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A Morte Do Direito
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E-book387 páginas5 horas

A Morte Do Direito

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Sobre este e-book

A obra que o leitor tem em mãos não foi pensada para “ensinar o direito”, como, em geral, pretendem os autores da área jurídica, mas para aprender a pensar juridicamente. Ao mesmo tempo em que nunca estivemos em tantos “operadores jurídicos” falta a presença de “juristas”, isto é, os intelectuais estão migrando para outras ciências sociais, relegando o direito completamente aos “técnicos”, cabendo reflexões mais aprofundadas aos filósofos e sociólogos, negligenciando o papel cultural e a responsabilidade que temos em relação aos rumos da civilização brasileira. É este espaço vazio que a presente obra pretende preencher e, mais que isto, satisfazer as mentes ávidas de cognição e conceitos de qualidade.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento21 de dez. de 2022
A Morte Do Direito

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    A Morte Do Direito - Cléverson Israel Minikovsky

    1

    CLÉVERSON ISRAEL MINIKOVSKY

    A MORTE DO DIREITO

    2022

    2

    CATALOGAÇÃO

    MINIKOVSKY, Cléverson Israel. A Morte do Direito. Vol.2. São Paulo: Clube de Autores, 2022.

    3

    Na outra ponta, o MEC está autorizando formaturas antecipadas de estudantes de medicina, enfermagem, farmácia e fisioterapia. A exigência é que o acadêmico tenha realizado, ao menos, 75%

    do curso. N’A Gazeta do dia de hoje, 07 de abril de 2020, o prefeito Magno Bol mann anunciou que cortará parte do salário dos servidores, por conta da queda de arrecadação e necessidade de verba na saúde, o que afeta diretamente minhas finanças como advogado da Secretaria Municipal de Assistência Social. Para fazer justiça à OAB, faço consignar que ela está disponibilizando R$ 500,00

    para suavizar o impacto econômico de quem milita na advocacia. Talvez, alguém se pergunte: se uma empresa quebrar pelo transtorno decorrente do Covid-19, ela poderá pagar menos na rescisão do funcionário? O empregado despedido sem justa causa receberia só a metade da multa do FGTS.

    Há quem diga que férias e adicional de férias seriam flexibilizados, mas os especialistas não estão de acordo entre si acerca desta matéria.

    Ainda dentro da matéria trabalhista, o Ministro

    4

    Ricardo Lewandowski decidiu que redução de salário tem validade condicionada à manifestação dos competentes sindicatos. Na lavra do Magistrado, ao apreciar a ação que fustigava a Medida Provisória, a matéria ficou disposta da forma que segue "acordos individuais de redução de jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporária do contrato de trabalho deverão ser comunicados pelos empregadores ao respectivo sindicato laboral, no prazo de até dez dias corridos, contando da data da celebração".

    Enfim, o teor da decisão aliou a sabedoria dos muitos anos e a lucidez que vem do Alto! Como tenho colegas professores, sei que está sendo oferecida formação aos professores, cursos de 40

    horas, on-line, com certificado. Os professores estão mantendo contato com os seus alunos através de plataformas virtuais como Google Classroom e WhatsApp. Caso nem mesmo o professor, em sua residência, não tenha estas tecnologias ao seu alcance, a escola disponibiliza a estrutura, as dependências institucionais. Para os

    5

    alunos que ainda não têm internet em casa, e esse número não passa de 18% em SC, ser-lhes-ão disponibilizados apostilas e outros materiais no espaço escolar em datas e horários agendados. Ao tempo em que a internet pode ocultar a pessoa física, ao menos neste momento, está acontecendo o contrário. Nas plataformas o professor não se relaciona com a "classe, mas com o aluno na sua individualidade. A propósito, este assunto daria grande discussão sob a ótica filosófica. Em verdade, classe" não existe, existem indivíduos concretos, no ambiente escolar nominados de

    "alunos. Autores civilistas como Adriano De Cupis afirmam que o prenome e o sobrenome têm caráter positivo e negativo. Se falo em José Pereira quero dizer que aquele Pereira é José. Posto que, José é ele mesmo na sua individualidade, e diferente dos seus familiares, não obstante haja o partilhamento do sobrenome. Já quando digo que, este José é um Pereira", expressando, ao mesmo tempo, que ele não é Silva, Campos, Nogueira, etc.

    Continuando construindo minha linha de raciocínio,

    6

    já tramitaram no Congresso Nacional Projetos de Lei sugerindo o "Parto Anônimo" para inibir o abandono materno. Ao passo que, de lege ferenda, o objetivo do legislador seja compreensível do ponto de vista do recém-nato que é abandonado, de lege data, traria um fomento à maternidade irresponsável. A ideia era livrar a mãe da pecha de irresponsável ou desnaturada, para não arriscar a vida do bebê, vítima de um "descarte". Isto tudo mostra que responsabilidade é a relação do dever posto a um indivíduo concreto, individual do ponto de vista temporal e espacial, enquanto que o anonimato tem tudo a ver com irresponsabilidade.

    Então, agora, na pandemia, a relação professor-aluno ficou mais próxima, e este ponto positivo é o ponto de convergência entre um problema de saúde pública e a desenvoltura de uma tecnologia de alto alcance prático. Ficamos apertados de um lado e ensanchados de outro. Em ação patrocinada pela OAB e levada ao conhecimento do STF o Ministro Alexandre de Moraes decidiu que Estados e Municípios têm poderes para decretar medidas

    7

    restritivas como suspensão de atividades e isolamento

    social

    severo,

    opondo-se

    a

    determinação

    federal

    portadora

    de

    teor

    completamente oposto. O STF ainda decidiu que Estados e Municípios têm autonomia para definir o que são "serviços essenciais". Com toda razão, pois as necessidades das pessoas estão sujeitas a várias condições, como área urbana ou rural, perfil da economia local, clima, dentre outros. Enquanto isso se passava no Judiciário, na Casa de Leis, o Senado, aprova em 1° turno a PEC do orçamento de guerra. O orçamento será cindido em dois, e um dos hemisférios será usado exclusivamente no combate ao Covid-19. Será que o propósito é somente este, angariar recursos para a epidemia?

    Há quem diga que, nós, brasileiros, temos as duas mais importantes ferramentas ao combate do Covid-19 em mãos: isolamento social e SUS. Basta fazer funcionar, basta pôr a vontade a serviço da mais pragmática inteligência. É claro que a pasta social tem de conversar com a pasta da saúde. Por exemplo, os catadores, muitos (e muitas) deles

    8

    idosos, diabéticos e cardíacos (segundo El País). A presente crise é uma crise social, econômica, política e legal. A classe trabalhadora não tem reserva. A pandemia está a acusar as falhas do sistema. Os direitos humanos não estão sendo respeitados. Há necessidade premente de se diminuir as desigualdades sociais. O FMI vocalizou que o mundo passará pela maior recessão desde a Grande Depressão (1929). No plano legal-judicial nos deparamos com mais uma na antinomia: valor da saúde versus valor da liberdade. As audiências de custódia não estão acontecendo. A audiência de custódia é um direito processual do acusado, apontado como autor de um crime, preso em flagrante, de ser ouvido por um juiz, para que o mesmo avalie a presença de eventuais ilegalidades procedimentais. O instituto foi recepcionado pelo ordenamento jurídico-pátrio do Pacto de San José da Costa Rica de que a nossa República é signatária. A pergunta que fica é: a natureza está dominada? Em Gênesis lemos: "Povoai e sujeitai toda a terra, dominai sobre os peixes do mar, sobre

    9

    as aves do céu e sobre todo animal que rasteja sobre a terra! " (1,28). Mas a relação que está posta, no atual momento, com o Covid-19 não é exatamente de dominação, mas de batalha, de sopesamento de forças. É interessante refletir sobre como as coisas acontecem. O Covid-19 é um vírus. Os vírus nada mais são do que velhas bactérias mutantes que foram ficando cada vez mais simples e fracas e, para conseguir subsistirem, tiveram de entrar em outras bactérias para delas tirar sua energia vital. Isto nos traz para uma reflexão. Desde o princípio do capitalismo industrial temos visto que certas classes estão cada vez mais fragilizadas e combalidas. A tal ponto de não lhes restar nenhuma outra saída senão apelar para os programas sociais do Estado. Então, parece-me que, já que estamos rumando para isto, melhor seria estruturar estes grupos, a fim de que, se não puderem gerar riqueza, ao menos se desapeguem do erário, cujas obrigações são partilhadas entre os contribuintes economicamente ativos. Também se percebe que a maior parte da

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    população não sabe por que o Covid-19 mata. Para replicar-se, o Covid-19 ingressa no interior dos glóbulos brancos. Ao defender-se, o organismo produz material gelatinoso, que obstrui os alvéolos.

    Ou seja, a pessoa morre asfixiada. Pela segunda vez traço analogia entre o biológico e o social.

    Talvez muitos pensem que, após travada e vencida uma batalha entre classes sociais, esteja apaniguada a possibilidade de instabilidade. Essa visão é estreita e incompleta. Pois mesmo que a vitória seja derradeira, algo provisoriamente sedimentado pode ser ruído não só pelos partícipes do conflito, mas também pelos resíduos resultantes do choque que não se acomodam rápida e facilmente. O governo Bolsonaro teve o efeito, não intencional, mas em boa medida positivo, de ressuscitar velhos temas do direito que, a despeito de um longo período de pacificação discursiva e prática, ao serem alvo de negação, arvoram-se, por meio dos intelectuais do direito, na missão de fazer a sociedade compreender o seu valor. E vejo o Covid-19, seja intencional ou não, como uma

    11

    segunda etapa desse processo. Philippe Ariés é revisitado nos seus trabalhos sobre a morte. A vida, a saúde e a morte, também têm significados políticos. A saúde, ou o abalo dela, tem tudo a ver com religião. Em 1998 a OMS reconheceu a existência da "cura espiritual". O conceito amplo de saúde, não o transcrevo ipsis litteris, mas ele se nos remete a um completo estado de bem-estar físico, mental e social, é incompatível com a vida humana, atrelada a sofrimentos corporais, tensões de toda ordem, angústia, ansiedade, etc, o que faria com que todos nós fôssemos doentes. A religião é vista como algo negativo não só pela ótica da academia, mas também pelo fato de ter sido resgatada na carona da contracultura da década de 60 do século passado, nos Estados Unidos da América, por hippies e quejandos. A visão positivista da academia se choca com os neomovimentos orientalistas. Vemos terapias alternativas, como reiki, cromoterapia, vedaterapia, biodança, rivalizando com o establishment de religiões mais fortemente estabelecidas. E essa

    12

    força é tão grande que a própria legislação procurou se alinhar a essas diretrizes, do que fazem prova os crimes de charlatanismo e curandeirismo. A clivagem religiosa se replica em outras instâncias, em outros níveis. Em 1830

    começaram a ser produzidas as primeiras teses de doutorado na área de saúde e um dos objetivos de tais trabalhos era combater a hegemonia da Igreja Católica no Brasil. A disputa era ideológica e política. Então católicos e acadêmicos, entre si, procuram reciprocamente desmerecer um ao outro.

    Existir tipos penais, como charlatanismo e curandeirismo, corresponde a criminalizar a filosofia, os pressupostos e a praxe não católicos, ou não cristãos. Os profissionais da saúde, antes de serem profissionais, são seres humanos. Então se lhes apegam as coisas próprias da humanidade.

    Cerca de 90% dos naturólogos são novaeristas. É

    valioso que se diga: quando os Cadernos Humaniza SUS são criticados ao defenderem

    "cuidados paliativos" não sobressalta diversidade de entendimento conceitual apenas, fica estampado

    13

    um discrímen. Porque quem começou a defender cuidados paliativos nos Estados Unidos da América, foram os católicos e novaeristas, ambos minorias naquela sociedade. Isto tudo expõe o fato de que não foi o Covid-19 que teve o caráter único e pioneiro de politizar o debate em saúde, ele sempre existiu. Na Revista Fórum, da data de hoje, 17/04/2020, noticia-se que no site "Brasil, Pátria Livre do Comunismo", consta que bolsonaristas convocam ato em frente a quartéis, para fechamento do Congresso Nacional, do STF, dos governos estaduais, das assembleias legislativas, dos governos municipais e das câmaras de vereadores. O ato ficou marcado para 19 de abril, dia do Exército, e pede para que seja mantido apenas Jair Bolsonaro e seus ministros, os quais

    "não estão podendo exercer os seus projetos de governo para o bem da nação brasileira". Após ato antidemocrático e antissanitário (pois dever-se-ia estar respeitando o isolamento social), pró-ditadura em que o próprio Bolsonaro se fez presente, logo no início da manhã de segunda-feira (20/04/2020),

    14

    os brasileiros se depararam na rede, com uma carta assinada por 20 governadores de Estado, em defesa da democracia, consignando que o presente problema de saúde pública não requer medidas que inviabilizam o crescimento econômico, a despeito da fala presidencial em contrário. Políticos de vários lugares e partidos, ministros de tribunais superiores, OAB, Associação dos Magistrados Brasileiros, Anistia Internacional, parlamentares, presidentes de partidos políticos fizeram uníssono à carta dos governadores. No último dia útil que antecipou isto tudo, por 7 votos a 3, o STF decidiu que são válidos os acordos individuais entabulados entre empregadores e empregados, versando sobre redução de jornada de trabalho e vencimentos, ainda que sem aval da autoridade sindical. Na contramão destes entendimentos judiciais, o mundo começa a aquilatar de maneira racional e mais séria a possibilidade da renda universal como praxe e não só como anódino. A transferência momentânea e provisória, em função do Covid-19, de renda, sinaliza que deixa de ser utopia a renda

    15

    básica universal. A crise atual, em meu ponto de vista, está derrubando os lados. Quando profissionais se veem como parte de um serviço essencial, que não comporta suspensão, e não podem contar com ninguém que prestou cuidados e atenções para os infantes, resta patente de que dependemos uns dos outros. E fosse pouco, muitos secretários de assistência social e prefeitos apontam como diretriz o uso de licença-prêmio, férias e bancos de horas, quando a ausentação no subitem laboral não decorre da iniciativa ou omissão do servidor público. A isto o direito denomina "situação de força maior". O direito é assim, tão anfíbio como as situações que se lhe são submetidas. Vo-lo darei um exemplo: em se tratando de adoção, há diferença entre entrega e abandono? Porque se parte do pressuposto de que, em muitas das vezes, a atitude de entregar o recém-nascido é racional, não espelhando falta de afeto. É que os pais entendem que estão em penúria extrema, e que outras pessoas poderiam desempenhar com melhor êxito o cuidado paterno-

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    maternal de que necessita uma criança. Há autores que dizem, ou entendem, que os próprios pais estariam em situação de abandono em relação à sociedade de que precariamente fazem parte. Não contraditando a fala de que não há lado, apenas argumentando que as pessoas vivem expressões da questão social em níveis de diversos graus de intensidade, consoante Jussara Bastos, a mulher negra na periferia está a precisar de alimentação, renda, atendimento público de saúde, prestação de tutelas (preferencialmente do modo mais rápido possível), por parte do Judiciário. Se na China disparou a estatística concernente a divórcios, em São Paulo, no último mês, a agressão física contra a mulher aumentou 30%. Não raro, ocioso, o marido ou companheiro se perde na embriaguez, começando a beber antes do meio-dia. Que complexo! Isto é problema de Estado? Precisamos ensinar as pessoas a serem gente? Sopesando todos os riscos, todos os prós e os contras, eu diria que sim. Quem têm experiência em administração e cuidados têm o dever ético de ensinar estas

    17

    qualidades e conteúdos a quem se vê privado destes atributos. O de que se discute é algo que se constrói e aprende. Situações mais severas são oportunidades para que pessoas que dormitam despertem para a realidade do mundo e da vida.

    Especificamente em relação à sociedade chinesa, eu penso que esta tremenda potência, agora já pelo mal, uma vez que nós, cabeças-duras não atendemos pelo bem, está iluminando nosso caminho no sentido de nos fazer entender que o planeta deixou de ser eurocêntrico, e que é ilusão pensar que os norte-americanos se acham numa posição absolutamente cômoda e imutável, depois da dissolução da URSS. Ninguém até hoje disse isso, mas o governo chinês poderia "tragar" o globo usando uma estratégia muito simples: liberar o controle de natalidade, negociar com os países parceiros o ingresso de chineses em seu território e, pela inteligência e quantidade, assimilar a si todas as nações da Terra. Transcorrido o ato político antes declinado, agora vejo que o Ministro Alexandre de Moraes acatou o pedido feito pelo

    18

    procurador-geral da República, Augusto Arras. O

    inquérito apura possível violação à Lei de Segurança Nacional, pois os manifestantes apregoavam a reedição do Ato Institucional n. 05, o AI-5. São várias as turbulências pelas quais a nossa pátria passa neste momento: política, jurídica, sanitária e econômica. O Instituto Locomotiva realizou uma pesquisa entre 14 e 15 de abril (de 2020), e descobriu que do total de empregadores domésticos, 39% não mantiveram o pagamento de suas funcionárias durante o isolamento decorrente do Covid-19. Pode não parecer, mas se trata de evento de larga escala, considerando-se que o Brasil tem 6,5 milhões de trabalhadoras domésticas. Os serviços públicos são ótimos mensuradores de todos os problemas que afetam uma determinada sociedade. O cemitério de Vila Formosa atende a cidade de São Paulo. É o maior da América Latina. O número de enterros passou de 30 para 60 por dia. O número de mortos pelo Covid-19, no Brasil, dobra a cada 5 dias. De acordo com a Cepal, a crise econômico-social

    19

    causada pelo Covid-19 levará 30 milhões de latino-americanos à pobreza. A maneira como ricos e pobres são afetados de maneira diversa pela pandemia ficará clara com o exemplo dado por mim a seguir: americano é preso por fingir ter coronavírus, no Facebook. Ele quis fazer "um experimento

    social".

    Ele

    é

    bacharel

    em

    comunicação de massa. E aqui, uma vez mais, o direito é confrontado, ao deparar-se com a antinomia liberdade de expressão x proteger a coletividade do pânico. Quanto aos trabalhadores informais, como os que temos no Brasil, parecem ter de optar entre a seguinte bifurcação: morrer de Covid-19 ou morrer de fome. Os trabalhadores formais também são penalizados. Basta pensar que o Brasil é o 4º maior produtor de malhas e o 2º

    maior de jeans. Então fica registrado aqui o problema dos trabalhadores do vestuário, cujo produto final costuma ir para o exterior. Mas nem todos os índices despencaram. O preocupante é a natureza daqueles índices que dispararam. A compra de bebidas alcoólicas por britânicos bateu

    20

    recorde, aumentou 30%. Se a classe política, no Brasil, nunca gozou de grande prestígio, agora a situação agravou-se. Os partidos políticos perderam 1 milhão de filiados desde 2018. É a prova de que existe um hiato entre as agremiações e o desiderato dos eleitores. E os partidos tradicionais foram os que mais perderam. Berlim, a capital alemã que tem 3,5 milhões de habitantes, comporta mais de 2 mil moradores de rua. Uma jovem relata: "as pessoas não querem se aproximar de nós por medo de contrair Covid-19 e não recebemos mais esmolas". Tentando amenizar o problema destas pessoas, o governo alemão deu um celular para cada um destes indivíduos, em que acompanha

    um

    aplicativo

    instalado

    para

    acompanhar seu estado de saúde. A sociedade que vivemos hoje se oferece como objeto empírico para muitos ramos do saber. Na visão da psicologia, segundo Pedro Gabriel, muitas pessoas negam situações como a pandemia porque nossos mecanismos de defesa distorcem a realidade para a situação ser mais aceitável. O cenário exige

    21

    recrudescimento legal ou flexibilização? As duas coisas, depende da matéria. Os liberais costumam argumentar que nos países onde as leis são menos interventoras na vida do cidadão, ali as pessoas tendem a ser mais ricas. Tenho um exemplo bem próximo do meu cotidiano. Por exemplo, nos conselhos onde há plano e fundo, há a iniciativa da captação da verba. O conselho tem a prática, em alguns lugares, de emitir um "Certificado de Captação". Mas, em contrário, há lei federal determinando que a gestão destes recursos compete ao Poder Público. E que a inobservância deste preceito pode redundar até mesmo em improbidade administrativa. Ocorre que o costume é este: de perpetrar doação casada, isto é, estabelecer

    a

    vinculação

    da

    oferta

    ao

    direcionamento almejado pelo doador. Eis a antinomia que daí exsurge: preceito legal x liberdade da sociedade civil. Eu optaria por priorizar a iniciativa da sociedade civil. Em primeiro lugar, porque o Estado não pode ser apático à sociedade que governa e, em segundo lugar, porque as

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    doações, na quase totalidade, acabam dando cobertura a eventos ou atividades de larga percussão social. A mobilidade de pessoas é mais um indicador destes dias atípicos. O que se fez agora tem de ser desfeito: marroquinos e argelinos pagam 5.400,00 euros (ou R$ 33.000,00) para fugir da Espanha e voltar à África. Não encontraram a esperada prosperidade e ainda se depararam com o desesperador Covid-19. O sonho africano parece estar em qualquer lugar, menos na África. Há presença africana considerável no sul da China, país epicentro da pandemia, de nigerianos. A pandemia colocou em destaque o papel de várias instituições. A comoção social que não hesita pedir ajuda a todos quantos se prontificam para tal, reacende a discussão crítico-teórica em torno das instituições,

    paradoxalmente,

    declarando

    afirmatividade para teses opostas, instituição total e incompletude institucional. O momento de agora também ensina que a realidade é complexa, ao mesmo tempo e em âmbitos reciprocamente alheios. Em Ajaccio, capital da Córsega, uma região

    23

    da França, estão sendo vistos javalis em vias urbanas. E não é só: Cervos circulam nas ruas de Paris. Isto porque o Covid-19 coincidiu com a época de reprodução de muitas espécies animais. Ou seja, a ausência humana é um convite à ocupação por outras formas de vida. Mas não é só a natureza que se debela. O mundo social, da mesma forma, também não para. No Uruguai foi aprovada a tal LUC – Lei de Urgente Consideração. Ela enceta para a diminuição do Estado, redução de funcionários públicos, restrições mais severas de gastos públicos, penalização de pessoas de menor idade, regulação de empresas públicas, supressão do direito de protesto em relação à discordância de teor salarial e trabalhista. Apelando para um parâmetro quantitativo, faço dizer que houve a revogação de 60 (sessenta) leis de natureza social.

    Como se pode ver, na prática, o que se fez no Uruguai pós-Eduardo Galeano e pós-José Mujica foi bater a porta na cara do cidadão depois de ninguém mais poder contar com a solidariedade extraestatal. Quando poderes eólicos empurrarem

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    as densas nuvens para adiante, e reluzir majestoso o Sol, o Estado ofertará um belo guarda-chuva a cada uruguaio. Em Brasil se costuma dizer que "a lei é feita para o malandro". Bem, se o amável leitor se considera uma pessoa de bem, então se sinta consolado com o que vou registrar: o tráfico de drogas foi pesadamente impactado pelo Covid-19.

    O preço despencou para os produtores e disparou para os consumidores. Porque o transporte ilegal de drogas se apega ao transporte regular de mercadorias lícitas, sendo em relação a ele apendicular. Além do mais, ficou invisibilizada a importação de componentes químicos empregadas no fabrico da droga. Hoje (29/04/2020), vejo que o Brasil já teve mais casos de morte pelo Covid-19, do que a própria China. Outra manchete traz a seguinte chamada: "Pretos (o termo engloba negros e mestiços, para quem não sabe) têm mais chance de morrer por Covid-19 em São Paulo" (Município).

    Sendo eu catarinense a cem quilômetros de Curitiba, menciono caso ocorrido aqui, ou logo ali, no Estado vizinho: Em Araucária, região

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    metropolitana de Curitiba, um cliente entrou em um supermercado sem máscara. Um funcionário da loja ofereceu uma máscara e foi agredido. A partir daí, o segurança do estabelecimento procurou colocar o cliente para fora do recinto. Então, houve luta corporal. O segurança disparou um tiro na direção do tumultuante, mas passou de raspão. O

    cliente, daí, tentou tirar a arma da mão do segurança, um revólver calibre 38, e por acaso, uma funcionária foi morta por tiro não intencional.

    Esta matéria é de 28 de abril de 2020. Depois desta péssima notícia, uma outra para nos injetar ânimo, colocando-nos levantados: a Secretaria Municipal de Assistência Social de Mafra recebeu doações de alimentos do assentamento Fazenda do Potreiro.

    Interpretando os fatos: o Estado não educa para a cidadania e o sujeito cria, gratuitamente, problemas no interior de uma unidade comercial privada de atendimento ao público; noutro viés, o Estado faz a reforma agrária, respeitando o uso social da terra, e os beneficiados retribuem à coletividade a justiça concretizada. Serge Hurtig explica que em tempos

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    de crise o alinhamento entre política e classes sociais fica mais nítido. E que em tempos de bonança a política se torna mais complexa, a partir daí entrando em jogo o status e prestígio social dos políticos. Fico a pensar se a elite oculta não lançaria mão deste recurso: simplificar a realidade social, política e econômica, para mais facilmente empurrar um herói para a eleição se coaduna perfeitamente à sugestão de Vilfredo Pareto que fala de uma "circulação" das elites. Como a moda dita o vestuário para as diversas estações do ano, de igual forma, os problemas políticos do país são forjados em conformidade com a solução antecipada, inventada, antes mesmo do conflito que requer a aplicação do conjunto de medidas, atrelado a uma chapa. Cria-se o problema, e ele é exibido. Em seguida, apresenta-se a solução perfeita, e ela é acatada. Através da mídia, constrói-se o consenso do que vem a ser o prognóstico. A isto chamamos democracia. Quem dirá que não?

    Vejamos como o Covid-19 impacta de maneira diferente a geoeconomia-política. Nos EUA se

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    verifica uma queda de 4,8% no PIB do primeiro trimestre de 2020 comparando com o mesmo período de 2019. Um em seis trabalhadores dos EUA solicitou seguro-desemprego desde março de 2020. A pandemia encerra o mais longo período de crescimento econômico da história dos EUA: de 1929 a 2020. Já na periferia, se verificará um Baby Boom. Mas bem diferente do Baby Boom norte-americano do

    século

    passado,

    ligado

    à

    prosperidade. É que, de acordo com a ONU, 47

    milhões de mulheres ficarão sem acesso a anticoncepcionais, por conta do transtorno pandêmico. A maior parcela desse total se concentrará na África. Uma discussão clássica é aquela acerca de qual seria o mais adequado tamanho do Estado. Vencidos liberais e keynesianos, parece que o tamanho de um Estado deve refletir o tamanho de economia da respectiva nação. Por duas razões. A uma, porque a quantidade de demandas que batem à porta do Estado encontra a sua origem mesma, ali no âmbito das atividades humanas, vinculada à busca ou

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    persecução da vantagem econômica. A duas, porque ao remunerar os funcionários

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