Consumo de drogas: abordagem crítica da política criminal à luz da Teoria Econômica do Crime
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Consumo de drogas - Maria Edna Alves Ribeiro
Este livro eu dedico à minha família, em especial, ao meu pai,
Ezequiel (in memoriam) e a minha mãe, Lindalva.
Lista de Abreviaturas e Siglas
Prefácio
A história da humanidade é marcada pela busca de novos horizontes. Alguns fatos e momento foram marcantes nessa busca.
A maior conquista, porém a mais difícil e definitivamente a mais relevante, é a que o ser humano fez – e faz – de si mesmo, ao longo do processo em que a humanidade se desenvolveu como espécie.
(José Gregori, Direitos Humanos no Cotidiano, 2ª edição, Ministério da Justiça, 2001, p. 20 – in memoriam)
Meu primeiro contato com Edna foi num momento crucial para a carreira dela, a defesa de sua dissertação de mestrado. No primeiro contato com seu trabalho, pude perceber uma tônica distintiva em sua abordagem acerca das drogas e da política e teoria econômica criminal que a envolve.
Boa parte dos trabalhos que ocasionalmente tenho acesso, percebo que a ótica se volta para o Estado, com todo seu aparato e poder para combater o mercado das drogas. Muito se fala do ius imperium e das potestades estatais de erradicação dessa mazela social por meio de políticas públicas robustas de segurança pública.
A análise do mercado espúrio das drogas e seu combate perpassa, inexoravelmente, por uma abordagem econômica do direito. Afinal, torna-se imprescindível, para melhor compreensão do problema, a aferição dos custos e benefícios da alocação da força estatal diante de seus correlatos ganhos sociais. Neste contexto, raramente o indivíduo que se encontra preso no emaranhado do mundo das drogas sai ganhando.
É aqui onde destaco a nota distintiva da obra de Edna que abordou o tema não articulando política de segurança pública, mas política de saúde. É muito recorrente e confortável a adoção da Escola de Chicago para política criminal e estratégias de controle social, mas pouco se critica o labelling approach e a prioridade de se salvaguardar o bem-estar e direitos sociais – especialmente o direito à saúde – dos indivíduos que, por alguma razão, encontram-se inseridos no contexto das drogas.
Não é por menos que os números de encarcerados por crimes de drogas são expressivos, sendo quase tua totalidade composta por pessoas iletradas e extremamente pobres. Nos presídios femininos brasileiros, outra realidade desponta: cerca de 60% das mulheres encarceradas estão com sua liberdade privada por envolvimento em crimes de drogas.
A teoria econômica do crime na Escola de Chicago demonstra o surgimento de um meio social desorganizado e criminógeno que acarreta áreas de delinquências definidas por uma gradiant tendency. Isto é, a arquitetura da cidade fica bem característica com as definições das áreas de delinquência (cracolândias), próximas às áreas de pobreza e longe dos Alphavilles, permitindo reformas sociais pontuais e facilitando a seletividade penal.
A partir daí, fica fácil o etiquetamento social (labelling approach) do criminoso das drogas, do seu processo de criminalização institucional, das decorrentes cerimônias degradantes e do role-engulfment do qual o indivíduo, sem muita opção, passa a assumir comportamento desviante. Esta liturgia é comum e rotineira nos debates sociais e nas discussões acadêmicas, sobretudo atrelada ao binômico custo-benefício do gasto público em segurança pública em prol do benefício de se retirar do convívio social os criminosos das drogas.
A obra de Edna, diferentemente, se aproxima da teoria econômica veiculada por Cass Sustein, que foi o master mind das políticas públicas da Casa Branca no governo Obama. Como notável estudioso da Economia Comportamental, Sustein adota a análise humanizada da teoria econômica do crime que, em antes do binômio custo-benefício, prioriza o coeficiente humano do liberty preserving, modulando o enfoque dos gastos públicos e direção de políticas públicas.
O presente livro, portanto, nos conduz por esse caminho, permitindo-nos observar uma abordagem comparativa entre Brasil e Portugal sob a ótica do indivíduo que consome a droga, direcionando-o para um enfoque de custo-benefício voltado, primordialmente, para políticas públicas de saúde, liberty preserving. Ao mesmo tempo, emparelhando-se com a californiana Escola de Berkeley, demonstra capacidade crítica de realizar o estudo comparativo luso-brasileiro sob a perspectiva de uma política criminal alternativa idealizada, em grande monta, pelos icônicos Boaventura de Sousa Santos e Juarez Cirino dos Santos, dotada de ampla reflexão sobre a realidade.
Os dados empíricos, tanto no Brasil quanto em Portugal, revelam que a tendência da política pública de combate às drogas é de encarceramento de pessoas vulneráveis e de baixa renda. A teoria econômica descortinada pelo empiricismo faz o balanço dos elevados custos públicos para uma política que, malgrado o compromisso com o bem jurídico saúde pública, concentra-se mais no encarceramento do que no tratamento.
Ao usuário de drogas é reservado um modelo brasileiro de despenalização, na melhor das hipóteses, em contraste ao lusitano, de descriminalização. O usuário jamais deixa de ser um criminoso, já possui seu rótulo preestabelecido. Muito além do singelo jogo de palavras, a diferença significativa da abordagem entre despenalização e descriminalização é abissal, se traduz nos arranjos sociais de prioridades na alocação de recursos públicos conjugado com seus objetivos norteadores.
Digo repetidas vezes aos meus alunos de Direitos Humanos que a justiça e os modelos de justiça são institutos plurissignificativos, sobretudo quando envolve o bem-estar de indivíduos, isoladamente, e do corpo social como um todo. É cardinal nas sociedades contemporâneas a composição plural do que é considerado bom para a sociedade e, sendo finito seus recursos, a consciente repartição e definição de metas que promovam a prosperidade e continuidade do processo civilizatório.
Na missão enveredada por Edna em seu aprofundamento científico e estudo comparativo-crítico, o equilíbrio reflexivo rawlsiano da política e teoria econômica criminal do combate às drogas deve sopesar a mútua e equidistante relação entre segurança e saúde. Os dois bens jurídicos tutelados são de igual grandeza, permitindo-nos concluir, ainda que ousadamente, que o olhar mais dedicado à saúde talvez prospecte resultados sociais mais vantajosos, tanto para a comunidade quanto para o indivíduo que se encontra preso nesse emaranhado, sobretudo se alinhado com outras grandezas sociais como educação e trabalho.
É sempre bem-vindo o trabalho acadêmico que promove meios alternativos de observação do crime na sociedade, que não se jungem, única e exclusivamente, à miopia da segurança e encarceramento. Embalado nesse sentimento que recomendo da precisa leitura dos estudos desenvolvido por Edna a partir de sua festejada dissertação que lhe angariou o título de Mestre em Direito.
Outubro, 2023
DANIEL IVO ODON
Professor de Direitos Humanos Internacional
Superior Juris Doctor da Pennsylvania State University
img-001SUMÁRIO
Capa
Folha de Rosto
Créditos
Introdução
Percurso Metodológico
1. Teoria Econômica do Crime e medidas aplicadas para o consumo de drogas nas legislações brasileira e portuguesa
1.1 Brasil: Características e políticas alternativas
1.2 Magnitude do problema
1.2.1 Tráfico de drogas
1.2.2 Legislação brasileira: Objetivos e políticas
1.2.3 Art. 28 da Lei 11.343/2006
2. Portugal: Peculiaridades, descriminalização e promoção da saúde
2.1 Particularidades do país
2.2 Amplitude do problema
2.2.1 Tráfico e consumo de drogas
2.2.2 Legislação portuguesa: Objetivos e políticas
3. Análise comparativa das legislações brasileira e portuguesa quanto aos impactos sociais e econômicos das penas e medidas para consumo de drogas
3.1 Análise das legislações brasileira e portuguesa sobre as penas e medidas aplicadas ao consumidor e toxicodependentes de drogas relativas a prevenção, repressão e punição
3.2 Impactos sociais e econômicos das referidas políticas com base na Teoria Econômica do Crime e das Penas
3.2.1 Eficiência de Vilfredo Pareto
3.2.2 Teoria econômica do crime e das penas
3.2.3 Sanção penal
3.2.4 Análise dos impactos sociais e econômicos das penas estabelecidas no artigo 28 da Lei 11.343/2006
3.2.5 Análise dos impactos sociais e econômicos das penas estabelecidas nos artigos 15 ao 17 da Lei 30/2000
3.3 Análise documental das legislações brasileira e portuguesa com identificação de pontos convergentes e divergentes
3.3.1 Pontos de convergência existentes nas duas legislações
3.3.2 Pontos de divergência existentes nas duas legislações
Considerações Finais
Referências
Landmarks
Capa
Folha de Rosto
Página de Créditos
Sumário
Bibliografia
img-002Introdução
Aquestão da droga atinge toda a sociedade contemporânea.
O consumo de droga é um fenômeno complexo e polêmico com múltiplas dimensões na seara pessoal e coletiva que causa grande preocupação mundial.
O termo droga tem vários significados e abrange substância lícita¹ ou ilícita. O foco desta obra são as substâncias ilícitas, ou seja, aquelas que são proibidas por meio de leis específicas de serem produzidas, comercializadas e consumidas, como a maconha, a cocaína, o crack, dentre outras.
Importante ressaltar que o controle e a distinção entre as drogas são realizados pelo Estado, mediante leis e regulamentações diversas. No Brasil, ocorre principalmente pela Portaria Nº 344, de 1998, do Ministério da Saúde, e pela Lei 11.343/2006.
A saúde pública é o bem protegido pela Lei 11.343/2006, uma vez que o indivíduo coloca em risco a sociedade quando está sob efeitos da droga, isto