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Mitologia musical: estrelas, ídolos e celebridades vivos em eternidades possíveis
Mitologia musical: estrelas, ídolos e celebridades vivos em eternidades possíveis
Mitologia musical: estrelas, ídolos e celebridades vivos em eternidades possíveis
E-book348 páginas5 horas

Mitologia musical: estrelas, ídolos e celebridades vivos em eternidades possíveis

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Sobre este e-book

Em Mitologia musical: estrelas, ídolos e celebridades vivos em eternidades possíveis, o produtor musical Ticiano Paludo convida o leitor a desvendar o universo da indústria musical sobre a perspectiva do que denomina de mitologia musical, compreendida como uma ambiência na qual gravitam os músicos, suas equipes, a mídia e os seus fãs. O livro faz uma rica explanação, que parte da mitologia ancestral até as celebridades efêmeras da era contemporânea, dissecando o processo de construção das carreiras espetaculares até a mitificação de ídolos e heróis sonoros. O estudo estabelece relações entre a música pop, o jazz, o rock, o mito, o teatro, a pintura, a literatura, a ópera, os shows musicais e o videoclipe.

Qual a semelhança entre os processos criativos de Jimi Hendrix, Jacqueline du Pré, Miles Davis, David Bowie, Kiss e Lady Gaga? Em uma época de instabilidades e incertezas, o autor apresenta novos agentes do showbiz como a figura do peruqueiro, do e-producer e do artista total. Nesse cenário, as tecnologias do espetáculo funcionam como amplificadores que expandem o som, a imagem e a glorificação dos astros. Como os novos ídolos pop podem mover-se em um mundo veloz, no qual a eternidade parece utópica? Estaríamos assistindo ao declínio das estrelas? O mito musical é forjado ou autêntico? Existe verdade artística? Todas essas questões, e muitas outras, fornecem a chave para pensar a música do hoje e a do amanhã.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento3 de out. de 2017
ISBN9788547307486
Mitologia musical: estrelas, ídolos e celebridades vivos em eternidades possíveis

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    Mitologia musical - Ticiano Paludo

    Editora Appris Ltda.

    1ª Edição - Copyright© 2017 do autor

    Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.

    Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.

    Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores.

    Foi feito o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nºs 10.994, de 14/12/2004 e 12.192, de 14/01/2010.

    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO - SEÇÃO GESTÃO

    A vida sem música seria um erro.

    (Nietzsche)

    PREFÁCIO

    Este livro contraria diversas convenções acadêmicas. A primeira delas é a de que um autor sério precisa dedicar sua vida integralmente à pesquisa teórica, sem nunca sujar as mãos com o fenômeno que estuda. Ticiano Paludo conquistou seu doutorado com todos os méritos, cumprindo todas as normas científicas, e o texto a seguir é uma transcrição de sua tese; no entanto, podem ter certeza, suas mãos não estão limpas. Ticiano está imerso desde a adolescência na mais absoluta podreira do rock’n’roll, consumindo doses maciças de Kiss. Naquela época, também com toda certeza, nunca pensou que a língua de Gene Simmons seria discutida e analisada nas páginas de um livro sério como este. Ticiano, porém, fez de sua paixão pelo rock o primeiro passo para uma bem-sucedida carreira como músico (toca guitarra) e produtor musical (comanda todos os equipamentos para fazer a guitarra estar bem acompanhada), o que o levou, quase naturalmente, depois de cursar Publicidade, a dar aula sobre fenômenos sonoros na Faculdade de Comunicação Social da PUCRS. O autor, portanto, divide seu tempo entre fazer música e pensar a música. A academia pode até não gostar, mas ela está errada. Fazer e pensar são atividades plenamente compatíveis.

    A segunda convenção acadêmica atacada por Ticiano é a de que uma tese precisa ser impessoal e, de preferência, chata. O leitor desta obra encontrará, é claro, uma sólida base teórica para as reflexões do autor, devidamente embasada em citações de acadêmicos e escritores consagrados no campo da Comunicação Social, mas são as ideias de Ticiano a respeito de seus objetos de pesquisa que realmente interessam. Kiss, David Bowie e Lady Gaga aparecem neste livro como se fossem retratos em sequência cronológica de três grandes momentos do rock’n’roll e da música pop e, embora haja traços em comum nestes retratos, cada um deles revela um ambiente comunicacional bem diferente. Nenhum artista escapa de seu zeitgeist. Alguns poucos - como Bowie, que foi um camaleão estético e absorveu o espírito de vários períodos artísticos em sua longa carreira - ainda conseguem contribuir concretamente para o estabelecimento dessas bases espirituais. Kiss e Lady Gaga, talvez em menor escala numa perspectiva artística, mas em escala gigantesca em relação à indústria cultural, seguem os passos de Bowie. Ticiano conseguiu ver além das primeiras aparências e colocar os vídeoclips desse trio num mesmo caldeirão, tudo isso com um texto agradável e livre dos excessos formais que acadêmicos costuma usar à procura da tal seriedade chata.

    A terceira e última convenção vitimada por este livro é a especialização. Ticiano não centra sua pesquisa numa única concepção teórica, nem abraça um rijo trajeto metodológico. O conceito de mito, que vem da História, da Literatura e da Antropologia, já estabelece, no início do texto, uma visão interdisciplinar, que se estende por todo o trabalho. Atualizar o conceito mitológico, que nasce na Antiguidade junto com a civilização, não é uma tarefa fácil. Para dar conta do desafio, Ticiano cria a noção de artista total e nos explica que a música pop, hoje, sozinha, não vai a lugar algum. A música erudita ainda sobrevive às custas de ritmos, melodias e harmonias, mas o que milhões de adolescentes consomem em 2017 é uma salada pós-moderna de imagens digitais, figurinos espetaculares, shows cheios de tecnologia, páginas de fãs ensandecidos e… uma pitada de música. Essa pitada pode até ser a base de todo o resto, mas, pelo menos em alguns casos, é uma base muito mutável, que, sem uma partitura que a torne definitiva, navega pelas redes acompanhada de um séquito imenso de bits, criados por dezenas de pessoas, que fazem seu trabalho de forma anônima. Eles estão interessados em música? Não necessariamente

    É claro que o marketing e a publicidade fazem parte dessa salada pós-moderna. Há até um neologismo: adversong. Não há no texto um juízo moral sobre esse fato. Seria como acusar um jornal ou uma TV de exibir anúncios. O jogo da indústria cultural funciona assim. Quem não quiser jogar, que vá para Katmandu aprender meditação. Ticiano destaca a habilidade desses três artistas em controlar (mesmo que a equipe em volta seja gigantesca) a circulação de suas personas performáticas em todos os espaços midiáticos existentes ou que venham a existir em breve. Aliás, é justamente a preocupação com esses novos espaços, às vezes tão poderosos quanto efêmeros, que vai distinguir um marketing tradicional daquele utilizado por um artista realmente total.

    Este livro é indicado para quem gosta de música pop (mesmo que não goste dos artistas analisados) porque explica alguns fenômenos que fazem parte do nosso cotidiano. A cultura pop ocidental – se é que ainda há uma fronteira clara com a oriental - não é algo que podemos evitar ou apenas olhar criticamente. Ela é parte da vida em sociedade e participa de nossas relações pessoais, profissionais e com os diversos níveis de poder estatal. Podemos não gostar da língua de Gene Simmons, dos figurinos de Lady Gaga ou de alguma das encarnações de Bowie, mas, se não entendermos porque essas coisas existem e como conquistaram milhões de fãs, estaremos nos alienando das disputas políticas (inclusive as eleitorais) e econômicas que navegam junto com a salada pós-moderna que nos é servida todos os dias. Bom apetite!

    Carlos Gerbase

    (Doutor em Comunicação Social e professor da PUCRS)

    SUMÁRIO

    INTRODUÇÃO

    1. DOS MITOS AOS NOVOS MITOS

    1.1 Por uma conceituação do mito primitivo

    1.2 Gestação dos mitos

    1.3 Consolidando o mito através da sua naturalização: o papel do herói e os riscos que ameaçam a existência mítica

    1.4 Mito, processo histórico e ritual

    1.5 Os novos mitos nascem nas estrelas do cinema

    1.6 A estrela e o seu duplo

    1.7 Objetos de fé mítica e sua relação com as estrelas

    1.8 A estrela é um sol brilhante e quente

    1.9 Os novos mitos no campo musical

    1.10 Extendendo McLuhan para o campo musical

    1.11 O tripé virtuoso da extensão musical

    1.12 Linguagem e dialeto musical singular

    1.13 Os heróis da guitarra

    1.14 Por uma definição do herói musical e sua relação com a técnica

    1.15 Os heróis musicais do passado e o virtuoso

    1.16 Mitificação através do sacrifício do herói

    1.17 Por que interessa a discussão sobre o virtuosismo?

    2. DO ESPETÁCULO AO HIPERESPETÁCULO

    2.1 Por uma definição do espetáculo

    2.2 Teatro: impulso e representação

    2.3 A ideologia do espetáculo

    2.4 O personagem de ficção

    2.5 Ampliando o campo da atuação para a pintura e a música

    2.6 Caravaggio: encenação na pintura

    2.7 Rammstein: representação no videoclipe

    2.8 Madonna: videoclipe ao vivo

    2.9 O corpo em cena

    2.10 O espetáculo como simulação e imaginário

    2.11 Civilização do espetáculo e hiperespetáculo

    2.12 Dos mitos às celebridades

    2.13 O questionável e emblemático esvaziamento do projeto artístico

    2.14 Conteúdo hard em meio soft

    2.15 A indústria musical como espetáculo

    3. DA ÓPERA AO VIDEOCLIPE: A MITOLOGIA MUSICAL E OS ARTISTAS TOTAIS ATRAVÉS DOS TEMPOS

    3.1 Ópera: polifonia de sons e imagens

    3.2 Ópera e consumo doméstico: do texto ao som

    3.3 Árias: as ancestrais das canções pop

    3.4 Os arquétipos sonoros da ópera e a volta aos clássicos

    3.5 Retomando Wagner e seu projeto artístico

    3.6 Da Vinci: o artista plural

    3.7 Do e-producer ao artista total, e da mitologia ancestral à mitologia musical

    3.8 Adversongs: da música à publicidade e da publicidade à música

    3.9 Som, imagem e videoclipe: a neo-ópera contemporânea encapsulada do artista total

    3.10 Por uma metodologia analítica da ópera encapsulada: o videoclipe como oratório eletrônico do artista total

    3.11 David Bowie, Kiss e Lady Gaga: artistas totais através dos tempos

    4. ETERNIDADES POSSÍVEIS

    REFERÊNCIAS

    INTRODUÇÃO

    O livro que você vai ler é o resultado de um trabalho de paixão pela música, fruto da minha tese de doutorado, realizada no programa de pós-graduação em Comunicação Social (PPGCOM/Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, entre 2013 e 2017. A partir do presente estudo, buscarei compreender as articulações e tensões existentes nos mitos musicais contemporâneos para verificar a possibilidade de se traçar um paradigma de construção mítica pós anos 2000 que dê conta da pluralidade de propostas, plataformas e linguagens existentes atualmente. O conteúdo dispõe de três vértices da música para chegar a essa construção. Serão comparados os projetos artístico-musicais do compositor e intérprete multifacetado David Bowie com as atuações da banda de rock pesado Kiss e a cantora pop Lady Gaga. Nessa perspectiva, Bowie será apresentado como matriz de Kiss e Gaga. Ao longo do texto, demonstrarei que Gaga é um desdobramento de Kiss e Bowie, e que ela atualiza os mecanismos de atuação desses artistas como técnica de sobrevivência e pertinência frente a um mercado altamente fragmentado e volátil, como se encontra hoje o da indústria musical.

    Os capítulos estão estruturados conforme o que segue.

    Inicialmente, discutirei o mito. Essa abordagem ocorrerá mediante um caminho que parte dos mitos primitivos e que finaliza no que chamo de novos mitos (aqueles construídos pela indústria do cinema de Hollywood desde o século passado). Estudarei, também, a figura do herói e os arquétipos do inconsciente coletivo, estruturas que serão vitais para as análises posteriores. Igualmente significativo será o conceito de duplo (DOSTOIÉVSKI, 2013 [1846]), integrante das construções mitológicas na música. Parte dos resultados já figura neste capítulo, quando será apresentado um conceito autoral ao qual chamo de tripé virtuoso da extensão musical. Trata-se de um modelo aplicável ao campo musical que auxilia a compreender a jornada que os músicos percorrem para se tornarem objetos de culto e idolatria. Falarei, também, sobre a figura dos heróis da guitarra – exemplo icônico e ilustrativo que fez parte do imaginário musical entre os anos de 1980 e 1990. Nessa amostra, irei debater os conceitos de virtude e virtuosismo e sua relação com o campo mítico e sonoro.

    O segundo capítulo levanta as questões relativas ao espetáculo e propõe uma trajetória analítica que parte dele até chegar ao hiperespetáculo. Para compreensão desse fenômeno, vou recorrer a obras que versam sobre espetáculo, tecnologias do imaginário e teatro. Também vou propor uma aproximação entre a construção de personagens espetaculares e sua relação com os personagens dos romances.

    No terceiro capítulo meu olhar será direcionado para a fusão entre teatro, música e imagem. Partindo da ópera (em especial da estrutura de espetáculo total proposta por Richard Wagner) e desaguando no videoclipe, resgatarei conceitos que ajudem a compreender o papel da imagem utilizada na construção mítica. Essa mecânica se dará mediante uma apropriação de estruturas analíticas aplicadas no teatro, que, após apropriação, serão reconstruídas. O novo paradigma resultante dessa reconstrução vai delimitar certo tipo de videoclipes que servirão como modelos para compreender a imagem em movimento como ferramenta construtora das estruturas mitológicas musicais, encarando-os como um tipo de ópera encapsulada moderna. Como premissa básica, para figurar nessa categoria de análise, esses vídeos deverão apresentar os artistas atuando como protagonistas das imagens. Vou definir, também, o que entendo por artista total e mitologia musical.

    Por meio de uma estrutura de passado-presente, construirei os moldes analíticos que serão empregados na compreensão do mito, do espetáculo e da imagem como processos contínuos e interligados, no tempo e no espaço, necessários para a criação e manutenção dos mitos da música ou, como disse, dos artistas totais. Os artistas totais são os artistas musicais que se utilizam da estrutura da obra de arte total, na concepção de Wagner, e misturam música, teatro, dança, moda, comportamento, máscaras e uma criação conceitual extremamente arquitetada, que lhes confere uma aura mítica, isto é, a capacidade de vetorizar comportamentos humanos e ser objeto de iluminação, admiração e culto permanente.

    O videoclipe será considerado o epicentro, a condensação síntese desses projetos artísticos, uma vez que a sociedade está cada vez mais fascinada com o consumo e a produção de imagens, em especial aquelas em movimento. Nesse contexto, o videoclipe assume o papel do single¹ do passado, sendo uma espécie de oratório ao qual se retorna para seguir o processo de adoração, consumo e idolatria. Ele é, ainda, um cabide no qual podem ser pendurados conceitos, atitudes e produtos. Apresentarei o conceito de adversong, concebido por mim, que consiste na união entre música e publicidade, costurando, enfim, o campo da comunicação à presente pesquisa.

    Uma vez desenvolvidos todos os conceitos pertinentes ao estudo, passo à apresentação dos objetos recortados, para posterior análise. Os objetos dizem respeito a três videoclipes, sendo o primeiro de David Bowie, o segundo de Kiss, e o terceiro de Lady Gaga. Os vídeos selecionados servem para demonstrar não só os conceitos defendidos que defendi na tese, mas uma forma de ilustrar o videoclipe como reforço positivo do mito. Tem-se a seleção de um artista pop masculino, uma banda de rock e uma artista pop contemporânea, o que fornece um panorama satisfatório. Assim, forneço uma noção da importância funcional do videoclipe no processo artístico e mítico. Um dos pontos altos da pesquisa consiste na aproximação que proponho entre música pop, teatro e ópera, compreendendo os dois últimos como fontes paradigmáticas para a leitura e deciframento das imagens em movimento e, consequentemente, dos mitos da música pop.

    A partir dos recortes, é possível perceber que parto de um artista veterano (Bowie), seguindo para um grupo que continua em atividade desde a década de 1970 (Kiss) e finalizo com uma artista novata que tem menos de uma década de atuação (Gaga). Quando o projeto da tese iniciou, Bowie ainda estava vivo. Sua morte, no último ano da pesquisa, tornou o estudo ainda mais estimulante, uma vez que o artista planejou minuciosamente a sua saída da cena mundana e transmutação no panteão musical. A seleção dos objetos pretende apresentar três dimensões do campo musical artístico: um cantor/compositor consolidado, com décadas de atuação, que fez de sua vida uma obra de arte; um grupo de rock que, embora tenha percorrido caminhos alternativos, segue fiel ao seu projeto mítico inicial; e uma cantora que se declara assumidamente influenciada de forma direta por ambos. No decorrer do texto será possível verificar que esses três exemplos ilustram a proposta da tese de buscar o que chamo de artista total. Assim, os videoclipes escolhidos serão pensados como condensações das construções mítico-musicais dos artistas em questão. Portanto, o problema de pesquisa consiste em responder à seguinte questão: é possível construir um modelo mítico musical que dê conta do universo sonoro atual, altamente fragmentado e volátil?

    A motivação do projeto partiu de meus interesses pessoais e profissionais, uma vez que, além de docente e pesquisador, sou, também, produtor musical e compositor presente na cena artística desde o final da década de 1980. De lá para cá, atuei em bandas de rock e pop, produzi uma série de artistas, compus para teatro, dança e cinema, trabalhei como remixer e DJ e recebi uma série de prêmios e menções locais, nacionais e internacionais. Desde 2007, ministro regularmente, na Famecos/PUCRS, o Curso de Extensão em Produção Musical, com diversas edições já realizadas e dezenas de alunos formados.

    Minha tese fecha um ciclo iniciado no período da graduação (1994-1998) em comunicação social. Naquela oportunidade, elaborei uma monografia intitulada Kiss, o mito vivo, defendida em 1998, na qual analisei a banda Kiss como marca e mito. Dez anos após (2008-2010), apresentei minha dissertação de mestrado em comunicação social, intitulada Reconfigurações musicais: Os novos caminhos da música na era da comunicação digital, na qual pontuei as transformações ocorridas na indústria musical, entre 1900 e os anos 2000, sob o ponto de vista do produtor musical. Digo que a tese fecha um ciclo, pois, agora, de forma mais aprofundada, e com a maturidade que a vivência e os estudos posteriores proporcionaram, resgato e amplio os trabalhos anteriores, contribuindo, de forma autoral, com o paradigma do artista total atuante no campo musical. Esse movimento permite pensar relações íntimas entre mito, música, teatro, ópera, espetáculo, imagem, e publicidade e propaganda, com a comunicação social. Justifica-se a escolha do tema tendo em vista a sua pertinência e atualidade dentro de um campo de estudos interdisciplinares entre música e comunicação, campo que tem crescido cada vez mais, mas que ainda necessita de material para consulta e reflexão.

    Todo artista é um comunicador. Portanto, o tema do mito espetacular faz parte do universo comunicacional. Melo (2005) destaca que a pesquisa em comunicação compreende o estudo científico dos elementos que integram os processos de comunicação, ou, em outras palavras, a análise de todos os fenômenos relacionados ou gerados pela transmissão de informações, sejam dirigidas a uma única pessoa, a um grupo de pessoas, ou a uma massa populacional. Esse campo do saber envolve um espectro interdisciplinar do qual fazem parte a sociologia, a história, a psicologia, a antropologia e as artes (no meu caso específico, a música). Trata-se, pois, de transpassar as barreiras entre disciplinas vizinhas, a fim de promover uma legítima rede de conhecimentos que ajudem a compreender os complexos fenômenos comunicacionais que envolvem a vida em sociedade.

    Para realização desse estudo, os procedimentos metodológicos adotados consistiram em revisão bibliográfica, pesquisa em periódicos e artigos científicos, e busca de materiais documentais, incluindo histórias de vida.

    O trabalho é de cunho qualitativo que, segundo Bauer, Gaskell e Allum (2002), consiste naquele tipo de estudo que lida com interpretações das realidades sociais. Flick (2009) entende que esse tipo de abordagem pode envolver uma análise da experiência de indivíduos, ou grupos, sendo essa experiência relacionada a histórias biográficas, práticas cotidianas ou práticas profissionais. Tal direcionamento procura evidenciar e sistematizar como as pessoas constroem o mundo à sua volta. Esse levantamento pode ser feito a partir de pesquisa documental e bibliográfica, observação participativa (ou não), ou através de um olhar empírico direcionado ao campo em estudo.

    Assim como ocorreu na dissertação de mestrado, vou me servir, novamente, da proposta metodológica do pesquisador insider que, segundo Hodkinson (2005), é aquele que busca avaliar a sua própria prática ou analisa um cenário no qual se encontra inserido. Ela compreende aquelas pesquisas em que pesquisador e objeto pesquisado são próximos. Uma vez que sou produtor musical, considero a escolha apropriada. Hodkinson (2005) aponta que, quando o estudioso pesquisa a sua própria prática, tem-se a vantagem de conhecer o campo a priori, mas que esse conhecimento deve ser utilizado de forma cautelosa, a fim de que a pesquisa proporcione uma revisita ao que já é familiar e não apenas um olhar conformista e definitivo. Para evitar tal armadilha, seguirei um caminho sistematizado por Silva (2010): a pesquisa científica, na área da comunicação, compreendida como um processo de três fases.

    Na primeira fase, ocorre o que ele chama de estranhamento. Nessa etapa, o pesquisador se abstrai de seus valores e se despe de seus pré-conceitos. Assim, fica aberto a novas descobertas de forma mais imparcial e menos indutiva.

    A segunda fase é denominada de entranhamento. Essa etapa é descrita pelo autor (2010, p. 14) como um

    [...] procedimento compreensivo e fenomenológico de empatia por meio do qual o pesquisador mergulha no universo do outro [...], colocando-se no lugar desse outro para sentir aquilo que lhe escapa, viver a experiência que não é sua, e participar da diferença como repetição de uma vivência.

    A terceira fase é a do desentranhamento, que consiste em sair do outro e voltar a si, retomando seus valores, agora afetado pelo contato com o objeto pesquisado.

    Além disso, como já exposto, apresentarei uma metodologia própria de análise de construção mítica aplicada ao videoclipe, a partir de modelos do teatro, ópera, mito e espetáculo. Levando em conta todas as suas tessituras, os diálogos, ruídos, trilhas musicais, os enquadramentos, tratamentos de cor, edição e corte etc. Rose (2002) comenta que analisar esse todo é a complexidade de um filme, é mais do que um discurso. Trata-se de um amálgama complexo de texto, imagens visuais, sons, jogos de luz e sombra. Entende-se como uma salada de linguagens e, independente do esforço que se faça para laçar todos os detalhes e pertinências, o produto final de estudo será sempre uma simplificação, um conjunto de extratos ilustrativos. Como complementa Epstein (2005, p. 26), nenhum procedimento analítico deixa de ser reducionista. Para evitar ao máximo tal reducionismo, o livro irá propor uma metodologia própria de análise de videoclipes, destacando, oportunamente, quais extratos serão mais relevantes para uma aproximação satisfatória.

    Boa leitura e bem vindo ao mundo das estrelas mítico-musicais.

    1 Composição com alto potencial de venda e aderência. Pode significar, também, música de trabalho – nos anos 1960, chamado de compacto, constituído de duas faixas consideradas potencialmente comerciais. Utilizado, ainda, como sinônimo para material promocional utilizado pelos divulgadores de uma gravadora (PALUDO, 2010).

    1 - DOS MITOS AOS NOVOS MITOS

    O mito é um tema extremamente amplo, abordado sucessivamente por diversos autores e correntes. Para pensar os mitos, vou recorrer às abordagens propostas por Barthes (2009 [1957]), Eliade (2007, [1963]), Ziberman (1977) e Rocha (2008). Utilizarei, também, os estudos de Campbell (2008, 2007 [1949]), que auxiliarão na compreensão do papel do herói nas narrativas míticas. Morin (1989 [1957]) irá fornecer uma base sólida para a discussão sobre os mitos construídos a partir da indústria do entretenimento. Ao final do capítulo será possível compreender a relação existente entre os mitos primitivos, os novos mitos e como essas duas criações são referenciais para os mitos pertencentes ao campo da indústria da música.

    1.1 POR UMA CONCEITUAÇÃO DO MITO PRIMITIVO

    Para Eliade (2007), a palavra mito é empregada tanto no sentido de ficção/ilusão, como no de tradição sagrada ou modelo exemplar. Para muitas sociedades, o mito pode ser chamado de vivo, quando fornece modelos de conduta humana, conferindo valor e significação à existência. O mito é uma criação humana cultural legítima. Eliade (2007, p. 11, grifo do autor) arrisca uma conceituação (a que considera menos imperfeita) para o mito:

    O mito conta uma história sagrada; ele relata um acontecimento ocorrido no tempo primordial, o tempo fabuloso do princípio. [...] O mito narra como, graças às façanhas dos Entes Sobrenaturais, uma realidade passou a existir [...].

    Trata-se de uma narrativa de criação que relata como algo foi produzido e começou a ser/existir. Os personagens dos mitos, como dito, são entes sobrenaturais. Os mitos, portanto, dizem respeito a atividades criadoras, irrupções do sagrado nos primórdios do tempo humano. Essas irrupções fundamentam o mundo dos humanos no que ele é. É a partir das intervenções dos entes sobrenaturais que o homem é o que é hoje. Os mitos de formação (ou de origem) são chamados de cosmogônicos. O mito é considerado uma história sagrada e verdadeira, pois se refere à realidade. Como complementa Eliade (2007, p. 12, grifo do autor), "[...] o mito cosmogônico é verdadeiro porque a existência do Mundo aí está para prová-lo [...]".

    1.2 GESTAÇÃO DOS MITOS

    Zilberman (1977) defende que

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