Silviano santiago
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Sobre este e-book
A atividade de professor de literatura portuguesa e brasileira permitiu a Silviano Santiago construir uma visão do sistema literário brasileiro, entendido tanto no aspecto da produção quanto no aspecto da circulação do texto, que estabelece pontes metafóricas entre autores de textos ficcionais e de textos teóricos de diferentes épocas.
As consequências dessa postura para a construção textual e para a noção de autoria compõem o campo deste livro que, em última instância, permite visualizar as representações do intelectual brasileiro contemporâneo.
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Silviano santiago - MARIA ANDRÉIA DE PAULA SILVA
Editora Appris Ltda.
1ª Edição – Copyright© 2016 dos autores
Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.
Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.
Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores.
Foi feito o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nºs 10.994, de 14/12/2004 e 12.192, de 14/01/2010.
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO LINGUAGEM
Para Adilson, Eponina, Caio e Luísa.
Sem vocês, não.
AGRADECIMENTOS
Agradeço, especialmente, ao Prof. Dr. Evando Batista Nascimento, que com paciência e rigor atendeu à minha solicitação deste texto.
Agradeço o exemplo e a confiança das Prof.ª Dr.ª Terezinha Maria Scher Pereira e Prof.ª Dr.ª Suely da Fonseca Quintana.
Devo às Prof.ª Dr.ª Eneida Maria de Souza, Prof.ª Dr.ª Evelina de Carvalho Sá Hoisel e Prof.ª Dr.ª Maria Clara Castellões de Oliveira, uma primeira leitura deste livro, quando ainda em estado de tese.
PREFÁCIO
A experiência de pesquisadora permitiu a experimentação teórica feita por Maria Andréia de Paula Silva neste livro, que teve como base a sua pesquisa de Doutorado.
Jogo com o subtítulo, Pedagogia do Falso, para estabelecer o texto de apresentação deste trabalho sobre Silviano Santiago, que teve seu início na dissertação de Mestrado da autora, quando se ateve à análise do mesmo escritor, considerando o papel do intelectual e crítico, de forma comparativa com Ricardo Piglia.
Agora, essa investigação amplia-se no que concerne ao uso do instrumental teórico, mesclado com as vivências do professor de Teoria Literária e Literatura Brasileira, além da incursão na escrita autoficcional e no subterfúgio de uma pedagogia do falso, daquele que transgride e se oculta, para desvelar no texto aquilo que só um observador oculto pode vislumbrar, mas que ao mesmo tempo interfere na ocultação, confirmando o papel do narrador dono e controlador de seu texto.
Mas, se é realmente tão dono de seu texto, por que se revela? Desejo de puxar conversa? De inventar umas estórias para passar o tempo? Mostrar-se verdadeiro como em seu curioso título de livro – O falso mentiroso –, de qualquer forma seguindo com suas Histórias mal contadas.
Maria Andréia faz um percurso cuidadoso pelos textos selecionados de Santiago, mas sem respostas únicas e fechadas, o que restauraria um telos, em uma obra que de fato se apresenta dialógica, suplementar. A abordagem segue a ruptura instaurada pelo escritor, como ela afirma:
Essa ruptura das fronteiras entre ficção e ensaio, entrevista e ficção, ensaio e entrevista, biografia e ficção, alto e baixo, midiático e intelectualizado, parece ser uma constante na literatura contemporânea e tem estado presente na obra de Silviano Santiago.
A ruptura de fronteiras de gêneros literários e textuais possibilita o aprofundamento teórico da pesquisa, que foi o mapeamento da inserção do eu autoral, tanto nos ensaios quanto nos chamados textos ficcionais e/ou autoficcionais, centrando o recorte temporal nas publicações do século XXI:
Os livros de ensaios O cosmopolitismo do pobre, de 2004, Ora (direis) puxar conversa!, A vida como literatura, As raízes e o labirinto da América Latina, os três últimos publicados em 2006, e os ficcionais O falso mentiroso: memórias, de 2004, Histórias mal contadas, de 2005, e Heranças, de 2008, além de entrevistas e conferências do autor no período de confecção das obras. (SILVA, 2016, p.24)
A própria trajetória acadêmica de Maria Andréia foi pautada por essa pedagogia, que agora ela recupera. Travar conhecimento com os ensaios de Silviano Santiago, com os textos críticos e mais tarde com as narrativas ficcionais, foi fundamental na formação teórica de que hoje ela, aprendiz-professora, utiliza-se para ressignificar o mestre. Como ela mesma apresenta na introdução do livro, o contato longo com a obra de Santiago trouxe a experiência que ora se transforma em livro, buscando atualizar o papel do escritor crítico na Teoria Literária Brasileira.
Um aprendizado pelas citações textuais que inserem o leitor de Santiago no âmbito das mais novas teorias e conceitos que são discutidos como forma de análise e paradigma das construções narrativas da pós-modernidade. Isso no sentido que lhe confere François Lyotard, conceituação apropriada pela autora deste livro, no segundo capítulo, no qual trata da modernidade dos narradores intelectuais brasileiros, a partir de Mário de Andrade em interface com Silviano Santiago.
O fio condutor da pesquisa, que é o rompimento dos limites dos gêneros textuais e literários, fortalece-se com as construções pós-modernas da citação, ao propiciar uma intertextualidade com os autores que discutem e desconstroem o papel do intelectual crítico brasileiro. Acercar-se do outro também seria uma forma de descentralizar o saber
.
De acordo com Maria Andréia de Paula Silva,
A preferência de Silviano Santiago pelo gênero ensaístico estaria ligada à ideia de uma operação hermenêutica da obra alheia que segue o movimento da vivência do crítico, que evita a eleição de apenas um aspecto na percepção do objeto literário e coloca o próprio gesto crítico sempre em deslocamento.
Deslocamento que se instaura também em outras formas de fazer literatura e ensaio, alterando o papel do leitor que, de acordo com Santiago, é convocado para a conversa
, que se instaura entre autores e textos. Tornar o texto possível para um leitor não acadêmico implica em um processo pedagógico por parte do autor. Estaríamos diante do autor empírico e do autor ficcional, que se revelam para a leitura seja por meio das entrevistas, das considerações teóricas, dos prefácios, da parte ficcional propriamente dita. Silviano Santiago coloca em movimento as escritas de outros grandes narradores provenientes de suas próprias leituras, permeadas pela crítica das obras.
Octavio Paz e Sérgio Buarque de Hollanda são convocados por Santiago para a discussão do discurso ensaístico em suas obras, nas quais, ao fazer referências às obras, indica o caminho utilizado por ele aos leitores. De acordo com o conceito da pedagogia do falso
, o ato de ensinar acaba sendo verdadeiro pelo deslocamento de autores dos próprios textos para o texto alheio; como o falso mentiroso
, que junta verdades, sem delimitação de gêneros e com nova autoria.
A discussão de autoria e autor continua pelo viés teórico de Foucault. Não interessa apenas o que o autor escreve, mas como as circunstâncias modificam o escrito, seja pela leitura, seja pelos paratextos.
Mestre na arte de escrever e se inscrever nas narrativas, Silviano Santiago se revela na autoficção, de acordo com o que ressalta Maria Andréia, no capítulo 3, Heranças e as raízes e o labirinto: o legado da narrativa
:
Não se trata, portanto, de uma narrativa composta ‘à maneira de’ como tem sido frequente na literatura brasileira contemporânea; trata-se, antes, de um projeto de escrita que não distingue entre discurso marcadamente ficcional e discurso crítico, recorrendo a ambos como acervo a ser posto em circulação.
Essa transformação da escrita que se quer autobiográfica, atando o autor empírico ao ficcional, também ocorre com a inserção do crítico em diálogo com outros críticos da cultura latino-americanos, obrigando a um novo protocolo de leitura ensaística, considerando que o autor as denomina como narrativas, pertencendo também ao universo da ficção. Tendo como pano de fundo o entre-lugar
do discurso latino-americano, conceito criado por ele, Silviano retoma um tema que lhe é caro. De forma mais pessoal, vai desvelando, no formato narrativo, a mesma história crítica, que nada mais é que uma construção, no sentido que lhe confere Hayden White, de que o texto histórico também é tratado como um artefato literário. Dessa forma, Maria Andréia de Paula Silva vai concluindo sua pesquisa sobre o processo de criação de Santiago, quando afirma que:
Como artifício de escrita, a articulação do texto ensaístico nos moldes de um gênero literário permite, ao escritor, uma aproximação de um modelo de invenção, que se apoia mais na capacidade de dar uma sensação de coerência e totalidade que na força dos argumentos. Como artifício de leitura, permite ao leitor não teórico a aproximação de um texto que estaria fora do alcance caso seguisse apenas as regras de um discurso normatizado e acadêmico.
Usar citação longa em um prefácio? Novas formas de apresentar, novas formas de escrever.
Aos poucos, este livro irá desenvolvendo a tese proposta pela autora, com minúcias, leituras diversas que se cruzam em diálogo intertextual e intratextual para analisar a poética de Silviano Santiago: contos, ensaios, romances, críticas, nada escapa ao olhar crítico de Maria Andréia de Paula silva, num convite para nos debruçarmos sobre uma nova crítica em diálogo e transgressão com as fronteiras consagradas pelas instâncias de poder.
Professora Doutora Suely da Fonseca Quintana
Professora associada do Departamento de Letras,
Artes e Cultura da Universidade Federal de
São João Del – Rei, Minas Gerais.
Sumário
INTRODUÇÃO
capítulo 1
MÁRIO DE ANDRADE E SILVIANO SANTIAGO: DOIS CASOS
1.1 De Nabuco a Mário
1.2 De Mário a Santiago
1.3 De Santiago ao leitor
1.4 De Silviano a Santiago
capítulo 2
HERANÇAS E AS RAÍZES E O LABIRINTO: O LEGADO DA NARRATIVA
2.1 O autor nos tempos do cólera
2.1.1 O que há de morrer
2.1.2 O que fica na lembrança
2.2 Raízes do labirinto
2.2.1 Qual gênero?
2.2.2 O narrador-ensaísta enquanto professor
capítulo 3
ORA (DIREIS) PUXAR HISTÓRIAS
3.1 Hello, Dolly!
3.2 Conversa a três
capítulo 4
HISTÓRIAS MAL CONTADAS
4.1 Experiência e narração
4.2 Histórias exemplares
4.2.1 Borrão
4.2.2 Bom dia, simpatia
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
Na linguagem dos signos, […], só há verdade naquilo que é
feito para enganar, nos meandros daquilo que a oculta, nos fragmentos
de uma mentira e de uma infelicidade: só há verdade traída, isto é, ao mesmo tempo entregue pelo inimigo e revelada por contornos ou pedaços.
(Gilles Deleuze)
O rei dos espiões
Ninguém sabe o que se passa
Por detrás dessa máscara de Batman,
Por detrás dessa fantasia de Super-Homem.
Só o sombra sabe.
(Silviano Santiago)
INTRODUÇÃO
En el año de 2100, cuando el nombre de todos los autores se haya perdido y la literatura sea intemporal e anónima, esta pequeña propuesta sobre el desplazamiento y la distancia, será, tal vez, un apéndice o una intercalación apócrifa en un web.site llamado Las seis propuestas, que para ese entonces serán leídas como se fueran consignas en un antiguo manual de estrategia usado para sobrevivir en tiempos difíciles.
(Ricardo Piglia, 2001b, p. 42)
No romance O falso mentiroso, publicado em 2004, Samuel Carneiro de Souza Aguiar, narrador e protagonista, elenca pelo menos cinco diferentes relatos sobre seu nascimento e origem, entre eles o de que teria nascido em Formiga, no interior de Minas Gerais, no dia 29 de setembro de 1936, identificando-se como filho legítimo de Sebastião Santiago e Noêmia Farnese Santiago.
No volume Histórias mal contadas, publicado em 2005, o narrador do conto Bom dia, simpatia anuncia:
Nada tenho a perder. Tudo a ganhar.
Foi com esse moto duplo que entrei na vida profissional. Estava bolsista em Paris, cursando doutorado em literatura francesa. Cortei a redação da tese ao meio para aceitar oferta de emprego nos Estados Unidos. Ensinar português e literatura brasileira na Universidade do Novo México, na cidade de Albuquerque (SANTIAGO, 2005, p. 73).
No livro O cosmopolitismo do pobre, publicado em 2004, no último ensaio denominado Epílogo em 1ª pessoa
, Santiago se vale da apropriação de dois contos de Guimarães Rosa para, diante de um pedido para falar em 1ª pessoa, traçar sua trajetória no mundo, salientando o desejo de mudar que o perseguia desde a mais tenra infância, em sua Formiga natal.
Aparentemente, a aproximação entre os três textos citados só seria possível pela assinatura que figura na capa dos volumes: Silviano Santiago. A assinatura, além da atribuição autoral, remete a uma leitura das marcas biográficas nos relatos. No primeiro fragmento apresentado, local, paternidade e data de nascimento são também os do autor do volume. No segundo, a trajetória acadêmica narrada pertence a Silviano Santiago. No terceiro, embora instado a falar em primeira pessoa, o autor se vale de outras estórias como metáfora de si, mas as inscreve no lugar de origem: Formiga.
Tomados em conjunto, esses elementos poderiam ser circunscritos sob a divisa de escritas de si, traço distintivo da ficção contemporânea que, segundo Italo Moriconi¹, produz textos nos quais o prosador contemporâneo comparece em seu relato, tematizando a situação de enunciação em que se produz sua ficção e constituindo o foco em primeira pessoa a partir discurso autobiográfico autoral. Poderia também circunscrevê-los com a denominação autoficção, definida por Diana Klinger² como uma narrativa híbrida, na qual a ficção de si tem como referente o autor como personagem construído discursivamente.
As divisas escritas de si e autoficção são pertinentes em se tratando do romance e do volume de contos; aliás, os ensaístas citados convocam as obras de Silviano Santiago como exemplos dos conceitos. Contudo, o texto ensaístico excede à classificação e insinua a necessidade da ampliação dos conceitos para além do território circunscrito pela ficção.
Essa ruptura das fronteiras entre ficção e ensaio, entrevista e ficção, ensaio e entrevista, biografia e ficção, alto e baixo, midiático e intelectualizado parece ser uma constante na literatura contemporânea e tem estado presente na obra de Silviano Santiago.
É o que afirma, por exemplo, Flora Süssekind³, ao comentar a interrupção pela publicação de Em liberdade, de 1994, de um tipo de relato que reduzia narrador e personagem a apenas uma voz testemunhal. Ela enfatiza a novidade da postura de Silviano Santiago quando produz a interseção do ensaio com a ficção que trabalha na direção de uma decepção do leitor.
Da década de 1990 aos dias de hoje, a interseção entre ensaio e ficção parece ter migrado do terreno do ficcional e se apropriado do espaço do ensaio de forma a problematizar cada vez mais a possibilidade de certezas num terreno tão movediço como a escrita. É o que parece alertar o professor Silviano Santiago em sua docência estabelecida não só de ficções, poesia e ensaios, mas também por meio de entrevistas e palestras. Ou seja, para além dos tradicionais espaços do literário, os instrumentos midiáticos contemporâneos impõem um novo ordenamento dos locais de cultura e exigem outras posições autorais.
Italo Moriconi, no texto citado anteriormente, considera que diante do retorno do autor, expressão cunhada por Hal Foster, e sua entrada no circuito midiático, há de se considerar textos de depoimentos de artistas e de entrevistas sobre suas trajetórias biomateriais⁴, corpus que fazem parte do conceito de literário atualmente.
É sob essa moldura do que se entende por literário contemporaneamente que essa abordagem sobre a obra de Silviano Santiago deve ser compreendida. O que se pretende é mapear o processo de inclusão do eu autoral em obras publicadas no século XXI por Silviano Santiago, a saber, os livros de ensaios O cosmopolitismo do pobre, de 2004, Ora (direis) puxar conversa!, A vida como literatura, As raízes e o labirinto da América Latina, os três últimos publicados em 2006, e os ficcionais O falso mentiroso: memórias, de 2004, Histórias mal contadas, de 2005, e Heranças, de 2008, além de entrevistas e conferências do autor no período de confecção das obras.
Busca-se examinar, a partir do corpus escolhido, a hipótese de que a literatura, a teoria e a crítica contemporânea vêm propondo uma reorganização do discurso que não abdica mais da inserção de um sujeito, cuja representação se constrói em relação a outros relatos. As consequências dessa postura para a construção textual e para a noção de autoria também compõem o campo desse estudo que, em última instância, permite visualizar as representações do intelectual brasileiro contemporâneo.
Pretende-se ler as obras citadas, buscando o que chamei aqui de caráter pedagógico da inclusão autoral. Parte-se da hipótese de que é possível perceber na trajetória de Silviano Santiago uma preocupação em difundir um saber literário por meio da obra. Essa difusão do saber configura-se não só como proposta temática, mas também como elemento estruturador de seus textos.
Trata-se não só de verificar o que Evelina Hoisel⁵, em ensaio dedicado à obra de Silviano Santiago, denominou de espécie de lição metodológica de difusão do saber, mas também do que se afigura como um traço da escritura do autor, sem distinção dos contextos discursivos em que se realiza. Assim, Silviano Santiago agrega seu fazer literário e crítico sob o signo do trabalho do professor. É essa lição metodológica que acompanhei, delineando alguns de seus passos e estratégias.
Na obra do autor de O falso mentiroso, o trabalho do professor marca profundamente o gesto do criador. As duas atividades tornaram-se indissociáveis no processo de configuração do autor que assina Silviano Santiago.
Uma das estratégias concretiza-se a partir da apropriação do modelo utilizado por Mário de Andrade e o insere no contexto da contemporaneidade, quando as formas de difusão do saber encontram novos caminhos além da correspondência e da convivência experenciadas pelo escritor paulista. O puxar conversa ganha novos contornos e novos suportes.
O processo citacional também constitui uma das marcas do estilo de Silviano Santiago enquanto escritor e