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Meu Ponto Cego
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E-book192 páginas2 horas

Meu Ponto Cego

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Sobre este e-book

Caterina é uma jovem fotógrafa que trabalha com modelos em seu estúdio e faz fotos de eventos. Na adolescência, foi com sua família para Portugal, onde sofreu, por um ano, assédio sexual na escola em que estudava. Por não ter superado o trauma, tem dificuldade de se relacionar afetivamente com homens e, por isso, faz terapia com frequência. Uma noite, após ter um pesadelo com os garotos que a assediavam na escola, decide ir ao Terraço Itália para “espantar seus fantasmas” (como gosta de dizer). Lá, um garçom que a conhece e a vê chorar ao observar a paisagem da cidade, sugere a uma outra cliente que vá conversar com Caterina na área aberta do restaurante para tentar confortá-la. Debbie é uma cantora americana e é deficiente visual. Está há onze anos no Brasil e nunca teve vontade de aprender português. É muito espontânea e divertida, e topa na hora a proposta do Sr. Carlos. Ao conhecer Caterina no terraço, entretanto, encanta-se com a moça e convida-a para tomar um drinque em sua mesa. O que nenhuma das duas mulheres consegue imaginar é que o destino não as uniu nesse dia apenas para tomar uma bebida e “espantar fantasmas” em um lugar chique de São Paulo. Ao se separar repentinamente de Debbie naquela noite devido a uma imensa sensação de estranhamento, Caterina poderia jurar que as duas nunca mais voltariam a se ver, mas é surpreendida pouco tempo depois por uma coincidência que vai mudar drasticamente seu futuro.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento13 de mai. de 2021
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    Meu Ponto Cego - Luciana Balboni Palma

    Capítulo 1 – Maldita porta

    (Caterina)

    - Caterina! Cateriiiiina!

    Sim, esse é o meu nome. Do grego: pura ou casta. Apesar de minha mãe ser descendente de italianos e, meu pai, de alemães. Vai entender. De qualquer forma, sou fotógrafa e não freira.

    Bum! Bum! Bum!

    - Caterina! Caterina!

    Abro os olhos com dificuldade e, esticando ao máximo minha mão em direção à mesa de cabeceira, agarro o iPhone, que insiste em deslizar dos meus dedos ainda dormentes e cair no chão.

    Dona Janine não é fã de violino e o Paganini não para de tocar até que dou um pulo e desligo o alarme no chão mesmo. As batidas de vassoura no meu teto cessam imediatamente e a mulher para de chamar meu nome com sua voz de taquara rachada.

    Deito-me de novo na cama de barriga para cima tentando tapar, com o travesseiro, o sol que incomoda meus olhos. Procuro lembrar-me do motivo do alarme e, antes que se passem dois segundos, jogo o travesseiro de lado e dou um salto para fora da cama.

    - Maria Clara! Certo! O aniversário daquela pestinha! – grito, enquanto corro para o chuveiro.

    Minha cabeça lateja e o estômago revira antes que eu consiga ligar a água para o banho. Cambaleio para trás, apoio-me na pia e abro a torneira de água fria. Molho o rosto, o cabelo e o chão antes de abrir os olhos e notar as duas manchas pretas de rímel embaixo dos meus olhos. Da próxima vez que for namorar um cafajeste, devo me lembrar de comprar maquiagem à prova d’água, penso.

    Desisto do banho de chuveiro e abro as torneiras da banheira. Não espero que ela comece a encher. Sento-me no chão frio e aguardo a água quente me cobrir.

    Começo a recordar o desastre que foi minha noite de ontem e desejo não ter acordado. Aquela música alta, a tequila, o Mauro saindo do meu lado e voltando todo sorridente minutos depois para o balcão. Minha saída do bar para fumar e a Lara ao meu lado, cheia de papas na língua, tentando me dizer alguma coisa. A volta para o interior do bar e o Mauro agarrado à minha funcionária no beijo mais cinematográfico que já presenciei. A mão da Lara me puxando para fora e eu gritando que não quero mais fumar e, sim, esbofetear o cretino. E um borrão depois.

    Fico na banheira um bom tempo inspirando e expirando e, ao mesmo tempo, contando até dez várias vezes para não pensar em mais nada. Quando começo a sentir frio, decido me levantar e ligar a ducha. Saio em menos de dois minutos debaixo d’água e seco meu corpo o mais depressa que consigo. Visto uma blusa de alças pretas, calças jeans azuis justas e um sapato de salto alto marrom que encontro no chão próximo à cama.

    Vou à caça do meu material, que está todo espalhado pelo estúdio. Uma voz na minha cabeça me diz para assistir novamente à série da Marie Kondo na Netflix como castigo por não seguir seus conselhos sobre organização enquanto outra voz xinga o tripé, que me faz tropeçar e perder um sapato ao recolher as coisas pelo quarto. Com a câmera, as lentes, o tripé e o flash dentro da bolsa, saio em disparada pela porta depois de olhar o relógio e ver que já estou em cima da hora.

    Bato a porta, que tem tranca automática, e dou uma espécie de urro de raiva no corredor ao notar que esqueci a chave do carro. Escorrego em direção ao chão com as costas encostadas na parede e algumas lágrimas insistem em rolar pelo meu rosto enquanto me sento ao lado da porta. Ouço tamancos estalarem pelas escadas, mas nem tento secar meu rosto. Só fecho os olhos.

    - De novo, Caterina? Olha, enquanto meus joelhos aguentarem descer e subir estas escadas pelo menos duas vezes por dia, juro que vou continuar te salvando. Mas se prepare para o dia em que você vai ter que se dignar a fazer uma cópia desta bendita chave e deixar com o Sr. José lá embaixo.

    - Ok, Dona Janine. Pode deixar. E obrigada pela gentileza. Prometo tentar não me trancar mais para o lado de fora.

    - Você está bem? – pergunta a mulher com os olhos nos meus.

    - Uhm... sim, só atrasada – falo, tentando evitar que mais lágrimas escorram.

    - Não parece. Sugiro que se atrase mais um pouco e coloque uma maquiagem nesse rosto. E, se precisar, na volta do trabalho, passe lá em casa para um chá de erva cidreira para se acalmar. Não sei qual foi o bicho que te mordeu, mas a Lara veio aqui ontem com uma cara péssima dizendo que precisava das chaves para te colocar na cama. Na verdade, foi hoje mesmo. Já eram três da madrugada.

    - Desculpe, Dona Janine. Não vai acontecer de novo. Eu prometo – agarro a chave e vou entrando no apartamento enquanto dou tchau para a mulher com a mão livre.

    Entro e logo pego a chave do carro, que está em cima da mesinha de centro. Volto ao banheiro e decido seguir a sugestão da síndica. Passo um corretivo nas olheiras, uma base e um gloss. Nada de rímel hoje, penso. Não seria boa ideia voltar de novo com o rosto todo manchado de preto e nada garante que eu não vá cair em prantos no meio da maldita festa.

    ...

    São sete horas da noite quando abro a porta da minha casa e dou de cara com a Arizona toda feliz abanando o rabo. Fico um tempo olhando para ela e pensando como foi possível me esquecer de sua existência o dia inteiro. Jogo minhas coisas no sofá e vislumbro um papel cor-de-rosa picado em pedacinhos minúsculos.

    Saio em direção à escadaria e, na correria, escuto o vento bater minha porta assim que chego ao terceiro degrau. Fecho os olhos e cubro o rosto com as mãos antes mesmo de começar a ouvir o par de tamancos bater no chão no andar de cima.

    - Boa noite, dona Janine.

    - Boa noite, Caterina. Vejo que a criançada te animou um pouquinho lá na festa. Sua cara está melhor. Ah!  E oi de novo, Arizona.

    Um sonoro latido ecoa pela escadaria e quase caio para trás de susto.

    - Eu... eu...

    - Sim, veio saber se a Lara deixou algum recado ao trazer a Arizona, certo? E, como deixou a porta bater, veio buscar a chave de novo. Acertei?

    - Bem, a chave não estava nos planos... E nem a Arizona escapar de casa assim. Na verdade, tenho que admitir que não me lembrava que a Lara tinha levado a minha cachorra para a casa dela. E queria muito saber o que dizia o bilhete cor-de-rosa que ela deixou ao alcance da cadela. Ele está esmigalhado! A Lara se esquece de que cães adoram mastigar tudo o que encontram no chão.

    - Sinceramente, Caterina, nem sabia do bilhete. Só dei à sua amiga a chave para deixar sua cachorra lá.

    - Tudo bem... – falo, olhando para um ponto fixo no chão. – Eu ligo para ela. Pode deixar.

    A mulher corpulenta balança a argolinha do chaveiro no indicador e subo resignada até ela para pegar minha chave.

    - Muito obrigada, dona Janine. A história da chave não vai mais se repetir, prometo.

    - Não sei quantas vezes já ouvi você dizer isso, Caterina. Vá descansar porque acho que está precisando.

    ...

    Entro no meu apartamento com a sensação de que, mais cedo, a Lara comentou com a dona Janine algo sobre o que o Mauro fez comigo ontem à noite. Tenho pensamentos psicóticos em relação à minha amiga enquanto, irritada, jogo todo o conteúdo da minha bolsa no chão para achar meu telefone. Estou sentada no tapete em meio a papéis de chiclete, tampas de canetas e absorventes quando o telefone começa a tocar. Vejo que está no bolsinho secreto da minha sacola e atendo a chamada quase no último toque:

    - Alô. Lara?

    - Oi, Caterina. Desculpe, mas estou morrendo de pressa. Pegou o recado que deixei? A Helena está furiosa porque você não telefonou para ela até agora. Eu sei que o negócio do Mauro te deixou mal e tal, mas você não pode ficar recusando trabalho assim. Nem deve ficar deprimida mais uma vez porque não sabe escolher homem...

    - Escuta, você ligou só para me criticar ou...

    - Olha, eu preciso mesmo ir. Já te salvei te levando para casa ontem, programando o seu despertador para as fotos do aniversário de hoje e cuidando da sua cachorra. Agora eu vou cuidar um pouco de mim, com licença. E não se esqueça de falar logo com a Helena. A mulher está uma fúria atrás de você. Tchau!

    -Espera um pouc... – tento falar, mas ela desliga na minha cara. - Merda, Lara!

    Atiro o telefone no sofá enquanto ouço um latido furioso da Arizona, que olha em direção à porta que deixei aberta. Escuto o vento chiar e fecho meus olhos, esperando a batida forte no batente já rachado, mas o barulho não vem.

    Quando abro os olhos, vejo uma mulher alta e musculosa segurando minha porta a um palmo da sua cara. Os fios longos de seus cabelos esvoaçam por seu rosto ranzinza e suas sobrancelhas quase se tocam de tão franzidas que estão. Antes que eu consiga sair do chão, vejo a Arizona atacar a sandália da mulher e travar a mandíbula em seu pé. O grito da estranha ecoa pelo corredor apenas alguns segundos antes de ela soltar a porta e ser impulsionada para fora da minha casa. Então ouço o estrondo da porta se fechando.

    Capítulo 2 – Curando feridas

    (Caterina)

    Dou um salto, levantando do chão e, num primeiro impulso, pego a Arizona pela pele do pescoço e tranco-a na cozinha. Abro a porta e seguro bem firme na maçaneta para evitar que o vento faça com que ela bata de novo.

    A visão ali fora não é muito animadora: a mulher de braços fortes pressiona o nariz com uma mão e esfrega os dedos do pé com a outra. E sua camisa está banhada de sangue (provavelmente da porrada da porta no seu nariz). Seguro-a pelos ombros e entramos juntas na minha casa, sendo seguidas por um cão labrador (que imagino ter sido a causa do acidente). Enquanto isso, a Arizona fica arranhando a porta da cozinha furiosamente e latindo feito uma louca.

    - Tá... tá t-tudo bem com você? – pergunto, sem saber o que mais dizer e com vontade de cavar um buraco no assoalho e enfiar ali a minha cabeça.

    A resposta é óbvia e vem em minha direção acompanhada de um jorro de perdigotos:

    - Claro que não! Não está me vendo, por acaso?

    - Olha, desculpe, mas essa porta é louca e o seu cachorro não ajudou muito tentando entrar aqui de surpresa. A Arizona deve ter ficado apavorada. Normalmente, ela não morde.

    - Arizona... Que irônico... Arizona e Caterina... – a mulher subitamente parece se acalmar e fica olhando para o teto por um instante.

    Penso em não responder à provocação, mas vejo que seu nariz parou de sangrar e pode esperar mais um segundo pelo gelo que pretendo ir buscar:

    - Pois é, minha amiga Lara me falou da atriz que tem o mesmo nome que eu e que trabalha na série Grey’s Anatomy. Então, sugeriu que o nome da cachorra também tivesse a ver com o programa. Ninguém consegue deixar de comentar isso comigo – digo e dou um sorriso amarelo. – Eu sei que a Caterina Scorsone não faz o papel da médica Arizona e sim da Amelia, mas não quis dar esse nome a ela porque ia virar Amélia (com acento agudo no e) no Brasil. Sabe... a Amélia do Chico Buarque... A tal que era mulher de verdade – explico e reviro os olhos.

    - Sim – ela ri, divertida. – Na verdade, achei a sua ideia criativa. Não estou tirando sarro.

    Agora que a mulher parece mais calma, peço a ela que espere e vou buscar uma bolsa de gel no congelador. A Arizona aparece abanando o rabo para o labrador e os dois começam a brincar no mesmo instante.

    - Coloque isto no seu nariz, senão vai ficar muito inchado. A propósito, quem é você? E quem é este aqui? – aponto para o cachorro.

    - Sou a Helena, para quem você deveria ter ligado há exatamente... – olha no relógio - ... duas horas e meia. E este é o Marley.

    - Sinto muito, Helena. A Lara me falou de você, mas acho que seu telefone estava em um papel que foi estraçalhado pela minha cachorra.

    A mulher começa a rir baixinho enquanto olha para a minha cara sem graça. Então gargalha ao mesmo tempo em que tenta, sem sucesso, tapar a boca com a mão livre para esconder os dentes. Olho fixamente nos seus olhos enquanto esboço um tímido sorriso. Recordo toda a confusão do dia e percebo que suas risadas fazem com que me sinta mais leve. Esqueço todo o peso que estava carregando da noite anterior e acompanho seu riso frouxo e espontâneo. Logo estamos as duas com os olhos lacrimejando e as bochechas vermelhas. Meu abdômen dói e tento rapidamente controlar o riso, o que só faz com que nós duas gargalhemos mais.

    Quando nos aquietamos um pouco, noto o olhar da Helena fixo em meus lábios e sinto-me tímida de repente. Um arrepio percorre meu corpo e levanto-me do sofá

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