Disparidades
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Disparidades - Thales Do Nascimento
Cecília
O parto era previsto como cesariana. E estava marcado para vinte e oito de fevereiro. A mãe Cecília não planejou engravidar. Porém, sua gravidez foi resultado de uma única relação sexual com um garoto de programa. Nem Cecília sabia o nome do pai da vida nova que iria gerar.
Uma empregada doméstica que com um salário muito humilde sobrevivia, em um duro mundo capitalista. Nesta esfera cruel, se alimentava e mal tinha dinheiro para pagar as suas contas. Além disso, contava com uma cor de pele de tom negro que podia lhe jogar para baixo, quando estivesse em um ambiente preconceituoso, e não há como negar que isto sempre existiu.
O que Cecília imaginava do futuro daquele novo ser não era esperançoso. Se ela tivesse a chance de abortar, não pestanejaria. Mas acontece que no Brasil de 1980, não era permitido o aborto. Isto, se consolidou como fora de cogitação.
O que viria ao mundo não era de extrema relevância, a mulher já estava acostumada com a miséria e os maus-tratos da vida. Não tinha a mínima esperança de se livrar daquela condição. Assim, o mundo lhe ofertou. Toda a triste realidade que lhe dava a razão de incorrer naquela perspectiva.
O árduo trabalho, um fator contribuinte em detrimento do seu sofrimento. Ela morava no local de seu labor. E seus patrões não deixavam de explorar a gestante. Isso se perfazia com as excessivas atribuições.
O referido domicílio, tinha uma lotação quase máxima por todos os finais de semanas. E ao longo da semana, o fluxo também era intenso. Isso exigia serviços de limpeza, tais como: lavar as louças, manter o chão sempre limpo e preparar a comida. Por isso ela era vista na forma de uma escrava. E também pelo tratamento relativo a um cachorro vira-lata de rua.
Ninguém se importava com o seu bem-estar e muito menos com a sua gravidez. Cecília tinha como a sua única diversão, um rádio que comprou com o seu décimo terceiro salário. Na ocasião, muito esporádica, no tocante as suas aquisições. O dispositivo lhe permitia um som imponente, no compartimento da cozinha da sua casa. Ou também chamado de local de trabalho.
Os seus patrões, Mário e Juventina, eram aposentados e idosos. Tinham um mau-humor impressionante. Reclamavam absurdamente com a empregada doméstica, sobre os seus afazeres domésticos e até mesmo sua vida pessoal.
Cecília não podia obter momentos de lazer e os seus chefes implicavam que a moça não trabalhava. Bastava a ela trabalhar e ouvir seu rádio simultaneamente, em fins de entretenimento. A vida se consolidou muito dura com a serviçal doméstica. Em se tratando de quem sofreu muito, a rotina costumeira laboral e de ouvinte do rádio lhe acomodava.
Ter um filho para a moça, não lhe gerava sonho algum. Apenas tinha a visão de que uma coisa comum aconteceria. O obséquio não servia a moça, ou seja, parecia não haver mordomia alguma, durante a sua passagem na terra.
Os dias passavam e a empregada doméstica trabalhava, ouvia reclamações e notava a sua barriga crescer. Um cotidiano em que se faziam as coisas de modo quase automático, em outras palavras, não executava esforços em detrimento das suas tarefas do dia-dia, aquilo fluía com naturalidade.
Mas o que motivava a moça na sua vida? A resposta está na simples razão de viver. Esta é a razão em virtude de muitos que vivem na mesma situação de Cecília e não são poucos. Existem aqueles que se acostumam com esta condição ou são forçados a se adequar. Não é algo que em decorrência da sua normalidade social deva ser comum, mas é o que seu país podia lhe oferecer. E não tinha outra saída.
A cozinha do seu labor, se apresentava como grande, em relação ao seu espaço. Mas ficava pequena, no tocante às 10 horas em média de trabalho. O que se assemelhava a uma condição análoga de escravo. Devido a rotina, aquilo não lhe definhava psicologicamente. Apenas torturava o seu corpo, principalmente quando se tratava de lavar roupas. Pois, as vestimentas se acumulavam pelos seus patrões e por pessoas que passavam naquela casa.
Ainda sobre a limpeza, a mulher tinha que deixar o chão sem nenhum vestígio de sujeira, foi assim que era cobrada. O duro tratamento, também, se concretizava desta forma. Se analisarmos existem situações piores, pois a empregada doméstica tinha direito à alimentação, um teto e ser uma assídua ouvinte de rádio. Uma triste realidade, contudo, existiam situações piores. Ela nem sabia disso e conforme já salientado, pouco se importava.
O garoto de programa nem sabia sequer da gravidez de quem iria ter um filho. Esta relação foi