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O Efeito Lótus - Das trevas para a luz
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O Efeito Lótus - Das trevas para a luz
E-book372 páginas4 horas

O Efeito Lótus - Das trevas para a luz

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Sobre este e-book

Alexandre vive uma infância normal, feliz, igual a tantas outras. Porém, quando se abre para o mundo, é-lhe dado a conhecer o lado mais sombrio da alma humana, vendo-se, inusitadamente, obrigado a dedicar a sua vida a uma demanda pela verdade que jaz por debaixo de uma sociedade hipócrita e subserviente.

No desenrolar de uma sucessão de vários eventos dramáticos — e alguns fantásticos — Alexandre vai adquirir a noção clara de que existe uma linha vermelha que separa os despertos dos adormecidos, e que, uma vez pisada essa linha, nunca mais se consegue voltar a olhar para o mundo da mesma forma que antes.

Depois de viajar por meio globo, apercebe-se de que é no seu país que o derradeiro combate deve ser travado. Com o auxílio dos seus eternos amigos, não dando tréguas às forças poderosas que tudo controlam, vai lutar destemidamente para trazer a luz para as trevas, qual flor de lótus, com o propósito de resgatar a humanidade de um fim quase certo.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento22 de out. de 2023
ISBN9791222433165
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    Pré-visualização do livro

    O Efeito Lótus - Das trevas para a luz - Rica Sainov

    Agradecimentos

    O período que temos vindo a atravessar coletivamente tem sido conturbado, de autênticas trevas.

    Em consequência disso, no decurso de um chorrilho de constantes aventuras, fui levado a romper as amarras que me constringiam a alma e ir à procura de quem, tal como eu, não se conformava. Na senda, deparei-me com pessoas corajosas, combativas, únicas, que abdicaram de tudo menos da dignidade e do sentido de justiça para trazer luz ao mundo.

    A todas elas, com quem me cruzei de uma forma física ou virtual, um grande bem-haja.

    Neste árduo percurso, onde tive a maravilhosa oportunidade de granjear uma pletora de novos amigos, alguns conhecidos do público geral e outros, ilustres desconhecidos, quero destacar um em particular, psicólogo, com quem mantenho contacto regular e que me auxiliou sobremaneira no processo de revisão desta obra — Bruno Fontinhas. Pela dedicação, pela amizade e pelas horas que despendeu a tornar esta obra muito mais apelativa, o meu mais sincero obrigado.

    Não podia terminar sem um agradecimento especial a Sylvie van Osch, a minha companheira de jornada, sempre ao meu lado, indefetível. Ela tem sido o meu baluarte de estabilidade moral e espiritual e a primeira linha na crítica aos conteúdos. Sem ela este livro não existia.

    Nota prévia

    Não há maior cego do que aquele que não quer ver.

    Provérbio popular

    A flor de lótus representa a pureza espiritual e o renascimento, mercê do movimento ascendente rumo à tona, das trevas para a luz.

    É também um símbolo de perpétua candura e inocência, por repelir toda a água que entra em contacto com a sua superfície, mantendo-se imaculada no seu habitat natural, que é sujo e lamacento.

    As gotículas de água deslizam e carregam para longe os pós, os pólenes e outras partículas contaminantes. Este fenómeno de superhidrofobia está relacionado com a miríade de intrincadas estruturas minúsculas da planta, que lhe confere fabulosas características de rugosidade e a impede de ficar atolada no lodo, submersa no caldo estagnado.

    Majestosa e radiante, ela emerge invariavelmente do fundo, sacudindo todas as espurcícias.

    Há muito tempo a chafurdar num pântano de desinformação, quantos de nós — quais lótus — seremos capazes de sobreviver, repelindo naturalmente a papa mastigada que nos é impingida, dia após dia, pelos grandes meios de comunicação?

    Quantos de nós conseguirão lobrigar, de facto, a LUZ?

    A HORA É AGORA! A VIDA É ESTA!

    Rica Sainov

    PRÓLOGO

    Acordou na manhã soalheira de 3 de julho de 1943, numa cama do hospital militar de Munique. Sentou-se na beira da cama e ao avistar uma enfermeira, perguntou-lhe as horas.

    Es ist halb acht, Herr Oberstleutnant¹— respondeu de forma graciosa a enfermeira.

    Danke schön².

    Com o polegar e os outros dois dedos remanescentes da mão esquerda, aliados à ajuda imprescindível dos dentes, trajou-se com afinco, rejeitando veementemente qualquer tipo de auxílio por parte do pessoal. Sentia, bem no íntimo, que se Deus o tinha colocado perante este intrincado obstáculo, ele teria de aceitá-lo abnegadamente, gerindo sozinho, de forma autónoma, a sua vida mediante as novas e invulgares circunstâncias. Caminhou em evidente sofrimento até ao espelho mais próximo para ajeitar o cabelo. Olhando para a cova onde outrora existiu o seu olho esquerdo, colocou a pala.

    Saiu do hospital cumprimentando deferentemente todos os médicos e auxiliares que o acompanharam durante aqueles três meses no hospital e dirigiu-se, por fim, na direção da estação central de comboios. Estava desejoso de ir ao encontro da sua mulher e dos seus filhos em Laundigen, onde a família tinha uma mansão, para fazer a merecida convalescença em ambiente de paz, amor e serenidade.

    Depois de uma tarde agradável a brincar com as crianças, ao anoitecer, depois do jantar, a sua bela mulher, colocando carinhosamente os braços em torno do seu pescoço, envolvendo-o e beijando-o na face, sussurrou-lhe ao ouvido:

    Versprich mir dass du vorsichtiger sein wirst. Ich will dich nicht verlieren...³

    Mach dir keine Sorgen, Nina... Wenn sie es dieses Mal nicht geschafft haben, werden sie nie in der Lage sein, meinen Rüstung durchzudringen⁴— sossegou a mulher.

    Um ano depois, já totalmente recuperado, na véspera do dia 20 de julho de 1944, apesar de um bem enraizado espírito de missão, apresentava visíveis dificuldades em controlar uma pujante ansiedade que brotava do peito e lhe consumia lentamente o âmago. Sabia que o seu papel no teatro da história da guerra dependia do sucesso da tarefa hercúlea do dia seguinte, no Wolfsschanze⁵, podendo alterar o destino de milhões de vidas em todo o planeta. Partilhava com o seu pai, o Graf ⁶, as angústias e as profundas fraturas no seu espírito. Começara esta campanha militar como um adepto fervoroso do Führer, especialmente depois de ter absorvido avidamente as ideias dele enquanto percorria as densas páginas do Mein Kampf. Não tinha a menor dúvida de que o Führer tinha conseguido elevar a moral do povo alemão, restituindo totalmente a dignidade da nação, espezinhada após o término da Primeira Guerra Mundial. Mais, com ele à frente dos destinos do país, a Alemanha tinha voltado a transformar-se numa autêntica potência económica e militar, com imenso mérito, mercê do famigerado milagre alemão, o que irritou as potências vizinhas — mas não só, também internas e além-mares — particularmente, depois de ter afastado os juros castradores e o padrão-ouro do banco central dos Rothschild, como viria a ser amplamente debatido — off the record —, após o conflito, entre os líderes das forças aliadas: O crime imperdoável da Alemanha, antes da Segunda Guerra Mundial, foi a sua tentativa de libertar a economia do sistema mundial de comércio e construir um sistema de troca independente onde o mundo das finanças não mais conseguiria ter lucro.

    A verdade, porém, é que o seu líder, outrora o seu ídolo, tinha levado longe demais a sua obsessão. Primeiro, militarmente, mercê da insistência quase irracional em querer conquistar a Rússia de Estaline a todo o custo, perdendo, desta forma, o foco noutras frentes determinantes. Ele sabia, no íntimo, que a incursão para leste poderia ter tido um desfecho totalmente diferente e a Rússia dos bolcheviques caído efetivamente aos pés da possante Alemanha se, em termos estratégicos, Hitler tivesse tido a sapiência e a humildade de ter recrutado os povos anti-Estaline que, após a conquista pelo Wehrmacht⁷, sentiam completa afinidade com as políticas alemãs. Povos capazes de saudar efusivamente as tropas alemãs, como se de libertadoras da opressão se tratassem, à medida que elas marchavam pelas ruas. Porém, a prepotência e a relutância inexplicável do Führer relativas ao eventual recrutamento das populações nativas ocupadas, como o povo ucraniano, tornou a missão praticamente impossível. De facto, depois de um início fulguroso, aquando da implementação da Operação Barbarossa em 1941, onde ele próprio havia granjeado inúmeras vitórias sobre os bolcheviques como ilustre destacado para o OKH — Oberkommando des Heeres ⁸ —, o exército vermelho de Estaline, após uma estrondosa humilhação inicial, conseguiu recompor-se, começando a multiplicar-se, desenfreadamente, por detrás dos Urais, em quantidades exorbitantes de tropas e armamento, travando a invasão e impedindo a entrada das forças alemãs em Moscovo, empurrando-as para trás. Em bom rigor, desde a retomada de Estalinegrado pelos russos no início de 1943, ele sentia que o Führer perdera aquele instinto matador a nível militar. Sentia também que o olhar outrora fulgurante, mágico, que quase o conseguia hipnotizar, se tinha desvanecido por completo, restando apenas um semblante pestilento, vago e sombrio. Não tinha dúvidas de que o Führer tinha enlouquecido a níveis de uma desumanidade atroz. Amiúde, os seus colegas oficiais, particularmente os da resistência, e os companheiros do círculo de Kreisau, transmitiam-lhe relatos macabros do extermínio em massa dos judeus em campos de concentração construídos para o efeito. Era evidente que, se havia eventualmente motivos válidos por detrás do antissemitismo de Hitler e do partido nazi, como a usurpação perpetrada pelos bancos controlados pelos judeus, ele jamais poderia ter tomado o todo pela parte, eliminando friamente milhões de inocentes, incluindo mulheres e crianças. Por esta e por várias outras razões, não tinha dúvidas de que, para colocar um ponto final em toda aquela insânia instalada, Hitler tinha de ser eliminado…

    Passou o resto da noite a rezar com o seu pai, pedindo iluminação e orientação divina.

    Na manhã seguinte, pairava no ar a canícula de um verão atipicamente quente e húmido. Ao invés da sua habitual pala, colocou o olho de vidro. Sabia que o Führer ficava bastante incomodado quando ele aparecia com a típica cobertura de pano. Para não gerar qualquer tipo de constrangimento, especialmente durante a sua intrincada missão — a de explodir uma mala-bomba na sala de reuniões na Toca do Lobo, assassinando o seu líder e o resto da cúpula militar e colocando em marcha a Operação Valquíria —, inseriu o globo protésico na bolsa oca onde em certo momento da sua vida residiu o olho esquerdo. Vestiu-se a rigor, de acordo com a exigência do encontro, e junto com o seu fiel aide-de-camp, Werner von Haeften, e o seu motorista dirigiu-se para a Toca do Lobo, nos arredores de Rastenburg, Prússia Oriental.

    Mal chegaram, foram informados de que tinha havido uma mudança de planos. A reunião tinha sido mudada de local por causa do calor: do tradicional bunker, fortemente blindado, para uma cabana de madeira nos jardins do espaço. Isso aumentou-lhe a ansiedade a níveis quase incomportáveis. Sabia que as duas malas-bombas que traziam com eles teriam um efeito devastador se colocadas no interior do bunker, uma vez que as paredes de betão iriam refletir as ondas de choque, potenciando a explosão. Numa cabana frágil, apesar de potentes, poderiam não provocar os estragos desejados. Porém, num autêntico salto de fé, decidiu, quase instantaneamente, manter-se fiel ao plano há muito desenhado pela resistência. Afinal, era uma oportunidade de ouro e não podia desperdiçá-la levianamente. Olhou para Haeften em cumplicidade e dirigiu-se com ele para a cabana.

    Quando entraram na cabana, dirigiram-se de imediato para os lavabos para alegadamente se refrescarem antes do encontro com o Führer, embora a intenção fosse utilizar esse momento para ativar o temporizador químico desenvolvido pelos ingleses. O intrincado engenho de ignição consistia num conjunto de tubos com ácido que, depois de espremidos com um alicate, iniciariam uma contagem decrescente, até à explosão, de cerca de dez minutos. O seu alicate, devido ao infortúnio de ter ficado com apenas três dos dez dedos após as lesões sofridas no ataque em África, teve de ser desenhado à medida, considerando a sua deficiência. Diligentes, os homens armaram a primeira mala-bomba. Porém, quando se preparavam para ativar a segunda, foram surpreendidos por um sargento-major que, batendo veementemente na porta, gritou:

    Beeilen Sie sich, die Sitzung hat schon begonnen und sie warten auf Sie!

    Matreiro, Haeften colocou as costas contra a porta de forma a impedir a entrada do impertinente sargento-major, enquanto ele arrumava atabalhoadamente a parafernália de objetos espalhados na mesa. Não teve a oportunidade de armar a segunda bomba. Uma vez mais, uma enorme contrariedade.

    Quando chegou à sala com a gigantesca mesa oblonga com um tampo de madeira maciço de dez centímetros de espessura, avistou Hitler sorumbático debruçado sobre o tampo onde estava disposto um imenso mapa da Europa. Enquanto o general Heusinger ia relatando a situação na frente leste, Hitler ergueu-se, olhou para ele e, com elegância, cumprimentou-o.

    Sem mais, pousou a mala debaixo da mesa, o mais próximo que conseguiu do Führer, empurrando a mala com a bota. Faltariam, pelos seus cálculos, sete minutos para a explosão. Deferentemente desculpou-se perante os presentes dizendo que necessitava de efetuar uma chamada urgente para Berlim, mas que voltaria rapidamente. Saiu da cabana e colocou-se, mais os outros membros da resistência que tinham ajudado a planear o atentado, num abrigo especial preparado para o efeito, à frente das instalações. Esperou três longos minutos.

    No interior da cabana, antes da explosão, um coronel, aproveitando a vaga na mesa deixada por ele para se aproximar mais de Hitler, pontapeou inadvertidamente a mala-bomba e, sentindo algum desconforto por estar ali uma mala de executivo a importunar, empurrou-a ainda mais para dentro, para junto de um robusto apoio de carvalho maciço que suportava o enorme tampo de madeira.

    A explosão aconteceu e uma densa nuvem sulfurada ascendeu dos escombros. No recinto a confusão e o desnorte eram tantos que os soldados mais pareciam vespas agitadas num ninho.

    Estava convicto de que tinha sido bem-sucedido perante tamanha destruição. Hitler tinha sido eliminado, e poderia finalmente dar a ordem aos companheiros em Berlim para colocarem em marcha o bem elaborado plano — a Operação Valquíria.

    Só que Hitler, de uma forma quase sobrenatural, parecia estar envolto numa couraça inviolável. Já tinha sofrido dezenas de atentados no passado e nenhum, até ao momento, tinha conseguido sequer beliscá-lo. Infelizmente, foi só em Berlim, depois de uma atribulada viagem de avião e já com o bem orquestrado golpe de estado em andamento, a todo o vapor, que se apercebeu de que Hitler tinha conseguido sobreviver ao ataque apenas com algumas escoriações, os tímpanos perfurados e as suas calças completamente esfarrapadas — o maciço tampo da mesa e o último pontapé na mala-bomba pelo coronel para junto do robusto suporte de carvalho afinal tinham conseguido salvar Hitler de uma morte quase certa…

    Feuer!¹⁰ — gritou o sargento do pelotão de fuzilamento.

    Tombou inanimado Olbricht¹¹.

    Os conspiradores estavam todos alinhados no pátio do

    Gabinete de Guerra na Blendlerstrasse para serem fuzilados por ordem decrescente de patentes: primeiro Olbricht, já defunto, depois ele, que sangrava profusamente do ombro depois de um tiroteio com a polícia e alguns soldados no interior do Gabinete de Guerra, Mertz¹² e, por fim, Haeften¹³.

    Colocou-se dignamente, em pose desafiante, à frente dos sacos de areia enquanto encarava os seus carrascos, mas, mesmo antes dos disparos, o seu aide-de-camp, Haeften, colocou-se à frente dele recebendo as balas dirigidas a si e morrendo ali mesmo enquanto olhava compassivamente para o seu mentor e inseparável companheiro. Trespassando várias dimensões, um fractal de alma de Haeften ligou-se eternamente à dele e a forte amizade que nutriam um pelo outro transformou-se numa conexão muito mais forte, que atravessaria eras e dimensões. Quando arrastaram o cadáver do seu valente amigo a seus pés, logo antes do golpe de misericórdia que o ia apartar temporariamente deste plano, gritou a plenos pulmões, fazendo jus à coragem inabalável de um derradeiro herói dos tempos modernos:

    Es lebe unser geheimes Deutschland!¹⁴

    — Vamos lá! Acorde! — gritava, aflito, o psicólogo, enquanto dava pequenos estalos na cara de Alexandre para o acordar.

    Tinha ficado seriamente alarmado quando, em plena sessão de hipnoterapia, o paciente começou a soltar extemporaneamente um discurso numa língua que ele próprio desconhecia, mas que, pela sonoridade e contexto, presumia ser alemão, seguido de alguns gemidos contidos com contorções, lágrimas e, no fim, um grito estridente e explosivo.

    Não obstante todo o vigor na tentativa de o despertar rapidamente, ainda demorou uns dois minutos até que Alexandre abrisse finalmente os olhos, ganhando novamente consciência de onde estava.

    — Então, doutor, o que se passa?

    — Não sei… não faço a mínima ideia, Alexandre — respondeu o psicólogo. — Estávamos de facto a conseguir imensos progressos na sua terapia de hoje para o tratamento da depressão, mas de repente, inusitadamente, começou a ter alguns movimentos involuntários atípicos, em conjunto com um discurso confuso, tangencial. Numa primeira fase ainda decidi deixá-lo prosseguir, até porque poderia dar-me informações úteis. Parecia que estava a experimentar um simples sonho e que iria estabilizar rapidamente, mas, mais para o fim, apercebi-me de que o sonho, afinal, se tinha transformado num imenso pesadelo, porque começou a manifestar intenso sofrimento, em pranto. Decidi acordá-lo…

    — Obrigado, doutor… O que acha que poderá ter sido? Conseguiu perceber? — perguntou, curioso, Alexandre.

    — Bom, o seu discurso foi todo em alemão, pareceu-me… Viveu lá, foi?

    — Que estranho… Não. Nem sei alemão… Nada…

    O psicólogo ficou uns segundos a fitar o vazio do cantinho do consultório, pensativo.

    — Alexandre, como sabe — começou a explicar —, as sessões de hipnoterapia atuam a um nível de frequência alfa e teta e são usadas para induzir o paciente a entrar num estado modificado de consciência que envolve uma atenção concentrada e uma consciência periférica reduzida. É um estado caracterizado por uma maior capacidade de resposta à sugestão. É o equivalente a estar completamente absorvido a ler um livro, a assistir a um filme, a ouvir música com uns auscultadores ou a fazer meditação. Na hipnose de condicionamento, o estado modificado de consciência é usado para a pessoa ser recetiva a aceitar ideias empoderadoras, sem mexer em memórias. Normalmente, neste processo, os pacientes estão conscientes e não é habitual adormecerem. O profissional tem de ter, contudo, muito cuidado para manobrar as situações enquadradas numa eventual dissociação traumática, percebe? Traumas antigos… são sempre terrenos pantanosos e carecem de um trabalho idóneo e escorreito.

    — Entendo…

    — Se me permitir, vou dar-lhe a minha opinião pessoal, mas entenda que estamos a fugir ao âmbito estritamente técnico do procedimento…

    — Diga lá, doutor.

    — Para mim, o Alexandre, mercê de um relaxamento profundo, deve ter atingido o nível de ondas cerebrais delta, conseguindo aceder a memórias… — fez uma pausa acentuada — de uma vida passada…

    — A sério?

    — Bom… é só um palpite… Essa não é a minha área, definitivamente. Porém, conheço uma amiga que trabalha muito bem estas questões. Posso dar-lhe o contacto, se estiver interessado. Estamos a entrar num campo que a sociedade, e até mesmo a comunidade científica, apesar das evidências, insiste em denominar de esotérico…

    Alexandre, sem ter dado conhecimento ao seu psicólogo, há décadas que tinha desenvolvido uma apetência particular por fenómenos do oculto como a ufologia, a multidimensionalidade, os anjos, os santos, os demónios e as energias densas, as energias subtis e até mesmo várias teorias da conspiração. Era comum, nos seus tempos livres, passear nas veredas da cidade do Porto e desembocar invariavelmente numa artéria mais recôndita onde existia uma pitoresca loja de cristais, incensos, oráculos e afins. E em qualquer visita a Lisboa ou a Aveiro — a sua cidade natal —, as lojas esotéricas eram sempre as suas favoritas. Além disso, preferia gastar o seu dinheiro em cursos de autoconhecimento e de terapias energéticas do que em viagens dispendiosas a locais de intenso desenvolvimento turístico ou até mesmo excursões. As suas férias eram sempre planeadas ao pormenor por si próprio, sem o recurso às pressões corporativas das agências turísticas convencionais. Era uma alma livre e, de uma forma desprendida e abnegada, podia seguramente afirmar que já tinha conseguido conhecer meio mundo, o que lhe proporcionou ser uma pessoa conhecedora e viajada. Mas, muito mais do que isso, desenvolto e munido de uma avidez para o lado espiritual das coisas, sempre tinha dado preferência a lugares mágicos como as grandes pirâmides de Gize, Stonehenge, Machu Picchu e o monte Kalash no Tibete.

    Em bom rigor, Alexandre, mercê da sua vivência espiritual, conhecia muitos terapeutas capazes de o ajudar a interpretar esta curta viagem a uma vida passada que tinha acabado de experimentar. Porém, por mera intuição, preferiu seguir o conselho do psicólogo:

    — Diga-me, doutor, esta sua amiga… é psicóloga também?

    — Não… nada disso… acho até que é formada em artes. É apenas uma mulher com excelentes capacidades de clarividência. Tenho a certeza de que vai gostar muito dela — afirmou com firmeza. — Sabe, Alexandre? As sociedades, de uma forma claramente intencional, para melhor controlo por parte das elites, foram capazes de movimentos atrozes como a queima das bruxas, na Idade Média, durante a Inquisição… Por isso, é sempre toldados por um manto de constrangimento e receio que costumamos referirmo-nos a estas pessoas que têm capacidades extraordinárias.

    — Uma bruxa, portanto… — disse, sorrindo.

    — Eu não lhe chamaria isso… Ela que vive entre dimensões, intitula-se de deusa — corrigiu com elegância o psicólogo, em cumplicidade — mas, conhece o ditado, não é?

    — Qual ditado?

    Yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay.¹⁵

    — Ah, ah — soltou uma gargalhada contida, Alexandre, simulando ironia. — E… onde é que ela dá consultas, doutor?

    O psicólogo tirou um cartão da gaveta de cima da sua secretária e entregou-o a Alexandre.

    — Muito bem, é aqui perto. Vou marcar com ela.

    Mal entrou na sala, Viviane mandou-o tirar os sapatos e calçar umas meias lavadas por cima das que trazia enquanto ela ultimava os preparativos de limpeza energética. Nitidamente tinha a intenção de eliminar todos os resquícios da consulta anterior.

    — Se não se importa, gostaria que se sentasse neste sofá e colocasse os pés dentro deste aro que vê no chão — pediu Viviane.

    Alexandre olhou para baixo e reparou num gigantesco anel tensor de cobre com cerca de um metro de diâmetro.

    — É para sua proteção. Enquanto estiver dentro do círculo, as energias densas não conseguem afetá-lo — explicou, esboçando um sorriso cândido. — O meu amigo Jorge, o seu psicólogo, telefonou-me dizendo que vinha cá. Por motivos óbvios, não me transmitiu nada do seu caso. Muito sinceramente também prefiro assim para não ficar sugestionada ou condicionada. A minha intuição diz-me igualmente que o ideal para si é fazer uma consulta aberta. Bom, o que é que isso quer dizer? Quer dizer que eu vou tentar perceber a mensagem que o seu Eu Superior tem para si, se ele entender que agora é o momento para essa mensagem ser entregue. É claro que pode ainda não ser o momento ideal ou então ele pode não confiar em mim e permanecer em silêncio… Já percebeu, não é, Alexandre? O ideal é deixar-me fazer o meu trabalho livremente. Do seu lado só peço para que não tente colocar uma couraça protetora, cheio de medos ou constrangimentos. Este meu templo é muito seguro e o Alexandre pode sentir-se totalmente protegido aqui. Concorda?

    Alexandre, ao entrar na sala, já tinha vislumbrado uma quantidade imensa de cristais, geodos, drusas, orgonites e esferas de anéis tensores por debaixo da marquesa e, à volta, várias varetas, oráculos, pirâmides e varinhas, compondo harmoniosamente a decoração da sala. Viviane tinha tudo arrumado a preceito e todo o ambiente transpirava sabedoria e experiência. Em total ressonância com a terapeuta que se deparava diante de si e seguindo os conselhos por ela apresentados, não sentiu qualquer receio em prosseguir com a consulta.

    — Sim, concordo, Viviane — anuiu com simpatia.

    Viviane convidou-o a levantar-se e a colocar-se hirto, em pé, ao lado da marquesa. Com umas varetas metálicas mediu o nível de afetação dos chacras e a irradiação da sua aura.

    — É sempre preciso fazer uma leitura antes e outra leitura depois. Só assim posso assegurar-me de

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