Desvios de conduta da administração pública
De Celso Castro
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Sobre este e-book
Velhos conceitos, mesmo que sedimentados, são questionados com propostas novas de soluções.
Não se trata de um manual que busque compilar as "verdades" aceitas sem discussão, mas, sim, de uma proposta a qual o autor chama de uma revisita.
Arbitrariedade, desvio de finalidade, o desconhecido desvio de procedimento, o costumeiro silêncio administrativo, as prerrogativas indevidas da administração e o enriquecimento ilícito desta são conceitos enfrentados em tom provocativo e inovador.
Um pensamento inédito aqui se lança, na expectativa de fomentar com novos ingredientes um debate que até gere a crítica, nunca a indiferença.
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Desvios de conduta da administração pública - Celso Castro
CAPÍTULO I
Da Arbitrariedade
Toma-se como arbitrária a ação administrativa não lastreada em uma causa racional e eficiente à sua adoção.
Nesse sentido, a expressão é colhida, também, como gênero, do qual são espécies todos os desvios de conduta – daí o porquê da primazia da abordagem que se concede agora.
A arbitrariedade, como um vírus que destrói o organismo social, aloja-se, de forma quase sempre disfarçada, em atitudes ou ações revestidas de um grau de aparente legitimidade.
Pretende-se demonstrar que determinadas categorias aceitas como suporte de uma doutrina geral do Direito administrativo não estão imunizadas contra a inoculação arbitrária, revelando-se, muito ao contrário, como terreno propício à sua disseminação.
Da Razoabilidade
Que os fetichismos sejam abandonados para compreender-se com mais facilidade que, em torno da matéria, o cerne da questão está em que a solução jurídica busca a razoabilidade como critério de interpretação excludente da arbitrariedade.
A conduta administrativa será arbitrária se não vier atrelada a um traço de razoabilidade, cuja presença é o aval indispensável de sua legitimidade.
É que se deseja estabelecer, para maior alcance do conceito da arbitrariedade, o contraponto com a razoabilidade, de tal sorte que a presença de uma exclua a da outra.
O enfrentamento de tal postura reclama um estudo da natureza do Direito, de ordem a encontrá-lo como ciência dedicada ao comportamento humano, do que resultante, necessariamente, da sensibilidade aos valores que são intrínsecos ao alvo de enfoque.
Efetivamente, nas ciências ideais, como nas naturais, a perspectiva da valoração não contribui absolutamente para a riqueza do conhecimento, distintamente do saber da cultura, cuja compreensão passa necessariamente por esse patamar.
Se alguém tece considerações estéticas sobre a figura geométrica considerando o círculo como símbolo da perfeição, em nada acresce à descoberta matemática das propriedades que tal figura guarda.
No mesmo passo, é irrelevante, do ponto de vista do naturalista, que se projete conceito de formosura sobre um certo animal ou de fealdade em relação a outro, porquanto, efetivamente, a tal segmento específico só importarão classificações de ordem biológica, tais como: a filiação a uma determinada espécie, a um certo gênero ou mesmo a um dos três reinos.
Com a cultura, na qual se insere a massa de modelagem do jurista, passa-se fenômeno inteiramente diferente.
Nenhum hermeneuta do Direito conseguirá realizar a subsunção da norma à conduta, se não fotografar os valores que circundam o trajeto interligador entre o fato e a norma em questão.
Daí, para conceituar um procedimento como furto, o operador jurídico verificará que, na comunidade onde se desenvolve a incriminação de tal prática, considera-se reprovável a subtração da coisa alheia móvel.
Esse conceito de reprovabilidade não é absolutamente o do agente, mas aquele inerente aos valores societários imantados.
Não fosse isso, poder-se-iam ter posturas inteiramente díspares, como a de um juiz, supostamente marxista extremado, que considerasse toda propriedade como algo de coletivo, não vendo mal algum em que se tomasse coisa alheia para uso, visto que, necessariamente, não seria privada, mas destinada ao desfrute comum de todos.
Esse hipotético juiz absolveria o acusado de tal conduta.
Ao revés, um julgador devoto rigoroso do capitalismo veria na agressão à propriedade individual o mais hediondo dos crimes, optando, certamente, pela imposição da pena capital ao transgressor desse ícone sagrado.
Deve-se convir, em qualquer circunstância, que independentemente do perfil ideológico, enquanto juízes, um e outro, em uma comunidade como a nossa, não podem desconsiderar a ilicitude da conduta, como, por igual, não lhes cabe o exacerbamento da pena além do marco legal.
Com esse raciocínio, pretende-se demonstrar que a tarefa no Direito não é a de projetar valores sobre determinado objeto, mas encontrar aqueles que lhe são próprios.
Nessa linha de exposição, ver-se-á que o administrador e o juiz não são absolutamente sujeitos de vontade, mas intérpretes sensíveis de matizes sociais, impregnados na vigência societária com a força da juridicidade.
Vai daí, que não se pode conceder uma liberdade ontológica de escolha da administração na prática de determinados atos, mas, antes, só se lhe pode admitir o dever de interpretar, coerentemente, o que recomendam as instâncias normativas. Essa premissa é tão válida nas condutas vinculadas quanto nas discricionárias.
Se a norma condominial proibir que se criem animais de quaisquer espécies em unidades residenciais, agirá desarrazoadamente o síndico do edifício que proíba a manutenção de um simples aquário, embora a regra repressora seja de caráter fechado.
Do mesmo modo, não terá fundo de razoabilidade a construção de uma escola de ensino fundamental em uma área onde comprovadamente inexista demanda escolar, malgrado se possa entender que a previsão de edificação de prédios escolares ensejaria conduta discricionária.
Não deve causar espanto a ideia de que administrador e juiz estejam convocados permanentemente a fixar procedimentos discriminatórios, porque esse é exatamente o papel da norma. Fundamental é discutir-se a razoabilidade ou não do ato de discriminação, isto é, o seu assentamento em bases legítimas.
Essa ideia vem claramente exposta por Moris Forkosch, Professor de Direito Constitucional da Brooklyn Law School: "The right to legislate implies the right to classify […] From the very necessities of society, legislation of a special character, having these (police power) objects in view, must often be had in certain districts […] Special burdens are often necessary for general benefits […] In other words, general legislation which applies to all persons (or property), and gives or takes equally from all, is contrasted with special legislation which applies to less than all, and gives or takes special burdens to or from this special