Juventude e Mídia Tribunal: Considerações sobre a Violência a partir de uma Abordagem Televisual
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Juventude e Mídia Tribunal - Sheylla Mendes
Editora Appris Ltda.
1ª Edição - Copyright© 2017 dos autores
Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.
Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.
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COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO
À minha filha, Laura, para que possa viver, juntamente
com as outras crianças e jovens, repleta de direitos.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todas as pessoas que foram fundamentais para a construção deste livro.
À professora Tereza Queiroz, pela paciência e disponibilidade em me orientar nas diferentes etapas da minha formação.
Aos meus professores, em especial a Theophillos Rifiotis, que além de ter despertado, por meio das suas aulas, o meu interesse pela temática, manteve-se disposto em colaborar, sempre que solicitado.
A toda a minha família, que soube compreender os momentos em que estive ausente.
PREFÁCIO
A pesquisa realizada por Sheylla Mendes, agora apresentada neste livro, traz um tema de extrema importância para comunicadores, educadores, gestores públicos e demais interessados nos problemas de nossa juventude e no enfrentamento de questões sociais tão graves, como as da cidadania, da cultura democrática e dos direitos humanos. Uma delas diz respeito às elevadas taxas de mortalidade e de violência juvenis em que aparecem os jovens, especialmente aqueles dos segmentos mais pobres de nossa sociedade. Indo mais além do pânico moral com que, em geral, são encarados os jovens negros e pobres no Brasil, é preciso perceber as razões de estatísticas tão negativas e indicar as responsabilidades da sociedade e do Estado com a perpetuação desse estado de coisas. É no sentido de repensar tais questões que o presente trabalho traz uma contribuição importante e faz refletir sobre a complexidade da violência na sociedade contemporânea e sua articulação com a juventude, superando as perspectivas preconceituosas que estão impregnadas no senso comum.
A autora é professora de Sociologia na Universidade Federal de Campina Grande e tem se revelado uma pesquisadora original e dedicada, produzindo uma contribuição relevante para o conhecimento de nossa sociedade. Ingressou na docência em 2004, e continua a realizar pesquisas em que o tema da violência é revisitado, assumindo novos olhares e abordagens.
Nesta obra, a docente aborda a violência juvenil de um ângulo específico, o da perspectiva da mídia televisiva, especialmente dos programas que noticiam e abordam temáticas sobre casos de violência em geral. Pelo destaque que essas transmissões dão ao tema, faz-se necessária uma análise sobre a forma com que os sujeitos apresentados são focalizados. A escritora se deteve na observação cuidadosa de vários programas que vêm sendo veiculados nos últimos anos e, usando uma metodologia de análise pertinente ao estudo de programas televisivos – que envolve diversos elementos, como enquadramentos, discursos, sons, cores e cenários –, dissecou suas diferentes dimensões para entender quais sentidos se buscam construir com essa arquitetura de comunicação.
O poder da mídia televisiva na formação da opinião pública é bem conhecido no Brasil, sendo imprescindível a análise dessa contribuição, seja na direção de um debate qualificado e responsável ou como mera reprodutora de estigmas e preconceitos já difundidos na sociedade.
Neste trabalho, dois aspectos podem ser destacados: o programa é analisado a partir de questões sociológicas de fundo, com apoio em autores consagrados na abordagem dos temas, como Pierre Bourdieu, Patrick Champagne, Sérgio Adorno, Antônio Fausto Neto, Nilo Batista e outros, e a cuidadosa metodologia utilizada, que confere excelente base empírica para as análises e interpretações realizadas.
Evidenciou-se, assim, que no programa televisivo estudado nesta pesquisa os recursos discursivos, visuais e sonoros são empregados sucessiva e simultaneamente na construção de um sentido único dos fatos apresentados, dificultando ao telespectador uma fuga ou um questionamento. Esse fato contraria uma comunicação pensada para a formação crítica, cidadã, que deveria fornecer elementos para a reflexão, demonstrando a complexidade dos temas abordados, sem pretender controlar os corações e mentes de seus espectadores, com a atribuição de sentidos unívocos e massificados aos fatos.
Na abordagem da autora, a composição cenográfica e discursiva do programa estudado pode ser pensada como uma espécie de mídia tribunal
, em que os elementos de acusação e de expertise estão presentes, mas a voz do réu e de sua defesa é emudecida, sem possibilidade de apresentação de qualquer contraditório. Há uma espécie de condenação por antecipação, e os personagens, representações e roteiros são repetidamente anunciados, construindo uma verdade
da qual não podemos escapar.
Os jovens, supostamente autores de violência, têm suas imagens veiculadas, muitas vezes em situações constrangedoras, com destaque para aspectos que comporiam uma imagem da delinquência, tal como representada pelo senso comum e pela mídia: bonés cobrindo a testa, tatuagens, cortes de cabelo associados a grupos de favelas, situações em delegacias de polícia, sendo alvos de questionamentos jocosos e violentos por repórteres da emissora analisada. O fundo musical, quando usado, remete, em geral, a um clima de suspense, de perigo, de sensacionalismo. A fala do emissor e de outras autoridades convocadas a opinar, como juízes, psicólogos, entre outros, é de julgamento, de alguém que detém a autoridade do lugar da fala, em total desrespeito à dignidade da pessoa acusada, que não é pensada como sujeito de direito, de contrapor outra versão do relato. No caso dos jovens focalizados, eles não são vistos como sujeitos em formação, com histórias próprias de exclusões, violências e de abandonos familiares e institucionais.
O trabalho desconstrói a suposta objetividade da imagem televisiva (demonstrando como existe seletividade e construção de sentidos), que procura controlar o que é veiculado e favorecer a difusão de uma visão preconceituosa e moralizante sobre os mais pobres, em especial adolescentes e jovens. Podemos falar assim de uma violência simbólica, de extrema gravidade, que se produz contra a parcela mais desfavorecida da sociedade.
Tereza Correia da Nóbrega Queiroz
Professora da Universidade Federal da Paraíba e do
Programa de Pós-Graduação em Sociologia – PPGS/UFPB
APRESENTAÇÃO
São muitos os programas jornalísticos divulgados pela TV, que focalizam a criminalidade e a violência, em geral, em um tom sensacionalista e comandados por jornalistas âncoras, que passam a ter uma influência decisiva sobre a opinião pública, conforme atestam seus elevados índices de audiência. Ressalto o destaque que vem sendo dado à criminalidade e à violência juvenis, construindo-se um discurso sobre os jovens de origem popular, apresentados como protagonistas principais de atos de violência. Essa constatação traz um questionamento sobre as representações e imagens produzidas por esses programas: até que ponto eles contribuem para uma cultura de cidadania ou, pelo contrário, alimentam os estigmas sobre esses jovens, apresentando-os, de forma indiscriminada, como violentos?
Este livro tem o propósito de analisar o tipo de abordagem feita pela mídia televisual em situações nas quais jovens de origem popular aparecem envolvidos em casos de violência.
O texto aborda que, ao enfocar os jovens, o programa investigado acaba exercendo as funções de julgar e condenar, próprias do judiciário, passando a atuar como uma espécie de mídia tribunal. No espaço do programa, pode ser encontrada a figura dos réus (os jovens envolvidos em ocorrências de violência), de promotores, testemunhas de acusação e juízes, tal como acontece nos tribunais legítimos.
Esta obra certamente poderá contribuir para a análise das linguagens verbais, visuais e sonoras utilizadas pelos programas televisivos para produzir sentido e realizar um julgamento a respeito dos jovens. Além disso, esta leitura pode colaborar com os profissionais que atuam nos meios de comunicação, para que possam avaliar as abordagens sobre esse fenômeno, assim como as consequências desse enfoque, principalmente por evidenciar que as atitudes de violência podem estar não somente nos fatos cometidos ou sofridos pela juventude, mas também na própria forma como eles vêm sendo representados.
O desafio colocado aos profissionais que atuam veiculando a questão da violência juvenil, na sociedade atual, é o de evitar a defesa pura de métodos repressivos e evidenciar que essa situação é também resultante da negação de direitos a uma parte considerável dos jovens. Creio que este livro contribuirá com esse processo e, consequentemente, com a ampliação da cultura de direitos e da cidadania.
Sheylla Maria Mendes
Sumário
INTRODUÇÃO
capítulo 1
MÍDIA, VIOLÊNCIA E JUVENTUDE
1.1 Mídia e contemporaneidade.
1.2 Juventude e violência: jovens pobres no Brasil, condições sociais e exposições midiáticas
1.3 A violência: questões conceituais
capítulo 2
MÍDIA E SOCIEDADE: DIREÇÕES METODOLÓGICAS NA ANÁLISE DE PROGRAMAS TELEVISIVOS
2.1 O processo de coleta de dados e análise da linguagem televisiva
capítulo 3
O PROGRAMA INVESTIGADO E A MÍDIA TRIBUNAL: OS JULGAMENTOS DOS JOVENS DE ORIGEM POPULAR
3.1 Apresentação e contextualização do programa
3.2 O programa investigado, a sociedade e os jovens em conflito com a lei
3.3 O programa e seus atores: o apresentador, a equipe de reportagem, os jovens
3.3.1 O programa
3.3.2 O apresentador
3.3.3 A equipe de reportagem
3.3.4 Os jovens
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
Na sociedade moderna, a juventude passou a ser definida como uma etapa intermediária entre a infância e a vida adulta, portadora de determinados atributos comuns. Entretanto, a generalização de um modelo único de juventude vem sendo questionada pela diversidade de situações vivenciadas atualmente pelos jovens, divergentes em termos de classes sociais, gêneros, estilos de vida etc. Também se observa, nos meios de comunicação de massa, a divulgação de uma diversidade de imagens juvenis, que variam de acordo com a inserção social, de gênero ou orientação sexual dos jovens representados. Também, ao longo do tempo, os modelos de comportamentos juvenis vêm se modificando.
Especificamente no contexto brasileiro, a década de 60 revelou-se como um momento crucial no modo de se conceber a atuação da juventude, sobretudo porque foi uma época marcada por importantes ações do movimento estudantil e pela visibilidade dada às ações políticas de alguns grupos de jovens que buscavam a construção de uma nova sociedade. Esse grupo etário teve reconhecido destaque nas manifestações contra a ordem social dominante, revolucionando os usos e costumes. A atuação