Notícia da visitação que fiz no verão de 1953 ao rio Amazonas e seus barrancos
De Thiago Mello
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Notícia da visitação que fiz no verão de 1953 ao rio Amazonas e seus barrancos - Thiago Mello
A meus amigos
João de Paula Gonçalves e Herculano de
Castro e Costa – em cujas vidas o Amazonas
se cumpre belamente.
Sumário
Apresentação
NOTÍCIA DA VISITAÇÃO QUE FIZ NO VERÃO DE 1953 AO RIO AMAZONAS E SEUS BARRANCOS
A tripulação
A viagem
O encontro das águas
A torre branca
Árvore morta
Donzela afogada
Os botos
Piracema e curupira
A menina do barranco
Cachinauá
A cacimba
O começo das histórias
As relíquias
As pedras
Fim de minguante
Despedida
Uma viagem ao mundo da infância
Apresentação
No ano de 1953, Thiago de Mello fez uma viagem de visitação ao rio Amazonas e seus barrancos. Era verão, 11 de outubro. Ele e mais a tripulação partiram na lancha Agrícola
, de 22 HP, oito metros de comprimento, toldo pintado de vermelho, levando em seu mastro uma bandeira branca, sem qualquer inscrição, como se fosse apenas um enfeite
. A lancha viajava a favor da correnteza. Esta é uma das mais belas viagens que já fiz como acompanhante imaginária.
Com essa Visitação
, o poeta dá a oportunidade a tantos caboclos, habitantes dos barrancos e a ele próprio, de expressar o maravilhamento e o enamoramento por uma região bela e misteriosa, que se apresenta sempre nova a qualquer olhar. A escrita flui com leveza e com amizade pelas pessoas e pela natureza. É a poesia que transforma um relato de viagem em um testemunho de amor pelas imagens que os sentidos revelam. É o homem entregue à exuberância de uma vida quase em estado de pureza. É a sabedoria cabocla que dispensa o conhecimento científico e as nossas impressões sobre as coisas. Ouvindo as conversas de homens que habitam no fim do mundo
, a maneira como se relacionam e como recebem um visitante, penso que se assim era no início, assim deveria ter ficado: a vida comunitária, a simplicidade do dia a dia, a distância harmoniosa, não sem estranhamentos, da natureza, a não indiferença com as coisas belas e a boa relação com os mistérios, com o que vai além da percepção humana.
Raimundo Doza era o mais jovem e o mais sábio dos quatro tripulantes: caboclo de apenas dezoito anos, que, no entanto, conhece o nome, o jeito de viver, as estranhezas e a serventia de quase todos os habitantes – vegetais e animais, terrestres ou aquáticos – desta região amazônica onde ele nasceu.
O que dizer, neste caso, da juventude? A resposta poderá ser esta: temos que confiar nas suas potencialidades, porém, incentivando-a a mergulhar na vida; a compreender os sinais que se espalham por todos os lugares, indicando e nomeando as coisas, e a conviver com o outro
. Com esses procedimentos e com o que faremos com os resultados das mudanças que se anunciam, após a passagem desses tempos tão sombrios, esperemos que outros comportamentos determinem diferentes rumos para todos nós e que possamos olhar sob outras perspectivas para o nosso entorno.
De fato, com este relato de viagem de Thiago de Mello, acompanhamos uma visitação
poética de reencontro, redescoberta e de reposicionamento no mundo. Os belos lugares encontrados no percurso vão se impondo, por exemplo, o encontro das águas
, que se eleva numa das mais simples e contundentes explicações, defendida por Raimundo Doza:
Os rios são todos dois muito grandes já demais. Todos dois são muito fundos, todos dois são muito corredores. Mas, o que são mesmo é orgulhosos. É de puro orgulho que não se misturam. Ficam assim juntinhos, sem brigar um com o outro, mas nada de intimidades. Cada qual em seu terreiro, cada qual querendo ser o mais bonito, o mais pávulo. É isso...
O jovem Raimundo Doza já havia, nas inúmeras passagens pelo encontro das águas
, refletido sobre o assunto. Eu, acompanhando a narrativa, não consigo deixar de perguntar-me: Por onde anda, hoje, o já sábio, na flor da juventude, homem da floresta e dos rios? Por onde andará este homem tão pleno de sabedoria e de poesia?
Hoje, como mudou o cenário descrito com tanta poesia por Thiago de Mello! Mas as pessoas que acenam, do alto dos barrancos, para os passantes, permanecem lá, ainda que outras, principalmente as crianças. O que dizer de Dona Cecília e Seu Josias, das filhas, dos genros, dos jardins, das casas, da simplicidade, dos causos, das verdades, das lembranças, da amorosidade com