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O Mar, a Pesca, a Ponta dos Búzios: pequena história de Armação dos Búzios
O Mar, a Pesca, a Ponta dos Búzios: pequena história de Armação dos Búzios
O Mar, a Pesca, a Ponta dos Búzios: pequena história de Armação dos Búzios
E-book444 páginas5 horas

O Mar, a Pesca, a Ponta dos Búzios: pequena história de Armação dos Búzios

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Sobre este e-book

Uma viagem no tempo para conhecer histórias e memórias de um dos lugares mais belos do mundo. Assim podemos definir O Mar, a Pesca, a Ponta dos Búzios, um livro que faz jus aos relatos das tradições e aos apelos dos desafios apresentados a esta que é uma das principais atrações turísticas brasileiras.
O livro abarca uma longa temporalidade desde os vestígios dos primeiros habitantes até as complexidades trazidas pela "modernidade". Longe, porém, de pretender dar conta da totalidade dos processos de transformação, esta obra tem intenção de começar a sistematizar e a alimentar a produção de um conhecimento sobre a região de Armação dos Búzios que possa contribuir para a promoção de formas mais sustentáveis de desenvolvimento econômico e humano.
Este livro é fruto de uma extensa pesquisa da autora Lygia Baeta Neves, fotógrafa, socióloga e frequentadora da região há muitas décadas, que acompanhou de perto, sempre com olhos amorosos e críticos, os processos das transformações socioeconômicas, culturais e humanas ocorridas em nome do "desenvolvimento" e do "progresso".
IdiomaPortuguês
Data de lançamento18 de mai. de 2023
ISBN9786587079899
O Mar, a Pesca, a Ponta dos Búzios: pequena história de Armação dos Búzios

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    O Mar, a Pesca, a Ponta dos Búzios - Lygia Baeta Neves

    O Mar, a Pesca, a Ponta dos Búzios é fruto de uma extensa pesquisa da autora Lygia Baeta Neves, fotógrafa, socióloga e frequentadora da região há muitas décadas, que acompanhou de perto, sempre com olhos amorosos e críticos, os processos das transformações socioeconômicas, culturais e humanas ocorridas em nome do desenvolvimento e do progresso.

    No coração da obra, o leitor encontrará as entrevistas com os pescadores locais, homens e mulheres de diferentes idades e gerações, que falam com detalhes sobre suas vivências e memórias. Tanto pelo afeto quanto pela importância do conhecimento que compartilham, as entrevistas dão um delicioso tom familiar e intimista ao material da pesquisa, revelando também o caráter humanista da abordagem, que se alinha ao gênero da história oral e da história do cotidiano.

    Paralelamente, a pesquisa documental de jornais e outros periódicos (de 1825 a 2020), bem como os relatos extraídos da literatura dos primeiros viajantes-exploradores (séc. XVI a XVIII) conferem a estrutura e a densidade necessárias à construção desta narrativa histórica em que somos apresentados a um percurso de mais de seis mil anos. Nele acompanhamos desde os povos dos sambaquis e o início da atividade pesqueira, da cultura dos Tupinambá e a chegada dos colonizadores europeus até a formação da aldeia de pescadores que no século XX foi sucedida pela atividade turística, levando à conversão da pequena aldeia em uma cidade cosmopolita.

    © NAU Editora

    Rua Nova Jerusalém, 320

    CEP: 21042-235 - Rio de Janeiro (RJ)

    Tel.: (21) 3546-2838

    www.naueditora.com.br

    contato@naueditora.com.br

    Coordenação editorial Simone Rodrigues

    Revisão e preparação de textos Juliana de Oliveira Reis e Miro Figueiredo

    Projeto gráfico, capa e diagramação Estúdio Arteônica

    Fotografias (capa e Álbum de imagens) Lygia Baeta Neves

    Tratamento de imagens Luiz Felipe Nascimento

    Conversão para eBook SCALT Soluções Editoriais

    Conselho editorial

    Alessandro Bandeira Duarte (UFRRJ)

    Claudia Saldanha (Paço Imperial)

    Eduardo Ponte Brandão (UCAM)

    Francisco Portugal (UFRJ)

    Ivana Stolze Lima (Casa de Rui Barbosa)

    Marcelo S. Norberto (CCE / PUC-Rio)

    Maria Cristina Louro Berbara (UERJ)

    Pedro Hussak (UFRRJ)

    Roberta Barros (UCAM)

    Vladimir Menezes Vieira (UFF)

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

    Tuxped Serviços Editoriais (São Paulo, SP)

    Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário Pedro Anizio Gomes - CRB-8 8846


    N518m Neves, Lygia Baeta.

    O mar, a pesca, a ponta dos Búzios: pequena história de Armação dos Búzios / Lygia Baeta Neves. -

    1. ed. - Rio de Janeiro : NAU Editora, 2023.

    E-book: 4 Mb; ePub.

    Inclui bibliografia.

    ISBN 978-65-87079-89-9.

    1. Armação dos Búzios. 2. Especulação Imobiliária. 3. História. 4. Urbanização. I. Título. II. Assunto. III. Autora.

    CDD 711.981.53

    CDU 911.375.5


    1a edição • 2023

    Para meu filho Bernardo,

    por todo o incentivo e carinho,

    e para meu neto Thomas.

    SUMÁRIO

    Armação dos Búzios

    Notas de uma observadora

    Agradecimentos

    A Formação da Armação dos Búzios

    1. O início, há seis mil anos, os primeiros pescadores

    Modo de vida, cultura sambaqui

    O colapso

    2. A vida cotidiana dos Tupinambá às vésperas da chegada dos europeus

    Chegada dos Tupinambá às baixadas fluminenses

    A vida cotidiana dos Tupinambá

    Sobre relações sociais e crenças

    Sobre a guerra

    Sobre as habilidades e técnicas de pesca tupinambá e sobre as embarcações que utilizavam

    A canoa e a jangada

    A importância da pesca da tainha

    3. Da chegada dos europeus ao massacre de Salema (1503-1575)

    4. O povoamento português da região de Armação dos Búzios

    A fundação da cidade de Santa Helena de Cabo Frio

    A aldeia de São Pedro

    5. O mar, a pesca, a Ponta dos Búzios

    6. A pesca da baleia e a Armação dos Búzios

    O início

    A armação baleeira dos Búzios

    A estrutura baleeira

    Construindo o que viria

    7. Armação dos Búzios, posse das terras e desenvolvimento no século XIX

    O desenvolvimento de Búzios no século XIX

    Entre pescadores e grandes proprietários: um perfil dos moradores de Búzios no século XIX

    A vocação para o mar

    8. Entrevistas

    Amarildo

    Chita

    Seu Pedro

    Seu Alfredo

    Andrelino

    Dona Delvira

    Deise

    Dona Eva

    Vitor Hugo

    Francisco

    Sirlene

    Ernani

    Elias

    João do Banjo

    Seu Benoni

    Pinho, filho de Benoni

    André, filho de Pinho

    Álbum de imagens

    Chegando à atualidade

    9. Armação dos Búzios no século XX

    Búzios, aldeia de pescadores

    Sobre as mudanças na posse da terra

    Sobre o desenvolvimento do turismo

    10. Armação dos Búzios na atualidade

    Sobre a pesca em Armação dos Búzios na atualidade, dados técnicos

    Sobre a população de Armação dos Búzios

    Sobre a população quilombola, dados

    Uma vitória significativa

    O meio ambiente em Armação dos Búzios, a segunda chance

    Cronologia

    Fontes e referências

    Sobre a autora

    ARMAÇÃO DOS BÚZIOS

    Armação dos Búzios faz parte da região costeira do sudeste do Brasil, definida como Baixadas Litorâneas ou Costa do Sol, ocupando uma área de 71,7 km ² e faz limites com o município de Cabo Frio e com o oceano Atlântico. Está situada a 160 km da cidade do Rio de Janeiro.

    A cidade com população estimada para 2020 de 40.532 habitantes compreende uma porção continental e outra peninsular. O desenho de seu litoral forma enseadas e baixadas de formatos e dimensões bastante diversificados o que confere uma característica única a cada uma de suas vinte e seis praias, famosas por sua beleza extraordinária.

    Búzios tem uma atividade pesqueira artesanal que utiliza principalmente a linha de mão, as redes de espera e o arrasto de praia. Mas desde cerca de 1970 a pesca foi substituída pelo turismo como principal atividade da cidade. A antiga aldeia de pescadores se converteu numa cidade cosmopolita. No início, os turistas eram franceses, argentinos e paulistas, mas logo começaram a chegar de outros países e estados do Brasil.

    O turismo hoje é responsável pela maior parte das atividades econômicas da cidade, que se consolidou como o 5º destino mais visitado do país no Turismo Internacional.

    A pequena cidade possui, entretanto, uma rica história que remonta há seis mil anos. Através do uso de pesquisa científica, inclusive com estudo dos ossos encontrados nos sambaquis, e de dados levantados principalmente em fontes primárias é possível tentar descrever o que se passou neste palco tão especial. Por meio de relatos de testemunhas oculares, como os viajantes dos séculos XVI e XVII, testemunhos em processos do século XVIII e escritos do século XIX em diante, buscou-se fazer uma descrição da vida dos habitantes ao longo do período e dos principais fatos históricos que tiveram impacto na formação de Armação de Búzios. Trabalhos de outros pesquisadores, citados na Bibliografia, ajudaram a compor o quadro.

    Fig. 1 – Mapa contendo as áreas vegetadas, as praias e os arruamentos do municópio de Armação dos Búzios - RJ.

    Assim, esta história se contará começando com os povos dos sambaquis, os primeiros pescadores, seguidos dos Tupinambá, colonizadores europeus até a consolidação da aldeia de pescadores no século XX. Entrevistas com os pescadores relatarão em detalhes a vida cotidiana em Búzios do começo do século XX e as mudanças na cidade em função de sua transformação em destino turístico internacional. Pesquisa sistemática em jornais e outros periódicos de 1825 a 2020 completarão o quadro. Um olhar e descrição final da atualidade tentam abrir o caminho para outros livros, outros autores...

    Uma história tão rica em um período de tempo tão estendido não poderia ser descrita de forma integral neste volume. Este trabalho deve ser entendido como uma colaboração à história de Armação dos Búzios e oferta de fontes de pesquisa, citadas na Cronologia e Fontes e Referências, para futuros autores.

    NOTAS DE UMA OBSERVADORA

    Os propósitos da história são variados, mas um deles é prover aqueles que a escrevem ou a leem de um sentido de identidade, de um sentido de sua origem... A história vista de baixo proporciona também um meio para reintegrar sua história aos grupos sociais que podem ter pensado tê-la perdido ou que nem tinham consciência de sua história.

    (Jim Sharpe, A história vista de baixo.¹)

    Este livro pretende ser uma contribuição à história de Armação dos Búzios. Como socióloga, aproximo-me da história através de sua corrente conhecida como história vista de baixo ou história das pessoas comuns, como preferia Eric Hobsbawm.

    Com este sentido, o livro não descreve preferencialmente as ações ou discursos das diversas autoridades, mas tenta fazer ouvir os atores da história cujas vozes e ações raramente são sequer mencionadas. Os Tupinambá, colonos, pescadores artesanais, deles foi reconhecido o papel na história de Búzios. Procurei usar fontes primárias como falas de chefes Tupinambá registradas na época por cronistas europeus, correspondências de colonos a El-Rei de Portugal, relatos orais de antigos e novos pescadores.

    O capítulo intitulado A vida cotidiana dos Tupinambá às vésperas da chegada dos europeus é uma referência ao livro A vida cotidiana dos Astecas: nas vésperas da conquista espanhola, de Jacques Soustelle, 1955. Este livro fez parte da coleção A vida cotidiana, da Livraria Hachette, Paris, iniciada nos anos 1930, que descreveu a vida cotidiana de diferentes povos.

    Outrora rejeitada como trivial, a história da vida cotidiana é encarada agora, por alguns historiadores, como a única história verdadeira.²

    (Peter Burke, A escrita da História, p. 23.)

    O livro nasceu de minha experiência em Búzios, que frequento desde a década de 1980. Comecei a entrevistar e fotografar pescadores da Rasa em 2004 por estar assistindo, naquela época, à mudança em processo na cidade e à possibilidade de desaparecimento da cultura da pesca artesanal, característica que considero muito importante para a definição da identidade buziana. As entrevistas com os pescadores, seu relato sincero sobre sua vida cotidiana – antes, durante e depois das grandes mudanças que transformaram a antiga aldeia numa cidade destino de turismo nacional e internacional – trazem um facho de luz sobre as questões presentes na Búzios atual.

    Publico agora, aqui, parte deste material colecionado através desses quase vinte anos de pesquisa, apresentando-o no contexto histórico que lhe dá sentido: o sentido, principalmente, de mostrar os seis mil anos de presença da pesca artesanal na região de Búzios, as origens dos povos dos sambaquis e Tupinambá, o povoamento e o desenvolvimento da cidade até a atualidade.

    AGRADECIMENTOS

    Agradeço a colaboração de grande importância da pesquisadora e historiadora Dra. Luiza de Cavalcanti A. Ferreira, que foi fundamental para possibilitar atingir os objetivos deste livro.

    Agradeço também à generosidade do Professor Olegário Pereira, que publicou em sua tese de doutorado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) toda a transcrição de sua pesquisa no Arquivo Ultramarino para utilização de futuros pesquisadores. Este material foi fundamental para a compreensão e descrição dos acontecimentos dos séculos XVII e XVIII em Armação dos Búzios.³

    Agradeço igualmente a Maria Alice Machado de Carvalho pela colaboração no projeto Búzios – Pescando o Futuro, que apresentei em 2019, cujos dados foram utilizados para complementar o último capítulo.

    Finalmente, agradeço principalmente às pescadoras e pescadores de Búzios pela paciência, carinho e interesse em me contar sua história ao longo desses anos.

    Notas

    ¹ Sharpe, Jim. A história vista de baixo. In: BURKE, 1992, p. 59-60.

    ² BURKE, Peter (org.). A escrita da História: novas perspectivas. São Paulo: Editora UNESP, 1992, p. 23.

    ³ PEREIRA, Olegário. Análise das configurações socioambientais em litorais da margem atlântica: lagunas de Aveiro (PT) e Araruama (BR). 2019. Tese (Doutorado em Meio Ambiente) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019. 

    A Formação

    da Armação

    dos Búzios

    1.

    O INÍCIO, HÁ SEIS MIL ANOS, OS PRIMEIROS PESCADORES

    Há cerca de um milhão de anos o oceano Atlântico formou as grandes planícies litorâneas que se estendem ao longo da costa através de um contínuo depósito de areia e outros sedimentos sobre a plataforma continental brasileira. A energia das ondas e a ocorrência de tempestades modelaram seu perfil.

    Armação dos Búzios se encontra nesta região de baixadas e ao mesmo tempo apresenta costões rochosos que são fruto da colisão de massas continentais, entre a África e a costa brasileira, há 520 milhões de anos. O último evento desta colisão foi denominado pelos geólogos de Orogenia Búzios. As rochas assim formadas aparecem em vários costões como na Ponta da Lagoinha, praia da Foca e do Forno.

    Nestas regiões existem espetaculares feições e paisagens. São rochas foliadas e dobradas, demonstrando as altas pressões e temperaturas a que foram submetidas no episódio de colisão.¹

    Nas rochas mais antigas da Ponta do Marisco, localizada na praia de Geribá, também podem ser observadas as rochas foliadas surgidas após a colisão continental.

    Até cerca de 10 mil anos atrás os humanos habitavam as terras internas do planeta e se dedicavam primordialmente à caça. Nessa época, ocorreram alterações que transformariam de forma expressiva seu modo de vida.

    Estas variações foram mudanças climáticas, aumento da população, extinção das grandes manadas e grandes mamíferos e, por fim, a elevação do nível do mar e a estabilização das planícies.² Estes fatores fizeram com que diferentes fontes de subsistência fossem procuradas no novo acesso às planícies costeiras onde eram abundantes os recursos para alimentação e moradia. O mar, mangues, lagunas e desembocaduras de rios forneciam moluscos, siris, caranguejos, peixes da costa e de águas profundas.

    Este movimento em direção ao litoral acarretou uma transformação importante para a espécie humana, promovendo sua fixação permanente no território, com abandono de hábitos nômades, em função da abundância dos recursos necessários à sua sobrevivência.

    Há mais ou menos seis mil anos, quando esses povos do interior chegam à região que se estende da foz do rio Una até a cidade de Armação dos Búzios, a linha da costa apresentava acentuada reentrância formada pelo estuário do rio Una, onde parte do vale fluvial desse rio e seus tributários foram afogados. Sugere-se para a região correspondente ao cabo Búzios um cenário onde esse local estivesse desligado do continente em uma ilha.³ Nessas condições, o nível marinho se encontrava de 0,93 a 2 metros acima do atual.⁴

    A presente formação da planície costeira aparece por volta de 600 a.C. a 30 d.C., quando a linha de costa na região da praia Rasa se encontrava mais ou menos na posição atual. Nessa fase, a planície costeira estaria quase totalmente formada, com evidências de formações de solos muito úmidos bastante semelhantes aos encontrados nas sondagens obtidas hoje na região de Campos Novos e no Condomínio Portal de Búzios, em São Pedro da Aldeia.

    O desenho da linha da costa como se conhece hoje se formou com a conexão do cabo Búzios através de uma língua de areia e seixos ligando ao continente o que antes era uma ilha. Mas a configuração da costa quando este litoral começou, há seis mil anos, segundo estudos arqueológicos, a ser povoado por pequenos grupos cuja origem ainda é incerta⁵, correspondia ao cenário em que o cabo Búzios ainda era uma ilha.

    Eles se tornaram conhecidos como grupos sambaquieiros em função da construção de sambaquis nos locais onde se estabeleceram.

    Sambaquis, que em tupi-guarani significa amontoados de conchas, eram estruturas em forma de colinas de dimensões variadas. Sua exata função ainda intriga os pesquisadores, mas é provável que tivessem principalmente função funerária. Em média tinham 2 metros de altura por 30 metros de largura e 50 metros de comprimento, mas podiam ser bem maiores. Eram cobertos por conchas de moluscos que constituíam também 80% de seu conteúdo. Às conchas se acresciam os restos humanos, de animais, pequenos objetos de pedra trabalhada, itens para caça e pesca, de adorno e outros.

    Os sambaquis estão localizados exclusivamente na faixa litorânea e estão distribuídos de maneira aglutinada. O estudo da distribuição espacial dos assentamentos indicou que a ocupação da área se deu a partir de agrupamentos de sítios que formavam verdadeiras comunidades.

    A escavação de sambaquis realizada por arqueólogos da costa da Bahia até o Rio Grande do Sul, mas muito concentrada no litoral do estado do Rio de Janeiro, trouxe revelações muito importantes para o modo de vida e a cultura deste grupo e sua evolução de caçadores-coletores a pescadores-coletores.

    Chegando ao litoral estes grupos se adaptaram ao ambiente notavelmente, deixando grande quantidade de sítios arqueológicos, cerca de 2 mil sítios, que se estenderam pela costa brasileira.⁷ Passaram de nômades a sedentários, estabelecidos em uma localidade devido à abundância de recursos necessários à sua sobrevivência.

    Viviam em interação com o meio ambiente marinho, percebendo suas características e movimentos e vivendo em interação com eles.

    Modo de vida, cultura sambaqui

    Nas Baixadas Litorâneas do Rio de Janeiro, os povos sambaquieiros se instalaram há cerca de 6 mil anos. Os sítios mais antigos localizados na região se encontravam na praia de Geribá, praia do Forte e na praia de Itaúnas e provavelmente foram contemporâneos. A grande quantidade de sítios ativos entre 4 mil e 3 mil anos atrás indica que nesse momento ocorreu uma expansão desta sociedade na região.

    Na Armação dos Búzios foi encontrado um dos sambaquis mais antigos do litoral brasileiro, o sambaqui Geribá II, localizado na praia de mesmo nome sobre rochas de embasamento cristalino. Tem a datação confirmada de 4.150 a.C.

    Próximo à ponta de Geribá foram encontrados seis outros sítios arqueológicos: Geribá I, Duna da Casa do Sr. Abel, Casa de D. Nina, Casas Brancas e Amarras.

    No sambaqui Geribá II foram encontrados materiais de pedra (blocos, lascas e fragmentos de quartzo lascado) e pontas ósseas. E também ossos de peixes, espículas de ouriço, garras de caranguejo, conchas de moluscos.

    As camadas do sambaqui mostram que o sítio foi ocupado inicialmente por caçadores, depois por coletores de moluscos e nos níveis mais recentes por grupos em contato com Goitacás e Tupi-Guaranis. Neste último nível surgem peças trabalhadas em dentes de animais e pedras, restos de fogueiras.

    A partir de sondagens foi possível constatar que a camada de moluscos mais recente se estende por 100 metros de praia, alcançando (...) o sítio Duna da Casa do Sr. Abel, atualmente totalmente destruído, como todos os sítios registrados na década de oitenta, na praia de Geribá.

    Tendo como referência o mar, os povos sambaquieiros se instalaram nas imediações de rios, lagoas, mangues, restingas e florestas. Na orla, escolheram como local de moradia as enseadas, cantos de praia, até mesmo pela proteção que poderiam dispor de fortes ventos que impactariam, principalmente, a atividade pesqueira. O mar se apresentaria como principal fonte de alimentos, sobretudo pela existência de ressurgências na região, correntes marítimas geladas ocorridas no verão que aumentam a produtividade marinha.

    No entanto, em situações em que o oceano não estivesse acessível, mormente por condições meteorológicas, os moluscos teriam relevância na dieta por estarem disponíveis a todos nos mangues. Assim, concentraram-se também em atividades como a coleta de moluscos, a coleta de vegetais, a caça, ainda que em menor escala, e a procura por matérias-primas para elaborar ferramentas e artefatos.

    Todas essas atividades podiam ser acessadas em poucos quilômetros, estando diretamente relacionadas à escolha da moradia, já que a função do sítio e a sua localização são correlatos.¹⁰ Nesse sentido, a busca pelo lugar ideal contribuiu para que esses povos ocupassem permanentemente esses espaços, tendo a orla como principal local de habitação.

    Um importante traço da cultura sambaquieira pode ser percebido pelo tratamento que davam aos seus mortos. A cerimônia fúnebre era um momento de mobilização da comunidade, envolvendo intensa atividade pesqueira, coleta de moluscos, o preparo de comidas e o tratamento do corpo.

    No caso dos construtores do sítio localizado em São Pedro da Aldeia, Corondó, os acompanhamentos funerários permitem inferir alguns aspectos daquela sociedade, como o compartilhamento de tarefas por homens e mulheres.¹¹ Os vários tipos de instrumentos, inclusive os associados a atividades geralmente vistas como masculinas, como as pontas ósseas para caça ou pesca, estão presentes em enterramentos de ambos os sexos, sem distinção.

    Um dos principais aspectos da vida dos povos sambaquieiros diz respeito ao seu caráter cooperativo, presente também na atividade pesqueira, onde o mar se mostrava como uma importante base para o desenvolvimento desse atributo. A pesca, de acordo com renomados pesquisadores, seria a atividade em torno da qual os sambaquieiros estruturariam o seu cotidiano.

    (...) as águas eram muito mais do que fonte de recursos, mas espaços de sociabilidade. Elas serviam como meios de encontro de pescadores para montar armadilhas, jogar redes ou anzóis, artepescas que nem sempre deixaram testemunhos arqueológicos de suas práticas, as quais são inferidas pelo material faunístico que compõe os sambaquis e são amplamente demonstradas pela zooarqueologia.¹²

    Restos de esqueletos de diversas espécies de peixes dentro dos sambaquis confirmam a subsistência através da pesca. Ao que tudo indica, os povos sambaquieiros eram grandes pescadores e navegadores. O porte grande e os tipos dos peixes encontrados nos sítios do litoral, como diferentes espécies de tubarões que habitam águas profundas, sugerem que os grupos eram canoeiros.¹³ Desse modo, o domínio da navegação seria um dos principais fatores para a execução desse nível de atividade pesqueira.

    A grande diversidade de peixes encontrada nos sítios também sinaliza a utilização de ferramentas precisas para a pesca. Embora não haja vestígio físico, dada a efemeridade dos materiais utilizados, supõem-se que esses povos fizessem uso de redes de pesca. Há registros, entretanto, de projéteis e lanças construídos a partir de ossos, que reiteram o uso de ferramentas específicas.

    Estudos dos ossos humanos encontrados nos sítios avaliaram a existência de anomalias no canal auditivo e desgaste ósseo nos membros superiores do corpo. Essas análises sugerem que os sambaquieiros mergulhavam em águas frias e realizavam bastante esforço com os braços. A utilização de remos e de ferramentas de pesca é aspecto que corrobora a teoria de que esses povos possuíam habilidade para remar em mar aberto.

    Os povos sambaquieiros desenvolveram exponencialmente as suas habilidades pesqueiras. Nos sítios de datação mais antiga, há grande quantidade de conchas e esqueletos de peixes de costa. Já nos sítios mais recentes, há presença de esqueletos de peixes que habitam águas profundas. Essa constatação evidencia avanços que contribuíram para a evolução da pesca.¹⁴

    Alguns dos peixes que podem ser listados como parte da dieta dos sambaquieiros, sendo presença frequente em sítios do litoral do estado do Rio de Janeiro, são a corvina (Sciaenidae), pargos (Lutjanidae), roncadores (Haemulidae), garoupas (Serranidae) e robalos (Centropomidae). Peixes pelágicos, ou seja, de mar aberto, são representados por anchova (Pomatomidae), peixes-vela (Istiophoridae), dourados (Coryphaenidae), bonitos (Carangidae), cavala e atum (Scombridae), arraias, localizados em áreas costeiras e de ilhas rochosas à beira-mar.¹⁵

    Também tubarões recém-nascidos e adultos, representativos de espécies oceânicas, eram alvo desses povos. Foram encontrados nos sítios restos de tubarão-branco, tubarão-mako, tubarão-sardo, tubarão-de-focinho-negro, tubarão-rotador, tubarão-de-cabeça-chata, tubarão-negro, tubarão-corre-costa, tubarão-tigre, tubarão-limão, tubarão-martelo, dentre outros.

    Há indícios de que a atividade sobre espécies vulneráveis pode ter representado o início do esgotamento e colapso da população natural de algumas espécies de peixes no sudeste brasileiro.¹⁶

    O colapso

    Esse padrão de assentamento dos povos sambaquieiros nas Baixadas Litorâneas fluminenses vigorou por aproximadamente 4 mil anos, até os primeiros contatos com grupos ceramistas Tupi e Goitacá.¹⁷ As aldeias Goitacá se instalaram em território que por 2 mil anos tinha sido de ocupação exclusiva dos povos Sambaquieiros, dando início ao processo de colapso, significando uma redução drástica de população e/ou complexidade política, econômica e social.¹⁸

    As aldeias dos Goitacá, povos cujos ancestrais eram provenientes do Centro-Oeste brasileiro, se instalaram na faixa litorânea. Convivendo de forma pacífica, os Goitacá teriam incorporado inclusive alguns hábitos dos povos sambaquieiros, como a pesca marítima e a preferência por ambientes alagados.¹⁹

    Ao acessar a costa litorânea fluminense, os Tupi então encontraram os povos sambaquieiros e Goitacá compartilhando aquele espaço. A mesma relação amistosa provavelmente não se estabeleceu entre os Goitacá e Tupinambá, em razão da postura belicosa de ambos. Assim, a chegada dos Tupi ao litoral teria afastado os Goitacá para o interior, especialmente em direção às serras fluminenses, enquanto os grupos sambaquieiros teriam possivelmente se deslocado pela orla.²⁰

    Acredita-se que os Tupi, com sua organização social e tecnológica mais avançada, teriam desestruturado a sociedade sambaquieira.²¹ Esse encontro deu início ao processo de colapso resultante de uma alteração na ordem estabelecida. O desaparecimento da sociedade sambaquieira foi estudado por arqueólogos que acreditam que a preocupação com a manutenção dos costumes, a dificuldade em assimilar novos hábitos e a perda de territórios teriam levado ao fim desse povo. O último registro da presença sambaqui em sítios das Baixadas Litorâneas data de 1240 d.C. (Sambaqui da Malhada).²²

    Apesar das diferenças culturais que levaram ao seu fim, os povos sambaquieiros deixaram um legado para os demais grupos em questão: a prática da coleta de moluscos e da pesca marítima. Em 1587, o cronista português Gabriel Soares de Souza relatou que os Tapuias da Bahia (índios relacionados historicamente aos Goitacá), mesmo vivendo no interior, vinham ao litoral: [com] povoações afastadas para o sertão, ao abrigo da terra, vem pescar e mariscar pela costa.²³ A essa altura esta era uma atividade corriqueira para os Tupi que já habitavam a faixa litorânea.

    Notas

    ¹ cf. MANSUR et al., 2012.

    ² cf. FIGUTI, 1993.

    ³ cf. MARTIN; SUGUIO, 1989 apud TENÓRIO; DIAS; CASTRO, 2010, p. 77-78.

    ⁴ cf. DIAS, 2009 apud TENÓRIO; DIAS; CASTRO, 2010, p. 77-78.

    ⁵ cf. TENÓRIO; DIAS; CASTRO, 2010. Em razão da oscilação marinha acredita-se que, caso tenham existido sítios mais antigos, estes estariam submersos.

    ⁶ GASPAR, 1996, p. 161.

    ⁷ cf. LOPES et al., 2016, p. 1.

    ⁸ cf. GASPAR et al, 2007 e TENÓRIO; DIAS; CASTRO, 2010. Atualização do sítio mais antigo para Geribá – 6100 AP (4150 a.C.).

    ⁹ TENÓRIO; DIAS; CASTRO, 2010.

    ¹⁰ GASPAR, 1996, p. 154.

    ¹¹ cf. GASPAR; HEILBORN; ESCORCIO, 2011.

    ¹² SILVA; GASPAR, 2019.

    ¹³ cf. GASPAR, 1996a, p. 362.

    ¹⁴ cf. LOPES et al., 2016, p. 15; TENÓRIO; DIAS; CASTRO, 2010.

    ¹⁵ Ibidem.

    ¹⁶ cf. LOPES et al., 2016.

    ¹⁷ Estimativa feita tendo por base em TENÓRIO; DIAS; CASTRO, 2010, e GASPAR et al., 2007. Datação mais antiga para um sítio Sambaqui (Geribá II) e a mais antiga para um sítio Tupi (Morro Grande).

    ¹⁸ DIAMOND, 2005 apud GASPAR et al., 2007.

    ¹⁹ cf. GASPAR et al., 2007.

    ²⁰ cf. GASPAR, 1996, 2007 e SEDA, 2014.

    ²¹ cf. GASPAR, 1996, 2007.

    ²² cf. GASPAR et al., 2007.

    ²³ SOUZA, 1851, p. 108. [Original de 1587].

    2.

    A VIDA COTIDIANA DOS TUPINAMBÁ ÀS VÉSPERAS DA CHEGADA DOS EUROPEUS

    Sua vocação estaria no caminho, que convida ao movimento.

    (Sérgio Buarque de Holanda, Caminhos e fronteiras, 1994)

    No século XVI, os Tupinambá ocupavam quase todo o litoral brasileiro, desde a proximidade da Foz do rio Amazonas até São Paulo.

    Este fato é

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