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O Espírito Do Vento
O Espírito Do Vento
O Espírito Do Vento
E-book379 páginas5 horas

O Espírito Do Vento

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Sobre este e-book

Durante um intercâmbio em Angola, um incidente envolve Nancy Nolan, por quem Paul Brown nutre um imenso carinho. Em busca da verdade, Paul Brown, com apenas 16 anos, adentra a selva africana e, indiretamente, se envolve em um conflito ligado ao tráfico de diamantes. Agora, a morte espreita na imensidão da selva.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento19 de abr. de 2024
O Espírito Do Vento

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    O Espírito Do Vento - Paulo R. G. Silva

    Paulo R. G. Silva

    Capítulo 1 – ANSEIO

    Paul Brown nasceu no dia 09 de fevereiro do ano de 1965, numa pequena cidade do campo, nos Estados Unidos da América.

    Seus pais eram camponeses e agricultores que viviam da produção de milho, hortaliças, frutas e verduras. Uma família humilde, que sobrevivia com poucos recursos, mas que conservava o dogma de honestidade e da fé. Na época do nascimento de Paul, seus pais, Stevie e Kate, estavam na casa dos trinta, Stevie com 35 e Kate com 33 anos, respectivamente.

    A lavoura da família ficava situada entre duas reservas de florestas de grande proporção. A maior parte da produção era de milho, destinada à venda de grãos, da alimentação de animais, para o próprio consumo, além, é claro, do cultivo de frutas, verduras e legumes, que eram vendidos na cidade.

    Em 1974, quando Paul completou nove anos, a família ainda continuava a levar uma vida dura, dos que labutam no campo sol a sol para sobreviver, sem dispor de muitos recursos e tendo como maior preocupação a educação do filho. Mesmo com aquela idade, Paul já começara a pensar em alguma forma de ajudar a família, mantendo um passo incessante aos estudos.

    Sempre que podiam, seus pais o levavam para o campo, pois, não possuíam condições financeiras para pagar alguém ou ter com quem deixá-lo. Os parentes moravam muito distantes e Stevie e Kate reversavam o tempo e as tarefas de casa para que ele não ficasse sozinho. Ele era um garoto de iniciativas e tomadas de decisões que impressionava a todos, mesmo com a idade que tinha.

    Destacava-se nas tarefas escolares e tinha sempre um comportamento exemplar. Era tudo muito perfeito. A vida que muitos desejariam ter.

    — Pai! Há muito tempo venho ouvindo vocês dois conversarem sobre a nossa situação e isso tem me consumido. Eu gostaria muito de fazer alguma coisa para ajudar na despesa de casa

    — comentou Paul, apresentando legítima determinação, embora transparecesse aquela ingenuidade típica de qualquer criança nos seus dizeres. Stevie sorriu e foi seguido por Kate.

    — Paul, eu fico feliz em ouvir essas palavras de meu filho com apenas nove anos. É gratificante saber que você se preocupa conosco, mas, filho, tudo o que queremos que faça, pelo menos por 12

    O Espírito Do Vento

    enquanto, é estudar. Sua mãe e eu ainda estamos jovens e podemos trabalhar para que você tenha um futuro melhor que o nosso —

    respondeu Stevie, enquanto ajudava a esposa a colocar um quadro na parede. Um sorriso acolhedor estava estampado em seu rosto.

    — Pai, eu sei como ajudar! Da última vez em que estive na lavoura com vocês, observei que existem muitos animais e aves naquele pedaço de floresta. — Paul mostrou a direção com alegria na face — Sou capaz de caçar alguns só para provar a vocês que estou preparado para me tornar um exímio caçador. Posso capturar até patos-selvagens! Já imaginaram um pato ao molho? É, ou não, uma delícia! — cogitou, passando a língua sobre os lábios.

    — Caçar patos? Filho, algumas vezes, até mesmo os caçadores profissionais têm dificuldades para caçar essas aves.

    Como você conseguiria? Elas são rápidas, não dá para pegá-las, a não ser que seja uma armadilha muito eficiente — comentou Stevie, com certa incredulidade à ideia de Paul.

    — Pai, eu poderia pelo menos tentar? Sei como fazer armadilhas para pegar essas aves! — insistiu.

    — É sério? Onde aprendeu a fazer tais armadilhas? Não vi nenhuma em casa! — zombou Stevie.

    — Ainda não as fiz, apenas estou dizendo que sei como fazê-las! Estudei algumas coisas sobre os costumes do Brasil e também li revistas que falavam sobre a selva amazônica. Sei como os índios de lá fabricam essas armadilhas.

    — Brasil, Paul? — Stevie se surpreendeu com a cultura pela qual o filho havia se interessado. — Posso saber por que o Brasil?

    — Pai, eu tenho nove anos e sou fã do futebol brasileiro, desde que o Brasil ganhou a copa do mundo de 1970, realizada no México, há quatro anos. No ano passado, comprei uma revista sobre esportes e caça. Nela havia uma reportagem sobre os costumes e as técnicas de caça do povo indígena daquele país.

    Fiquei curioso tomei gosto pelo assunto. Tenho lido bastante sobre o assunto.

    — Eu não sabia que tinha paixão por caça! Desde quando?

    — Kate perguntou curiosa ao ouvir a declaração do filho.

    — Tenho um amigo na escola que veio do Brasil há dois anos, o nome dele é Marcelo Alves. Ele me deu até esta camiseta, vejam! — Paul a tirou de sua mochila com zelo e mostrou a camisa 13

    Paulo R. G. Silva

    da seleção de futebol do Brasil para os seus pais. Era um uniforme muito festivo, com uma cor canária investida em um profundo azul.

    Cores que se destacavam de todo resto. O Marcelo também me deu várias revistas que estão na minha estante.

    — Que maravilha! É uma bela camisa. Eu também conheço o futebol de lá e fico feliz que tenha um brasileiro em sua sala de aula, assim poderá aprender um pouco de suas tradições e sua linguagem! Dizem que é um país maravilhoso e tem um clima tropical com belíssimas praias — Stevie exaltou.

    — É verdade. Ele tem me ensinado um pouco do seu idioma, mas vi que é muito complicada! Até agora só aprendi algumas palavras. Também ganhei dele, alguns cartões postais...

    Depois mostro para vocês. Pai! Voltando ao nosso assunto, eu queria poder fazer alguma coisa, é sério! — persistiu Paul novamente.

    — Filho, mesmo que eu lhe permita, você teria que entrar na floresta, e lá, há ursos e outros animais que mesmo para um adulto são considerados extremamente perigosos. Você sabe que estamos enfrentando

    problemas

    com

    os

    porcos

    selvagens

    que

    frequentemente atacam nossa plantação. Semana passada, por exemplo, o Ed e mais dois de seus amigos foram atrás desses animais e por pouco não foram mortos por eles. Não, Paul, jamais, jamais deixaria você entrar lá. Além do mais, tem muita área alagada, cascavéis e...

    — Pai! — Paul lhe interrompeu com teima.

    — Paul, por favor, escute o seu pai! — Kate bradou, intervindo na conversa. — Saiba que não é só porque você é jovem!

    Assim como seu pai falou, alguns caçadores já morreram por lá!

    — Mãe! Desde criança que vou até lá e nunca me aconteceu nada!

    — Sei disso, Paul, mas você só vai até à entrada da mata.

    Estando lá, ficamos de olhos em você. Lembra-se da última colheita de milho em que você estava conosco? Não fosse pela aparição do Ed, aquele urso teria atacado a todos nós? Sabe Deus se ainda estaríamos aqui para contar essa história! — completou Kate.

    — Está bem, mãe. Entendo — Paul sorriu.

    14

    O Espírito Do Vento

    Mesmo após testemunhar a nítida preocupação de seus familiares, Paul aceitou as explicações de seu pai com certa negativa.

    15

    Paulo R. G. Silva

    Capítulo 2 – Desenvolvendo

    Habilidades

    Sábado, dia 19 de junho de 1976. Paul agora estava com onze anos e começou a demonstrar que algo nele era diferente, que possuía um dom a mais e uma criatividade fora do normal, tanto para sua idade, como para a sua época.

    Além de apresentar uma memória extraordinária, com apenas um canivete de múltiplas funções, que ganhara de seu pai, Paul os surpreendeu, fabricando, sozinho, sem desconfiarem, um arco e quinze flechas. A ideia de caçar aves e animais, ninguém poderia tirar de seus planos. Ele já deixava provado que era um jovem de decisões e determinações próprias.

    Naquele dia, eram apenas dez da manhã e o sol começava a crescer imponentemente pela região. Não restavam dúvidas que seria um dia cálido. Como sempre fizera durante suas folgas escolares, Paul se trancava em seu quarto, buscando aperfeiçoar o seu invento. Seu melhor hábito era ler sobre animais de todos os tipos, sobre a cultura indígena e, principalmente, sobre as aventuras de Robin Hood. Por consequência, isso despertou um desejo pela caça. Fascinado pelas histórias de Tarzan e de O Fantasma, ele tinha em seu quarto uma prateleira especialmente reservada para livros de aventuras e revistas desses super-heróis. Para ele, a melhor história de todas, era a de Robin Hood.

    Stevie retornou mais cedo do campo e foi procurar Paul para que o ajudasse na limpeza da casa. Entrou no quarto do filho, sem bater à porta e o encontrou limpando o arco. Teve uma reação fora do comum, permanecendo parado diante de Paul. Embatucou e pôs-se a andar pelo quarto, até se recostar em uma escrivaninha.

    Sua voz embargou e não saía por nada. Paul, mais paralisado ainda com a reação do pai, acompanhava os seus movimentos, com os olhos atentos. Os dois permaneceram calados por algum tempo.

    Eventualmente, as suas faces ruborizaram-se. Pintou um clima de indecisão de quem falaria primeiro. Por fim, após pigarrear a garganta, olhar para os lados, Stevie virou-se para o filho e falou:

    — Paul? O que significa isso? — pausou. — Onde conseguiu esse arco e essas flechas? Para o que você quer isso, filho?

    16

    O Espírito Do Vento

    — Pai, por favor, entre! — Paul falara assim referindo-se ao ato de Stevie entrar sem avisar. — Ele continuou: — Porque reagiu assim? Sempre fiz alguns trabalhos artesanais! Esta é mais uma das minhas criações. Um arco e flechas. — Enfatizou.

    — Eu mesmo o fiz e vou usá-lo para caçar animais na floresta! O senhor gostou?

    — É maravilhoso, mas... onde você conseguiu material para isso? — Stevie caminhou até o arco e o levantou, examinando-o com espanto enquanto o segurava no ar, realmente impressionado com a criação do filho. Ele deslizava o dedo indicador direito sobre a madeira lisa de tanto ter sido polida.

    — Lembra-se, pai, da vez em que eu trouxe algumas madeiras? Pois, é, foi com elas que o fabriquei. Não foi fácil! Levei quase quatro meses para terminar. A corda e as pontas, comprei na loja de caça e pesca no centro, as penas, retirei das codornizes que capturei... Pai, quando você ia ao campo e a minha mãe ficava comigo, eu aproveitava para ir até aqui perto e praticar. — Paul procurava imitar o som de uma flecha silvando o ar em direção ao alvo, fazendo o gesto de quem tenciona o arco.

    — Você o quê? Pratica arco e flechas? — resmungou Stevie, posteriormente sorrindo. — Paul? Agora, sim, já ouvi de tudo!

    Meu filho treinando com arco e flechas? Oh, Deus! Onde errei? —

    Ele continuou com o sorriso e o tom de brincadeira. — Diga-me uma coisa, Paul: para o que você treina com arco e flechas? Por acaso pretende ir à selva africana? — Stevie deu uma longa ênfase nas últimas palavras e em tom de zombaria.

    — Não, pai! Claro que não! — Paul o imitou com o mesmo tom de chacota. Depois prosseguiu, só que desta vez, em tom normal: — Apesar de estar participando do concurso para o intercâmbio na África, treino apenas para aprimorar a minha mira.

    Assim, posso caçar e ajudar aqui em casa. — Paul sorriu carinhosamente para o pai.

    — Foi o que pensei. Quer ser o novo Robin Hood?

    — Não podemos exagerar, não é pai! Robin Hood é insuperável, pelo menos na história. Sou apenas um garoto simples que pretende ser bom com um arco e flecha, que quer participar dos jogos estudantis. Pai, o senhor quer ver como sou bom nisso?

    — propôs Paul.

    17

    Paulo R. G. Silva

    — Sim! Eu gostaria muito! Quero ver se o meu filho é bom mesmo como diz ser! Realmente gostaria muito! Pode me mostrar, então? — Stevie se empolgou.

    — Claro, pai! Vamos lá?

    Stevie o seguiu até o local onde Paul costumava praticar. O

    filho lhe mostrou algumas tábuas com alvos pintados, restos de frutas, como melão e melancia, e um boneco feito com palhas de milho.

    — Ora! Ora! Vejo que você pensou em tudo por aqui! Temos até alvos! Esse boneco foi feito com palhas de milho? — perguntou Stevie, bastante curioso. — Bem que você podia fazer alguns para o nosso milharal. Só não gostei do desperdício das frutas.

    — O senhor Hiroshi me fornece frutas... Pago por elas com a mesada que o senhor me dá todos os meses! — Paul esperou uma reação do pai, mas Stevie permaneceu da mesma maneira que chegou, mantendo o mesmo sorriso de entusiasmo no rosto.

    — Paul, então, prosseguiu. — Não venho aqui todos os dias para treinar, pai, apenas duas vezes por semana. O senhor sabe que não sou muito de festas ou coisas assim. Fora a igreja, minha diversão é esta.

    É... eu já imaginava isso! — murmurou Stevie, respirando bem fundo e soltando o ar, devagar.

    — Não queria que o senhor e a minha mãe ficassem preocupados. No início era só diversão, mas vi que tinha jeito para a coisa. Agora pretendo utilizar meu arco e as flechas para caçar e trazer comida para dentro de casa... Se o senhor permitir, é claro.

    — Caçar? Você não acha que ainda é muito jovem para se arriscar numa floresta? É muito perigoso por lá, filho, já falamos sobre isso! Muitos caçadores morreram naquela floresta. Veja que eles tinham bastante experiência e já estavam acostumados com os perigos que rondam por lá!

    — Pai! Acha mesmo que com onze anos, eu ainda seja jovem demais? Um dia terei que cuidar de mim mesmo e quero começar cedo com isso. Não posso depender somente de vocês que já lutam tanto, sofrem muito para cuidar das coisas e de mim. Preciso encontrar um jeito de retribuir. Não entendo porque tanta preocupação!

    Stevie abaixou a cabeça por um instante, imergindo em seus pensamentos. Suspirou e depois colocou novamente o olhar para o 18

    O Espírito Do Vento

    filho. Estava feliz e preocupado ao mesmo tempo. Sua expressão agridoce era facilmente compreendida por Paul.

    — Está bem, filho, prometo pensar no assunto! Agora vamos lá! Mostre-me suas habilidades com o arco e as flechas...

    não! Melhor ainda! Façamos um trato! Se você acertar todos os alvos que estão aqui, iremos à cidade e comeremos uma bela pizza no restaurante Cantina Di Itália, que tem cada uma melhor que a outra! Combinado?

    — Pode ir preparando a grana! Comeremos a tal pizza!

    Paul aprontou o arco, pôs uma flecha e mirou no pedaço de melão a uns vinte metros de distância. A sua respiração pesou por um segundo, mas ele a controlava. Quando estabilizou, puxou a corda e lançou a flecha! A seguir um barulho surgiu. Plomp! A flecha havia acertado o centro do pedaço de melão, atravessando toda a sua massa. Paul precipitou-se, agarrando outra flecha e a mirando na tábua com o alvo. O acertar da flecha fez a tábua trepidar, zumbindo até, lentamente, parar. Novamente, Paul acertou o alvo.

    Na prova definitiva de sua habilidade, Paul preparou mais uma, erguendo o arco rumo ao alvo de palhas e mais uma vez disparando. Um pouco da palha voou pelos ares e o espantalho abriu uma passagem para a flecha em seu corpo.

    Naquele exato momento, quando Paul preparou uma nova flecha,

    surgiu

    ali

    perto

    um

    pato-selvagem,

    brotando

    repentinamente da mata. Apenas Paul o viu. Seu pai estava tão admirado da sua pontaria e de sua habilidade que nem sequer percebeu.

    — Pai, e u gostaria de comer um belo de um pato-selvagem ao molho, hoje? — surpreendeu Paul.

    — Pato? Que pato? — perguntou Stevie, atônito.

    — Aquele! — Paul bradou, lançando a flecha sobre a ave que havia começado a alçar voo. A flecha desenhou o seu caminho pelo ar e atingiu-a com a máxima precisão.

    — Huuuuuu! — gritou Stevie, enquanto dava socos no ar. —

    Que pontaria, filho! Entusiasmado, ele correu em direção ao filho e lhe deu um forte abraço. Fantástico! Você é incrível! Um verdadeiro Robin Wood! Não! Não! Não! Você é melhor que o Robin Hood!

    19

    Paulo R. G. Silva

    Paul sorriu e festejou com o pai a alegria que ele não via estampada no rosto do seu genitor, há muito tempo. Stevie dificilmente sorria, principalmente, devido aos problemas e as dificuldades que enfrentava naquele tempo. Ele trabalhava no campo, sem descanso, para honrar as dívidas com o banco, pagar empréstimos junto aos parentes. Stevie se atormentava quando não conseguia pagar as contas em dia. Mesmo assim, esforçava-se para que não faltasse o sustento da família, em especial para Paul, em quem ele apostava suas fichas, de um futuro melhor do que aquele.

    — O que pretende comer no almoço, pai? Que tal comer pato ao molho? Exceto se a promessa da pizza continuar de pé, mas antes que o senhor responda...

    Paul puxou a faca que estava em sua cintura, lançando-a sobre o pedaço de madeira e cravando-a com precisão no centro do alvo.

    A cena e a destreza de Paul deixaram Stevie quase paralisado. Os olhos estavam arregalados na direção da faca e de Paul. Lentamente a sua boca foi se abrindo, deixando-o sem ação e boquiaberto. Stevie colocou as mãos sobre a cabeça; ele não conseguia acreditar no que acabara de ver.

    Ainda atônito, ele caminhou em direção ao alvo e contemplou, por alguns minutos, a ação que o seu filho executou.

    Em seguida, retirou a faca da madeira, observando o furo que ela tinha feito na tábua. Com a faca em mãos, ele andou rumo a Paul e disse surpreendido:

    — Paul! Paul! Quando você aprendeu a usar uma faca dessa forma? Não! Não! Não! Não! Eu só estou acreditando porque vi!

    Além de atirar bem com o arco, você lança uma faca como ninguém! Agora estou preocupado, de verdade! Terá que explicar onde conseguiu esta faca?

    — Pai, por favor, não precisa ficar assustado. Também tenho treinado muitos lançamentos de facas! Não se atemorize, não tenho a intenção de atirar faca em ninguém! Era a faca do pai de um amigo meu e ele me deu para ajudar na confecção do arco!

    — Quem mais sabe sobre isso? — perguntou Stevie, mais que assustado.

    — Fora o senhor e eu, ninguém mais sabe. Pai, eu lhe peço, por favor, que não conte para minha mãe. Sabe como ela é! Ela ficará assustada... e... o que você achou?

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    O Espírito Do Vento

    — Sabe de uma coisa, Paul? Depois do que vi aqui, uma pizza é pouco para comemorar! Comeremos duas, mas vou logo avisando que prefiro a de muçarela! — divertiu-se Stevie.

    — Bem, já eu, prefiro a Napolitana! — afirmou Paul.

    — Napoli... O quê?

    — Napolitana, pai. Algumas vezes, meus amigos e eu vamos correndo à Cantina. Lá, nos empanturramos com pizza. Eu sempre prefiro a Napolitana.

    — Paul, agora que conheci esse lado maravilhoso do meu filho, também quero provar dessa tal pizza Napolitana. — Stevie não conseguia esconder a alegria em saber que seu filho estava se tornando um homem valoroso. Evidentemente, ele se preocupava com tudo aquilo, pois jamais imaginou ver seu filho praticando tais artes.

    — Não vai se arrepender! Amanhã é domingo e quando voltarmos da igreja, vamos almoçar o pato que abati, feito ao molho, que só a nossa Kate sabe preparar, não é, pai? — Paul perguntou se regozijando do momento.

    — Com certeza. Já estou com água na boca, filhão!

    Naquela tarde, Stevie levou Kate e Paul, como prometera, ao restaurante de sua preferência. Sempre que passava em frente, parava e ficava por alguns minutos admirando a beleza daquele lugar. O nível do restaurante Cantina Di Itália era alto padrão para a cidade. Alguns pratos servidos tinham preços acessíveis à população e estava sempre lotado de clientes. Era um ambiente aconchegante e convidativo. Todo o interior era decorado com a nítida intenção de lembrar as cores, os costumes e as tradições daquele país. Bem ao fundo do salão, para deleite e alegria dos americanos, foi colocada uma bandeira dos Estados Unidos da América, de aproximadamente cinco metros de comprimento por três de altura. Entrar ali, contemplar aquela imagem, símbolo do patriotismo americano e poder saborear comidas típicas italianas, era, simplesmente, indescritível. Então, como combinados.

    — Pois, não? Desejam consultar o cardápio ou já decidiram o que irão pedir? — indagou o garçom Lorenzo, um velho conhecido da família, num sotaque inglês, que só um genuíno italiano consegue improvisar.

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    Paulo R. G. Silva

    — Gostaríamos de pedir duas pizzas napolitanas — disse Paul.

    — Bene! E bere? Oh! Desculpem-me! Foi a força do hábito... eu disse: bem! E para beber? — sorriu Lorenzo.

    — Pode ser suco de laranja, sem açúcar — respondeu Stevie.

    — Stevie e Paul, eu gostaria de pedir algo diferente de pizza, se não se importarem — interrompeu Kate. — Ouvi dizer que aqui servem a mais deliciosa lasanha à bolonhesa. É verdade, Lorenzo?

    — Claro, Kate! Servimos a melhor da cidade! Não há igual por aí! Podem até querer imitar, mas estão longe de descobrir a fórmula! — respondeu Lorenzo, enquanto arrumava a gola da camisa com um sorriso agradável no rosto.

    — Por favor, traga um suco de laranja, sem açúcar, e uma lasanha! — concluiu Kate, sorrindo levemente.

    — Mas, mãe! A conta ficará muito alta! — retrucou Paul, lembrando-se da situação que a família estava enfrentando.

    Stevie olhou para a esposa e sentiu em si, a vontade que ela sentia de comer a lasanha. — Afinal, a Kate tem trabalhado tanto e merece realizar o seu desejo — Pensou.

    Kate era uma dona de casa, mãe e esposa exemplar, e ainda ajudava Stevie nos trabalhos da lavoura. Ela também era a responsável pela venda dos produtos nas feiras da cidade. Kate realmente merecia saborear aquela lasanha. Essa era a decisão de Stevie. Ele interpôs.

    — Filho, por favor, me permita! Posso pagar pelas despesas!

    Eu os convidei e quero que a sua mãe coma a tão desejada lasanha à bolonhesa! — exaltou Stevie.

    — Mas, pai, nossa situação não é boa...

    — Filho! Tudo bem! Pode deixar! — Stevie tentou acalmar Paul, tocando-lhe carinhosamente no braço.

    Lorenzo observava, ali, parado, com a caneta e o bloco de anotações em mãos, os olhos fixos e sem piscar. Ele via e ouvia toda a conversa. Conhecia aquela família e sabia de quase todas as dificuldades pelas quais ela passava. Lorenzo acabou por não se conter e resolveu intervir.

    — Stevie! Paul! Por favor, a lasanha de Kate ficará por minha conta. Será uma cortesia da casa. — Lorenzo tocou no ombro de Stevie e observou Paul, que demonstrava rejeição em seu 22

    O Espírito Do Vento

    semblante, balançando a cabeça negativamente. Aquele momento gerou um curto silêncio ao redor da mesa.

    — De jeito nenhum, Lorenzo! Pode incluir na conta. Fique tranquilo que podemos pagar. Não há necessidade de se incomodar com isso — recusou Stevie.

    — Não! Estamos resolvidos. A lasanha da Kate ficará por conta da casa! — afirmou, afastando-se da mesa e sorrindo levemente. Acenava, indicando sutilmente que o fim da conversa havia chegado.

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    Paulo R. G. Silva

    Capítulo 3 – Porcos Selvagens

    Sábado, dia 24 de julho de 1976. O tempo fluía e Paul começava, definitivamente, a mostrar que era realmente um garoto diferente. Sem que os seus pais percebessem, ele passava boa parte do seu tempo disponível, trancado no quarto, concentrado com um turbilhão de ideias e planos mirabolantes em sua mente. Ideias que realmente poderiam contribuir em muito para sua sobrevivência no futuro. Quase sempre, quando ia com seus pais ao campo, Paul aprontava uma. Raro era o dia em que não conseguia pegar alguma caça, fosse a que fosse. Isso acontecia muito antes de fabricar seu arco e flechas.

    Costumava capturar alguns animais, como tatus, galinhas e patos-selvagens, sem nenhum tipo de ajuda. Era muito criativo.

    Tinha uma engenhosidade fenomenal. Seus pais se surpreendiam, cada vez mais, e se perguntavam: como poderia um garoto de apenas onze anos ter tanta criatividade e gostar tanto assim de caçar?

    Paul sempre levava consigo, seu canivete na cintura, o arco com as flechas nas costas, como se já tivesse algum plano em mente. Agora ele estava de férias da escola e, por esse motivo, naquele dia, ele foi com seus pais ao campo.

    A família seguia para o local de trabalho, como de costume, numa camionete, modelo Ford, cor azul, ano 1960, o único meio de transporte da família, que era utilizada para todos os trabalhos.

    Paul sempre preferia viajar em pé sobre a carroceria para sentir o vento em seu rosto.

    Já a partir dos sete anos, Paul adotou o estilo dos anos setenta.

    Usava os cabelos à altura dos ombros. Tinha um visual impecável que chamava a atenção de muitas garotas. Já nesta idade começava a desenvolver um físico invejável, bem acima da média, para os jovens de sua época.

    Eram sete horas da manhã quando eles chegaram ao campo.

    O dia estava ensolarado, podia-se sentir uma brisa agradável, que trazia consigo um forte cheiro de mato. O exalar natural daquele lugar. Defronte àquela maravilhosa plantação de milho, a perder de vista, Paul apressou-se em descer do veículo. Já descera com o arco em mãos e os seus olhos lampejando de euforia. Seguia a passos largos e rápidos em direção à floresta. Demonstrava tanta 24

    O Espírito Do Vento

    ansiedade, que até mesmo esqueceu-se de se despedir dos pais. Sua mente recheada de ideias e desejos fazia dele um refém dos seus próprios sonhos.

    — Paul! Para onde você vai? Qual é o motivo de tanta pressa?

    — Mas Paul não respondeu, continuando a percorrer a estrada rumo à floresta. Stevie aumentou o volume da voz. —

    Filho, por favor, volte aqui!

    Paul resolveu parar, já imaginando o que seu pai diria. Stevie e Kate se aproximaram.

    — Ei, que pressa, filho! Como descer assim e seguir em direção à floresta sem ao menos se despedir de nós? Deve estar muito ansioso para testar sua arma, não é? — brincou Stevie, segurando o braço de Paul.

    — Pai! Vou até à mata para caçar! Quero testar o arco e as flechas, agora, para valer! Não se preocupem, volto logo! —

    comprometeu-se Paul.

    — É perigoso! Ali dentro você estará totalmente indefeso.

    Se algum animal feroz aparecer, suas possibilidades de escapar serão mínimas — acrescentou Stevie, olhando para Kate, que mostrava uma expressão de angústia.

    — Não se preocupe, pai. Não vou muito longe. Prometo que ficarei por perto. Dou-lhe a minha palavra que quando voltar, trarei uma caça para nós. Quer fazer uma aposta comigo? — Paul desafiou.

    — Aposta? Como assim fazer uma aposta? Desde quando meu filho faz apostas? — indignou-se Stevie carinhosamente.

    — Se eu não voltar com pelo menos

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