A loira do Tívoli
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Sobre este e-book
Uma chamada de emergência relata ruídos estranhos na rua Legalidad em Barcelona, possivelmente causados por uma briga entre vários bêbados. A polícia armada encontra o corpo de uma jovem mulher meio enterrada em um túmulo em uma horta numa cova, o corpo de uma prostituta de luxo. O crime abala o país inteiro, e corre o boato de que dignitários de alta patente da igreja, membros da guarda militar e da guarda civil estão envolvidos. O escândalo é iminente, portanto, o crime deve ser resolvido o mais rápido possível.
Esteban Navarro Soriano
Esteban Navarro Soriano (Moratalla, Murcia, 18 de março de 1965) é um escritor espanhol de romance policial e policial. Foi agente da Polícia Nacional de 1994 a 2018. O romance A Casa da Frente é considerado o paradigma da publicação digital. O reator de Bering ganhou o Prêmio Katharsis Short Novel 2008 O Bom Pai ganhou o Prêmio Saramago La Balsa de Piedra em 2011. A Noite dos Peões foi um dos seis finalistas selecionados para o Prêmio Nadal em 2013. O quarto livro de memórias foi concedido por. o Festival Lloret Negre como o melhor romance policial publicado em 2022. A Random House o considerou na época um dos grandes nomes dos romances policiais atuais, após publicar Os crimes do alfabeto. Desde 2012 ele é considerado o escritor que cunhou o termo Geração Kindle.
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A loira do Tívoli - Esteban Navarro Soriano
Capítulo 1
Faltam alguns minutos para as seis horas da noite de domingo, 9 de janeiro de 1949. O telefone preto no apartamento da Avenida San Antonio María Claret começa a tocar. A localização do edifício permite que Carmem se afaste de perseguidores indesejados, quando a cercam à espera de favores sexuais. O bloco tem cinco andares e a esquina tem vista para o Paseo San Juan, uma das principais vias de Barcelona. Antes de ir morar lá, ela verificara a situação do prédio, lembrando-se dos conselhos de seu tio nas várias ocasiões em que lhe disse que antes de se mudar para uma nova casa deveria verificar as rotas de fuga.
Caso os nacionalistas venham atrás de você
.
Ouve a voz dele dentro da cabeça como se estivesse ali, com ela. Murmurando conselhos. Já faz dez anos que a deixou, quando ela tinha 17 anos e a vida ainda era um lugar idílico e esperançoso.
O telefone toca mais algumas vezes antes que Carmem consiga atendê-lo. É um telefone de mesa, com o lado direito lascado, de uma pancada mal dada em um dia de irritação.
— Jesus? — pergunta quando reconhece a voz do interlocutor.
Jesus e Carmem são amigos há apenas alguns meses. É uma amizade advinda do desespero. Os dois se sentem incompreendidos e juntos somam mais do que separadamente. Ele tem 24 anos, ela 27. Mas a proximidade da idade faz com que Carmem o entenda muito melhor do que com aqueles homens que estão duas décadas à sua frente. Jesus é um jovem atraente. E cara de pau. No pouco tempo desde que se conheceram, já se tornaram amigos na diversão e no álcool. E também no sexo. Eles se amam muito. Ambos desfrutam da companhia um do outro. Precisam um do outro.
— Quer sair hoje à noite para beber conosco?
Esse conosco
implica que não sairão sozinhos, mas que serão acompanhados por um terceiro elemento. Trata-se do amigo de Jesus, o eterno Jaime Viñas.
— Para mim já deu — rejeita.
Faz só dois dias que discutiram. Jesus tinha compartilhado com ela uma ideia de seu pai, e Carmem a aceitara, a princípio. Mas, pensando melhor, a rejeitou completamente. Não porque fosse uma má ideia, mas porque a execução do plano proposto teve mais fracassos do que sucessos. Os planos são como ensopados, tem que deixá-los descansar por um tempo.
Jesus não quer perdê-la como amiga. Ou assim ela pensa. Ou assim ele dá a entender. Carmem ficou para jantar com seu protetor, aquele que paga as contas. E quem paga, manda. Para ela, o empresário Juan Martínez é um contrapeso necessário para equilibrar sua vida. Ela sabe disso, e ele sabe disso. Encontra-se para jantar com o empresário e uma amiga dele. Sua outra companheira é Sylvia de Bettini, que naqueles dias se apresenta em seu teatro, o Tívoli. Porque Martínez é o gerente do Tívoli, o melhor gerente que o teatro emblemático de Barcelona poderia ter. Depois dessa noite, a atriz e cantora voltará à Itália e, talvez, nunca mais a veja. O empresário disse-lhe que depois do jantar planejam ir ao cinema Capitol, no número 138 da Rambla, muito perto da praça Cataluña. Naquela manhã, Carmem tinha lido em La Vanguardia Española que estava passando Moonlight Masquerade, uma comédia interpretada por Dennis O'Keefe e Jane Frazee. O plano do empresário é bastante considerável para ser recusado. Mantém seu compromisso com ele e recusa o de Jesus. Além disso, já há algumas semanas, sabe que Jesus não é mais tão boa pessoa quanto achava.
— Outro dia, talvez, — rejeita melancolicamente.
Suas palavras soam tristes. Mas Jesus as ouve como se fossem agonizantes.
— Está bem?
— Sim. Sim, — repete algumas vezes. — Bem, na verdade, se for para ser honesta, não tive um bom dia, — mente. — Discuti com..Bem, discuti com uma pessoa que gosto muito e estou chateada com isso. É só isso.
— Bem, melhor para mim, — insiste. — Em tal circunstância, a melhor e mais conveniente coisa é sair com os amigos, se divertir e rir. Você sabe que estou prestes a ir com Pepita para Palma de Maiorca e talvez demore um pouco para nos reencontrarmos após a nossa partida. Palma está longe de ir, mas muito mais longe para voltar.
— Eu sei, — admite. — E não sabe o quanto estou feliz por você — solta com convicção; embora não acredite nisso. — Espero que seja muito feliz com essa garota. E que ela saiba, por sua vez, te fazer feliz.
— Ótimo, então, — diz, com alegria. — Nesse caso, te esperamos no Alaska, onde teremos uma última bebida. Vamos brindar ao passado, aos velhos tempos e ao futuro; pelo o que está por vir.
O Alaska é um bar de coquetéis que está localizado no número 22 da mesma rua onde Carmem mora, bem na esquina em frente ao seu quarteirão, pelo qual a garota só precisa atravessar para ficar diante da porta.
— Prefiro não falar sobre o outro dia, — solta com desconforto. — Já lhe disse que, no final, não parecia uma boa ideia. Mas são coisas de 1948 e agora estamos em outro ano, melhor nem citá-lo. Ano novo, vida nova.
— Não se preocupe, — concorda. — Já combinamos que não falaríamos mais sobre isso. Mas poderia reconsiderar — queima um último cartucho antes de resolver o assunto. — E pesar todo o bem que o plano que propusemos trará.
— Se quer ficar para insistir, — ela diz com nojo, — então é melhor poupar o esforço. A minha decisão é firme e não tenciono continuar a falar sobre esse assunto.
— Não, tem que acreditar em mim. É pelo que te disse, tomar alguns drinques e brindar devidamente a nossa despedida. Não voltaremos a falar sobre isso, te prometo.
— Estarei lá, então, — confirma, forçando uma voz de alegria. — Mas não posso garantir o horário, já que não sei quando o encontro com meu amigo terminará. Se quiser, podemos ficar no Alaska, como sugeriu, cerca de uma hora da manhã. Nessa altura, tenho certeza de que teremos acabado.
Carmem sabe que Juan Martínez é um homem ocupado. E sua convidada, a atriz e cantora italiana Sylvia de Bettini, retorna de uma viagem ao seu país no dia seguinte, portanto, já estará livre até esse momento e o empresário a terá devolvido ao seu apartamento.
— Perfeito, — clama Jesus. — Vou te esperar na esquina do seu quarteirão nessa hora, dentro de um carro.
— Um carro? — Carmem sabe que Jesus não tem carro. — Por que vai vir de carro? Não precisa de um carro para tomar uma bebida no Alaska.
— Sim, eu não tinha te dito? — mostra sinceridade. — Um amigo me emprestou seu carro e pensei que poderíamos aproveitar o fato de que tenho que dar um passeio à noite em Barcelona. É a melhor despedida que posso pensar: passear por Barcelona de carro, de bar em bar e festa em festa.
Carmem aceita sem mais discussões. Os dois se despedem até a noite, onde se encontrarão novamente. Nesse momento já passam alguns minutos das seis da tarde de domingo de 9 de janeiro de 1949.
Em seguida, e imediatamente após a interrupção da comunicação com Carmem, Jesus liga para seu amigo Enrique Sallent, que lhe pede uma garantia para alugar um carro.
— Não — retruca irritado. — Jesus, já que está prestes a se casar, é melhor que não nos vejamos. Não quero prejudicá-lo.
— Bom, Ainda não está claro que vou me casar com Pepita, — mente.
Enrique toma isso como uma abordagem de seu amigo, por quem sente uma afeição especial e pelo qual acredita que não é correspondido. Sabe que no fundo, Jesus nada mais é do que um gigolô que consente em estar com ele por dinheiro. Mas o favor que lhe pede não é dos maiores que se possa pedir a um amigo. Assim sendo, após refletir um momento, finalmente concorda. Os dois combinam de se encontrar em frente à concessionária Roca, na rua Paris, a apenas meia hora de caminhada do apartamento de Carmem.
Uma vez cara a cara na porta da concessionária, ambos os homens alugam um Ford Sedã de quatro portas, com número de registro em Valência: V-9934, registrado em 1929, mas cujo estado de conservação é bom. Comprovada a garantia de Sallent, Jesus retira o carro e se despede dele, dirigindo até a rua Pintor Fortuny, onde o estaciona. Lá, o pegará à noite para ir buscar Carmem em sua casa.
Concordam que Viñas, de 29 anos de idade, um pouco mais velho que os dois, e amigo comum de Jesus e Carmem, esteja encarregado de buscar Carmem à uma da manhã na esquina de sua casa. A desculpa de que seja Viñas e não Jesus quem a busque, é porque o primeiro ficou com sua namorada Pepita para ir ao cinema para ver o filme Almas em Suplício, protagonizado por Joan Crawford. Sua namorada adora essa atriz e têm planejado ir assistir a este filme durante todo o fim de semana. Portanto, Jesus não pode adiar a sessão sem suscitar suspeitas em sua namorada.
Faltam cinco minutos para as nove da noite de domingo, quando o proprietário do Tívoli para seu carro na rua Paseo San Juan, esquina com a San Antonio María Claret. No banco de trás está sentada uma sorridente Sylvia de Bettini.
Toca sua buzina várias vezes para avisar Carmem Broto. Mas no mês de janeiro todas as janelas estão fechadas e a moça não o escuta de seu apartamento.
— Sua amiga não está? — Sylvia questiona, com voz doce.
— Sim — retruca o empresário. — Sim, porque tem luz — diz, baixando sua cabeça e espreitando pela janela da frente.
Carmem olha para a varanda e verifica, com uma certa alegria, que sob sua porta há um carro que a espera. Trata-se de Juan Martínez, o empresário que lhe paga as despesas, mas não o apartamento. O apartamento é pago por Julio Muñoz, um outro empresário, conhecido como o rei do estraperlo[1].
Carmem coloca seu casaco Astracã[2] sobre os ombros, uma vez que, tem que entrar no carro, não acha necessário se agasalhar. Pega a bolsa, as luvas para o frio e dois pacotinhos embrulhados em papel de presente. Antes de sair, dá uma última conferida no espelho do corredor para verificar que tudo está em ordem. Pisca um olho, como sempre faz quando se olha naquele espelho e ignora qualquer comentário alto exclamando o quão bonita ela está naquela noite.
— Boa noite, Verônica — sussurra como se não estivesse falando, só respirando.
Desde 1945, quando viu no cinema de Astoria de Barcelona o filme Casei-me com uma Feiticeira, protagonizado por Veronica Lake e Fredric March, identifica-se com a protagonista, com a qual se assemelha muito. Foi nesse ano quando decidiu tingir o cabelo de loiro definitivamente, precisamente para reforçar esta semelhança com sua atriz idolatrada, que sempre quis imitar.
A moça do espelho lhe devolve o olhar. Faz beicinho. Exibe os lábios. Gira a cabeça para a direita e a esquerda. Procura seu melhor perfil. Todos os perfis são bons.
— Boa noite, Cascavelzinha — murmura outra vez.
Gosta de identificar-se com essa alcunha, esse de Cascavelzinha, embora sejam poucos os amigos que a chamem assim. Identifica-se com esse apelido desde alguns anos atrás, quando ainda vivia em Aragão, um vizinho da cidade que percorreu as Américas, e esteve por alguns anos na Argentina, disse-lhe que quando ela nasceu, em 1922, Juan Andrés Caruso, um letrista importante de tangos, tinha composto Cascavelzinha. E como se fosse uma reza, recitou-lhe o tango com tal vivacidade, que Carmem se apaixonou por essa canção:
Entre la loca alegría / volvamos a darnos cita / misteriosa mascarita / de aquel loco Carnaval. / Donde estás Cascabelito, / mascarita pizpireta, / tan bonita y tan coqueta / con tu risa de cristal. Cascabel, Cascabelito; / ríe, ríe y no llores / que tu risa juvenil / tenga perfumes de tus amores. / Cascabel, Cascabelito; / ríe, no tengas cuidado / que aunque no estoy a tu lado / te llevo en mi corazón.
Em meio à alegria louca / vamos nos reencontrar / misteriosa mascarazinha / desse Carnaval louco / Onde está Cascavelzinha, / mascarazinha travessa, / tão bonita e tão namoradeira / com seu riso de vidro. Cascavelzinha, Cascavelzinha; / ria, ria e não chore / que seu riso juvenil / tem perfumes de seus amores / Cascavel, Cascavelzinha; / ria, não tenha cuidado / porque embora não esteja ao seu lado / levo-te no coração.
Apaga a luz do corredor batendo no interruptor com um tapinha imperceptível. Tranca à chave e coloca o cadeado dentro da bolsa. Desce as escadas tomando cuidado para não tropeçar nos sapatos pretos de camurça com saltos altos. Lembra-se de como o empresário Muñoz lhe tinha dito, quando havia lhe dado, que esses sapatos tinham sido criados para dançar e cruzar as pernas, mas não para descer escadas ou correr na rua.
No saguão, liga para o apartamento da porteira.
— Sra. Broto — diz-lhe ao abrir. — Você vai sair hoje à noite?
— Sim — sorri Carmem. — Se não saio, sinto falta de ar. — Pegue — diz-lhe quando estende a mão e lhe entrega as duas embalagens embrulhadas.
A porteira sabe que são dois frascos de perfume.
— Você é muito boa comigo — agradece, enquanto recolhe com mãos encolhidas os dois pacotes que lhe entrega.
Carmem não a deixa terminar de falar e lhe adianta que no dia seguinte lhe deixará um par de meias, com a ordem de trazê-los à loja para costurar alguns pontos soltos. A porteira sabe que os dois frascos de perfume são o pagamento pelos serviços que ela presta enquanto ela está fora na companhia de seus amantes. E sabe que Carmem não adquiriu aqueles perfumes, mas eles são presentes dos empresários que frequentam sua cama.
Na rua, Martínez está esperando por ela, parado ao lado do carro, enquanto lhe abre a porta. Dentro do carro, todos os sinais distorcidos de opulência: um relógio luminoso, um porta-luvas trancado, um isqueiro, um teto coberto. E a atriz e cantora italiana. As duas sorriem, sem malicia, mas com picardia.
— Tudo bem, Carmem?
Ela assente ao entrar no carro. Rejeita o beijo que parece lhe lançar seu benfeitor, porque não gosta de ser vista alternadamente na porta de seu bloco. Antes de entrar, dá uma última olhada na rua, no caso de Jesus estar nas imediações. Nesse caso, um olhar seria suficiente para emitir um pedido de desculpas.
Não há olhar, não há desculpas.
Carmem é a querida ou a sustentada ou a protegida de Juan Martínez, o proprietário do Tívoli. O empresário mora no número 139 da rua Aribau. Na catedral do leite, como todos conhecem sua casa. Tem muito dinheiro, principalmente em joias. Mas também em moeda corrente. Ela não tem interesse em seu dinheiro, porque não falta nada a Carmem e lhe sobram amigos. Mas seus outros amigos talvez sim é quem tenham interesse nesse dinheiro e nessas joias. Há um desentendimento. Uma relutância. À Carmem, semanas antes, Jesus lhe propõe uma plano maquiavélico. Um plano que resolverá os problemas econômicos de todos eles. No começo aceita, e não porque lhe parece um bom plano, mas porque em sua situação, qualquer plano é bom. Depois, duvida. E a dúvida não é boa conselheira. O pai de Jesus, que tem o mesmo nome do filho, desconfía de Carmem. Fora espadista[3], dos melhores da Espanha. E como bom ladrão, desconfia de todo mundo. Transmite seu ceticismo à seu filho. E essa desconfiança aparece quando no sábado, 18 de dezembro, uma semana antes do natal, Carmem liga para Jesus. Quer falar com ele porque não tem certeza de cumprir sua parte. Navarro a incentiva a seguir em frente. Sairá tudo bem
, diz-lhe. Mas ela tomara uma decisão definitiva e o deixa a par. Ele a compreende, entende que ela tem bons sentimentos. Mas seu pai fica irado quando descobre.
— Essa, com mais quatro taças, fará qualquer coisa por dinheiro.
No domingo à tarde os três se reúnem na casa da rua Encarnación. O plano traçado segue adiante.
Carmem deve morrer.
Capítulo 2
Juan Martínez leva seus dois acompanhantes para jantar no restaurante Parelladas, na Avenida do Generalíssimo Francisco Franco. Os três jantam em clima de cordialidade onde conversam, como de costume, sobre negócios, shows e cinema. O empresário gosta de se cercar de mulheres bonitas e elegantes. É um disfarce que esconde sua homossexualidade. Todo mundo sabe, mas ninguém diz. No pós-guerra, ninguém diz nada em público. O resto dos comensais pensam que é um machão, porque ele se cerca de mulheres bonitas, e especulam como vão terminar a noite: os três revirados na mesma cama.
Carmem, depois do segundo prato, lembra-os de se apressarem para as sobremesas, pois encontrou seu amigo Jesus à uma hora da manhã. Ela o imagina desesperado, esperando-a em sua rua, caso ela demore em ir ao compromisso. O empresário conhece Jesus de alguma noite corrida no quarto de hóspedes de sua casa. Mas como Carmem nunca cita outras pessoas na ausência delas, o empresário não sabe que ela também o conhece.
No último momento, Juan Martínez propõe uma mudança de planos e se oferece para ir tomar um conhaque em um cabaré dos muitos na área. Carmem não apoia a proposta e se desculpa argumentando que o dia foi exaustivo e prefere se retirar até seu apartamento para descansar. Está ansiosa por Jesus; embora não possa dizer a Martínez. Ela mantém sigilo estrito sobre seus encontros com outros homens. Mas todos sabem que o apartamento onde Carmem mora foi cedido por Julio Muñoz, e ele é responsável por pagar as despesas de moradia. Eles suspeitam que a pressa para sair é porque ela ficou com o empresário, mas não comentam sobre isso para não incomodá-la.
— Uma última taça, — insiste Martínez.
Carmem observa os olhares dos dois companheiros de mesa e cumpre a obrigação de uma última taça. Como uma boa acompanhante, nunca rejeita a última.
— Onde? — questiona, embora saiba que ela não decidirá para onde seus amigos a levarão.
O empresário dirige-se à Grelha do Ritz, nome grotesco dado ao Ritz Grill, em plena abolição de estrangeirismos (como aconteceu com o Teatro Olympia, que acabou por
