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Srta. Austen
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Srta. Austen
E-book363 páginas5 horas

Srta. Austen

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Sobre este e-book

Por que a irmã de Jane Austen quis tanto queimar as cartas que a autora escreveu para familiares e amigos? Baseado neste mistério do universo literário, Srta. Austen, de Gill Hornby, recria a saga de Cassandra Austen para proteger os maiores segredos da irmã.
 
Inglaterra, 1840. Vinte e três anos depois da morte de sua amada irmã Jane, Cassandra Austen recebe a notícia do falecimento do reverendo Fulwar, patriarca da família Fowle, com quem Jane se correspondia com frequência, contando todos os seus segredos. Cassandra sabe que precisa chegar até a casa paroquial o mais rápido possível se quiser manter intacta a memória da irmã.
No quarto da dona da casa, Cassandra encontrou o que procurava desesperadamente: separadas em maços amarrados com uma fita azul-clara estavam cartas de uma vida inteira. Correspondências, anotações e relatos feitos por Jane ao longo de todos aqueles anos de amizade com os Fowle, registros que Cassandra temia cair nas mâos de possíveis biógrafos e curiosos.
Ao ler as palavras escritas pela irmã, Cassandra tem um reencontro com o passado – um passado muitas vezes doloroso. As cartas revelam detalhes íntimos, e não apenas de Jane, mas também da própria Cassandra. Ao reviver as memórias afetivas de sua juventude em Steventon, onde moraram por vinte anos, Cassandra se depara com um difícil dilema: guardar as cartas e correr o risco de que um dia elas venham a público, podendo manchar a memória da irmã, ou queimar uma parte do legado de Jane e preservar a privacidade das duas?
Alternando entre a estada de Cassandra na casa paroquial e suas lembranças vívidas dos anos de convivência com Jane – momentos estes que são entrelaçados pelas cartas perdidas de Jane, brilhantemente recriadas por Gill Hornby -, Srta. Austen é a história não contada da pessoa mais importante na vida de Jane. Com uma empatia extraordinária, uma complexidade emocional e grande sagacidade, Gill Hornby finalmente faz jus a Cassandra, dando vida a uma mulher tão cativante quanto qualquer heroína de Jane Austen.
 
"Jane Austen teria amado essa história." – The Guardian
 "Um romance lindamente elaborado e extremamente comovente. Uma leitura que me deixou feliz e chorosa em quantidades igualmente abundantes." – Karen Joy Fowler
"Sem romantizar a ambientação do período nem minimizar a precariedade da posição das mulheres na sociedade da época, o livro celebra vidas que não passaram por escrutínio, a relação entre irmãs e virtudes como gentileza e lealdade." – Sunday Times
IdiomaPortuguês
EditoraRecord
Data de lançamento13 de abr. de 2023
ISBN9786555877137
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    Srta. Austen - Gill Hornby

    CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO

    SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

    Hornby, Gill

    H788s

    Srta. Austen [recurso eletrônico] / Gill Hornby ; tradução Elizabeth Ramos. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Record, 2023.

    recurso digital

    Tradução de: Miss Austen

    Formato: epub

    Requisitos do sistema: adobe digital editions

    Modo de acesso: world wide web

    ISBN 978-65-5587-713-7 (recurso eletrônico)

    1. Romance inglês. 2. Livros eletrônicos. I. Ramos, Elizabeth. II. Título.

    23-82408

    CDD: 823

    CDU: 82-31(410.1)

    Meri Gleice Rodrigues de Souza - Bibliotecária - CRB-7/6439

    título original:

    Miss austen

    Copyright © Gill Hornby 2020

    Mapa © Darren Bennett at DKB Creative Ltd (www.dkbcreative.com)

    Texto revisado segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990.

    Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, no todo ou em parte,

    através de quaisquer meios. Os direitos morais da autora foram assegurados.

    Direitos exclusivos de publicação em língua portuguesa somente para o Brasil

    adquiridos pela

    EDITORA RECORD LTDA.

    Rua Argentina, 171 – Rio de Janeiro, RJ – 20921-380 – Tel.: (21) 2585-2000,

    que se reserva a propriedade literária desta tradução.

    Produzido no Brasil

    ISBN 978-65-5587-713-7

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    Atendimento e venda direta ao leitor:

    sac@record.com.br

    Para Holly e Matilda

    Os homens tiveram todos os benefícios ao contar a própria história. 

    A caneta sempre esteve nas mãos deles.

    Jane Austen, Persuasão

    AS FAMÍLIAS

    Os Austen

    O REVERENDO GEORGE AUSTEN, Reitor de Steventon, e sua esposa, a SRA. (CASSANDRA) AUSTEN: o casal teve oito filhos, um deles, George, mesmo nome do pai, era portador de paralisia e morava afastado da família. A respeito dos demais:

    JAMES sucedeu o pai como Reitor de Steventon. Depois da morte da primeira esposa, casou-se com MARY LLOYD. Tiveram três filhos: ANNA, JAMES-EDWARD e CAROLINE.

    EDWARD foi adotado, na juventude, por amigos ricos e viveu uma vida de nobre. Casou-se com ELIZABETH e o casal teve onze filhos. Sua filha mais velha, FANNY, era a sobrinha favorita de suas irmãs, Cassandra e Jane.

    HENRY foi soldado, depois banqueiro e, finalmente, pároco. O mais inteligente e cosmopolita dos irmãos, ajudou Jane a encontrar um editor e atuou como seu agente.

    CASSANDRA foi noiva de Tom Fowle; mais tarde, tornou-se executora testamentária do patrimônio literário da irmã.

    FRANCIS, conhecido como Frank, ingressou na marinha, chegou à posição de almirante e por fim foi sagrado cavaleiro. Depois da morte da primeira esposa, que o deixou com onze filhos, casou-se com MARTHA LLOYD.

    JANE escreveu seis romances, dois dos quais foram publicados postumamente. Morreu em julho de 1817.

    CHARLES também era marinheiro.

    Os Fowle

    O REVERENDO THOMAS FOWLE, Pároco de Kintbury, e sua esposa a SRA. (JANE) FOWLE tiveram quatro filhos:

    FULWAR CRAVEN sucedeu o pai como Pároco de Kintbury e casou-se com ELIZA LLOYD. Tiveram três filhos e três filhas, MARY-JANE, ELIZABETH e ISABELLA.

    TOM foi noivo de Cassandra.

    WILLIAM tornou-se médico militar e CHARLES, advogado. Ambos morreram jovens.

    Os Lloyd

    ELIZA era a esposa de Fulwar Craven Fowle.

    MARTHA era grande amiga de Cassandra e Jane Austen. Casou-se com Frank Austen na fase mais madura da vida.

    MARY era esposa de James Austen.

    — Vamos por ali.

    Fechou o portão do jardim, depois que ela passou, e apontou para a Elm Walk. Ela ajeitou o xale e inspirou o ar novo e verde. O ano era 1795, e o dia que se anunciava era o primeiro da primavera. Pássaros, no alto do carvalho, cantavam seu alívio; vida nova brilhava nos galhos. Juntos, passaram pela brecha na cerca viva, subiram a colina nos fundos da Reitoria e ali — longe dos olhos da família dela — ele parou e segurou a mão da moça.

    — Meu amor — começou Tom. Cassy sorriu: finalmente. Havia esperado tanto tempo por esse momento. — Oh. — Ele parou, de repente tímido. — Acho que sabe o que vou dizer.

    — Sei? — Levantou os olhos para ele, animada. — Bem, eu gostaria muito de ouvir você dizer, seja o que for. Por favor. Prossiga.

    E então ele prosseguiu. Não foi uma declaração refinada, considerando-se o tempo que levou desde o planejamento. Foi um pouco hesitante, entrecortada — ele a amava desde, bem, não se lembrava com precisão... ela era a única mulher com quem já havia considerado compartilhar —, e por aí foi, mas ela se encantou da mesma forma. O discurso tinha o seu jeito delicado, lindo e trivial, como devem ser esses momentos. Quando parecia que todas as palavras, mesmo as inadequadas, começavam a faltar, ela aceitou poupá-lo da luta. Beijaram-se e seu corpo todo foi consumido por uma explosão de — do que foi mesmo? — sim: prazer. Este era o seu destino. Sua vida estava definida.

    Caminharam um pouco, de braços dados, e discutiram os termos do noivado. Na realidade, havia apenas uma cláusula que dizia respeito a eles: teria longa duração. E aquelas palavras pavorosas duzentos e cinquenta libras e anuais tinham que ser mencionadas — como eles dois as abominavam! Mas precisavam ser mencionadas. Ele lhe pediu paciência; ela prometeu sem pensar. Cassy tinha apenas vinte e dois anos; ainda tinham, pela frente, muitos anos para se deleitarem. E a paciência era uma de suas notórias virtudes. Voltaram para casa a fim de anunciarem as boas-novas.

    Foram recebidos com toda a exuberante satisfação que poderiam desejar, embora sem nenhuma falsa surpresa. Pois este noivado — entre a Srta. Cassandra Austen de Steventon e o jovem Reverendo Tom Fowle de Kintbury — tinha sido definido como fato público muito tempo antes de o casal, privadamente, tomar a decisão. Afinal, formavam o par perfeito, do tipo que traria imenso prazer a muita gente. Assim, este seria seu futuro, seu final feliz.

    O universo havia conspirado a seu favor, muitos anos antes.

    SUMÁRIO

    CAPÍTULO I

    CAPÍTULO II

    CAPÍTULO III

    CAPÍTULO IV

    CAPÍTULO V

    CAPÍTULO VI

    CAPÍTULO VII

    CAPÍTULO VIII

    CAPÍTULO IX

    CAPÍTULO X

    CAPÍTULO XI

    CAPÍTULO XII

    CAPÍTULO XIII

    CAPÍTULO XIV

    CAPÍTULO XV

    CAPÍTULO XVI

    CAPÍTULO XVII

    CAPÍTULO XVIII

    CAPÍTULO XIX

    CAPÍTULO XX

    CAPÍTULO XXI

    CAPÍTULO XXII

    CAPÍTULO XXIII

    CAPÍTULO XXIV

    CAPÍTULO XXV

    CAPÍTULO XXVI

    CAPÍTULO XXVII

    CAPÍTULO XXVIII

    CAPÍTULO XXIX

    NOTA DA AUTORA

    AGRADECIMENTOS

    CAPÍTULO I

    Kintbury, março de 1840

    — Srta. Austen. — A voz vinha de trás. — Perdoe-me. — Ela se virou. — Não sabia que estava aí.

    Cassandra esboçou um sorriso, mas ficou onde estava, na porta da casa paroquial. Gostaria de ser mais efusiva — no íntimo, sentia ternura pelos laços familiares —, mas simplesmente estava muito cansada para se mexer. Os velhos ossos tinham sido sacudidos durante a viagem de carruagem desde sua casa em Chawton, e a friagem que vinha do rio perfurava-lhe as juntas. Parada junto à bagagem, observava a chegada de Isabella.

    — Tive que ir até à sacristia — gritou Isabella enquanto descia pelo pátio da igreja. Ela sempre teve um físico miúdo, sem cor, e agora, naturalmente, coitadinha, toda vestida de preto. — Ainda temos providências... — Tendo por trás a margem verde do rio coberta de flores amarelas, movia-se como uma sombra. — Tantas providências a tomar. — A única coisa que sobressaía na sua pessoa era o cachorro a seus pés. E se, por um lado, a voz tinha tom de desculpas, seu passo era impressionantemente lento. Até Pyramus, agora avançando pelo cascalho, manifestava relutância exemplar, freando as patas.

    Cassandra suspeitava que não era bem-vinda e, caso isso fosse verdade, podia apenas culpar a si própria. Uma mulher solteira deveria viver apenas enquanto fosse útil. Nunca além disso. Chegara sem ser convidada; Isabella passava por dificuldades; tudo era embaraçoso, mas bastante compreensível. Mesmo assim, esperava algum entusiasmo por parte de um cachorro.

    — Minha querida, quanta delicadeza sua em me hospedar. — Abraçou Isabella, que foi de uma polidez fria, e paparicou Pyramus, embora preferisse gatos.

    — Mas ninguém veio recebê-la? Você tocou o sino?

    Claro que sim, Cassandra havia tocado. Chegou sob grande comoção e agitação numa carruagem dos correios, para que qualquer pessoa pudesse vê-la. O cocheiro anunciara com o sino, mais de uma vez. Avistara gente, muita gente: um tráfego intenso de trabalhadores equilibrados em carroças, voltando do campo, e um grupo de meninos, molhados até os joelhos, com uma salamandra dentro de um balde. Teve vontade de falar com eles — gostava de salamandras e mais ainda de meninos naquela febre de paixão inocente —, mas parece que não a viram. E a casa estava silenciosa, mas aquela criada difícil — como era seu nome? A memória de Cassandra, sempre tão prodigiosa, estava começando a falhar — devia saber perfeitamente que ela estava ali.

    — Cheguei numa hora difícil. Ah, Isabella. — Cassandra segurou seus braços e olhou-a de frente. — Como você está?

    — Tem sido difícil, Cassandra. — Os olhos de Isabella ficaram vermelhos. — Realmente, muito difícil. — Baqueou, porém, se recompôs em seguida. — Mas como o velho lugar lhe parece, hoje? Já andou por aí?

    — Exatamente como sempre foi. Querido, querido Kintbury...

    A casa paroquial tinha sido um marco — familiar, muitas vezes triste, sempre amado — na vida de Cassandra, durante quarenta e cinco anos. Um prédio branco, de três andares, com uma simpática fachada virada para leste, para o antigo vilarejo; o jardim descendo numa das laterais até a margem do Kennet, subindo na outra até a sólida igreja normanda. Era testemunha de tudo que ela valorizava: família e trabalho, a vida simples, a boa vida honesta. Avaliava este feliz exemplar da arquitetura doméstica inglesa como superior a qualquer outra coisa mais grandiosa — Godmersham, Stoneleigh, até mesmo Pemberley. Dito isso, gostaria muito de entrar — ficar junto à lareira, numa cadeira, esquentando-se.

    — Vamos...?

    — Claro. Onde estão todos? Deixe-me pegar isso aí. — Isabella quis tirar a pequena valise preta da mão de Cassandra.

    — Obrigada. Estou bem. — Cassandra segurou-a com firmeza. — Mas meu baú...

    — Baú? Ah. — Embora o rosto de Isabella continuasse lívido e sem expressão, seus penetrantes olhos azuis se acenderam inteligentes. — Tenho certeza de que é culpa minha. Com tanta coisa na cabeça. — Ergueu uma sobrancelha. — E sua carta chegou somente ontem, não é estranho?

    Nada estranho; na verdade, tudo foi totalmente proposital. Cassandra jamais havia sido tão descortês, chegando sem avisar com antecedência, mas, nesta ocasião, simplesmente não teve escolha. Assim, abriu um vago sorriso.

    Na impossibilidade de qualquer explicação, Isabella prosseguiu:

    — Não entendi muito bem quanto tempo irá ficar. Pretende passar uma temporada conosco?

    Agora, o desprazer de Isabella com sua chegada estava perfeitamente claro. Sob aquela aparência agradável e calma havia talvez um caráter mais forte do que o testemunhado anteriormente. Entretanto, Cassandra ficaria aqui o tempo necessário. Estava determinada a não partir até que seu trabalho estivesse concluído. Murmurou sobre a possibilidade de viajar mais longe, visitar um sobrinho, fingindo indecisão atípica resultante da idade avançada.

    — Fred vai trazer o baú. Por favor. — Isabella apontou para a porta, que foi aberta, imediatamente, por alguém. — Ah, aí está você, Dinah.

    Isso. Dinah. Precisa se lembrar. Pode precisar de Dinah.

    — A Srta. Austen chegou.

    Dinah apertava entre os dedos um objeto insignificante qualquer.

    — Vamos entrar?

    Cassandra atravessou esta soleira pela primeira vez quando jovem. Era alta, então, e magra; muitos foram bastante gentis e a achavam bonita. Estaria o tempo armando seus truques ou ela teria usado o azul que lhe caía melhor? Um punhado de pessoas da família juntara-se para saudá-la: os criados — entusiasmados, encantados — apertavam-se atrás. Ela ficara imóvel e animada diante da cena — do poder de sua posição! A força daquele momento!

    Ah, ela ainda se olhava no espelho quando precisava. Sabia que não seria chamada de magra agora, mas cheinha. A coluna vertebral, que já tinha sido perpendicular, estava curvada e encurtada; o rosto tão abatido que o nariz, que já fora orgulhoso — o nariz de Leigh, marca de uma aristocracia distante —, mais parecia o bico de uma gralha. E as pessoas que a amavam haviam partido — como ela própria já estava quase. As que a recepcionavam hoje — a pobre Isabella, a difícil Dinah, Fred, que agora passava pelo vestíbulo resmungando e arrastando o baú — sabiam dos fatos de sua história, mas não tinham obrigação para com a verdade. Pois, quem seria capaz de olhar uma senhora idosa e ver a heroína jovem que ela havia sido um dia?

    Seguiram pelo amplo saguão revestido de madeira. Cassandra acompanhou-as humildemente, mas, uma vez lá dentro, teve um sobressalto. Foi em direção à lareira de pedra, apoiou-se nela e olhou apavorada o cenário ao redor.

    Conseguiu escutar Dinah murmurando:

    — Deus do céu, nos proteja. Ela chegou e ficou doida. Como se a gente já não tivesse muita loucura por aqui.

    E Isabella sussurrando:

    — Talvez esteja afetada pela tristeza ou pelo sentimentalismo. Afinal, esta será sua última visita.

    Cassandra sabia muito bem que não deveria dar atenção a elas. Era dessas conversas que o melhor a fazer é fingir que não se escuta, como quase sempre fazem os jovens para suportarem ficar junto dos mais velhos. Mas como se ela pudesse ser tomada pela tristeza ou pelo sentimentalismo, quando durante décadas estes tinham sido seus companheiros constantes. Não. Não era o fato de que esta seria sua última visita — suspirou, as mãos tremeram — era o medo de que fosse tarde demais. A casa já estava um caos de mudanças.

    — Minha querida, tem certeza de que está bem? — Isabella, acalmando-se, segurou o cotovelo, permitindo que ela se apoiasse.

    Um retrato do benfeitor dos Fowle, Lorde Craven, sempre estivera pendurado sobre a lareira. Agora, havia sumido da parede.

    — Aquela carruagem foi demais para você. — Isabella falava alto, como se estivesse se dirigindo a uma imbecil, enquanto folgava a fita em volta do pescoço de Cassandra. — A viagem toda nesse tempo frio. — Tiraram o chapéu. De onde estava, Cassandra conseguia ver o gabinete, onde as prateleiras haviam sido esvaziadas. Que livros sumiram? Tinham a obra completa de Jane. Com quem estaria agora?

    — E ela veio sozinha, já percebi. — Dinah estava atrás, tirando a capa.

    Os móveis, ainda no lugar, pareciam abjetos, humilhados.

    — Será que a criada foi embora?

    — E quem ficaria cuidando dela, se é que posso perguntar? — Dinah jogou a capa e o chapéu no braço. — Eu e o exército de quem?

    Uma casa paroquial sem um pároco é sempre triste de se ver. Cassandra havia constatado isso com mais frequência do que a maior parte das pessoas, mas, nem por isso, se sentia menos afetada. Os Fowle viveram nesta casa por três gerações. Havia passado de pai para filho — todos bons párocos, todos abençoados com excelentes esposas —, mas a corrente agora estava partida. O pai de Isabella havia morrido e seus irmãos se recusaram a assumir a tarefa. Sem dúvida tinham suas razões para desperdiçar todo aquele patrimônio familiar, e Cassandra esperava de coração que fossem boas razões.

    A tradição da Igreja dava dois meses para que as relíquias da família fossem retiradas antes da chegada do novo titular. E, embora não estivesse escrito em lugar nenhum, de alguma maneira, a tradição da Igreja parecia sempre contar com as mulheres da casa paroquial na condução do processo. Pobre Isabella. A tarefa que tinha diante de si era sombria, penosa, árdua: apenas dois meses para esvaziar o lugar que tinha sido a casa da família durante noventa e nove anos! Naturalmente, tinha que começar o trabalho logo. Mas era preciso considerar que o Reverendo Fulwar Craven Fowle havia morrido há poucas semanas. Cassandra viera assim que pôde. Estava chocada em ver que o trabalho já estava bem avançado.

    Pensar que aquela viagem — tão cansativa, tão desconfortável, tão vergonhosamente cara — podia não ter valido a pena! Pensar que a razão de ter vindo pudesse não significar nada!

    Cassandra sentiu-se nauseada e tonta. Delicadamente, Isabella alisou seus cabelos — devia estar bem descabelada — e guiou-a pela casa.

    A sala de estar tinha um quê de beleza simples: um cubo perfeito com paredes amarelas que absorviam o sol poente. Cada uma das janelas, nos dois lados, dava para a água: era possível observar os pescadores no rio ou as barcaças deslizando ao longo do canal, de leste para oeste. Normalmente, eram os lugares preferidos de Cassandra. Preenchiam sua alma. Mas, naquele dia, sentia certa trepidação nervosa, consumida pelo medo daquilo que poderia encontrar.

    Não precisava ter se preocupado. Mesmo enquanto entrava, antes de pôr os pés no tapete, sentiu-se segura. A atmosfera era de calma e repouso. O ar, imperturbável. E toda a mobília estava aqui, como sempre estivera. Portanto, não havia chegado tarde demais! Os joelhos quase se curvaram de alívio. Voltou-se para Isabella, a voz e a autoridade recuperadas de imediato.

    — Agora, talvez eu possa me recompor antes do jantar.

    Cassandra sempre observou, sem dizer nada, que, quando o homem da casa morria, um jantar refinado morria com ele. Era uma tese que o jantar daquela noite comprovava. A carne de carneiro era só isso: carne de carneiro, sem molho, batatas ou purê, sendo o repolho, que levou muito tempo para ser colhido, a única guarnição. Sorriu ao comparar com as refeições que costumava fazer ali. O pai de Isabella sempre foi um homem de elevados padrões e reações excessivas. Caso Dinah se atrevesse a servir algo desse tipo, ele demonstraria sua insatisfação.

    Mas eram duas mulheres educadas, de forma que, polidamente, agradeceram ao Senhor, com algum esforço cortaram a carne de carneiro e a morderam com determinação canina. O único outro ruído era o bater do relógio. O silêncio daquele jantar, em particular, era mais uma inovação nos gestos de expressão da visita indesejada, gesto esse que Cassandra achou mais duro do que a carne.

    — Vejo, pelas etiquetas, que você já está bem avançada no processo de divisão dos pertences. — Cassandra viu o decantador, que pela primeira vez na sua história estava vazio. Inclinou a cabeça e leu que o Sr. Charles Fowle já havia expressado interesse na posse. O decantador com certeza teria um futuro movimentado com ele.

    — O testamento foi lido na semana passada, e meus irmãos puderam tomar suas decisões. — Isabella não transpareceu emoção ao fazer essa afirmação. Rosto baixo, olhos iluminados estudando o prato.

    Cassandra, no entanto, não conseguiu fazer outra coisa a não ser demonstrar objetividade.

    — E seus irmãos terão direito a todos os bens e móveis? — Conseguia ouvir a agudeza de sua própria voz que, imediatamente, virou lamento: sabia muito bem que era excessivamente explícita para alguns gostos e que não sabia morder a língua. Mas o fato é que esse assunto era demasiadamente irritante. Os Fowle eram muito parecidos com os Austen de várias maneiras: ambas eram famílias grandes, abençoadas com filhos e filhas e muita sorte com a linhagem masculina.

    — Meu pai deixou alguns romances para minha irmã Elizabeth. — Isabella gesticulou para a estante, que exibia uma prateleira vazia e empoeirada. — Em particular, os favoritos que liam juntos.

    Cassandra iluminou-se.

    — Ah! — Finalmente, tocaram em seu assunto favorito. Perguntou irônica: — E são da autoria de quem, se posso perguntar?

    — De quem? — De repente, Isabella parecia perplexa com a pergunta, como se livros fossem apenas livros, não importando seus autores. — Ora, Sir Walter Scott, acredito.

    Cassandra segurou o garfo com mais força e fingiu costume. Sir Walter Scott. Sir Walter Scott! Por que sempre tem que ser ele? Como ela gostaria de, só por uma vez, conseguir manifestar uma reação. Em vez disso, sentou-se em silêncio, pensativa — sobre as injustiças da fama; os trabalhos dos verdadeiros gênios; o desfecho — e isso aconteceu muito espontaneamente — sobre o fato de que ela nunca tinha sido muito próxima de Elizabeth, irmã de Isabella. E seus pensamentos, de repente, foram interrompidos. O que foi isso? Isabella finalmente encontrou alguma coisa para dizer.

    — Minha opinião é que seus livros são muito... — Houve uma pausa, enquanto ela olhava em volta, buscando a palavra certa. — ... muito... muito... — E, então, como que por milagre, encontrou: — ... longos. — Respirou fundo para continuar. Tendo então abordado o improvável território da discussão literária, de alguma forma sentia-se animada para se embrenhar no assunto. — Existem muitas, muitas palavras neles — ela prosseguiu, com certa amargura. — Parecem tomar muito o tempo de todos.

    Cassandra estava habituada a um nível mais elevado de discurso, mas, mesmo assim, limitava-se a concordar. Na companhia de outras pessoas, talvez argumentaria que ele era um bom poeta e faria uma brincadeira a respeito de que seu trabalho como resenhista era incomparável, mas sentia que aqui não era propriamente o lugar.

    — E você, Isabella? Gosta de romances? Quais são os seus preferidos?

    — Romances? Eu? — Isabella mais uma vez ficava perplexa. — Preferidos? Não. Nenhum.

    Fim da conversa. Cassandra rendeu-se. Dinah entrou esbaforida e colocou sobre a mesa uma compota, que comeram em silêncio, quebrado apenas pelo contínuo bater do relógio.

    — Por favor, sente-se no lugar de mamãe — disse Isabella, quando o jantar terminou. Cassandra aceitou, uma vez que a poltrona era a mais próxima da lareira.

    A noite na sala de estar bocejou antes delas, o último desafio de um dia desafiante. Pyramus ajeitou-se e se estirou sobre o tapete: esta casa sempre havia sido daquelas em que os cachorros gozam de liberdade. Cassandra não ligava muito para este cão em particular, mas não aprovava a prática de maneira geral. Baixou o rosto, abriu a valise e tirou seu trabalho. Como era conveniente saber costurar, brincar com uma agulha, atenta ao ponto. Era sempre seu escudo em situações difíceis, um desvio de foco da companhia. Sempre se perguntava como os homens conseguiam viver sem ter algo semelhante, embora parecessem menos afetados pela ausência de palavras.

    Trouxe apenas seu patchwork. Os olhos não eram mais tão bons para coisas mais refinadas à luz das lamparinas.

    — Você não faz trabalhos manuais, Isabella querida? — Abriu o papel por trás do desenho do broto de algodão e começou a dar pontos em volta. — Nada com o que se ocupar?

    Com os olhos fixos na lareira, Isabella sacudiu a cabeça.

    — Nunca fui muito boa nesse tipo de coisa.

    Cassandra, que conseguia fazer patchwork de olhos fechados, levantou os olhos com alguma surpresa. Que criatura estranha era Isabella. Cassandra a conhecia desde o seu nascimento — como os anos passaram depressa — e, mesmo assim, concluía que não a conhecia de jeito nenhum. Estudava a mulher ali sentada: bem-arrumada, embora o luto a prejudicasse; seus traços poderiam ser descritos como delicados se a tristeza não lhe tivesse roubado a beleza. Isabella não tinha nem a beleza da mãe, nem o intelecto do pai — embora aqueles olhos azuis arrebatadores fossem certamente dele. E mesmo depois de quarenta anos de ligação, qualquer avaliação de caráter ou personalidade ainda permanecia duvidosa. Dificilmente Cassandra conseguiria ficar na casa paroquial sem estabelecer alguma espécie de relação, mas era como se estivesse no escuro, buscando uma porta secreta numa parede maciça e plana. Difícil encontrar uma saída.

    E então a luz da inspiração se acendeu:

    — Espero que a morte tenha sido generosa com seu pai, quando veio ao encontro final.

    Pois sobre o que mais os recém-enlutados querem falar, a não ser O Fim?

    Isabella suspirou.

    — Estava claro, cerca de dez dias antes, que estava chegando a hora. Teve uma convulsão depois do jantar e, quando Dinah chegou na manhã seguinte, ele estava muito fraco para se levantar...

    A tranca tinha se rompido. A porta para conversarem estava aberta.

    — A dor que o afligiu, e com a qual viveu tão bravamente, enfim...

    Cassandra continuou a trabalhar, escutando as histórias de banhos gelados e cataplasmas, e, de repente, sentiu-se mais à vontade.

    — No quinto dia, seu espírito já estava tão frágil que conseguimos aceitar um médico...

    — O médico não tinha sido consultado antes? — Isso cheirava a negligência! Isabella suspirou.

    — O Dr. Lidderdale é um bom médico e tivemos sorte de tê-lo conosco. É querido por todos… Todos, isto é, exceto papai. Meu pai tinha dúvidas sobre a necessidade de termos um médico no vilarejo. Ele se preocupava com a possibilidade de que isso estimulasse a doença naqueles que não tinham condições financeiras de ficar doentes. Mas, quando percebeu que ele próprio não podia mais objetar...

    Cassandra imaginou que morrer deve ter sido de fato um tormento para o bom Reverendo: ter que ficar ali deitado mudo e ter suas exigências irascíveis ignoradas.

    — ... e eu, naturalmente, agradeci por ter o Dr. Lidderdale ali comigo. Ah! Que alívio foi não estar mais sozinha...

    — Mas suas irmãs, Isabella? — Cassandra interrompeu. — Com certeza, elas se revezaram.

    — Bem, Elizabeth anda muito ocupada com o trabalho com os bebês do vilarejo. E, naturalmente, as criaturinhas não podem ser abandonadas. Não a vemos muito por aqui.

    Elizabeth! Francamente, Cassandra não esperava nada melhor.

    — Mas e Mary-Jane? Ela mora do outro lado do pátio da igreja.

    — Mary-Jane, claro, tem suas preocupações.

    Ah, a tirania sobre a mulher casada, pensou Cassandra — mesmo que seja viúva e não tenha filhos.

    — Então, têm que agradecer a você por suportar o fardo sozinha.

    — Não me incomodei. — Isabella deu de ombros. — E não me incomodei mesmo,

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