Insucesso escolar: a relação entre escola, aprendizagem e linguagem
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Sobre este e-book
Com apoio na teoria sociológica de Bernard Charlot (da relação com o saber) e em outros estudos sobre fracasso escolar e ensino da língua, Gilvan Elias Pereira propõe-se a conhecer o aluno real em situação de fracasso, a fim de melhor compreender o que está por trás das alarmantes estatísticas do insucesso escolar, levando em consideração o peso da linguagem quando se trata de aprendizagem. Em outras palavras: entender a complexidade da relação entre escola, aprendizagem (relação com o saber) e linguagem.
Em suas reflexões, o autor considerou que cada aluno excluído da escola, ou em situação de fracasso escolar, tem sua história, e que cada história é marcada fortemente, entre outras coisas, pelas barreiras que o baixo nível de competência linguística impõe.
Apresentados no livro, os resultados de pesquisa mostram que o estigma do aluno que não aprende, que não consegue ler e escrever com as competências requeridas pela escola, que se mantém nela à beira do analfabetismo, retrata o modelo de escola excludente e seletiva, ainda muito presente na sociedade brasileira, escola essa que não pode ser compreendida apenas pela lógica das estatísticas ou das teorias sociodeterministas que ignoram o aluno real em favor de números e porcentagens que mascaram sua existência.
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Insucesso escolar - Gilvan Elias Pereira
Editora Appris Ltda.
1ª Edição – Copyright© 2016 dos autores
Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.
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COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO EDUCAÇÃO, TECNOLOGIA E TRANSDISCIPLINARIEDADE
Ao entender que falar e escrever é também fazer e ser,
pode-se entender que falando e escrevendo trata-se
igualmente de mudar o mundo e de mudar-se, notadamente
de diminuir as desigualdades sociais entre os que falam
dentro do mundo e os que falam sobre o mundo.
(Bernard Charlot)
PREFÁCIO
LINGUAGEM, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE NUMA REFLEXÃO INTERDISCIPLINAR
Muito se fala da necessidade de projetos interdisciplinares na educação, mas poucos conseguem articular áreas de conhecimento, romper fronteiras e, principalmente, barreiras interpostas pelos, ditos, detentores do saber absoluto. Por isso, poucos se arvoram a assumir uma postura interdisciplinar, pois isso implica o estabelecimento de um diálogo, muito mais do que entre disciplinas, entre as convicções intelectuais e procedimentais de formação do pesquisador-educador.
Nesse sentido, é bem pertinente a observação de Morin (2001), por trazer uma reflexão sobre a formação, determinadamente restrita, pela qual passamos e que nos marca:
Na escola primária nos ensinam a isolar os objetos (do seu meio ambiente), a separar as disciplinas (em vez de reconhecer suas correlações), a dissociar os problemas, em vez de reunir e integrar. Obrigam-nos a reduzir o complexo ao simples, isto é, a separar o que está ligado; a decompor e não a recompor; a eliminar tudo o que causa desordens e contradições em nosso entendimento. (p. 15)
Poucos atinam que uma postura interdisciplinar passa, antes, pelo entendimento que o profissional tem de uma atuação que congrega conhecimentos de várias áreas para construir um conhecimento mais abrangente que pressupõe saberes orientados por um interesse comum que pode ser representado por um eixo integrador, seja na construção de um projeto de investigação, seja na de um plano de intervenção. A esse respeito, os Parâmetros Curriculares Nacionais do ensino médio afirmam:
É importante enfatizar que a interdisciplinaridade supõe um eixo integrador, que pode ser o objeto de conhecimento, um projeto de investigação, um plano de intervenção. Nesse sentido, ela deve partir da necessidade sentida pelas escolas, professores e alunos de explicar, compreender, intervir, mudar, prever algo que desafia uma disciplina isolada e atrai a atenção de mais de um olhar, talvez vários. (BRASIL, 1999, p. 88-89)
Para isso, no entanto, é necessário o estabelecimento de uma organização superior hierarquizante, que decorra de uma articulação voluntária e coordenada de ações empreendidas por diversas disciplinas, de tal forma que os saberes dialoguem entre si, por meio da adoção de uma perspectiva teórico-metodológica comum para as disciplinas envolvidas, promovendo a integração dos resultados obtidos, na busca de solução para problemas, principalmente, educacionais.
Os que assim procedem são educadores que procuram construir e fomentar um proceder pedagógico centrado na aprendizagem, focado no processo de mobilização de conhecimentos, habilidades, valores e atitudes, visando à construção de competências, ou seja, estímulos ao desenvolvimento da faculdade que tem o indivíduo para decidir determinadas questões, o que ajuda o aprendente a ser um agente de transformação de sua própria realidade.
É nessa esteira que o trabalho primoroso, aqui apresentado pelo educador Gilvan Elias Pereira, se desenrola, articulando saberes provenientes da linguística, da pedagogia e da sociologia, numa trama interdisciplinar. Da linguística, destaca o estudo da linguagem verbal humana, principalmente em suas dimensões de escritura e leitura de textos, circunscritas no paradigma da abordagem pedagógica do letramento, isto é, o uso social que o sujeito faz das habilidades desenvolvidas. Da pedagogia, a reflexão crítica sobre o processo de ensino-aprendizagem, conectado com aspectos da sociedade e também com as normas educacionais do país. Da sociologia, os aspectos sociais da vida humana, ou seja, a vida social de indivíduos e grupos humanos.
Em cada uma dessas instâncias, para o exercício reflexivo-crítico proposto, o autor acentua a relevância das noções de competência linguística, isto é, a capacidade do usuário da língua de produzir e entender um número infinito de sequências linguísticas; de competência de aprendizagem, ou seja, a mobilização de experiências, conhecimentos e saberes vivenciados, ajustados diante de situações complexas, imprevisíveis, mutáveis e sempre singulares; e de competência social, como a capacidade de entender, lidar e superar situações sociais difíceis. (respectivamente, CHOMSKY, 1978; PERRENOUD, 1999; TOPPING; HOLMES, 2002)
Esse é o apoio utilizado pelo pesquisador para contemplar uma preocupação que ganha cada vez mais destaque na seara educacional, qual seja, o aluno em situação de fracasso escolar. A pesquisa, configurada por estudo de caso, foi realizada entre alunos em situação de fracasso, aqueles que não conseguem ler e escrever, segundo parâmetros avaliativos, não da utilização social da competência desenvolvida, mas das competências requeridas pela escola. Os alunos que se constituíram em sujeitos do estudo foram os que, a despeito do fracasso registrado, ainda se mantiveram na escola, mesmo que à beira do analfabetismo
.
A investigação vai revelando o que de há muito se sabe e se debate, o retrato qualitativo do modelo de escola excludente e seletiva ainda muito presente na sociedade brasileira e que não deve ser compreendida apenas pela lógica da estatística ou das teorias embasadas no pressuposto exclusivo da modelagem social.
Evidenciam-se, assim, alguns problemas que assolam a escola atual e suas finalidades, configurados pelo déficit de socialização
, pela desprofissionalização do professor
e pelo transbordamento da escola
.
Para a discussão reflexivo-crítica dessa configuração educacional, o pesquisador hierarquiza a articulação interdisciplinar no estudo da linguagem e seu ensino, uma vez que, dela, são minimizados ou desprezados os aspectos discursivos e enunciativos. Assim, considera que há uma relação direta entre o fracasso escolar e o desenvolvimento da competência linguística do sujeito, pois é por meio dela que ocorrem as respostas às demandas escolares, mas se o sujeito não tem o domínio discursivo e enunciativo do uso que pode fazer da linguagem, atém-se a reproduzir modelos vazios de significação.
Os modelos estão contaminados pela exclusividade de ocorrências do registro culto da língua, o que compromete o desenvolvimento de outras competências linguísticas decorrentes das variáveis sociais de uso da língua, que configuram a identidade linguística do falante, base tão importante para servir de ponto de partida para o conhecimento e a adoção de outros usos. Portanto, há uma implicação direta entre o fracasso escolar e o domínio de competências linguísticas.
O ensino de língua portuguesa, ao invés de assegurar o desenvolvimento de competências linguísticas, para a identificação e valorização das diferentes variáveis de uso, dá ênfase, quase exclusiva, ao ensino de regras gramaticais, atendendo, assim, a uma lógica de poder e controle, em que o aprendizado da língua é tratado como um processo cumulativo de informações [basicamente] sobre ortografia e organização sintática
.
O modelo de ensino que se tem adotado na maioria das escolas, principalmente nas públicas, submete o processo de aprendizagem a uma lógica de controle
, e nos faz crer que o sentido da aprendizagem está exclusivamente no desempenho do aluno em exercícios e avaliações
, o que exerce grande influência no insucesso escolar do aluno. Ele não vê resultados concretos, efetivos para seu desenvolvimento, mas, mesmo assim, permanece na escola na ilusão de que este seja o passaporte para melhores condições de vida.
Por tudo isso, é imprescindível a leitura deste livro que aborda, de maneira tão clara e consciente, a relação entre socialização/cultura, linguagem e escola
; discute, com responsabilidade, as lacunas e distorções existentes no campo da investigação educacional; e alerta para a necessidade de se resgatar a importância das práticas de ensino nas salas de aulas, as particularidades dos ambientes escolares e, como já dissemos, buscar, nas singularidades dos sujeitos, elementos para a compreensão do desempenho escolar
.
À guisa de prefácio, por João Hilton Sayeg de Siqueira
Vice coordenador do Programa de Estudos Pós-Graduados em Língua
Portuguesa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC - SP)
Referências
BRASIL. MEC/SEMTEC. Parâmetros Curriculares Nacionais: ensino médio. Brasília: MEC, 1999.
CHOMSKY, Noam. Aspectos da teoria da sintaxe. 2. ed. Coimbra: Arménio Amado, 1978.
MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 5. ed. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 2001.
PERRENOUD, Philippe. Avaliação da excelência à regulação das aprendizagens: entre duas lógicas. Porto Alegre: Artmed, 1999.
TOPPING, K.; BREMMER W.; HOLMES, E. A.. Competência social: a construção social do conceito In: BAR-ON, R.; PARKER,J. D. A. (Org). Manual de inteligência emocional. Porto Alegre: Artmed, 2002, 39-46.
APRESENTAÇÃO
Este não é um livro que pretende questionar o debate sobre as razões do fracasso escolar, ou mesmo revisar exaustivamente a literatura especializada do assunto no sentido de hierarquizar as teorias existentes, tão pouco é um livro que pretende mudar os rumos da reflexão sobre esse preocupante problema. Seu objetivo é essencialmente simples: conhecer o aluno real que se esconde nas estatísticas do fracasso escolar e do mal desempenho das escolas brasileiras, tomando a questão da competência linguística do aluno como o fio condutor da reflexão. Nesse sentido, é necessário destacar que, se as estatísticas do insucesso escolar são muitas e assustadoras, a questão aqui é procurar saber quem é o aluno real de que trata tais estatísticas e como esses alunos se relacionam com a escola e com o saber. Além disso, questionar o que há de singular na história de cada um desses que constituem alarmantes números negativos que comprometem a escola brasileira.
Certamente que, ao realizar tal estudo, as questões de fundo que antecedem ou permeiam o fenômeno do fracasso escolar foram lembradas e tratadas com a profundidade necessária. Retomar, por exemplo, a reflexão sobre o papel da escola, como agência socializadora, em face de um mundo profundamente impactado pela cultura imagética e pela tecnologia da informação, assim como a reflexão crítica sobre o ensino da língua portuguesa com base no modelo centrado no controle corretivo, na subvalorização escolar da língua como prática social e na fetichização da língua como conteúdo escolar fez parte do percurso das reflexões iniciais.
Ao abordar a questão do fracasso escolar com base na análise de casos reais, em uma perspectiva que procura ir além das determinações sociais e econômicas, a questão da relação com o saber, vista a partir da singularidade do sujeito, foi apresentada como uma pista importante para entender a complexidade desse fenômeno.
Este livro mostra que histórias reais de alunos em situação de fracasso e que apresentam baixíssimo nível de alfabetismo demonstram, antes de tudo, a precariedade e o caráter passageiro dos vínculos que unem e desunem tais alunos com a escola e com o saber.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Sumário
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO I
EDUCAÇÃO, LINGUAGEM E FRACASSO ESCOLAR
1.1 CRISE DA EDUCAÇÃO: A PERDA DA CAPACIDADE SOCIALIZADORA DA ESCOLA, A
DESPROFISSIONALIZAÇÃO DO PROFESSOR E A INEFICÁCIA DA ESCOLA
1.2 ESCOLA, LINGUAGEM E FRACASSO ESCOLAR
1.3 A TEORIA DA RELAÇÃO COM O SABER
E O FRACASSO ESCOLAR
1.4 ESCOLA, ENSINO DE LÍNGUA MATERNA E FRACASSO ESCOLAR
1.5 O ENSINO DA LÍNGUA MATERNA: ENSINAR E CONTROLAR A APRENDIZAGEM
1.6 NÍVEIS DE ALFABETISMO, COMPETÊNCIA LEITORA E AQUISIÇÃO DO CÓDIGO
ESCRITO
1.6.1 NÍVEIS DE ALFABETISMO
1.6.2 A COMPETÊNCIA LEITORA
1.6.3 A AQUISIÇÃO DO CÓDIGO ESCRITO E COMPETÊNCIA ESCRITORA
1.7 ALÉM DAS ESTATÍSTICAS
CAPÍTULO II
O ALUNO REAL EM SITUAÇÃO DE FRACASSO ESCOLAR: A PESQUISA
2.1 A METODOLOGIA
2.2 O PROBLEMA
2.3 INSTRUMENTOS E PROCEDIMENTOS, SELEÇÃO DAS ESCOLAS E DOS INFORMANTES
2.3.1 INSTRUMENTOS E PROCEDIMENTOS
2.3.2 SELEÇÃO DAS ESCOLAS
2.3.3 SELEÇÃO DOS INFORMANTES
2.3.3.1 O DIRETOR DE ESCOLA
2.3.3.2 O PROFESSOR
2.3.3.3 ALUNOS CONSIDERADOS FRACOS
E ALUNOS EM SITUAÇÃO DE FRACASSO
2.3.3.4 AS MÃES
CAPÍTULO III
O ALUNO REAL EM SITUAÇÃO DE FRACASSO ESCOLAR: RESULTADOS E ANÁLISES DA PESQUISA
3.1 DIRETORES E PROFESSORES: O QUE PENSAM SOBRE A ESCOLA, O ENSINO E A
EXISTÊNCIA (OU NÃO) DE ALUNOS SEMIANALFABETOS
NAS SÉRIES AVANÇADAS
DO ENSINO FUNDAMENTAL
3.1.1 OS DIRETORES
3.1.2 OS PROFESSORES
3.2 MÃES DE ALUNOS COM BAIXO ALFABETISMO E EM SITUAÇÃO DE FRACASSO
3.3 OS ALUNOS SUJEITOS DA PESQUISAS
3.3.1 ALUNOS CONSIDERADOS SEMIANALFABETOS
3.3.2 ALUNOS EM SITUAÇÃO DE FRACASSO
3.3.3 DA RELAÇÃO COM A ESCOLA E COM O SABER
3.4 COMPETÊNCIA LEITORA E COMPETÊNCIA ESCRITORA DE ALUNOS CONSIDERADOS
FRACOS
3.4.1 A PRIMEIRA AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA
3.4.2 A SEGUNDA AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA
3.4.3 A TERCEIRA AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA
3.5 BAIXO NÍVEL DE COMPETÊNCIA LINGUÍSTICA E HISTÓRIAS DE INSUCESSO ESCOLAR:
UMA RELAÇÃO PRECÁRIA COM A ESCOLA
3.6 HISTÓRIAS DE INSUCESSO