A Moda na Mídia: Produzindo Costuras
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A Moda na Mídia - Daniela Schmitz
Editora Appris Ltda.
1ª Edição - Copyright© 2018 dos autores
Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.
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COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO
PREFÁCIO
E por falar em moda e para falar de comunicação
Quais os desafios que a comunicação enfrenta em um contexto interdisciplinar e de constante renovação como o da moda? Quais as possibilidades de análise de discursos que vemos diariamente exibindo padrões e definindo modos de ser e ver nossas interações mais íntimas com nosso entorno? Como as novas tecnologias de informação têm alterado o parecer e o estar na moda?
Bem sabemos que os discursos da moda são amplos e possibilitam investimentos que falam dos modos de ser, de construção, de parecer, de produtos e comportamentos vinculados aos padrões de gênero, de tudo que envolve hoje, meio ambiente, materiais que estruturam produtos e valores sócio culturais. Todas essas possibilidades de articulações podem ainda ser pensadas de acordo com a mídia que a veicula (do corpo às redes digitais) e os diferentes públicos considerados alvos para os amplos discursos da moda. Claro que a complexidade impera e a necessidade de atenção e análise muda sua dinâmica frente à exigência cada vez mais acelerada de informação, estratégias de sedução, argumentação e visibilidade.
Mudanças nos comportamentos sociais parecem priorizar o corpo e tudo que se acresce a ele como a gestualidade, adornos e trajes como linguagem primeira de manifestação que repercutirá e transformar-se-á em tendências, em modos e em moda. Desse modo, somos levados a reconhecer a importância da comunicação como área de estudos e de pesquisas científicas que elegem a moda como campo de conhecimento.
Sem dúvida, hoje o Brasil é o país que o maior número de escolas com nível superior na área de moda apresenta. Se o ensino básico (graduação ou tecnológico) possui currículos voltados para a formação em Design, é possível reconhecer que, em nível de pós-graduação, existe alta incidência de formação em programas de Comunicação. Muitas dessas pesquisas estiveram bastante próximas a nós, iluminando nossas reflexões e discussões nos encontros anuais promovidos pela Associação Brasileira de Estudos e Pesquisas em Moda (Abepem) no Colóquio de Moda.
O Colóquio de Moda nasceu em 2005 e neste ano de 2018 celebra sua 14ª edição. Nesse espaço de tempo, as contribuições que apareceram na área de Comunicação foram inúmeras e consistentes. Muitos dos grupos de trabalhos (GTs) foram constituindo-se ao longo desses anos, porém o GT de Comunicação tem lugar, sem interrupção, desde o primeiro momento em que essa prática de discussão por áreas de conhecimento foi adotada. Assim, devo dizer do meu grande prazer em ver esta edição cuidadosamente pensada, articulando textos e pesquisadores da área que investiram na reformulação de seus artigos, buscando novos alcances. Um trabalho exemplar e que, sem dúvida, reforça laços de pesquisa e propicia novas e importantes interlocuções.
Desejo ótima leitura!
Kathia Castilho
Presidente da Associação Brasileira de Estudos e Pesquisas em Moda (Abepem)
APRESENTAÇÃO
A pesquisa e produção de conhecimento na área de Moda, especialmente no Brasil, filiam-se a diversas áreas. Isso ocorre especialmente pela constituição ainda incipiente enquanto campo de estudos¹, cuja institucionalização científica ainda pode ser considerada embrionária cognitiva e social no País². Mas nem por isso a moda é fenômeno/objeto pouco investigado, embora sua produção seja diversa e plural em relação às áreas que abrigam as investigações.
A área da Comunicação, historicamente, é a que mais produziu teses e dissertações que dialogam com o campo da moda entre 1950 e 2007³. Bonadio⁴ indica que essa também foi a área que mais publicou livros originados de pesquisas discentes da pós-graduação entre 1950 e 2010. Entre motivos diversos como a necessidade de profissionalização do mercado, necessidade essa gerada pelas transformações econômicas a partir de 1990, destaca-se o fato de que o vínculo moda-comunicação tenha se tornado um fenômeno sobretudo pelo intenso investimento simbólico na moda. Como argumenta Marinho⁵, a implantação da chamada indústria cultural
no Brasil provocou a reorientação do gosto e padrões de consumo da sociedade brasileira, com a mediação do mercado publicitário e a participação da indústria têxtil, de confecções entre outros setores
. Nesse contexto, é importante registrar a importância inovadora do Núcleo Interdisciplinar de Moda (Nidem)⁶ no Brasil, ao final dos anos 90, que se constituiu como um grupo de pesquisadores, entre eles, uma das organizadoras deste livro, preocupados em pensar a moda, comunicação e cultura de maneira acadêmica e sistemática.
De qualquer maneira, para além dos bancos acadêmicos, a moda e os meios de comunicação têm uma relação de longa data. A imprensa feminina foi a primeira a abrigar e difundir essa temática, já no século XVIII. Mas do início desse produto editorial pautado pelo gênero até a atual era das redes sociais na internet há um movimento de retroalimentação entre os dois campos, cujo propulsor por vezes é impulsionado pelas lógicas da moda e em outros pelos protocolos midiáticos. Ambas têm lógicas muito próximas e bebem na fonte da novidade, fantasia, espetáculo e aceleração que são basilares para o surgimento do sistema de moda⁷, mas que também foram incorporados pelas dinâmicas da indústria cultural⁸.
Assim, à medida que a participação e importância dos meios cresce na vida social, seja pela amplitude de massa que sua difusão adquire ou pelas profundas transformações culturais que se processam a partir das intervenções técnicas nos processos comunicacionais, a moda vai adentrando mais espaços midiáticos. Ou seriam os meios de comunicação que abririam maior espaço à moda, por razões econômicas, técnicas, sociais e culturais? Essa é uma das questões que atualiza o esforço acadêmico do Nidem, já citado, para os dias de hoje e pauta este livro. E, ainda que as respostas não sejam definitivas, o esforço aqui empreendido é o de desvendar, discutir e compreender algumas das inter-relações entre moda e mídia.
Nesse sentido, este livro é o resultado de um longo percurso de estudos que converge vários anos de trabalho em torno deste vínculo entre moda e mídia: o grupo Moda, Comunicação e Cultura
, registrado no CNPq e sucedâneo do extinto Nidem, composto por nós, organizadoras, e o Grupo de Trabalho Moda e Mídia, do Colóquio de Moda, também sob mesma coordenação⁹. Os textos aqui reunidos são de pesquisadores que integram esse GT, que existe desde as primeiras reuniões do Colóquio de Moda, nascido em 2005. Esse grupo tem como objetivo a pauta da midiatização da moda tanto no sentido da recepção como no sentido da configuração de linguagens, incluindo aí a dimensão tecnológica dos meios de comunicação. Duas pesquisadoras que não fazem parte do GT foram convidadas a se integrar na discussão, por conta da vinculação de suas investigações: Pamela Church Gibson e Eleni Kronca.
Nossa proposta de pensar a moda na mídia implica, pois, em considerar a penetração dessa segunda no cenário social, a ponto de os meios e a tecnologia serem considerados traços distintivos do atual estágio civilizatório¹⁰. Nossa reflexão é pautada, portanto, pelos processos de midiatização para compreender como o campo da moda em suas dinâmicas, conteúdos e especificidades participa, mobiliza e se insere nesse fenômeno de reconfiguração social capitaneada pelos meios.
O princípio desta discussão dá-se em um âmbito mais teórico, atentando para as formas como racionalidades e lógicas desses dois campos se entrelaçam. Tal investimento reflexivo pauta os dois primeiros capítulos, um de Daniela Schmitz e outro de Juliana Bortholuzzi.
É nesse contexto que o artigo de Daniela Schmitz apresenta uma proposta conceitual sobre a dinâmica tensional entre moda e mídia. Tomando a moda enquanto fenômeno de interação e sociabilização, ela argumenta, histórica e sociologicamente, como são articulados os processos midiático-tecnológicos, traçando um cenário, ainda que recortado, do panorama atual da midiatização da moda. Com uma amostra de dados factuais sobre a recepção de editoriais de moda e também de famílias de jovens candidatas ao posto de modelo, ela conduz-nos ao universo das imagens midiáticas femininas introjetadas. Em diálogo com Daniela, o texto de Juliana Bortholuzzi também trabalha a questão da midiatização da moda, especialmente no âmbito digital. Dirige sua atenção ao papel do novo consumidor, o "prosumer", que surge nesse contexto e reordena lógicas dos dois sistemas, tanto o midiático como o de moda. O capítulo apresenta um processo em plena efervescência e nos instiga a pensar nas atuais consequências e, quiçá, fazer um esforço para antever as tendências que surgirão num futuro cada vez mais próximo, pela aceleração que já é peculiar em termos de moda.
O livro também se assenta sobre objetos empíricos ligados aos meios de comunicação mais tradicionais – cinema, revista e jornal – e aos mais contemporâneos, com a projeção cada vez maior que o digital adquire tanto na reconfiguração das lógicas do campo da moda e em sua difusão.
Entre esses capítulos temos o texto de Pamela Church Gibson que pontua na relação moda-cinema um vínculo entre indústrias midiáticas complementares e interdependentes, escapando assim de uma investigação restrita ao figurino de filme. Interessa nesse texto o delineamento de uma trajetória que a autora propõe desde o cinema nascente até a atividade digital contemporânea mostrando, de maneira original, o alcance do vínculo moda, tecnologia do cinema e indústria.
Debora Elman mostra como a segmentação de revistas de moda se constrói a partir das necessidades ou dos desejos dos leitores e se efetiva na prática pelos interesses do consumo editorial. A partir de uma dimensão histórica e factual, a autora discute conceitualmente como as principais revistas de moda alimentam estratégias e negociam esse leitor imaginado
de maneira a assegurar os valores tradicionais do jornalismo: credibilidade, objetividade, atualidade, entre outros. Em um diálogo claro com o texto anterior, Eleni Kronka discute com riqueza de detalhes o percurso das principais revistas de moda internacionais e brasileiras, levantando características históricas, tecnológicas e estilísticas.
Ainda, dentro dessa relação entre mídia e moda ligada aos meios tradicionais com projeção aos digitais, temos o artigo de João Dalla Rosa Júnior que trabalha questões visuais e de espaço relacionadas às imagens da revista de moda e da passarela. Com uma sólida discussão conceitual fundamentada em autores da História da Arte e também da Sociologia (Panofsky, Crary e Foucault e Bourdieu), João problematiza a relação do olhar monocular e/ou panorâmico com a moda na passarela sob os efeitos da fotografia.
O livro é concluído com duas discussões centradas nos meios digitais. A nosso ver, associados a outras dinâmicas da aceleração do mundo contemporâneo, tais meios incorporam o papel de protagonistas no novo cenário de moda: mais descentrado, plural e sem apostas certeiras e hegemônicas em relação a tendências ou mesmo à desinstitucionalização dos cânones de referência na área. Se houve um tempo em que a mídia tradicional reservava seu espaço apenas para a opinião de moda de jornalistas, estilistas e especialistas de moda ou, vez por outra, alguma celebridade midiática reconhecida pelo estilo, hoje a realidade é outra. Bloggers, influenciadores, youtubers têm circulação cada vez maior em circuitos que não os formados pelas redes sociais. E tanto a mídia mais tradicional como o campo da moda ainda estão aprendendo a lidar com isso.
É nesse contexto de transformações que o olhar investigativo de Daniela Hinerasky e Issaaf Karhawi evolui na discussão moda e mídia ao estudar os fenômenos dos blogs. Daniela analisa o fenômeno dos blogs street style como um movimento que atinge hoje uma etapa de efervescência depois de apresentar transformações editoriais e econômicas. Ela propõe, não sem uma argumentação sustentada empírica e conceitualmente (Maffesoli, entre outros), uma tese interessante: a ideia de que os principais blogueiros passaram de fotógrafos autores para intermediadores culturais, formadores de opinião e empreendedores de uma rede de negócios.
Em um diálogo com essa investigação, o trabalho de pesquisa de Issaaf, largamente documentado, sustenta uma tese similar. Ela mostra como o foco das blogueiras de moda profissionaliza-se e coloca a própria blogueira em evidência. Pautada em uma rica pesquisa empírica e referências conceituais (Foucault, Bourdieu, entre outros) e metodológicas (Pêcheux) importantes, ela pontua a trajetória das etapas que levam as blogueiras a se tornarem influenciadoras digitais, não somente vendedoras de espaços publicitários, mas vendedoras legitimadas de estilos de vida. Trata-se, aqui, muito mais do caminho que privilegia a visibilidade do que o próprio conteúdo do que anunciam.
Por fim, queremos manifestar a nossa imensa satisfação em dar à luz
a este trabalho que expressa o nosso caminhar e agradecer aos colegas de percurso que tanto contribuíram nessa empreitada: Kathia Castilho, Maria de Fátima Mattos, Maria Eduarda Guimarães, Maria Claudia Bonadio, Maria Gabriela Marinho, Maria do Carmo Rainho, entre tantos outros. E, ainda, nossa gratidão aos autores dos capítulos que, ano após ano, enriquecem o debate sobre a interface moda e mídia.
Solange Wajnman e Daniela Schmitz
outono de 2018
Sumário
MODA E MIDIATIZAÇÃO
Daniela Schmitz
OS REFLEXOS DO PROCESSO DE MIDIATIZAÇÃO NO SISTEMA DA MODA E O NOVO CONSUMIDOR: O PROSUMER
Juliana Bortholuzzi
MODA E CINEMA: MUDANÇAS, COMPLEXIDADES E CONSUMO
Pamela Church Gibson
REVISTAS DE MODA: VITRINE DE LANÇAMENTOS E CANAL EFICAZ PARA A INFORMAÇÃO
Eleni Kronka
REVISTA DE MODA E SEGMENTAÇÃO
Débora Elman
AS REVISTAS DE MODA E A PERSPECTIVA DAS PASSARELAS
João Dalla Rosa Júnior
O FENÔMENO DOS BLOGS STREET STYLE: DO FLÂNEUR AO STAR-BLOGGER
Daniela Aline Hinerasky
DE BLOGUEIRA À INFLUENCIADORA DIGITAL DE MODA E BELEZA: EVOLUÇÃO E MOTIVAÇÕES DA PRÁTICA
Issaaf Karhawi
SOBRE OS AUTORES
MODA E MIDIATIZAÇÃO
Daniela Schmitz
A moda é um assunto complexo que já foi examinado e discutido a partir de diversos conceitos e outros tantos preconceitos. Uma das principais características que fizeram com que o sistema de moda fosse instaurado foi seu caráter efêmero. Em sua lógica própria, a moda precisa mudar para existir. Por sua própria natureza, ela é submetida à lei da novidade: quando achamos que estamos entendendo algo, tudo se transforma novamente. É o novo de novo, mais uma vez.
A perspectiva de moda que trato aqui diz respeito à conjugação de sua obsolescência programada, da fantasia estética e da sedução, a tríade que deu abertura ao surgimento do fenômeno, em meados do século XIV¹¹ e que, de certa forma, ainda persiste, especialmente no que tange a sua midiatização. Assim, o objetivo deste texto é discutir algumas das características desse fenômeno secular, mas na sua relação específica com o campo midiático, um encontro que se dá séculos depois do nascer da moda enquanto sistema.
É possível dizer que moda e mídia têm uma relação de longa data. Na imprensa feminina, por exemplo, a moda já pautava esse tipo de publicação desde os primórdios, mesmo que haja informações divergentes quanto ao início da difusão de tendências de vestuário por meio de revistas. Para Buitoni¹², a publicação L’Iris, por volta de 1830, foi a primeira a trazer moldes de roupas, com o nome de coupes géométriques. Já para Lipovetsky¹³, as primeiras reproduções de fotografias de moda surgiram em 1892, em La Mode Pratique. Caldas¹⁴, por sua vez, defende que nasceu na França, no final do século XVIII, com o precursor Journal de Mode. Também indica que seu surgimento está associado ao excessivo valor monetário que