A aplicação do código de defesa do consumidor aos serviços públicos: Limites e possibilidades
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A aplicação do código de defesa do consumidor aos serviços públicos - Carlos Alberto Sousa
INTRODUÇÃO
O objeto deste trabalho, produzido originalmente como uma monografia, cinge-se às limitações e possibilidades de aplicação do Código de Defesa do Consumidor – CDC – Lei n° 8.078/90 – aos serviços públicos.
Para tanto, será realizada inicialmente uma abordagem teórico-conceitual acerca dos institutos relacionados ao tema, de forma a confrontá-los de maneira mais substancial na sequência da obra.
Assim, em um primeiro momento expor-se-á os conceitos de serviço público mais adotados pela doutrina pátria, destacando-se a importância da não unicidade do conceito no que tange à aplicação das normas do CDC aos serviços públicos.
Em um segundo momento, após breve anotação acerca do contexto histórico em que foi criado o CDC e das mudanças ocorridas na sociedade brasileira à época, conduzindo-nos, ainda que de maneira incipiente, a uma sociedade de consumo, dedicar-se-á aos conceitos trazidos pelo microssistema de defesa dos consumidores, sobretudo no que se refere às expressões consumidor
, fornecedor
, serviço
e remuneração
, cotejando-os com as definições doutrinárias e jurisprudenciais destes institutos construídas ao longo desses mais de vinte anos de vigência do CDC.
Não é tarefa das mais simples definir pela aplicabilidade ou não das normas do CDC ao se deparar com determinados casos concretos. Sobretudo no âmbito da Justiça Federal, mas não só, em que litigam sobremaneira pessoas jurídicas de direito público, há um sincretismo entre normas de direito público e normas de direito privado, de sorte a tornar ainda mais importante a definição dos limites de aplicação do Código de Defesa do Consumidor.
Muito embora o CDC faça menção expressa em alguns de seus dispositivos acerca da possibilidade de sua aplicação aos serviços públicos, a dúvida parece estar nos parâmetros desta aplicação, tendo-se em vista a necessidade de harmonização entre normas protetivas do diploma consumerista e as normas de Direito Administrativo aplicáveis aos serviços públicos.
Dada, pois, a importância do CDC para o ordenamento jurídico brasileiro e as demandas pela sua ampla utilização em defesa daqueles que estejam em posição de desigualdade em uma relação jurídica, algumas questões devem ser enfrentadas, a fim de que tal aplicação se dê de maneira adequada e homogênea.
A discussão acerca do tema tornou-se ainda mais atual e necessária após o ajuizamento da ADO 24/DF pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil em junho de 2013. Nesta demanda, a OAB requer a declaração da mora legislativa do Congresso em cumprir o estabelecido pela Emenda Constitucional 19/98, relativo à criação de uma Lei de Defesa dos Usuários de Serviços Públicos. A referida ação constitucional propõe que se determine a aplicação do CDC subsidiária e provisoriamente, enquanto não editada a aludida lei de proteção dos usuários de serviços públicos, de modo que torna premente o debate acerca dos limites e possibilidades de aplicação do CDC aos serviços públicos.
Neste sentido, procurar-se-á abordar inicialmente a diferenciação que se faz entre serviços públicos uti singuli e serviços públicos uti universi, analisando de que forma tal classificação interfere ou não na incidência das normas do CDC a esses serviços.
Outra celeuma a ser encarada versa sobre a natureza jurídica da contraprestação paga pela utilização do serviço público. Aqui, analisar-se-á a diferença entre os serviços remunerados por imposto, taxa e aqueles remunerados por tarifa, bem como as possíveis implicações de essa contraprestação ter natureza jurídica tributária ou contratual.
Merece destaque, ainda, a questão acerca da evolução da noção de interesse público, paralela à evolução liberalizante do Estado, cuja tendência aponta no sentido da aproximação das noções de interesse público anglo-saxônica e europeia. Parece-nos relevante, pois, analisar de que maneira essa mudança afeta os serviços públicos e as normas atinentes à sua regulação.
Por fim, permeiam também este trabalho questões atinentes ao sistema de subsídios em face das cobranças indevidas; às cláusulas exorbitantes frente às garantias dos consumidores; à devolução em dobro dos valores pagos indevidamente e o interesse da coletividade; à desconsideração da personalidade jurídica e o Estado; à continuidade dos serviços públicos e à admissão da suspensão do fornecimento de determinado serviço público.
1. SERVIÇOS PÚBLICOS
1.1 Conceito
Primeiramente, para uma melhor abordagem do assunto, faz-se necessário elucidar o conceito de serviços públicos. Contudo, indispensável esclarecer que há certa dificuldade na doutrina em defini-lo com precisão, haja vista tratar-se de expressão que admite mais de um sentido. Dessa forma, o conceito de serviço público é variável, eis que flutua ao sabor das necessidades e contingências políticas, econômicas, sociais e culturais, em cada momento histórico.
Os conceitos jurídicos dependem de um conhecimento das ideias que presidem a vida social e política em cada momento histórico, sendo assim, devem ser compreendidos à vista da sociedade sobre a qual se projeta¹.
A definição clássica de serviço público admite dois sentidos fundamentais, um subjetivo e outro objetivo. O sentido subjetivo leva em conta os órgãos do Estado, responsáveis pela execução das atividades voltas à coletividade. O objetivo, porém, pauta-se na atividade em si, prestada pelo Estado e seus agentes. Ou seja, prende-se à ideia da própria atividade a fim de conferir sentido ao serviço público.
Destaca-se, neste ponto, a teoria de Duguit, segundo a qual os serviços públicos constituiriam a própria essência do Estado
².
Nada obstante, traz-se à baila os conceitos explanados por dois renomados doutrinadores do Direito Administrativo, quais sejam: o professor Hely Lopes Meirelles e o professor Diogo de Figueiredo Moreira Neto. Busca-se, com isso, comparar os conceitos de serviços públicos que se desenvolveram no decorrer dos anos que, conforme o sentido que se lhe atribua, retratam visões mais tradicionais ou de vanguarda, de assaz influência no estudo que ora se realiza.
Nessa vereda, o professor Hely Lopes Meirelles, a par de uma visão mais tradicional, entende o serviço público como
todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade, ou sob simples conveniências do Estado. ³
Para ele, fora dessa generalidade não se pode, em doutrina, indicar as atividades que constituem serviço público,