Subjetividade e Educação Especial: A Inclusão Escolar em uma Perspectiva Complexa
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Sobre este e-book
Nesse contexto, Subjetividade e Educação Especial: a inclusão escolar em uma perspectiva complexa traz em destaque os protagonistas desse enredo: pessoas com autismo, com altas habilidades/superdotação, cegas e surdas; mães; professores, que compartilham em distintos níveis da educação os dilemas, conflitos, recursos e as soluções que se mostram na sua vida cotidiana. Esses sujeitos, enfocados sob a perspectiva da Teoria da Subjetividade de Fernando González Rey, apontam-nos outros possíveis novos entendimentos, pois delineiam a Educação Especial a partir dos processos subjetivos que a constituem. Sob esse prisma, esse campo de estudo pode ser vislumbrado de outro modo, como quando se olha para dentro. Este livro é, pois, um convite à mudança de ângulo, de ótica, de entendimento, e a uma nova forma de produzir conhecimento.
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Subjetividade e Educação Especial - Ana Valéria Marques Fortes Lustosa
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO EDUCAÇÃO, TECNOLOGIAS E TRANSDISCIPLINARIDADE
A Fernando González Rey e Albertina Mitjáns Martínez, por compartilharem uma visão de mundo que enriquece e fortalece a compreensão do verdadeiramente humano no contexto da sociedade e da pesquisa.
APRESENTAÇÃO
O percurso histórico que culminou no movimento pela inclusão escolar de pessoas público-alvo da Educação Especial foi extenso e repleto de desafios, contradições, retrocessos, avanços e conflitos. Nesse caminho, destaca-se a invisibilidade e a ausência dessas pessoas no âmbito da sociedade, a qual só recentemente acatou sua inserção de forma digna em seu seio.
Reconhece-se que a inclusão almejada ainda não foi plenamente alcançada, pois embora as legislações nacional e internacional que a amparam sejam das mais atuais em termos de garantia de direitos, a inclusão não se faz integral apenas com leis, mas, sobretudo, com uma sociedade que se transforme para ressignificar e valorizar a diferença, em sua natureza complexa e plural. Há que se cultivar com efetiva vontade novas crenças e valores que simbolizem fundamentalmente o respeito, a igualdade e a liberdade de cada ser.
Nesse processo, destaca-se a subjetividade dos sujeitos, não somente a individual, mas também a social, a partir das quais essa transformação pode ocorrer, pois se acredita que cada indivíduo subjetiva a inclusão da forma que a compreende em função das suas vivências cotidianas, que implicam a convivência com o outro mediante essas condições, que subvertem o abstrato em real, o invisível em perceptível, a indiferença em cuidado. Contribui de forma contundente para essa modificação o conhecimento sob todas as suas formas, pois propicia a conscientização e, com ela, a responsabilidade compartilhada.
No âmbito educacional, a inclusão enfrenta desafios distintos, como a ausência de recursos, a precária formação dos professores para atender a esse público, as discordâncias acerca da melhor forma de educá-lo, o preconceito e a discriminação. Não se quer, com essa afirmação, responsabilizar a escola, mas indicar que essa instituição é expressão da sociedade e com ela se identifica.
Esta obra surge em função do envolvimento de seus autores com esse campo do conhecimento, mas pretende ir além da produção de conhecimento, pois anseia apontar nova forma de se compreender a inclusão a partir de um referencial que privilegia o sujeito, que ressalta a relevância de se conhecer a subjetividade e suas formas de expressar-se, com implicações sobre o comprometimento com uma visão de homem e de mundo na qual prepondera a singularidade e o respeito à heterogeneidade de cada um. Nessa perspectiva, defende o direito de ser diferente, distinto, especial, em uma palavra, único. Desse modo, não busca generalizar, padronizar ou homogeneizar os sujeitos, mas enfatizar as teias complexas que cercam o ser humano, em toda a sua complexidade.
As pesquisas aqui apresentadas são resultantes de produções acadêmicas de membros do Grupo de Pesquisa Núcleo de Estudos em Educação Inclusiva – Neespi, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação Especial da Universidade Federal do Piauí, criado em 2004, quando o tema da inclusão atingia 10 anos de existência, se se considerar a Declaração de Salamanca como o marco fundante desse movimento. Por essa razão, os pesquisadores que se debruçaram sobre a Educação Especial na perspectiva inclusiva apresentam-se neste livro como profundamente envolvidos nessa discussão polêmica e profícua e, imersos nesse comprometimento, investigam com genuíno interesse e de forma ética a subjetividade dos participantes e da sociedade que os constitui.
O livro está organizado em 8 capítulos que pretendem introduzir os leitores nessa jornada pela teoria da subjetividade de Fernando González Rey em consonância com distintos atores da educação especial, pessoas com autismo, cegos, surdos, familiares e professores, instigando-os a se debruçarem sobre a teoria e a desenvolverem, eles próprios, um conhecimento que os possibilite ampliar a compreensão da inclusão escolar e sua indubitável importância.
O primeiro capítulo apresenta a teoria da subjetividade de Fernando González Rey em seu caráter complexo, plural e dialético, a partir da qual torna-se possível produzir conhecimento e gerar novas zonas de inteligibilidade sobre a inclusão escolar, introduzindo o leitor também quanto à Epistemologia Qualitativa, de modo a delinear seus princípios e proporcionar a este uma reflexão concreta sobre a pesquisa em profundidade a partir de casos singulares. Por fim, delineia a relação entre a subjetividade, categoria central desse livro, e a educação especial, ampliando as possibilidades de entendimento sobre a inclusão.
O segundo capítulo Sentidos subjetivos atribuídos à docência na perspectiva do professor de educação especial
tem como foco o docente que atua em instituições filantrópicas, de modo a identificar como este é impactado pela instituição, os processos motivacionais que o mobilizam a atuar na área e as implicações deste trabalho em sua subjetividade. Nessa perspectiva, as autoras apontam os sentidos subjetivos constituídos pelos professores no decorrer da prática e em função de sua história de vida, de suas relações sociais, valores, crenças, concepções e conhecimentos.
No terceiro capítulo O sujeito com transtorno do espectro autista e a inclusão: entre o textualismo da política e o abandono pedagógico
aborda-se, de forma crítica, as políticas públicas voltadas para a educação especial na perspectiva da educação inclusiva e o TEA, com o intuito de investigar os sentidos subjetivos constituídos por educando com esse transtorno acerca da inclusão escolar, situando-o como sujeito de direitos e, ao mesmo tempo, acentuando a dimensão subjetiva dessas políticas destinadas ao público-alvo da educação especial.
Em Os sentidos subjetivos constituídos por mães de crianças com autismo acerca do diagnóstico
, quarto capítulo, as autoras priorizam a família, concebida como suporte primário efetivo para o processo de inclusão, mas ainda pouco considerada nas pesquisas desenvolvidas na área. Dessa forma, buscou-se analisar os sentidos subjetivos constituídos pelas mães acerca do diagnóstico, considerando o peso desse instrumento na sociedade atual, em particular para a família, que passa por inúmeros processos de reorganização, expectativas, desafios e anseios.
O quinto capítulo Adolescentes com altas habilidades/superdotação: a produção de sentidos acerca de sua condição
aborda um dos grupos do público-alvo que não tem sido suficientemente contemplado nas pesquisas da área e, quando o são, tendem a ser vistos sob uma ótica universalista e descritiva. Nessa perspectiva, as autoras trazem um instigante depoimento de como se configura a subjetividade a partir da dimensão simbólico-emocional resultante das experiência vivenciadas cultural e historicamente nos distintos espaços nos quais o sujeito circula.
No sexto capítulo, "Bullying: sentidos produzidos pelos surdos", pretende-se trazer à tona discussão profícua sobre um dos fenômenos que tem afetado a sociedade contemporânea, em virtude de suas múltiplas formas de manifestação e, sobretudo, desvendá-lo a partir de duas adolescentes surdas que explicitam seu impacto nas relações interpessoais, na identidade e na negação destas como sujeitos, da forma como é concebida essa categoria na teoria que adotamos.
O sétimo capítulo Os sentidos subjetivos atribuídos pelo aluno surdo ao processo de escolarização na escola regular
discute, na perspectiva de uma aluna, os processos subjetivos envolvidos no aprender frente a grandes desafios resultantes das dificuldades presentes na escola e na ausência do conhecimento amplo acerca da Libras pelos atores que compõem essa instituição. As consequências para o desenvolvimento da subjetividade são explicitadas.
O último capítulo, Preconceito no ensino superior: sentidos subjetivos de uma aluna cega
, desloca o foco da escola para a universidade, onde também se desenvolve a inclusão e na qual também há grandes oportunidades e, igualmente, enfrentamentos a serem vencidos. Desse modo, as autoras evidenciam, a partir da emocionalidade e sagacidade de uma aluna cega, a inserção danosa do preconceito nesse nível de ensino e os impactos que acarreta para a subjetividade desta.
Pretende-se com esses estudos salientar a relevância da subjetividade como categoria fundamental para a compreensão do cotidiano de pessoas que por muito tempo permaneceram invisíveis, silenciosas, excluídas do âmbito educacional por não pertencerem aos modelos padrões estabelecidos. A singularidade de suas vidas enriquece nosso olhar e amplia nossos horizontes e, por fim, aumenta nossa capacidade de entrega e de conhecimento.
A inclusão escolar, enfim, sempre será melhor e mais ampla na medida que possibilite fomentar nos indivíduos seus mais belos sentimentos, sua emoção mais vívida, seu compromisso com a garantia dos direitos.
A organizadora
SUMÁRIO
capítulo 1
A TEORIA DA SUBJETIVIDADE E SUA RELAÇÃO
COM A EDUCAÇÃO ESPECIAL
Ana Valéria Marques Fortes Lustosa
capítulo 2
SENTIDOS SUBJETIVOS ATRIBUIDOS À DOCÊNCIA NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR DA EDUCAÇÃO ESPECIAL
Maria de Jesus Rodrigues
Ana Valéria Marques Fortes Lustosa
capítulo 3
O SUJEITO COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA E A INCLUSÃO:
ENTRE O TEXTUALISMO DA POLÍTICA E O ABANDONO PEDAGÓGICO
Carlos Eduardo Gonçalves Leal
Ana Valéria Marques Fortes Lustosa
capítulo 4
OS SENTIDOS SUBJETIVOS CONSTITUÍDOS POR MÃES DE CRIANÇAS COM AUTISMO ACERCA DO DIAGNÓSTICO
Deborah Lauriane da Silva Sousa
Ana Valéria Marques Fortes Lustosa
capítulo 5
ADOLESCENTES COM ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO:
A PRODUÇÃO DE SENTIDOS ACERCA DE SUA CONDIÇÃO
Patrícia Melo do Monte
Ana Valéria Marques Fortes Lustosa
capítulo 6
BULLYING: sentidos produzidos pelos surdos
Telma Franco
Ana Valéria Marques Fortes Lustosa
capítulo 7
OS SENTIDOS SUBJETIVOS ATRIBUÍDOS PELO ALUNO SURDO
AO PROCESSO DE ESCOLARIZAÇÃO NA ESCOLA REGULAR
Rafaella Coêlho Sá
Ana Valéria Marques Fortes Lustosa
capítulo 8
PRECONCEITO NO ENSINO SUPERIOR: SENTIDOS SUBJETIVOS
DE UMA ALUNA CEGA
Susana Araújo Chaves
Ana Valéria Marques Fortes Lustosa
REFERÊNCIAS
SOBRE OS AUTORES
capítulo 1
A TEORIA DA SUBJETIVIDADE E SUA RELAÇÃO COM A EDUCAÇÃO ESPECIAL
Ana Valéria Marques Fortes Lustosa
1.1 Introdução
A Educação Especial, enquanto área do conhecimento humano, apresenta-se com um desenvolvimento histórico complexo, em função dos distintos determinantes sociais, culturais, econômicos e políticos que a atravessaram ao longo do tempo, dando origem a diferentes formas de lidar com seu público-alvo, seja nas relações interpessoais, seja a partir das políticas públicas adotadas para atender às suas especificidades.
Um aspecto que se sobressai quando se analisa essa questão diz respeito às possibilidades de escolarização que só se tornaram admissíveis na primeira metade do século XX, após um longo período marcado pela negligência, em que inexistiam ações voltadas para sua educação. Em distintas épocas, várias foram as formas adotadas para educar esses indivíduos, em um primeiro momento, segregados em instituições filantrópicas, quando, então, predominava a visão médica e a deficiência era vista como doença incurável e, posteriormente, em escolas regulares, mas ainda marginalizados em salas especiais.
Anterior a esse período, observa-se que o século XVI representa um divisor de águas no que diz respeito à compreensão de que esses indivíduos eram capazes de aprender, em função de estudos desenvolvidos que comprovavam essa tese e que superavam em parte a representação religiosa e aproximavam-se da visão médico-científica, mas, sobretudo, em razão das mudanças no modo de pensar da sociedade.¹
Não obstante essas considerações, observa-se que há um longo espaço de tempo entre o século XVI e o século XXI, repleto de distintas concepções acerca das pessoas público-alvo da educação especial, o que leva à confirmação de que as diferentes representações sociais fomentadas em todos os momentos da história não deixam de existir apesar das mudanças substanciais que ocorrem na sociedade; pelo contrário, podem coexistir em uma mesma época, ainda que sem a força que tinham quando do seu surgimento. Um exemplo é a concepção corrente até hoje de que a deficiência é uma doença, o que já havia sido em parte desmistificado no século XVI.²
Somente nos anos finais do século XX, entendeu-se, enfim, o que postulava Vygotski³ desde a década de 20 do século XX, quando elaborou uma das suas principais obras para o campo da Educação Especial, Fundamentos da Defectologia, na qual explicita alguns dos princípios mais relevantes para o movimento pela inclusão: 1) a deficiência é vista como condição e não como doença; 2) o desenvolvimento da criança com deficiência ocorre de modo diferenciado do de seus pares que não apresentam deficiência, não significando, com essa compreensão, que essa criança seja inferior às outras, apenas que é qualitativamente distinta, pois as leis que as regem não diferem entre si; 3) o modo como o ambiente reage à criança com deficiência é que deve ser objeto de apreensão, pois ele pode impedir que seu desenvolvimento ocorra; 4) a reação da criança ao que se denomina defeito
decorre das informações que recebe do meio, podendo agir para compensar ou adquirir sentimentos de menos valia, decorrentes da percepção de que é vista como incapaz em suas relações interpessoais; 5) a sociedade deve, pois, atuar de modo efetivo para que a mudança de concepções e crenças ocorra e a criança possa, enfim, desenvolver-se.
A inclusão escolar, ainda que se considerem os aspectos econômicos e políticos que a sustentam numa perspectiva neoliberal, constitui a melhor resposta, dentre aquelas já delineadas, às necessidades educacionais do público-alvo da educação especial, por consistir em postura ética, por fomentar reais possibilidades de interação, como defendia Vygotski⁴, por considerar o aluno como um todo e não somente em função da deficiência que apresenta, entre muitas outras razões.
Na atualidade, as políticas públicas que norteiam a inclusão escolar apresentam inúmeros avanços, contudo não conseguem dar conta da multiplicidade de nuances que se apresentam nesse domínio. Um dos pontos que constituem motor para considerações é a política de formação de professores que vem se concentrando na formação continuada, particularmente na especialização de professores que atuam no atendimento educacional especializado (AEE).
O que se constata a esse respeito é que o AEE constitui, conforme ponderam Mendes e Malheiros, uma política tamanho único
⁵, que não atende às necessidades do público-alvo da educação especial, uma vez que é muito difícil que um professor domine todas as áreas desse campo. Além disso, prevê a retirada do educando da sala de aula comum para que tenha o apoio que deveria ter na própria sala. Pesquisas realizadas no âmbito do Observatório Nacional de Educação Especial (Oneesp) têm mostrado que mesmo com várias especializações, o professorado que atua nesse campo se ressente da falta de conhecimento para atender a todos e das próprias condições estruturais que não são, muitas vezes, minimamente garantidas.⁶
Nesse sentido, após analisar a educação especial, considera-se que somente ao adotar-se um modelo que priorize o ensino colaborativo entre professor da sala comum e professor especialista, como já ocorre em outros países, pode-se ser capaz de modificar de forma concreta esse quadro. Com vistas à consolidação desse modelo, seria imprescindível assegurar a formação em Licenciatura em Educação Especial como uma nova opção para aqueles que têm interesse na área, pois se acredita que somente a formação continuada em serviço não é capaz de atender às demandas existentes em função do movimento pela inclusão escolar.
As iniciativas a partir desse modelo são ainda incipientes no Brasil, diferentemente do que ocorre nos Estados Unidos, em que a maioria dos Estados adota não somente o ensino colaborativo, mas também assevera transição segura aos ensinos médio e superior, elaboração do Plano Educacional Individualizado (PEI) para cada educando, atendimento direcionado às famílias a partir da oferta de manuais que esclarecem suas dúvidas e, sobretudo, desenvolvimento de uma cultura inclusiva. Não obstante essas considerações, não é objetivo abordar esses tópicos em profundidade neste capítulo, em razão do espaço exíguo para discussão tão relevante e profícua.
Após mais de uma década trabalhando com educação especial no ensino superior, eu finalmente consegui vislumbrar condições em que o aluno público-alvo da educação especial pode vir a ter suas especificidades educacionais atendidas. Nesse sentido, durante esse percurso, aproximei-me de uma forma de pensar, de pesquisar e de conhecer o ser humano, que possibilita ampliar o entendimento acerca dos processos subjetivos que envolvem todos os aspectos da vida humana e, no caso dos estudos desenvolvidos neste livro, da educação especial em específico: a teoria da subjetividade de Fernando González Rey (2002; 2003; 2004; 2007; 2011).
Essa teoria permite adentrar nos processos subjetivos que ocorrem não apenas nos indivíduos, mas no âmbito escolar como um todo, possibilitando que a educação especial seja considerada de outra perspectiva, qual seja, a dos sujeitos que a vivenciam no seu cotidiano em toda a sua plenitude e que a subjetivam de múltiplas formas, as quais não são acessíveis a partir da pesquisa tradicional.
Neste capítulo, pretendo, inicialmente, apresentar a teoria da subjetividade, enfocando seus principais conceitos; abordar a epistemologia qualitativa, proposta definida por González Rey para o estudo da subjetividade, os instrumentos e o processo de análise da informação e, por fim, a relação da teoria com a educação especial.
1.2 Teoria da subjetividade na perspectiva histórico-cultural
Essa teoria tem sua gênese na perspectiva histórico-cultural e na dialética, em particular nos trabalhos de Rubinstein, Vigotski e Bozhovich, assim como apresenta como um de seus fundamentos a Teoria da Complexidade de Morin⁷. González Rey também reporta a influência que recebeu das obras de autores humanistas, da psicanálise e da epistemologia francesa.⁸
As possibilidades que essa teoria apresenta no âmbito da pesquisa são infindáveis, em particular por permitir, em função das suas características, abordar os processos subjetivos que ocorrem de forma complexa nos níveis individual e social.
Considera-se que o poder explicativo da teoria da subjetividade se expressa nos mais distintos contextos, pois consegue superar dicotomias extensamente cultivadas ao longo do tempo, como: externo/interno; individual/social e afetivo/cognitivo, e o faz por intermédio da dialética. É por meio da subjetividade que essas dimensões podem ser integradas em uma só categoria.
Como categoria primordial da teoria e articuladora das outras, a subjetividade representa um sistema e, simultaneamente, um processo complexo, plural, holístico, que se manifesta nos níveis individual e social e, nesse caso, distancia-se de algumas concepções expressas por outros domínios do conhecimento, como a Filosofia e a própria Psicologia, em função não apenas dessas características, mas da sua dinamicidade, do seu caráter dialético, dialógico, transformador e, fundamentalmente, por seu caráter gerador, a partir do qual se pode afirmar que nenhuma influência externa é recebida passivamente pelo sujeito, ou seja, não se absorve os fatos e vivências tal como se apresentam; eles são reelaborados de acordo com as experiências de cada um, implicando que a subjetividade consiste numa produção.
Ao conceber a subjetividade não somente como uma expressão da individualidade de cada sujeito, mas como parte de um processo mais amplo que implica a subjetividade social, González Rey supera a compreensão disseminada em outros campos e nas diferentes teorias psicológicas que abordam a influência do social sobre a constituição do sujeito, mas o faz de forma vívida, dialética, determinante, uma vez que não concebe indivíduo e sociedade de forma dicotômica e estanque, mas profundamente integrados, imbricados, envoltos na processualidade do momento cultural e histórico. Assim, as influências sociais e culturais se configuram de forma qualitativamente diferente no indivíduo a partir da sua experiência de vida. Nas palavras de González Rey e Martínez⁹:
A subjetividade se constitui nas condições sociais, históricas e culturais específicas, mas é uma produção e se define não pelos acontecimentos e fatos que caracterizam essas condições, mas pelos sentidos subjetivos que são gerados no curso da experiência vivida nessas condições. Ao viver uma experiência, a pessoa não expressa os efeitos imediatos do vivido, pois os processos vividos aparecem como produções subjetivas que transcendem a objetividade de