanismos para proteção de dados, conjugando-se com a base legal e princípios previstos na legislação para uma efetiva proteção dos dados e demais direitos fundamentais envolvidos.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento12 de out. de 2020
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    Teoria Inclusiva Dos Direitos Fundamentais E Direito Digital - Paola Cantarini E Willis S. Guerra Filho

    TEORIA INCLUSIVA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

    E DIREITO DIGITAL

    Willis Santiago Guerra Filho

    Paola Cantarini

    Sumário:

    I. A Norma de Direitos Fundamentais e sua Interpretação

    1. De princípios e regras

    2. Da interpretação especificamente constitucional

    II. Apontamentos iniciais sobre o Princípio Constitucional da Proporcionalidade 1. Proporcionalidade e isonomia como garantias fundamentais 2. Os subprincípios da proporcionalidade

    3. O princípio da proporcionalidade no Direito Público alemão 4. O significado do princípio da proporcionalidade na teoria do direito III. A Difusão do Princípio da Proporcionalidade pelo Ordenamento Jurídico

     Advogado, Professor Titular do Centro de Ciências Jurídicas e Políticas da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO); Professor Permanente no Programa de Estudos Pós-Graduados em Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP). Doutor em Ciência do Direito pela Universidade de Bielefeld, Alemanha; Livre-Docente em Filosofia do Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC); Doutor e Pós-Doutor em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Doutor em Comunicação e Semiótica (PUCSP); Doutor em Psicologia Social e Política (PUCSP).

    ** Advogada, Mestre e Doutora em Direito pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP); Doutora em Filosofia do Direito pela Universidade del Salento, Itália; Pós-Doutora em Filosofia, Arte e Pensamento Crítico pela European Graduate School, Saas-Fee, Suíça. Pós-Doutora em Sociologia no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal. Pós-doutora pela PUCSP – TIDD, pós-doutoranda pela UNICAMP, e pesquisadora, pesquisadora lawgorithm, e do IEA – Instituto de Estudos Avançados da USP.

    IV. Aspectos da projeção do Princípio da Proporcionalidade sobre o Direito Penal e o Direito Civil

    V. Apontamentos conclusivos sobre Conceito essencial de Norma de Direitos Fundamentais e Princípio da Proporcionalidade

    VI. Por uma Teoria Inclusiva do Direito Digital: proteção constitucional e direito fundamental à proteção de dados

    VII. Teoria das Normas de Direitos Fundamentais e Dignidade Humana VIII. Análise interdisciplinar da matéria. Importância do estudo dos direitos fundamentais e dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

    Princípios éticos, valores e princípios jurídicos

    IX. Questões controvertidas e polêmicas do direito digital, da proteção de dados e da inteligência artificial: reconhecimento facial, decisões automatizadas (discriminação e racismo digital)

    X. Direitos de revisão e oposição das decisões automatizadas, direit o à explicação, direito ao esquecimento. Insuficiência de leis principiológicas x novos procedimentos, mecanismos, novas tecnologias, Privacy Enhancing Technologies (PETs), privacy by design (privacidade por concepção, desde a concepção do negócio), privacy by default (privacidade por valor, padrão predefinido, proteção máxima de forma automática). Autorregulação regulada.

    XI. Princípios, fundamentos, objetivos, conceito de dado pessoal, hipóteses de não aplicação da LGPD, bases legais de proteção de dados, bases legais no caso de dados sensíveis, direitos básicos do titular dos dados. Documentos LIA e DPIA como essenciais para o desenvolvimento e implementação de programas de governança de privacidade e proteção de dados. Estudo de

    casos e jurisprudência. Princípios da proporcionalidade e da razoabilidade na LGPD.

    XII. Outras questões polêmicas e sensíveis: fake news. Soberania digital e democracia digital e o controle de pandemias com a utilização de inteligência artificial e com impactos à proteção de dados; estado de exceção e teoria autoimunitária do direito; estudo de casos e jurisprudência XIII. Fragilidade do consentimento e ubiquidade e opacidade da IA, caixa preta dos algoritmos, direito à explicação e inteligência artificial explicável

    I

    A NORMA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS E SUA INTERPRETAÇÃO

    No patamar mais elevado da pirâmide dentro da qual podemos para efeitos didáticos enquadrar nosso ordenamento jurídico, encontra-se, como é fácil perceber, as determinações de nossa Constituição de 1988. No cume dessa pirâmide, então, temos um princípio que representa - para utilizar a expressão consagrada por Loewenstein1 - a decisão política fundamental, tomada pelo povo brasileiro, que levou à reunião de seus representantes em Assembleia Nacional Constituinte e à ruptura com a ordem constitucional anterior. Esse princípio é anunciado já no Preâmbulo da nossa Carta Constitucional, a qual só poderia desempenhar a função que lhe está reservada, de responsável pela expressão e manutenção da unidade política

    da sociedade organizada sob a égide estatal, na medida em que consignasse tal princípio e estabelecesse normas, dele derivadas, capazes de permitir sua efetivação através do ordenamento jurídico. Esse princípio maior, dentre aqueles enunciados na nossa Constituição, é o princípio do Estado Democrático.

    O princípio do Estado Democrático pode ser entendido como resultado da conjunção de duas exigências básicas, da parte dos integrantes da sociedade brasileira, dirigida aos que atuarem em seu nome na realização de seus interesses, e que podem ser traduzidas no imperativo de respeito à legalidade, devidamente amparada na legitimidade. Já no primeiro artigo da Constituição evidencia-se que daquele princípio se extrai outros, tidos, pelo próprio enunciado do frontispício do Título I, como Princípios Fundamentais.

    Dentre esses, porém, seguindo de perto a melhor doutrina constitucional portuguesa, esteada em lições germânicas,2 distinguiremos princípios fundamentais estruturantes de princípios fundamentais gerais, sendo esses colocados em patamar abaixo daquele dos primeiros, havendo ainda, abaixo 1 Cf. Fábio Konder Comparado. Direito Público: estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 15.

    2 José Joaquim Gomes Canotilho. Direito constitucional. Coimbra: Almedina, 1989, p.

    129 e s.

    deles, os princípios constitucionais especiais, e, em seguida, as normas constitucionais que não são princípios, mas simples regras.

    Como princípios fundamentais estruturantes apontaremos os já mencionados princípio do Estado de direito e princípio democrático. A esses Gomes Canotilho3 acrescenta o princípio republicano, o que evitamos por entendermos estarem as conquistas históricas alcançadas em nome desse princípio já devidamente incorporadas aos dois princípios estruturantes que viemos de mencionar, além do que, como prova de sua estatura inferior, frente aos outros dois, haveria a circunstância de entre nós, por força de uma eventual opção plebiscitária - como a que nos foi dada, com a Constituição de 88, por força do art. 2º do ADCT -, esse princípio pode vir a não mais integrar nossa ordem constitucional.4

    Dentre os princípios fundamentais gerais, enunciados no art. 1º da Constituição de 88, merece destaque especial aquele que impõe o respeito à dignidade da pessoa humana.5 O princípio mereceu formulação clássica na ética kantiana, precisamente na máxima que determina aos homens, em suas relações interpessoais, não agirem jamais de molde a que o outro seja tratado como objeto, e não como igualmente um sujeito. Esse princípio demarcaria o que a doutrina constitucional alemã, considerando a disposição do Art. 19 II da Lei Fundamental, denomina de núcleo essencial intangível dos direitos fundamentais.6 Entre nós, ainda antes de entrar em vigor a atual Constituição, 3 Ibid. , p. 129.

    4 Diversa nos parece a situação do princípio federativo, que pode perfeitamente ser considerado, entre nós, um princípio estruturante.

    5 Para um estudo da dignidade humana como princípio constitucional na França cf.

    Luchaiere ( La Protection Constitutionnelle des Droits et des Libertés. Paris: Economica, 1987, p. 303 s.), bem como numa perspectiva comparada com Portugal, Moderne ( La dignité de la personne comme principe constitutionnel dans les Constitutions portugaise et française. In: Perspectivas constitucionais. Nos 20 anos da Constituição de 1976. Jorge Miranda (ed.), vol. I. Coimbra: Coimbra, 1996). Já sua importância na fundamentação mesma da ordem política é destacada por Segado ( Teoría jurídica e interpretación de los derechos fundamentales en España. In: NOMOS - Revista do Curso de Mestrado em Direito da UFC, ns. 13/14. Fortaleza: Imprensa Universitária da UFC, 1994/1995, p. 74 s.). Entre nós, é de consulta obrigatória a monografia de Fernando Ferreira dos Santos ( O Princípio Constitucional da Dignidade Humana. Instituto Brasileiro de Direito Constitucional/Celso Bastos Editor, São Paulo: 1998).

    6 Cf., v.g., Ekkehart Stein. Staatsrecht. Tübingen: J. C. B. Mohr, 1982, p. 258 s.; José Carlos Vieira de Andrade. Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de

    a melhor doutrina já enfatizava que o núcleo essencial dos direitos humanos reside na vida e na dignidade da pessoa.7 Os direitos fundamentais, portanto, estariam consagrados objetivamente em princípios constitucionais especiais, que seriam a densificação (Canotilho) ou concretização (embora ainda em nível extremamente abstrato) daquele princípio fundamental geral, de respeito à dignidade humana. Dele, também, se deduziria o já mencionado princípio da proporcionalidade, até como uma necessidade lógica, além de política, pois se os diversos direitos fundamentais estão, abstratamente, perfeitamente compatibilizados, concretamente se dariam as colisões entre eles, quando então, recorrendo a esse princípio, se privilegiaria, circunstancialmente, algum dos direitos fundamentais em conflitos, mas sem com isso chegar a atingir outro dos direitos fundamentais conflitantes em seu conteúdo essencial. 8

    Nesse momento, vale suscitar um último aspecto, encerrando essa parte do presente trabalho, que se propunha mais a demarcar uma problemática, indicando rumos para ulteriores desenvolvimentos, do que propriamente trazer um tratamento exaustivo da matéria. Trata-se da questão da eficácia da norma de direito fundamental, à qual não se aplicaria as classificações usualmente apresentadas, em manuais de direito constitucional pátrio, das cargas de eficácia das normas constitucionais. Essas classificações, em que pese alguma variação terminológica, costumam ser construídas a partir de um padrão, importado da doutrina italiana - onde, aliás, não é mais encontradiço, nas exposições recentes do direito público peninsular -, em que se teria uma gradação dessa eficácia desde um máximo, quando as normas constitucionais apresentariam eficácia plena, até um mínimo, registrado nas chamadas

    normas programáticas - e nesse ponto não se pode deixar de fazer uma referência à renovação do pensamento de J. Afonso da Silva, do qual costumam partir os doutrinadores pátrios que tratam dessa matéria, no sentido 1976. Coimbra: Almedina, 1987, p. 233 s.; Ignacio Otto y Pardo. Derechos fundamentales y Constitución. Madri: Civitas, 1988, p. 125 s.

    7 Fábio Konder Comparato. Para viver a Democracia. São Paulo: Brasiliense, 1989, p.

    46.

    8 Cf., a propósito, Willis Santiago Guerra Filho. Ensaios de Teoria Constitucional.

    Fortaleza: Imprensa Universitária (UFC), 1989, p. 74 a 76, e, mais extensamente, Otto y Pardo, loc. ult. cit.; Gomes Canotilho, loc. ult. cit., p. 495 s.; M. Stelzer, Das Wesensgehaltsargument und der Grundsatz der Verhältnismässigkeit. Viena/Nova Iorque: Springer, 1991; E. Pereira de Farias, Colisão de direitos. Porto Alegre: Fabris, 1996.

    de aceitar a aplicabilidade das normas programáticas, que permaneceriam com essa denominação apenas por conterem (também) pautas para ação estatal, posição próxima daquela de Canotilho, adiante r eferida.9

    Ora, pelo que acabamos de ver, não haveria norma de direito fundamental com eficácia absoluta, se além da semântica constitucional

    considerarmos a dimensão pragmática, onde essas normas se encontram em estado de tensão e de mútua restrição. Ao mesmo tempo, e o que é mais importante de se levar em conta, não se coaduna com a natureza da norma de direito fundamental a sua inclusão no rol das normas programáticas, para o qual tendem a ser relegados os direitos sociais, econômicos e culturais, bem mais vulneráveis que os clássicos direitos de liberdade, por, ao contrário desses, não dependerem de uma abstenção, e sim, de uma prestação do Estado.10 Nossa preocupação é que a doutrina corrente entre nós sobre eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais favoreça a adoção do que com toda propriedade se denominou procedimentos interpretativos de bloqueio,11 na intelecção dos direitos fundamentais, visando aplicá-los, o que causaria prejuízos incalculáveis à sua efetividade, dependente, é certo, de fatores políticos, mas também de fatores científicos, no campo do Direito. 12

    9 O novo pensamento do ilustre Professor de Direito Constitucional da USP foi apresentado em palestra na Universidade de Fortaleza - UNIFOR -, no dia 04.12.92., cujo texto está na Revista da Procuradoria do Estado do Ceará - RPGE, nº 11, 1993, p. 43 s.).

    10 Cossio Díaz ( Estado social y derechos de prestación. Madri: Centro de Estudios Constitucionales, 1989, p. 44 s.), inclusive, entende ser inadequada a expressão

    direitos sociais propondo que a mesma seja substituída por direitos de igualdade e/ou prestacionais, para melhor captarmos sua natureza de direito subjetivo (fundamental) derivado do valor constitucional da igualdade tendo por objeto uma prestação estatal. Sobre esse ponto, vale consultar, igualmente, José Reinaldo De Lima Lopes (Direito subjetivo e direitos sociais: o dilema do judiciário no estado social de Direito. In: Direitos humanos, direitos sociais e justiça, J. E. Faria (org.). São Paulo: Malheiros, 1994, p. 113 s.); Contreras Peláez ( Derechos sociales: Teoría e ideologia.

    Madri: Tecnos, 1994, p. 17 s.); Comparato ( Direito Público: estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 12 s.).

    11 Tércio Sampaio Ferraz Jr.. Interpretação e estudos da Constituição de 1988. São Paulo: Atlas, 1990, p. 12.

    12 Anna Candida da Cunha Ferraz ( Processos informais de mudança da Constituição.

    São Paulo: Max Limonad, 1986, p. 35), com muita propriedade, destaca que a tipologia das normas constitucionais, aí compreendida a problemática de sua aplicabilidade e eficácia, "influi na autação do intérprete constitucional, quer quanto à escolha dos meios de interpretação, quer quanto aos limites que as diferentes categorias de normas impõem ao intérprete, quer quanto à discricionariedade maior ou menor da ação interpretativa, quer, enfim, quanto aos resultados da interpretação.

    Nesse sentido, revela-se ainda atual a lição de Eros R. Grau, quando, ainda no período em que a Constituição do País acobertava um regime ditatorial, apontava o caráter reacionário de construções em que se desloca a consagração de direitos fundamentais para as normas programáticas, evitando, assim, sua aplicabilidade imediata pelos poderes estatais, em virtude da falta de norma regulamentadora.13 No mesmo diapasão, afirma Canotilho peremptoriamente: pode e deve-se dizer que hoje não há normas constitucionais programáticas, no sentido em que delas se fala tradicionalmente na doutrina. Adiante, refere o mestre de Coimbra que os direitos fundamentais, por possuírem, como já vimos, igualmente uma

    dimensão objetiva - i.e., não são apenas direitos subjetivos, conforme enfatiza a doutrina alemã -,14 reconduzível à uma obrigação do Poder Público de viabilizar materialmente o exercício desses direitos, podem vir a estar consagrados em normas ditas programáticas. Contudo, não só não se deve confundir as duas dimensões, como aquela objetiva não é menos digna e menos vinculativa que a dimensão subjetiva. Tem apenas outro caráter normativo e outro fim: servir de imposições legiferantes ou de imposições constitucionais fundamentadoras de um dever concreto de o Estado e poderes públicos dinamizarem, dentro das possibilidades de desenvolvimento econômico e social, a criação de instituições, procedimentos e condições materiais indispensáveis à realização e exercício efetivo dos direitos fundamentais.15

    Constitui, pois, a categorização das normas constitucionais aspecto específico e peculiar na interpretação constitucional".

    13 Cf. Eros Roberto Grau. A Constituição brasileira e as normas programáticas. In: Revista de Direito Constitucional e Ciência Política. Rio de Janeiro: Forense, 1985, p.

    42 e s.

    14 ob. ult. cit., p. 132. Cf., v.g. , Konrad Hesse, Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland. Heidelberg: C. F. Müller, 1984 (20ª ed. 1995), § 9 II, p.

    112 e s.

    15 Marcelo Neves ( Teoria da inconstitucionalidade das leis. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 102 e s.; id., A constitucionalização simbólica. São Paulo: Acadêmica, 1994, p. 102

    s.), ao mesmo tempo em que reconhece a possibilidade de se suscitar a inconstitucionalidade de ação (ou omissão) de órgão estatal; por descumprimento de norma programática, assinala as dificuldades intrínsecas (por exemplo, sua pobreza

    semântica) e extrínsecas (por exemplo, a escassez de recursos materiais) a essas normas, quando se trata de concretizá-las. Ibid. , p. 474.

    1. De princípios e regras

    Como deve ter ficado já evidente, pelo exposto até aqui, é de suma importância, para a fundamentação teórica da matéria pertinente ao Direito Processual Constitucional, que se desenvolverá em seguida, sublinhar o significado de se atribuir a determinadas normas, sejam processuais ou não, desde que consagrem direitos fundamentais, a natureza de um princípio. Já se torna cada vez mais difundido entre nós esse avanço fundamental da teoria do direito contemporânea, que, em uma fase pós-positivista,16 com a superação dialética da antítese entre o positivismo e o jusnaturalismo, distingue normas jurídicas que são regras, em cuja estrutura lógico-deôntica há a descrição de uma hipótese fática e a previsão da consequência jurídica de sua ocorrência, daquelas que são princípios, por não trazerem semelhante descrição de situações jurídicas, mas sim a prescrição de um valor, que assim adquire validade jurídica objetiva, ou seja, em uma palavra, positividade.17

    Esse desenvolvimento recente em sede de teoria do direito resulta, precisamente, de uma aproximação dessa da prática interpretativa de textos 16 Willis Santiago Guerra Filho. Pós-modernismo, pós-positivismo e a Filosofia do Direito. In: NOMOS - Revista do Curso de Mestrado em Direito da UFC. Fortaleza: Imprensa Universitária da UFC, n. 15, 1996; Paulo Bonavides. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1993 (7ª ed. 1997), p. 247.

    17 Na teoria do direito anglo-saxônica, e de um modo geral, quem deu o maior impulso para o reconhecimento da natureza diferenciada dos princípios enquanto norma jurídica foi, a nosso ver, conforme salientado anteriormente, Ronald Dworkin, com sua tentativa de superação do conceito de ordenamento jurídico como um conjunto de regras primárias e secundárias, devida a H. L. A. Hart ( The Concept of Law. Oxford: Clarendon Press, 2ª ed., 1994, esp. Postscript, p. 238 a 276). Cf., v.g., Dworkin ( Is Law a System of Rules? In: The Philosophy of Law. Oxford: University Press, 1977, p. 38 e s., esp. p. 45 e s.; 1985, The Forum of Principles e Principle, Policy, Procedure, p. 33 e s. A recepção dessa proposta de superação do positivismo na Alemanha se deve, principalmente, a R. ALEXY (cf., v.g., Zum Begriff des Rechtsprinzips. In: RECHTSTHEORIE Beiheft 1: Argumentation und Hermeneutik in der Jurisprudenz, W.

    Krawietz et. al. (eds.). Berlim: Duncker & Humblot, 1979, p. 59 e s.; Recht, Vernunft, Diskurs. Studien zur Rechtsphilosophie. Frankfurt a. M.: Suhrkamp, 1995, p. 177 e s.).

    V. ainda Carrió ( Principios jurídicos y positivismo jurídico. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1970); Páramo ( Hart y la teoría analítica del derecho. Madri: Centro de Estudios Constitucionales, 1984); Gomes Canotilho (1989, I, 4, A Constituição como sistema de normas e princípios, p. 117 e s.; Habermas ( Faktizität und Geltung .

    Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1992, cap. V, e Die Einbeziehung des Anderen: Studien zur politischen Theorie. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2ª ed., 1997, p. 366 e s.); Del Corral (loc. ult. cit.); Chueiri (loc. ult. cit.); Rodríguez ( La decisión judicial. El debate Hart - Dworkin. Bogotá: Siglo del Hombre/Universidad de los Andes, 1997).

    constitucionais, revelada no exercício da jurisdição constitucional por parte das Cortes a que essa é atribuída, bem como da doutrina elaborada levando em conta essa prática, municiando-a com um quadro teórico justificativo. São os chamados hard cases, as questões mais tormentosas, aquelas que terminam sendo examinadas no exercício da jurisdição constitucional, as quais não se resolve satisfatoriamente com o emprego apenas de regras jurídica, mas demandam o recurso aos princípios, para que sejam solucionadas em sintonia com o fundamento constitucional da ordem jurídica.18

    Uma das características dos princípios jurídicos que melhor os distinguem das normas que são regras é sua maior abstração, na medida em que não se reportam, ainda que hipoteticamente, a nenhuma espécie de situação fática, que dê suporte à incidência de norma jurídica. A ordem jurídica, então, enquanto conjunto de regras e princípios, pode continuar a ser concebida, consoante pensamento de Kelsen, como formada por normas que se situam em distintos patamares, conforme o seu maior ou menor grau de abstração ou concreção, em um ordenamento jurídico de estrutura escalonada ( Stufenbau). No patamar mais inferior, com o maior grau de concreção, estariam aquelas normas ditas individuais, como a sentença, que incidem sobre situação jurídica determinada, à qual se reporta a decisão judicial. O grau de abstração vai então crescendo até o ponto em que não se tem mais regras, e sim, princípios, dentre os quais, contudo, se pode distinguir aqueles que se situam em diferentes níveis de abstração.

    A ambiência natural dos princípios jurídicos, como é fácil deduzir, será o texto constitucional. Tendo por base a terminologia, anteriormente referida, proposta por Gomes Canotilho,19 inspirado em modelo germânico, pode-se elencar, como espécies de princípios, em ordem crescente de abstratividade,

    princípios constitucionais especiais, princípios constitucionais gerais e

    princípios estruturantes. Esses últimos são aqueles que traduzem as opções políticas fundamentais, sobre as quais repousa toda a ordem constitucional e, logo, toda a ordem jurídica, e que seriam, no Direito brasileiro, como deflui já 18 Cf., a respeito, os trabalhos seminais de R. Dworkin ( Taking Rights Seriously.

    Cambridge (Mass.): Harvard University Press, 1978, cap. IV Hard Cases, p. 81 e s.; 1985, Is There Really No Right Answer in Hard Cases? , p. 119 e s.).

    19 José Joaquim Gomes Canotilho, Direito constitucional. Coimbra: Almedina, 1989, p.

    129 e s.

    do Preâmbulo e do primeiro artigo de nossa Constituição, o princípio do Estado de Direito e o princípio democrático, bem como o princípio federativo. O

    princípio da isonomia pode ser apontado como um dos princípios constitucionais gerais, assim como a isonomia entre homens e mulheres, referida no Art. 5º, inc. I, seria exemplo de princípio constitucional especial.

    A ordem jurídica, então, vai-se mostrar como um entrelaçado de regras e princípios; um conjunto de normas que, em diferentes graus, concretizam uma ideia-retora, a qual, de um ponto de vista filosófico, meta-positivo, pode ser entendida como a ideia do Direito ( Rechtsidee), fórmula sintetizadora das ideias de paz jurídica e justiça,20 mas que, para nós, se condensa positivamente na fórmula política adotada em nossa Constituição: Estado Democrático de Direito.

    Uma constatação que se faz absolutamente necessária, no que toca a natureza diversa de regras e princípios, dá-se quando ocorre um choque entre suas disposições. Assim, caso sejam duas regras que dispõem diferentemente sobre uma mesma situação ocorre um excesso normativo, uma antinomia jurídica, que deve ser afastada com base em critérios que, em geral, são fornecidos pelo próprio ordenamento jurídico, para que se mantenha sua unidade e coerência. Essas, aliás, são exigências que se pode fazer decorrer da própria isonomia, com seu imperativo de que se regule igualmente situações idênticas.

    Já com os princípios tudo se passa de modo diferente, pois eles, na medida em que não disciplinam nenhuma situação jurídica específica, considerados da forma abstrata como se apresentam para nós, no texto constitucional, não entram em choque diretamente, são compatíveis (ou

    compatibilizáveis) uns com os outros. Contudo, ao procurarmos solucionar um 20 Nesse sentido, Larenz ( Metodologia da Ciência do Direito. Trad. J. Lamego, Lisboa: Fund. Calouste Gulbenkian, 2ª ed., 1989, p. 200, 511, 577 e passim; id., Derecho justo

    [Richtiges Recht]. Trad.:Luis Díez-Picazo. Madri: Bosch, 1990, p. 42 e s.). Aqui vale lembrar o pensamento do filósofo alemão Nicolai Hartmann, resgatado entre nós por João Maurício L. Adeodato, para quem a justiça, no plano sócio-jurídico, "seria não o valor mais alto mas sim o valor básico a garantir os demais valores, não um maximum, mas um minimum" (João Maurício L. Adeodato. O problema de uma ética jurídica material. In: NOMOS - Revista do Curso de Mestrado em Direito da UFC, ns. 12/13.

    Fortaleza: Imprensa Universitária da UFC, 1994/1995, p. 100. V. tb. id., Filosofia do Direito. Uma crítica à verdade na ética e na ciência. (Através de um exame da ontologia de Nicolai Hartmann). São Paulo: Saraiva, 1996, p. 131 s.).

    caso concreto, que não é resolvido de modo satisfatório aplicando-se as regras pertinentes ao mesmo, inquirindo dos princípios envolvidos no caso, logo se percebe que esses princípios se acham em um estado de tensão conflitiva, ou mesmo, em rota de colisão. A decisão tomada, em tais casos, sempre irá privilegiar um (ou alguns) dos princípios, em detrimento de outro(s), embora todos eles se mantenham íntegros em sua validade e apenas diminuídos, circunstancial e pontualmente, em sua eficácia.

    Esse estado potencial de conflito dos princípios de um ordenamento jurídico se vê já naquela fórmula política da nossa Constituição, há pouco mencionada, que condensa dois princípios estruturantes de nosso sistema jurídico, o princípio do Estado de Direito e o princípio democrático, pois na medida em que eles se implicam mutuamente, pode-se imaginar que o respeito unilateral de um deles leve ao desrespeito do outro. Exemplificando, tem-se a situação de exagero no atendimento ao princípio democrático levando ao desvio excessivo de poderes para o legislativo - ou, mesmo, diretamente para o Povo -, rompendo-se, assim, o equilíbrio entre os poderes estatais, e, com isso, desatendendo ao princípio do Estado de Direito, com comprometimento da própria democracia, pela insegurança institucional daí resultante.

    Do mesmo modo, pode-se figurar situações em que um excessivo apego à igualdade formal de todos os cidadãos perante a lei, exigência do princí pio do Estado de Direito, leve a que se esqueça a desigualdade material entre eles, e se cometa ofensa ao princípio democrático, o que termina desvirtuando o próprio sentido da isonomia.21 Em ambas as hipóteses, para evitar o excesso de obediência a um princípio que destrói o outro, e termina aniquilando os dois, deve-se lançar mão daquele que, por isso mesmo, há de ser considerado o

    princípio dos princípios: o princípio da proporcionalidade.22 E isso, após o emprego de um nova metodologia hermenêutica, exigida nessas situações, em 21 Cf. Paulo Bonavides. A Constituição aberta. Belo Horizonte: Del Rey, 1993, p. 141.

    22 Cf. Willis s. Guerra filho ( Ensaios de Teoria Constitucional. Fortaleza: Imprensa Universitária (UFC), 1989, cap 3, O princípio constitucional da proporcionalidade, p. 69

    s.); Gomes Canotilho ( Direito constitucional. Coimbra: Almedina, 1989, p. 306, passim); Paulo Bonavides ( Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1993 (7ª ed. 1997), cap. 11, O princípio constitucional da proporcionalidade e a -

    Constituição de 1988, p. 314 s.); Pereira de Farias ( Colisão de direitos. Porto Alegre: Fabris, 1996); Stumm ( Princípio da proporcionalidade no Direito Constitucional brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995).

    que se tem um caso difícil ( hard case) para resolver: a interpretação especificamente constitucional. É à abordagem deste último assunto que nos voltamos em seguida, deixando aquele outro para um próximo trabalho.

    2. Da interpretação especificamente constitucional

    Praticar a interpretação constitucional é diferente de interpretar a Constituição de acordo com os cânones tradicionais da hermenêutica jurídica, desenvolvidos, aliás, em época em que as matrizes do pensamento jur ídico assentavam-se em bases privatísticas.23 A intelecção do texto constitucional também se dá, em um primeiro momento, recorrendo aos tradicionais métodos filológico, sistemático, teleológico etc. Apenas haverá de ir além, empregar outros recursos argumentativos, quando com o emprego do instrumental clássico da hermenêutica jurídica não se obtenha como resultado da operação exegética uma interpretação conforme à Constituição, a verfassungskonforme Auslegung dos alemães, que é uma interpretação de acordo com

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