Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

O Altruísta
O Altruísta
O Altruísta
E-book366 páginas5 horas

O Altruísta

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

No ano de 1995, a Polícia Nacional de Barcelona enfrenta uma série de acidentes e suicídios que têm a particularidade de ocorrerem em terraços de edifícios onde os falecidos não moravam. Essas mortes, a princípio desconexas, levam diretamente ao Grupo 3 da Homicídios, dirigido pelo Inspetor Bellido e pela subinspetora Mônica. Com a eminente implantação da Polícia Autônoma, as férias do mês de agosto já dobrando a esquina, os cada vez mais precários recursos econômicos da Polícia Nacional e o acúmulo de casos, seguir a pista dessas mortes, aparentemente fortuitas, transforma-se me um autêntico suplício para os investigadores. Mas a maior surpresa da polícia acontece quando, recompilando os dados, comprovam que todas essas mortes acontecem no mesmo dia da semana: a quinta-feira. E que, entre um fato e outro, costumam se passar entre cinco e seis meses. Em todos os casos, sempre há uma testemunha que diz ter visto a vítima em companhia de alguém que nunca puderam reconhecer.

IdiomaPortuguês
EditoraBadPress
Data de lançamento25 de abr. de 2024
ISBN9781667473406
O Altruísta

Leia mais títulos de Esteban Navarro Soriano

Relacionado a O Altruísta

Ebooks relacionados

Thriller criminal para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Avaliações de O Altruísta

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    O Altruísta - Esteban Navarro Soriano

    1. Primeiro domingo de agosto

    «Dizem que quando desfrutas da vida, o tempo voa».

    A Viajante do Tempo, Lorena Franco.

    - Fale, Mônica - Raquel lhe pergunta assim que atende ao telefone -. O que está acontecendo?

    - Você está disponível?

    - Sim. Sim - responde Raquel, um pouco confusa-. Hoje é domingo e eu não tinha pensado em sair. Saí durante todo o fim de semana e agora não estou com vontade.

    - Preciso falar com alguém - diz-lhe a subinspetora, sussurrando, como se temesse falar mais alto e pudessem ouvi-la -. E não sei a quem recorrer.

    - Porra, tia. Onde você está? - pergunta-lhe Raquel, detectando em seu tom de voz que o assunto é grave.

    - No meu apartamento, acabei de chegar agora mesmo - responde Mônica-. Veja se estou assustada, tranquei a porta com uma volta dupla da chave e baixei todas as persianas.

    - Você está sozinha ou com um casinho de fim de semana? - volta a lhe perguntar Raquel, pensando que a subinspetora está brincando com ela.

    - Isso é sério, colega. Não estou de brincadeira e preciso lhe contar algo com urgência.

    - Escute - diz Raquel, percebendo que ela está muito nervosa -, não saia daí, já estou indo. Não saia do seu apartamento, chego em alguns minutos.

    - Não. Não - profere Mônica-. Não é bom que nos encontremos em meu apartamento. Nem no seu - acrescenta -. Temos que nos ver em um lugar neutro. E nem pense em algum bar.

    - Porra, tia. Você está me assustando de verdade.

    - Eu não quero te colocar em apuros - diz-lhe Mônica, perdendo a voz de nervosismo.

    - Não me coloque em nenhuma confusão – rebate Raquel -. Somos amigas, certo? E as amigas estão aqui para se ajudarem nos momentos difíceis.

    - Quer saber, ao final, Bellido tinha razão.

    - Do que está falando?

    - Das cinco mortes.

    - Os acidentes? Ainda está pensando nisso?

    - Não pude pensar em outra coisa neste fim de semana. Bellido sempre me pareceu um inspetor formidável. Taciturno, sério, mas, no fundo, nós que o conhecemos, sabemos que é um investigador formal e rigoroso. Tanto tempo insistindo sobre a mesma coisa, e nós sem lhe fazermos caso, pensando que havia ficado louco. Que tudo o que dizia estava em sua cabeça e que não poderia ser real. Mas é, Raquel, acredite em mim que é.

    - Mônica, fique calma, por favor. Percebo que está muito nervosa. Estes últimos casos estão te cobrando o preço. Nunca pensamos que Bellido estivesse louco, só que explodiu pelo excesso de trabalho. O mesmo que está acontecendo com você agora. Está histérica. Talvez devesse ter tirado suas férias de agosto, ao invés de Carlos e Javier. Precisa não só descansar, mas se desconectar. Lembre-se de que isso é apenas um trabalho, nada mais. Não tem que dar a vida nele. Temos que fazer como os trabalhadores que saem das fábricas quando toca a sirene, e deixam tudo tal e qual estava, até o dia seguinte, quando se envolvem de novo. Já te disse que não é bom levar trabalho para casa. E isso é o que você fez neste fim de semana.

    - Lembra-se de que Bellido nos dizia que as mortes estavam conectadas de alguma maneira? – voltou a perguntar com insistência – Lembra-se?

    - Sim, Mônica.

    - O policial local de Mataró, a menina da Rua México, o aposentado da Praça Lesseps, a idosa da Rua Diputación e as lésbicas da Rua Paloma. Deus! Como não me dei conta antes. Fiz com que afastassem Bellido do caso, acusando-o de maluco, quando ele sabia que essas mortes tinham uma relação entre elas. Ele sabia, Raquel. Ele sabia, e eu não levei em conta.

    A subinspetora começa a chorar.

    - Escute, Mônica. Não saia de seu apartamento. Por mais que queira, não saia porque estou indo logo para aí.

    - Sim, melhor que venha agora. Porque tenho que lhe contar o que averiguei.

    - O que averiguou, Mônica? O que está acontecendo?

    A chamada se interrompe e Raquel pega sua bolsa, com a pistola dentro e sai pela porta de seu apartamento.

    - Aonde vai? – pergunta-lhe da cama o rapaz com quem havia passado a noite.

    - Ajudar uma companheira – responde, fechando a porta.

    2. O crime da Rua Paloma

    «Não te vejo jogando futebol na sua idade».

    La Nena, Carmen Mola.

    Uma motocicleta de cor branca, da marca Piaggio, circula lentamente pela rua barcelonense de Muntaner. Quem a conduz é uma jovem garota, de vinte e cinco anos, cuja saia curta está voando, descobrindo umas pernas bronzeadas, terminadas em uns tênis de cor azul. Para no semáforo do cruzamento com a Rua Laforja, onde, neste instante, atravessam quatro pessoas sobre a faixa de pedestres: dois homens de terno, uma senhora que arrasta um carrinho de compras e um jovem, com as duas mãos dentro dos bolsos de sua calça jeans. Ao lado da motocicleta para um Citroën BX, vermelho. Seu condutor, um sessentão de óculos escuros, observa a garota sem pudor através da janela abaixada do carro, enquanto uma coluna de fumaça surge do cigarro que segura nos dedos amarelados de sua mão esquerda. Pensa que esta garota é realmente bonita, e que tem umas pernas lindas, enquanto a cabeleira ruiva se sobressai por detrás do capacete branco, combinando com a motocicleta. Ele a observa com tanta ousadia, a ponto que a garota se dá conta, solta o freio da motocicleta para se deslocar alguns metros à frente, para sair do ângulo de visão deste homem que não lhe tira o olho.

    Na esquina em frente, há um bar e, em seu terraço, sentado a uma mesa, um único cliente, que fuma entretido. Trata-se de um homem alto, atraente, nem gordo nem magro, de uns cinquenta anos. Seus olhos escuros se movem rápido, repartindo o olhar entre o jornal que está sobre a mesa e o tráfego de veículo que circulam depressa pela rua. De vez em quando, olha para cima, protegendo os olhos do sol com uma viseira improvisada com sua mão direita.

    Ninguém dos que estão neste momento no cruzamento, nem os quatro pedestres que caminham apressados antes que o semáforo fique vermelho, nem o condutor do BX, nem a vendedora que está arrumando a vitrine de uma loja de moda feminina que fica na esquina, nem o homem que fuma impassível no terraço do bar, conhecem a vida da condutora da Piaggio. Desconhecem que se chama Aroa Suárez. Que nasceu em Hospitalet de Llobregat. Que trabalha em Barcelona, em uma loja de roupas na Avenida Diagonal. Que teve um namorado que se chamava Sérgio, com quem esteve a ponto de se casar. Que o deixou porque se envolveu com uma colega de escola, a qual voltou a se encontrar depois de uma década, e com quem iniciou uma tórrida relação amorosa. Essa garota, Sofia Martín, que tem sua mesma idade, vinte e oito, sequer passa de um metro e cinquenta de altura. Mas é bonita, e leva na esportiva uma deformação no nariz por culpa de um grave acidente que teve quando tinha quinze anos. Sofia passou por uma época muito difícil em sua vida, ao falecer seu pai e seu irmão em um acidente de trânsito, mas logo se recuperou da ferida quando conheceu Aroa e as duas foram morar em um apartamento que Sofia havia alugado no bairro da Verneda, na Rua Menorca. Sofia havia sido durante tempo a mulher mais feliz do mundo, desmanchando-se noite após noite entre os braços musculosos de Aroa. Havia tolerado que sua mãe recriminasse essa relação, dizendo-lhe repetidamente que não gostava daquela garota, que não aprovava essa espécie de noivado que as duas mantinham, como se fossem homem e mulher. Como se tratasse de um casal para toda a vida, à moda antiga.

    - Esta garota tem algo de que não gosto – havia repetido diante do enojo de Sofia, que sempre viu a bondade em sua amada.

    - Mas gosto dela, mamãe – insistia a garota, sem desistir em nenhum momento do amor que proferia a Aroa -. Tem de aceitar que nós duas nos amamos. Não seja antiquada, mamãe. E compreenda que duas mulheres podem se amar da mesma forma que se amariam um homem e uma mulher.

    - Esta garota não lhe trará nada de bom. Não gosto dela, Sofia. Não gosto nada – dizia-lhe sua mãe, com insistência.

    Carolina Moreno, a mãe de Sofia, não queria que sua filha saísse com Aroa. E não porque estivesse contra a relação de duas mulheres, como sua filha havia chegado a insinuar, mas porque não gostava desta garota. A mesma garota que agora está esperando que o semáforo do cruzamento da Rua Muntaner com a Rua Laforja fique verde.

    Aroa não percebe que, bem atrás dela, circula um Ford Sierra, de cor marrom. E atrás do Ford há um Renault 5 amarelo. E atrás do Renault há um Opel Frontera azul. O condutor do Opel Frontera é um jovem, de não mais que vinte e cinco anos, com uns enormes óculos escuros que lhe cobrem a totalidade de um rosto alongado, cuja mandíbula proeminente finaliza em um cavanhaque perfeitamente recortado. Está com a janela aberta, por onde sai seu cotovelo esquerdo, e não é a primeira vez que faz esse trajeto, o mesmo que realiza Aroa. De fato, o fez durante toda a semana anterior, desde a segunda-feira que começou a seguir a garota da Piaggio, desde a loja de roupas da Diagonal, até a Rua Paloma.

    Aroa se desloca até a Rua Paloma porque está saindo atualmente com Minerva Cifuentes, uma catalã atraente que trabalha em tempo parcial em um escritório de advogados na Ronda San Antonio. Aroa e Minerva se conheceram há uns meses, desde que cortou relações com Sofia, embora a mãe de Sofia acredite que já se conheciam antes, e por isso deixou sua filha. As duas se apaixonaram em seguida, naquela noite em que cruzaram seus olhares em uma boate do Centro Comercial Maremagnum. Era mês de maio, e Sofia teve que ficar na cama, acometida de uma terrível gripe que a deixou prostrada.

    - Não fique aqui comigo – disse-lhe, animando-a para que saísse com alguma de suas amigas -. Eu ficarei bem.

    Aroa não queria deixar Sofia sozinha porque se sentia culpada de que estivesse na cama, enferma, e ela sairia a passeio pela zona do porto velho de Barcelona. Mas, finalmente, animou-se, como lhe correspondia a um sábado de final de primavera, encontrou-se com duas amigas em comum, e foram para a zona do porto.

    Minerva estava com um grupo de amigas, e as duas se cruzaram ao balcão, onde foram pedir as consumações de suas respectivas amizades.

    - Nós nos conhecemos? – perguntou-lhe Minerva, enquanto pegava com as duas mãos, como podia, três taças de Cuba Libre do balcão.

    - É de Barcelona? – perguntou-lhe Ana.

    - Até os ossos – disse-lhe Minerva, como resposta.

    - Pois então, provavelmente sim.

    Minerva entregou os drinques às suas amigas, e Aroa fez o mesmo com as garotas que a estavam acompanhando, e as duas se puseram a conversar no balcão. Trocaram números de telefone, e em poucos dias se encontraram para jantar, somente as duas. Depois deste primeiro jantar, quando Aroa mentiu para Sofia e lhe disse que iria visitar sua mãe doente, em Girona, as duas foram beber em um bar na Rua Balmes, e acabaram na cama em um estúdio que Minerva tinha alugado na Rua Paloma. Minerva podia aspirar algo mais com seu salário, mas gostava de viver nessa área depauperada da Barcelona mais escura, onde adquirir um papelote é tão simples como descer ao primeiro andar e bater à porta. Ou cruzar a calçada em frente. Ou ir até a primeira esquina e esperar que alguém em uma das varandas te veja e pergunte o que e quanto quer.

    Sofia não demorou a descobrir que Aroa estava se pegando com Minerva. Um dia, foi espera-la na loja da Diagonal, e então viu que se beijavam na porta, junto à árvore onde sempre estacionava a motocicleta Piaggio. Escondida atrás de uma lixeira, esperou que subissem na moto e as seguiu a uma distância prudente até a Rua Paloma. Quando passaram pela entrada, ela entrou pela porta e escutou as risadas que provinham da escada, enquanto as duas subiam até o último andar. Depois, voltou à rua e caminhou, chorando, até a garagem onde havia estacionado a motocicleta.

    - Esta tarde eu te vi com uma garota na porta da loja – disse-lhe quando se encontraram no apartamento da Verneda, omitindo que as havia seguido até o apartamento da Rua Paloma.

    Aroa ficou em silêncio. Embora a expressão de seus olhos fosse suficientemente explícita para que Sofia soubesse que ela já não mais a queria.

    - É uma amiga – respondeu, em voz baixa.

    Quando duas mulheres mantêm uma relação, as amigas de ambas costumam ser comuns. Se uma delas tem uma amiga que a outra não conhece, é porque é mais que uma amiga, refletiu Sofia.

    - Gosta dela? – perguntou-lhe, tentando pegar em suas mãos, mas Aroa a evitou, afastando-se ligeiramente para trás.

    - Muito – respondeu.

    Então, Sofia começou a chorar, e se perguntou em que havia falhado. E essa mesma pergunta fez a Aroa, que a olhava de um canto da sala do apartamento, como se quem estivesse ali, em frente a ela, fosse uma completa desconhecida. Mas Aroa se limitou a observá-la sem dizer nada.

    Sofia é uma boa garota. É trabalhadora. E responsável. É simpática, e todo mundo que a conhece gosta dela. Trabalha em uma padaria na Rua Pelayo. E durante meses, sua maior ilusão foi comparecer à loja onde trabalhava Aroa, e espera-la na rua, em um lugar distante, longe do olhar inquisidor da proprietária, que não gostava que sua funcionária saísse com outra garota. Evitavam se beijar em público, porque evitavam os carinhos diante de desconhecidos. Duas mulheres se beijando, provocava o rechaço de uma sociedade conservadora que segue negando o diferente, e se agarra ao tradicional. Inclusive, quando saíam a passeio pela noite de Barcelona, evitavam mostrar seu amor em público, porque nos bares, a não ser que fosse um ambiente propício, não compreendiam que o que elas compartilhavam era amor, e nunca faltava um sem noção de plantão que se aproximava cogitando a possibilidade de se meter entre as duas.

    Sofia gostava tanto de Aroa, que esteve a ponto de tolerar que ela ficasse com essa garota que conheceu, Minerva. Não lhe importava que estivesse com outras mulheres, desde que sempre regressasse depois para ela.

    - Não me importa, de verdade – disse-lhe, contendo o pranto -. Para mim tanto faz se quiser sair com ela, mas não quero que saia do meu lado. Tem todo o direito do mundo em ter uma amante. Claro, Aroa, claro que pode se divertir com outras mulheres. Não me importo, sério – disse-lhe, insistindo.

    - Não, Sofia. Vou com Minerva. Vou com ela porque é bonita, e safada, e tem um bom emprego em um escritório de advogados, um dos mais importantes de Barcelona. Com ela tenho um futuro que contigo jamais terei – disse-lhe, olhando-a com desprezo -. Que futuro espera uma mulher que trabalha em uma padaria, distribuindo pães e bolos para os turistas?

    Sofia não queria voltar a chorar, e que ela a visse vulnerável. E, apesar das palavras grossa que escutou da boca de Aroa, seus olhos expeliram ternura e brilharam como bolas de cristal. Sofia era toda amor, inclusive nos momentos mais conflitantes.

    - Procurarei outro trabalho – disse-lhe, fazendo o gesto de lhe acariciar a bochecha.

    - Sim, mas que não seja de cara com o público – espetou-a, sorrindo -. Uma garota de um metro e cinquenta e com essa cicatriz no nariz, não acho que ninguém a queira para estar de frente ao público. E não digo isso para te ofender, mas para que seja consciente da realidade. Para que veja como é, e não como gostaria de ser.

    A última coisa que Sofia escutou foi o som da porta de apartamento, sendo fechada bruscamente. Logo se pôs a chorar e evitou se olhar no espelho, porque sabia que deveria estar horrível com esses olhos vermelhos e as bochechas marcadas de tanto apertá-las com suas mãos. Neste instante, não podia saber que Aroa não estava falando sério, porque todos estes insultos eram para destruir a relação. E assim seria mais fácil abandoná-la. Aroa procurava cortar qualquer vínculo com ela, para que jamais pudesse recompor o amor que ambas se professaram.

    Aroa já havia chegado à Rua Paloma. Sabia que, às duas horas e quinze minutos, Minerva regressava, diretamente do escritório de advogados. E a quer esperar arrumada, para as duas saírem juntas para comer. Circula até a garagem, onde todo dia guarda a motocicleta. Nesse bairro, uma Piaggio não dura nem meio minuto sem que alguém a leve, por mais protegida que esteja, não é à toa que é uma das áreas mais inseguras de Barcelona.

    O condutor do Opel Frontera azul o estaciona na Rua Tigre. Seu ocupante caminha com rapidez pela Rua Joaquín Costa. Durante toda a semana anterior verificou como, de forma matemática, todo dia Aroa fazia o mesmo trajeto e estacionava a moto na mesma garagem. Logo, às duas horas e quinze minutos, chegava Minerva, caminhando pela Rua Joaquín Costa. O escritório de advogados era pontual com o horário de seus empregados, e Minerva jamais se atrasou mais do que alguns minutos, no máximo.

    Com um empurrão, abre a porta da rua. Esta porta havia sido forçada tantas vezes que a fechadura estava inutilizada. Avançava, dando um pequeno salto sobre uma mancha de urina que há no canto da sala onde estão os relógios de luz, e sobe pelas escadas, os quatros andares; o prédio não tem elevador. Procurar não tocar em nenhum momento no corrimão nem na parede, embora tenha vestido as luvas quando desceu do carro. Nesse instante, comprova que faltam sete minutos para que Minerva chegue, e se coloca em frente à única porta que há no último andar, e a golpeia com os nós dos dedos, dando dois golpes suaves. Não dispõe de muito tempo, e não pode se atrasar se quiser descer até a entrada e voltar à rua, sem cruzar com a outra garota.

    - Chegou um pouco antes – comenta Aroa ao abrir a porta -. O que quer? – pergunta ao ver este desconhecido no último degrau da escada.

    Na esquina da Rua Paloma com a Joaquín Costa, Minerva cruza um jovem que caminha apressado. Jamais lhe passaria pela cabeça pensar que esse garoto alto, de óculos escuros, de cabelo despenteado, de tez pálida, de braços franzinos, acabara de assassinar sua companheira de apartamento. Neste instante são duas horas e dezessete minutos de uma quinta-feira, 27 de julho de 1995.

    3. Grupo 3 de Homicídios

    «Seu rosto falava de uma maneira

    muito mais explícita que sua voz».

    Siete libros para Eva, Roberto Martínez Guzmán.

    -  Apareceu um cadáver no último andar de um bloco na Rua Paloma – comenta o inspetor Bellido, do Grupo 3 de homicídios da Polícia Nacional, ao entrar no escritório no terceiro andar da Chefatura de Barcelona.

    -  Acabei de ler isso no relatório de serviço da segurança pública – responde Mônica, a subinspetora do grupo. Em seguida, apoia a ponta do marcador vermelho em uma folha que tem sobre a mesa, e deixa que seu olhar perca o foco.

    -  Já estava estranhando que, com a semana tão tranquila que estávamos tendo, isto não mudaria de jeito no fim de semana – comenta Carlos, diante do olhar reprovador do inspetor.

    A sala tem doze metros quadrados, e é a maior de todo o edifício da Chefatura. Em um dos cantos, próximo à janela que dá para a Via Layetana, há uma mesa enorme onde cabe a máquina de escrever, um par de bandejas de folhas e vários rádios da polícia, desordenados e com o volume no máximo. Em uma das paredes está pendurado um calendário do sindicato majoritário, com várias linhas dos meses de julho e agosto desse ano, 1995, coloridas segundo as férias dos quatro integrantes do grupo de investigação: Mônica, a subinspetora, e os policiais da escala básica: Raquel, Javier e Carlos. Em uma sala anexo, separada por uma porta de vidro, está o escritório do inspetor, que sequer utiliza, já que está sempre fora, onde há uma mesa, um computador e um cabideiro de madeira, com uma jaqueta de pano fora moda eternamente pendurada, com duas cotoveleiras pretas.

    O Grupo 3 se dedica integralmente à investigação de homicídios. Os demais, dentre os cinco que existem no total na brigada, estão enquadrados na Unidade de Drogas e Crime Organizado (UDECO), de onde derivam outras seções como Lavagem de Divisas, Entorpecentes ou Delitos Violentos. O comissário de Justiça, Julián Lanzarote, havia insistido na criação de um grupo que se dedicasse pura e duramente aos homicídios, sem que houvesse nada mais que os distraísse. O chefe superior havia rechaçado sua proposta, a princípio, porque policialmente entendia que todos os homicídios têm sua origem em outro delito. Assassina-se para encobrir um roubo, uma violação, ou um ajuste de contas do narcotráfico. Mas não existe, assim argumentou, um crime puro, pelo mero fato de matar. Finalmente aceitou, e formou-se o Grupo 3, que anteriormente se dedicava aos assassinatos em áreas latinas, absorvendo este tipo de delitos da Brigada Provinciana de Informação.

    - Temos que esperar que a Segurança Pública conclua o relatório, para que não os atravessemos – explica o inspetor -. Quero que vocês conduzam este caso. Além do mais, os outros grupos estão até as tampas de trabalho e não podem pegá-lo, mesmo que quisessem.

    - Se refere ao da lésbica? – pergunta Mônica, para estar segura, emitindo um sorriso sem preço que deixa animado o inspetor.

    Às vezes, a busca precipitada da subinspetora para se encaixar como mandante de uma unidade tipicamente masculina a força a utilizar uma linguagem machista que o inspetor rechaça com um gesto de desgosto.

    - Sim, da portaria número 13 na Rua Paloma – diz-lhe, assentindo -. Leu isso no relatório de serviço? – pergunta, repartindo seu olhar pelos integrantes do grupo, para estar seguro de que todos participam de sua conversa.

    Mônica tem vinte e cinco anos, e foi a última a chegar. Fez as práticas na polícia de Barcelona, embora seja oriunda de Ávila, mas, como ao jurar o cargo não teve lugar nem para sua cidade nem para nenhuma outra próxima, como Madri ou Guadalajara, decidiu ficar uns anos em Barcelona, até que reunisse o nível necessário para voltar à sua terra. E a forma mais rápida de adiantar a pontuação é realizando serviços destacados e subindo na carreira. Por isso, solicitou seu ingresso na Homicídios. E por isso também, decidiu subir a oficial e depois a subinspetora.

    - Li isso esta manhã – responde Mônica, com insistência, enquanto segura um punhado de folhas em sua mão esquerda. Na direita, balança inquieta seu eterno marcador vermelho.

    Ao seu lado, está Raquel, uma ruiva que entrou para a polícia com a estatura mínima, um metro e sessenta e cinco. Assim como Mônica, não está no grupo nem sequer um ano. Os outros dois policiais fumam impassíveis ao lado da janela aberta. Um deles, Javier, balança um copo de papel em sua mão, enquanto, com a outra, mexe a colherinha de plástico em um gesto enlouquecido. Um cigarro aceso pende de seus lábios, forçando-o a fechar os olhos por causa da fumaça.

    - Em principio é uma morte natural – une-se à conversa Carlos.

    O inspetor o segue com o olhar, enquanto se desloca até a mesa e se senta na única cadeira que está vazia, em frente à subinspetora.

    - Como natural? – indaga o inspetor com raiva.

    - Porque é natural que se morra depois de uma machadada na cabeça – expele Carlos, com o rosto sério.

    - Não gosto destas brincadeiras – censura o inspetor, enquanto fecha a porta e se aproxima da janela onde Javier degusta do cigarro.

    O inspetor José Maria Bellido está preso à moda antiga. Ao menos externamente, mas os que o conhecem sabem que não é assim. Tem quarenta e dois anos, e é um dos inspetores de promoção interna mais jovem da chefatura, desde que entrou no ano de 1989. Todos os integrantes de grupo o elogiam, pessoalmente. Essa é uma prerrogativa que seguem mantendo os inspetores da UDECO: a de escolher os agentes de seus grupos de investigação. São policiais jovens, a maioria de solteiros e sem compromissos, e com gana de se destacarem. Os grupos de investigação requerem uma dedicação exclusiva, e não podem permitir que os membros fiquem mais pendentes à hora de irem para casa, ou de ficarem com a namorada, ou irem buscar a esposa ou o marido, ou esperarem as crianças na porta do colégio, do que ao trabalho que têm para fazer. Além do mais, esses agentes jovens e recém-chegados são mais manejáveis do que os dinossauros que estão todo dia reclamando do horário e do salário.

    - Acho que o assassino não queria matar essa garota – comenta Javier no canto da janela.

    Em seguida, o inspetor fica olhando abobalhado para o cabelo longo e encaracolado de Carlos, que lhe cobre praticamente toda a nunca. Ambos sabem que esse corte não seria permitido nos Zetas, mas, no judiciário, eram mais relaxados com as normas de vestuário e estética.

    - Não tem vergonha que seu companheiro use uma cabeleira desta? – dirige-se a Javier, que acaba de se deslocar até a mesa, e fica de pé ao lado de Raquel.

    - Alguém aqui terá que ter o cabelo comprido – defende-se Carlos, olhando o cabelo curto de Mônica e de Raquel.

    - A primeira patrulha que chegou pegou os dados da inquilina do apartamento, Minerva Cifuentes. A garota foi a primeira ao ver o corpo

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1